Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0754/19.0BECBR
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DECISÃO
CASO JULGADO
INCUMPRIMENTO
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estarem em discussão questões dotadas de complexidade jurídica e de relevância social e jurídica fundamental, dado, por um lado, envolverem o cotejo e articulação de variado quadro normativo e, por outro lado, revelarem ser possuidoras de impacto sociocomunitário em várias dimensões, até pelas consequências que possam ser geradas em decorrência e aplicação da concreta decisão cautelar na eficácia e execução das medidas de proteção fitossanitárias tomadas.
Nº Convencional:JSTA000P26277
Nº do Documento:SA1202009100754/19
Data de Entrada:07/29/2020
Recorrente:MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS
Recorrido 1:A..............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, [doravante Executado] invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 29.05.2020 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 607/633 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso que havia dirigido por inconformado com decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [doravante TAF/C] que havia julgado «improcedente a oposição à execução deduzida pelo Executado» e declarado «a nulidade dos atos que foram notificados ao Exequente através do ofício com a referência n.º OF/71/2020/NAJ e com o n.º de saída 000884, de 31/01/2020 (ato que procedeu à revogação do despacho cuja eficácia foi suspensa), e através do ofício com a referência n.º OF/56/2020/DAAP e com o n.º de saída 000910, de 04/02/2020 (ato que impôs ao Exequente o cumprimento de condicionantes à circulação de produtos vegetais), ambos subscritos pelo Diretor Regional de Agricultura e Pescas do Centro», condenando «o Executado a dar cumprimento à sentença exequenda, abstendo-se de informar ou, direta ou implicitamente, compelir o Exequente no sentido da não comercialização das suas plantas sãs do ponto de vista fitossanitário, até, caso a tal nada obste, à decisão final a proferir no processo principal».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 641/683] não só na relevância jurídica e social da questão, mas, também, «para uma melhor aplicação do direito» [fundada não apenas na nulidade de decisão (arts. 615.º e 619.º do Código de Processo Civil - CPC), mas, ainda, no erro de julgamento quanto ao que foi in casu a apreciação e aplicação feita do quadro normativo, nomeadamente, dos arts. 02.º, 07.º, 08.º, n.ºs 1 e 3, 120.º, 127.º do CPTA, 161.º, n.º 2, al. i), e 164.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA/2015), 04.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia [TFUE], 14.º e 18.º do Regulamento (UE) n.º 2016/2031, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.10, 07.º, n.º 1, al. d), subal. i), do DL n.º 154/2005, de 6.09, bem como os pontos 10.1 da Secção II da Parte A do anexo IV ao referido DL (neste caso na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 137/2017, de 8.11), e 18 do anexo VIII do Regulamento de Execução (UE) 2019/2072, atentando ainda os princípios da justiça e da separação de poderes].

