Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02243/15.3BEPRT
Data do Acordão:09/09/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24853
Nº do Documento:SA12019090902243/15
Data de Entrada:07/03/2019
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A……….. intentou, no TAF do Porto, contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES [CGA], acção administrativa especial pedindo a anulação da “Junta Médica convocada pela Ré nos termos do Decreto-Lei nº 503/99 de 20/11” e a condenação da CGA a “determinar que o processamento e pagamento da pensão de invalidez devida ao A. seja efetuado com observância das disposições especiais sobre reforma dos subscritores militares, e, nomeadamente, com observância do disposto nos artigos 127º e seguintes do Estatuto da Aposentação Pública”.

O TAF julgou a acção procedente e, em consequência, anulou a referida Junta Médica e condenou a CGA a apreciar o pedido do Autor de acordo com as disposições do Estatuto da Aposentação na versão anterior à do Decreto-Lei 503/99.

E o TCA Norte, para onde a CGA apelou, manteve essa decisão.

É desse Acórdão que a Ré vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Autor sofreu uma emboscada em Angola durante o cumprimento do serviço militar, o que deu origem à instauração de um procedimento destinado a determinar as consequências desse acidente para a sua capacidade de trabalho. Na sequência dos exames a que foi submetido no Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais foi-lhe certificada uma DP decorrente do mencionado acidente e atribuída uma IPP de 20%”, o que foi homologado por despacho, de 13/11/2012, do Sr. Ministro da Defesa Nacional.
Remetido o processo à CGA o Autor foi submetido a nova Junta Médica – cujo resultado que Autor quer ver anulado - a qual concluiu que “Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções. Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho. Das lesões apresentadas foi atribuído o coeficiente de 0%, uma vez que não são passíveis de qualquer desvalorização, de acordo com o Capítulo IV nº 8.1 e nº 8.2 da T.N.I.”
Inconformado, o Autor intentou esta acção pedindo não só a anulação daquela Junta Médica como a condenação da CGA a aceitar que o processamento e o pagamento da pensão de invalidez que lhe era devida se efectuasse com observância das disposições especiais sobre reforma dos subscritores militares, nomeadamente, com observância do disposto nos artigos 127º e seguintes do Estatuto da Aposentação. Para o que sustentou que ao seu processo de atribuição de pensão por invalidez se aplicava o Estatuto da Aposentação e não o regime previsto no DL 503/99 uma vez que, por um lado, nunca foi subscritor da CGA e, por outro, o artigo 56.º daquele DL criou um regime transitório que manteve em vigor as normas daquele Estatuto reguladoras da atribuição das pensões extraordinárias de aposentação ou reforma e das pensões de invalidez referentes a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor.

O TAF julgou a acção procedente com a seguinte fundamentação:
“Ou seja, em suma, sendo possível determinar que os factos que causaram a doença ocorreram antes de 2000, aplicar-se-á o Estatuto da Aposentação e não o DL 503/99.
Conforme resulta do probatório, a surdez diagnosticada ao Autor foi atribuída a traumatismos acústicos ocorridos em campanha, entre os anos de 1969 e 1971, não constando dos relatórios médicos qualquer referência a incidentes posteriores.
Assim, tendo em conta que foi certificado que a doença profissional que afecta o Autor foi causada durante o serviço militar e pelo seu desempenho; que foi estabelecido nexo de causalidade entre as sequelas e o referido serviço militar; que este foi cumprido entre 1969 e 1971, quando cessou a exposição aos factores de risco que desencadearam a doença; consideramos, na esteira da jurisprudência antes citada e pelas razões de direito supra expostas, que a situação é enquadrável na previsão excepcional da parte final do número 2 do artigo 56.º do DL nº 503/99, de 20 de Novembro, devendo a entidade demandada decidir a pensão do Autor de acordo com esta norma e com a versão do Estatuto da Aposentação anterior a tal Decreto-Lei.”

Decisão que o TCA confirmou pelas razões que se destacam:
“O cerne da presente liça consiste em saber, conforme bem se refere na decisão recorrida, se ao processo de pensão por invalidez do ora recorrido se aplica o Estatuto da Aposentação Pública ou, como sustentou a Recorrente e continua a sustentar no presente recurso se deve aplicar o regime previsto no D.L. n° 503/99, de 20 de Novembro.
Esta questão foi já, abundantemente tratada na jurisprudência dos Tribunais Administrativos, .....
Como bem refere o recorrido nas contra-alegações, o aqui Recorrente - CGA, l.P. - interpôs recurso de revista do supra mencionado Acórdão proferido pelo TCA Sul; admitida a revista o S.T.A., em 19-06-2014, proferiu Acórdão, no âmbito do Proc. n° 01738/13, do qual se extrai o seguinte:
(...)
“O DL n° 503/99, de 20/11, estabelece o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais ocorridas ao serviço da Administração Pública (art. 1º), introduzindo na ordem jurídica uma nova regulação da matéria, substitutiva do regime consagrado no Decreto - Lei n° 38.523, de 23/11/1951.
E, no modelo de regime transitório que adoptou, nos termos do supra transcrito artigo 56°, as proposições normativas relativas aos acidentes em serviço, revelam inequivocamente, a intenção de a lei nova dispor apenas para o futuro, visando só os factos novos.
Na verdade, em primeiro lugar, o preceito manda que o diploma se aplique aos acidentes em serviço que ocorram após a respectiva entrada em vigor [56°/1/a)]. Em segundo lugar, do mesmo passo que altera (art. 54°) e revoga (art. 57.º/2) os artigos do Estatuto da Aposentação que regiam a reparação dos acidentes e doenças profissionais permanentemente incapacitantes, prescreve a respectiva sobrevigência determinando que “as disposições do Estatuto da Aposentação revogadas ou alteradas mantêm-se em vigor em relação às pensões extraordinárias de aposentação ou reforma, bem como às pensões de invalidez atribuídas ou referentes a factos ocorridos antes da entrada em vigor do presente diploma” (art. 56°/2).
Deste modo, quanto aos acidentes em serviço, as disposições da lei, pela clareza do seu texto e pelo modo coerente como se articulam, revelam, como diz o acórdão recorrido, a intenção de incluir no novo regime as novas situações e manter o velho regime para as velhas situações.
...
Na parte final do n° 2 do artigo 56° do DL 503/99, o legislador manda aplicar as disposições Estatuto da Aposentação, alteradas ou revogadas, às pensões referentes a factos ocorridos antes da entrada em vigor do diploma, sem distinguir entre acidentes em serviço e doenças profissionais, comando que sugere que o seu pensamento foi o de submeter as pensões por acidentes em serviço e as pensões por doenças profissionais a idêntico regime transitório, deixando os factos passados para a lei velha e sujeitando à lei nova apenas os factos futuros.
......
2.2.3. Posto isto, de regresso ao caso concreto em apreciação, apesar da diferença no caminho interpretativo, temos por certa a decisão do acórdão recorrido de condenar a entidade demandada a decidir a pensão do autor de acordo com o artigo 56°, n° 2, do DL n° 503/99 e com a versão do Estatuto da Aposentação anterior a tal Decreto-Lei.
Tendo em conta que está provado (i) que apesar do diagnóstico final ser posterior a 1 de Maio de 2000, data em que entrou em vigor o DL n° 53/99, de 20 de Novembro, (ii) a Junta Médica concluiu que a doença profissional que afecta o autor - otite média crónica bilateral - foi por ele contraída durante o serviço militar e por motivo do seu desempenho, (iii) que há nexo de causalidade entre as sequelas otológicas que apresenta e a sua permanência no serviço militar, (iv) que este foi cumprido entre 1.8.1972 e 29.11.1974 e que, (v) por consequência, nesta última data cessou a exposição aos factores de risco que desencadearam a doença, consideramos, pelas razões de direito supra expostas, que a situação é enquadrável na previsão excepcional da parte final do n° 2 do a 56° do DL n° 53/99, de 20 de Novembro.”

No caso em apreço, e conforme se refere na decisão recorrida, resultando do probatório que a surdez diagnosticada ao ora recorrido foi atribuída a traumatismos acústicos ocorridos em campanha, entre os anos de 1969 e 1971, não constando dos relatórios médicos qualquer referência a incidentes posteriores e tendo em conta ter sido certificado que a doença profissional que afecta o ora Recorrido ocorreu durante o serviço militar, tendo sido causada pelo seu desempenho, bem como ter sido estabelecido nexo de causalidade entre as sequelas e o referido serviço militar, cumprido no período supra referido, tendo cessado a exposição aos factores de risco que desencadearam a doença em 1971, não vê razão este Tribunal para divergir da jurisprudência supra parcialmente transcrita, sendo a situação do Recorrido enquadrável na parte final do n° 2 do art° 56º do DL n° 503/99, de 20 de Novembro, pelo que, conforme bem se decidiu na sentença recorrida, a Recorrente deve decidir a pensão do aqui Recorrido de acordo com o aludido n° 2 do artigo 56º e com a versão do Estatuto da Aposentação anterior ao D.L, n° 503/99, de 20 de Novembro.”

3. A CGA não se conforma com esse Acórdão, pelo que pede a admissão desta revista para a qual formula, entre outras, as seguintes conclusões:
“B - Tomando comparativamente as 2 normas acima evidenciadas, respetivamente aplicáveis às situações em que tenha ocorrido acidente em serviço e às decorrentes de doença contraída em serviço, torna-se fácil verificar que, por se tratar de situações causadas por eventos de natureza desigual na sua génese, o legislador teve a intenção de lhes aplicar um tratamento igualmente distinto como forma de reparar correspetivamente essa diferença.
D – A, ora, Recorrente não podia ter reconhecido ao recorrido o direito a uma pensão de invalidez nos termos do n.º 2 do artigo 56.º do DL n.º 503/99, de 20/11, uma vez que o despacho de 25 de Novembro de 2013, proferido no Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais do ISS – IP, que reconheceu, com base no diagnóstico final, a doença do recorrido como adquirida em serviço, é posterior à entrada em vigor – 1 de Maio de 2000 – do aludido Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, ou seja, a partir de 8 de Novembro de 2013,data do início da doença profissional.
E – Donde, sendo o regime aplicável ao recorrido o previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro –, nos termos do artigo 56.º, alínea b) –, e não o do Estatuto de Aposentação, outra não poderia ter sido a posição da recorrente CGA.”

4. A questão controvertida nos presentes autos é a de saber qual o regime jurídico aplicável à atribuição de pensão de invalidez decorrente de uma IPP resultante de serviço militar prestado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, mas cujo diagnóstico final foi feito após a sua entrada em vigor (no caso, o serviço militar foi prestado entre 1969 e 1971 e o diagnóstico final foi feito em 2012).
As instâncias, de forma coincidente e com base numa fundamentação semelhante, decidiram que “sendo a situação do Recorrido enquadrável na parte final do n° 2 do art° 56º do DL n° 503/99, de 20 de Novembro, a Recorrente deve decidir a pensão do aqui Recorrido de acordo com o aludido n° 2 do artigo 56º e com a versão do Estatuto da Aposentação anterior ao D.L, n° 503/99, de 20 de Novembro.”
Numa situação idêntica à que agora se nos apresenta esta Formação já decidiu que, “na perspectiva dos pressupostos do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, a situação descrita apresenta por ser uma questão jurídica de importância fundamental. Além disso, tal como assinala a recorrente e resulta das decisões das instâncias, o problema foi já suscitado em vários casos e é susceptível de continuar a verificar-se. Tudo aponta, pois, como objectivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal. Acórdão de 31/01/2014 (rec. 1738/13)

E o Acórdão que apreciou essa questão decidiu que “A despeito do previsto na alínea do nº 1 do artigo 56º do DL nº 503/99, de 20 de Novembro e de o diagnóstico final se fazer depois da data da entrada em vigor do diploma, sempre que nesse exame se determine, a posteriori, que os factos causalmente relevantes que foram condição da doença profissional ocorreram, todos eles, antes do início da vigência da referida lei nova, a situação é enquadrável na previsão excepcional da parte final do nº 2 do mesmo preceito e a pensão relativa à doença profissional deve decidir-se de acordo com as disposições do Estatuto da Aposentação na versão anterior à daquele Decreto-Lei.”
Sendo assim, e sendo que o Acórdão recorrido seguiu essa jurisprudência que, aliás, cita não se justifica a admissão do recurso.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Porto, 9 de Setembro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.