Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/20.4BALSB
Data do Acordão:05/26/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27763
Nº do Documento:SAP20210526062/20
Data de Entrada:07/02/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), Requerida nos autos de processo arbitral, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) sob o n.º 824/2019-T, onde é Requerente A………, tendo sido notificada da decisão arbitral proferida no processo em referência, e com a mesma não se conformando, vem, nos termos do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência da decisão arbitral para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Alegou, tendo concluído:
“A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão recorrida e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição
B. Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos suscetível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.
C. No caso vertente encontram-se reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição entre a Decisão arbitral 824/2019-T e a Decisão arbitral n.º 539/2018-T. Vejamos:
D. Entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, ou seja, em ambas as situações estamos perante casos de tributação de mais-valias resultantes de venda de imóveis situados em Portugal por residentes em Estados-Membros da União Europeia, (Espanha e Reino Unido e Irlanda respetivamente) tendo sido aplicada a taxa de 28% ao rendimento coletável, conforme melhor se explicitou nas alegações para cuja leitura se remete.
E. Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito, a não aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias em 50%, de acordo com a previsão do artigo 43º, nº 2 do Código do IRS, a residentes fiscais noutro Estado-Membro da União Europeia.
F. Enquanto que na decisão fundamento se considera que a opção de escolha do melhor dos regimes de tributação que é facultada pelo legislador nacional ao não residente não implica uma violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação, julgando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
G. Na decisão recorrida entendeu-se que esta opção de escolha do regime de tributação, não afasta o efeito discriminatório da diferenciação dos regimes previstos na legislação doméstica entre residentes e não residentes, decidindo a favor da pretensão dos Requerentes do processo arbitral.
H. Em suma, entre a decisão recorrida e a decisão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento propugnado pela AT em sede arbitral, bem como de acordo com a fundamentação invocada na Decisão Fundamento.
I. O regime de tributação dos ganhos resultantes das mais-valias imobiliárias, que tenham como fonte imóveis situados em Portugal obtidas por pessoas singulares, residentes em Portugal e por pessoas singulares residentes na União Europeia, estabelece que no caso dos contribuintes residentes, os rendimentos provenientes de mais-valias imobiliárias, se bem que sejam considerados em 50%, são obrigatoriamente englobados, isto é, somados aos demais rendimentos, sendo este somatório, e não apenas aquele saldo, sujeito a taxas progressivas, que vão até 48%, às quais pode acrescer uma taxa que tem como valor máximo 5%, pelo que a taxa marginal de imposto aplicável àqueles rendimentos poderá ascender a 53%.
J. Importa desde já referir, a bem da verdade que a tributação das mais-valias imobiliárias, auferidas por residentes na União Europeia, foi já foi objeto de apreciação, no que respeita à conformidade e do direito fiscal português com as disposições do Direito da União, e particularmente, com a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º TFUE, no Acórdão Hollmann - Proc. C 433/06.
K. Todavia, o quadro legal vigente à data daquele Processo Hollmann não é o que atualmente vigora porquanto, na sequência da decisão, desse Tribunal, naquele Processo, datada de finais do ano de 2007, foram introduzidas, pela Lei n.º 67-A/ 2007, de 31 de dezembro, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2008, as alterações ao Código do IRS que constam, atualmente do artigo 72. n.ºs 12 e 13.
L. Essas alterações legislativas vieram introduzir um regime que permite a um contribuinte residente no Estado-Membro não ser sujeito a um tratamento menos favorável do que aquele que seria aplicado a um residente em Portugal que se encontrasse em idênticas condições.
M. A conformidade do regime introduzido pela Lei nº. 67-A/2007, de 31 de dezembro, no artigo 72.ºdo CIRS encontra a sua justificação na ratio legis do artigo 43.º n.º 2 do mesmo Código, uma vez que sendo o ganho de mais-valia tributável apenas no momento da sua obtenção, e sendo o IRS um imposto único e progressivo, o legislador português entendeu que seria excessivamente oneroso relativamente à tributação que incidiria sobre estes rendimentos caso fossem obtidos de forma faseada ao longo do período de detenção do imóvel.
N. Foi justamente esta circunstância que, desde sempre, determinou que o saldo positivo das mais-valias de bens imobiliários fosse englobado (somado aos demais rendimentos) em 50% do seu valor, para efeito de determinação da taxa progressiva, à qual todos os rendimentos, e não apenas aqueles saldo, seriam sujeitos para apurar o imposto devido sendo esta regra de determinação do rendimento coletável (o rendimento ao qual se aplicam as taxas progressivas) inserida no artigo 43.º n . º 2 do CIRS.
O. E, daí, a consideração do saldo em 50% só fazer sentido para os contribuintes que sejam tributados de acordo com as taxas progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, isto é no caso dos contribuintes residentes, que são os únicos obrigados a englobar aquele saldo (cf. artigo 22.º do CIRS), sem possibilidade de verem esse saldo tributado a uma taxa proporcional,
P. Ou, ainda, para os contribuintes residentes noutro Estado-Membro da União Europeia que escolherem ser tributados por aplicação de uma taxa proporcional ao saldo positivo das mais-valias relativamente aos quais, por natureza, não ocorre o efeito do aumento da taxa de imposto aplicável que o legislador nacional visou atenuar através do referido artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS.
Q. Daqui resulta que só os residentes na União Europeia que escolham ser tributados nos termos previstos e permitidos pelo regime introduzido pela Lei n.º 67-A /2007, de 31 de dezembro, no artigo 72.º n.ºs 12 e 13, podem ser comparados com os residentes em Portugal, no que à tributação de 50% do saldo das mais-valias imobiliárias respeita, e só em relação a estes se pode colocar a questão de discriminação (cf. Acórdão Hollmann já referenciado, n.ºs 44, 45 e jurisprudência aí referida).
R. Ora, não dispondo em geral, a administração fiscal portuguesa de elementos que lhe permitam conhecer a totalidade dos rendimentos obtidos por residentes na União Europeia, manteve-se o regime que existia no n.º 1 do artigo 72.º, o qual funciona assim como regime aplicável a não residentes na UE ou no EEE e como regime supletivo aplicável sempre que os residentes EU ou no EEE escolham ser tributados à taxa proporcional prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS.
S. Deve sublinhar-se que a forma de tribulação escolhida resulta de uma decisão livre do não residente que resida na UE ou EEE, e não de uma aplicação automática de um dos regimes pela administração fiscal portuguesa, decisão essa que pode sempre ser alterada, sem custos de forma graciosa.
T. O regime previsto no n.º 1 e o regime previsto nos n.ºs 12 e 13 do artigo 72.º do CIRS constituem dois regimes alternativos, e mesmo na eventualidade deste último regime poder vir a ser considerado como opcional face ao previsto no n.º 1 do mesmo artigo, é evidente que o mesmo neutraliza de forma adequada a ilegalidade apontada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Hollman.
U. Os não residentes, que residam num Estado-Membro da UE ou do EEE e que obtenham em Portugal mais-valias imobiliárias, um regime de tributação similar ao aplicável aos residentes, que permite considerar o saldo das mais-valias imobiliárias em 50%, tributando-o a uma taxa progressiva, que será determinada com base no seu rendimento de base mundial, porquanto, como se viu já, a consideração do saldo das mais-valias imobiliárias em 50% deve ser conjugada com a aplicação de uma taxa progressiva que leve em consideração o rendimento global do contribuinte, atento o facto de o IRS ser um imposto único e global.
V. A atual legislação portuguesa relativa à tributação das mais-valias imobiliárias obtidas por residentes noutro Estado-Membro, no seu conjunto deve ser considerada como conforme com o Direito da União, porquanto as condições exigidas para que a tributação seja feita com base neste regime não são mais onerosas que as condições do regime de tributação alternativo pois os contribuintes residentes na União Europeia têm sempre que entregar uma declaração de rendimentos à administração fiscal, portuguesa, tal como sucede comos contribuintes residentes em Portugal.
W. Assim, o regime previsto nos atuais n.ºs 12 e 13 do artigo 72.º do CIRS, afigura-se suficiente e adequado para sanar a incompatibilidade com o Direito da União anteriormente apontada ao regime previsto no n.º 1 do mesmo artigo, eliminando os efeitos discriminatórios apontados a este regime em termos que respeitam os princípios do Direito da União e a jurisprudência do TJUE, devendo salientar-se, nomeadamente, que, contrário do que ocorria no processo Beker e Beker (Acórdão do TJUE de 28 de fevereiro de 2013, Proc. C-168/11, Manfred Beker e Christa Beker vs Finanzamt Heilbron,ELCI:EU:C:2013:117) a tributação com base nas regras inscritas no n.º 1, não é automaticamente aplicada, caso inexista uma vontade expressa assinalada no Quadro 8 B da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS.
X. Razões pelas quais se considera que a legislação nacional relativa à tributação das mais-valias imobiliárias obtidas por residentes noutro Estado-Membro, atualmente prevista nos números 1, 12 e 13 do artigo 72.ºdo CIRS, que confere a um residente na União Europeia a possibilidade de escolher entre dois sistemas alternativos entre si, não se mostra incompatível com o Direito da União, nomeadamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada nos artigos 63.º, 64.ºe 65.º TFUE.
Y. Na verdade, o regime consagrado do artigo 72.º conjugado com o artigo 43.º, n.º 2, todos do CIRS, garante que, sempre que um contribuinte residente noutro Estado-Membro coloca à disposição da autoridade tributária portuguesa as informações de que esta carece para determinar a taxa marginal de imposto que seria aplicável a esses rendimentos caso os mesmos fossem obtidos por um contribuinte residente em Portugal, a taxa aplicável aos rendimentos obtidos em Portugal é idêntica à que seria aplicável caso esses rendimentos fossem obtidos por um contribuinte residente que se encontrasse numa circunstância comparável assegurando assim que aquele seja tributado de forma não discriminatória.
Z. Acresce que os processos do CAAD n.ºs 598/2018-T e 569/2019-T sobre a mesma matéria encontram-se pendentes de análise e decisão no Tribunal de Justiça da União Europeia sob os n.ºs C-388/19 e C-103/20, respetivamente.
AA. Por tudo o exposto, resta concluir que a Decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por nova Decisão judicial que julgue improcedente o pedido arbitral.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente como é de Direito e Justiça.”.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida na ordem jurídica.

Cumpre decidir.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório da decisão recorrida e da decisão fundamento.

A admissibilidade do presente recurso.

Como é entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos decorrente da invocação da oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam: - identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; - que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, p. 424, e acórdãos do Pleno da seção de contencioso tributário do STA, de 15/9/2010, recs. nºs. 344/2009 e 881/2009, e de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).

Pretende o Recorrente com a interposição do presente recurso que se uniformize jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito que em seu entender foi decidida em sentido oposto na decisão arbitral recorrido e na decisão arbitral fundamento que reconduz na sua petição à de saber se o regime actualmente consagrado no artigo 43.º do CIRS, ao possibilitar um tratamento diferenciado em matéria de tributação de mais-valias entre residentes e não residentes nacionais, ofende o direito da União Europeia, mais concretamente, o princípio de liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.

O Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo apreciou recentemente a questão fundamental de direito que importaria dirimir neste recurso, no acórdão de 9 de Dezembro de 2020, proferido no processo 075/20.6BALSB, uniformizando jurisprudência no sentido de que «o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art.º 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art.º 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros», posteriormente reafirmada em vários acórdãos do Pleno desta Secção.
Por estar a decisão recorrida em conformidade com aquela que é a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, há que concluir que o requisito de admissão do recurso previsto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA não se encontra verificado.


Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela Recorrente.
D.n.

Lisboa, 26 de Maio de 2021


Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento.

Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.