3. O Exequente, A…………, aqui recorrido, produziu contra-alegações [cfr. fls. 729/766], nelas pugnando, desde logo, pela não admissão da revista.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/C no quadro do procedimento cautelar havia proferido decisão, datada de 15.01.2020 e, entretanto, transitada em julgado, a deferir «a providência cautelar requerida de suspensão do ato comunicado ao requerente pelo ofício n.º OF/454/2019/DAAP, pelo qual lhe foi imposta a adoção de uma das medidas de proteção fitossanitárias ali constantes» [cfr. fls. 276/305], sendo que na sequência de requerimento apresentado pelo Exequente, ora recorrido, para execução daquela decisão cautelar [cfr. fls. 319/364] veio a ser proferida, em 13.03.2020 [cfr. fls. 446/470], a decisão objeto de impugnação apreciada e confirmada pelo acórdão recorrido, decisão essa que considerou, por um lado, que «os atos praticados pelo Executado após a prolação e notificação da sentença exequenda não dão cumprimento ao julgado cautelar, como defende o Exequente, sendo antes, aliás, atos desconformes com a sentença ou atos que mantêm, sem fundamento válido, a situação ilegal», constituindo o que «consta do ofício com a referência n.º OF/56/2020/DAAP, de 04/02/2020 … um verdadeiro ato administrativo e não um mero ofício informativo» visto «compulsado o seu teor, constatamos que o referido ato não só leva ao conhecimento do Exequente o conteúdo do Despacho n.º 1525-B/2020 … a respeito da aprovação da lista das freguesias que constituem a zona demarcada relativamente à infestação de Trioza erytreae, como também impõe ao Exequente, porque titular de uma exploração de produção de material vegetativo na zona demarcada, o cumprimento de um conjunto de condicionantes à circulação de determinados produtos, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 154/2005 … conjugado com o Regulamento (UE) n.º 2016/2031», e que, por outro lado, que «o ato notificado pelo ofício de 04/02/2020 (conjugado com o ato revogatório do ato primitivo suspenso) conduz, na prática, já depois de proferida a sentença que suspendeu, provisoriamente, a eficácia do ato originário de 15/10/2019, às mesmas consequências a que a execução deste ato suspenso, por sua vez, conduziria, as quais se traduzem, no essencial, na criação de obstáculos efetivos à comercialização dos produtos sãos do Exequente», termos em que «traduzindo-se a execução da sentença judicial proferida nestes autos, por um lado, na possibilidade do Exequente comercializar os seus produtos, sem qualquer entrave a essa comercialização em consequência da necessidade de manter tais produtos abrigados num local com proteção física adequada durante, pelo menos, um ano (e sem qualquer necessidade da sua destruição), e, por outro lado, na abstenção, pelo Executado, no período em que vigorar a suspensão de eficácia, da adoção de quaisquer medidas tendentes a obstaculizar a referida comercialização, impõe-se concluir que os novos atos notificados ao Exequente através do ofício com a referência n.º OF/71/2020/NAJ, de 31/01/2020, e pelo ofício com a referência n.º OF/56/2020/DAAP, de 04/02/2020, aqui em escrutínio, vão diretamente contra os efeitos decorrentes da suspensão de eficácia do ato primário de 15/10/2019, assim ofendendo o caso julgado resultante da decisão cautelar». E conclui que os «novos atos que foram notificados ao Exequente através do ofício com a referência n.º OF/71/2020/NAJ, de 31/01/2020 (ato que revogou o ato cuja eficácia foi suspensa), e através do ofício com a referência n.º OF/56/2020/DAAP, de 04/02/2020 (ato que impôs novas condicionantes à circulação dos produtos vegetais), são atos desconformes com a sentença cautelar e que incorrem em ofensa ao caso julgado, devendo, nessa medida, ser declarados nulos, nos termos legais [art. 164.º, n.º 3, do CPTA e art. 161.º, n.º 2, alínea i), do CPA] (conclusão esta que consome, na prática, a alegada violação dos arts. 122.º e 128.º do CPTA e dos princípios da boa-fé, da justiça e da tutela jurisdicional efetiva)».

7. O Executado, aqui ora recorrente, funda a necessidade de admissão da presente revista não só na relevância jurídica e social da questão, mas, também, na melhor aplicação do direito, acometendo-o de erro de julgamento nos termos supra elencados.


8. Discute-se nos presentes autos, assim, como pelo menos noutros dois processos [com os n.ºs 735/2019.4BECBR e 738/2019.9BECBR] também já pendentes neste Supremo Tribunal, o invocado incumprimento de decisão cautelar de decretação de providência transitada em julgado ante o seu valor e eficácia/efeitos, considerando a emissão por parte do Executado, entretanto ocorrida, de ato revogatório do ato suspendendo e, bem assim, de um «novo ato», ato esse cuja qualificação como constituindo um novo ato administrativo e que o mesmo seja regulador da situação em desrespeito da decisão cautelar se discute, bem como daquilo que são os poderes da Administração nesse contexto e ante as obrigações e vinculações do Estado Português no quadro da União em termos do assegurar a observância e o cumprimento das medidas de proteção contra pragas dos vegetais, mediante o estabelecimento e efetivação de condicionantes à circulação dos produtos e tomada de outras medidas, incluindo sancionatórias no caso de ocorrer a sua violação.

9. Tais matérias e questões gozam de relevância social e jurídica fundamental, revelando-se ser possuidoras de impacto sociocomunitário em várias dimensões, até pelas consequências que possam ser geradas em decorrência e aplicação concreta da decisão.

10. E trata-se igualmente de matéria dotada de complexidade e cuja elucidação assume relevo jurídico, sendo que a mesma se mostra como suscetível de ser repetível e recolocada em casos futuros, reclamando a necessária intervenção deste Supremo Tribunal.

11. Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 10 de setembro de 2020
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e José Augusto Araújo Veloso]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho