Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0697/12
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
FUNDAMENTOS
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - Em princípio, na oposição à execução fiscal não pode invocar-se a ilegalidade concreta, discutindo-se e julgando-se se a dívida exequenda foi ou não mal constituída.
II - A impugnação judicial ou administrativa da quantia exequenda só constitui fundamento válido de oposição à execução se tiver efeito suspensivo.
III - Não se justifica a convolação quando o interessado já está a utilizar o meio processual em que pode obter o efeito que poderia ser obtido com a convolação.
Nº Convencional:JSTA00067939
Nº do Documento:SA2201211210697
Data de Entrada:06/21/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 A H I ART103 N4 ART199 N1 N5 N9 ART88 N1 N4 ART162 ART36 N1 ART77 N6 ART99 ART98 N4.
LGT98 ART91 N2 ART86 N5 ART92 N2 ART97 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC028/05 DE 2005/06/17; AC STA PROC0655/09 DE 2009/10/07
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.1. A……., devidamente identificada nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que, por erro na forma de processo, absolveu da instância a Fazenda Pública na oposição que deduziu à execução fiscal nº 0787201101002490.
Nas respectivas a alegações, conclui o seguinte:
a) No dia 21 de Fevereiro de 2012, foi proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, douta sentença na qual se absolveu a Administração Fiscal da instância por se verificar erro na forma do processo.
b) Salvo o devido respeito, que é muito, a ora Recorrente não se pode conformar com a douta decisão recorrida.
c) Entende a Recorrente que no caso em apreço se depara com a violação da lei, nomeadamente no erro de interpretação e aplicação de normas prescritas no nosso ordenamento jurídico.
d) Em douta decisão de que se recorre resulta que “o pedido e a causa de pedir que a oponente pretende ver apreciada a legalidade das liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2009, que perfazem o valor de €1852,10 (...) e que a causa de causa de pedir não tem em vista a exigibilidade da dívida fiscal, mas apenas a sua legalidade.
e) E ainda que “o sistema jurídico disponibiliza ao sujeito passivo da relação jurídica um meio processual especifico para atacar a legalidade do acto de liquidação: a impugnação judicial a que se referem os artigos 99.º e ss CPPT”.
f) Atente-se ao que se prescreve no artigo 204.º alínea h) do Código de Processo e Procedimento Tributário, doravante CPPT, que a “ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.”
g) Por um lado, na citação efectuada pelos Serviços de Finanças de Miranda do Corvo à Oponente pode ler-se “no mesmo prazo poderá requerer o pagamento em regime prestacional, nos termos do artigo 196.º do CPPT e/ou dação em cumprimento nos termos do artigo 201.º do mesmo código ou então deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
h) Note-se que os termos da citação não se coadunam com a agora posição da Recorrida que entende que há erro de forma defendida na sua contestação, quando à data da citação não elaborou devidamente a mesma configurando à oposição da execução como sendo a via possível para impugnar as execuções que foram instauradas.
i) Mais é referido que a mesma poderá deduzir oposição judicial no mesmo prazo de 30 dias, quando o prazo para a impugnação judicial previsto no artigo 102.º do CPPT é de 90 dias.
j) Por outro lado, já tinham sido interpostas impugnações judiciais para cada uma das liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2009 e que deram origem à execução fiscal n.º 0787 2011 01002490.
l) As liquidações adicionais de IVA com o n.ºs 11002195; 11002196; 11002197 e 11002198 referentes ao ano de 2009 e que foram impugnadas para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, dando origem respectivamente aos processos n.ºs 336/11.5BECBR; 337/11.3BECBR; 338/11.1BECBR e 339/11.OBECBR.
m) Sendo a oposição o meio de defesa por excelência do executado, entendeu a Recorrente que a forma do processo era adequada, pois pretende que o Tribunal se pronuncie pela impossibilidade da cobrança coerciva da dívida por parte da Administração Fiscal.
n) In casu, a Recorrente descreve os factos que revelam a inexistência das infracções que serviram de pressuposto para a fixação das coimas na parte relativa à falta de entrega de IVA ao Estado referente ao ano de 2009.
o) A invocação da ilegalidade da liquidação de IVA apenas visou explicar a razão pela qual a Recorrente considera que não existiu infracção, justificando a requerida extinção da execução fiscal.
p) O pedido é a extinção da execução e a causa de pedir é a inexistência de facto da infracção e, em última instância, a inexistência do dever de pagar a respectiva coima.
q) Na alínea h) do artigo 204.º do CPPT, defende Jorge Lopes de Sousa que “a ilegalidade resulta da própria situação real a que a lei foi aplicada ou circunstancialismo específico em que o acto foi praticado”.
r) Entende a Recorrente o que está em causa é a inexigibilidade das dívidas fiscais, pois a confirmação da sua existência resulta da extracção de certidão de dívida para efeitos executivos.
s) Na verdade os fundamentos da presente oposição encontram enquadramento jurídico no artigo 204º nº 1 alínea h) do CPPT “Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação”, pois, o que está é a existência da obrigatoriedade de liquidar IVA referente ao ano de 2009.
t) Como decorre da sua petição, a Recorrente coloca claramente em foco a inexigibilidade da alegada dívida tributária.
u) Tendo em conta que artigo 102º do CPPT prevê o prazo de 90 dias para apresentação de impugnação judicial e que o presente processo foi autuado no Tribunal a quo como processo de oposição, mas a Recorrente fundamentou a sua petição invocando fundamentos que se enquadram também no processo de impugnação judicial, nos termos do artigo 99º do CPPT.
v) Decorre do artigo 98.º nº 4 CPPT que a convolação é legalmente admissível se o pedido se adequar à forma processual correcta e se a petição contiver a descrição dos factos necessários à eventual procedência do pedido na forma processual correcta, desde que não esteja ultrapassado o prazo legal permitido para essa forma de processo, pelo que o juiz só estará desonerado de ordenar a correcção da forma do processo quando ela se mostre de todo inviável.
x) Atente-se que a petição apresentada pela Oponente foi entregue no dia 20 de Maio de 2011 e a contestação à oposição proposta pela Oponente foi notificada à Recorrente no dia 07 de Julho de 2011, alegando a falta de fundamento enquadrável no elenco taxativo da oposição à execução.
z) Tendo a Recorrente respondido à matéria de excepção apresentada pela Recorrida em 11 de Julho de 2011, subsidiariamente a Oponente peticionara ao abrigo do artigo 97.º n.º3 da LGT a ordenação da correcção do processo se o Tribunal assim o entendesse pela inadequação do meio processual.
aa) O erro na forma de processo é de conhecimento até ao trânsito em julgado da decisão final e, nesse âmbito, o Tribunal deve operar oficiosamente, sem necessidade de qualquer acção ou requerimento dos interessados, de harmonia com os termos dos artigos 202.º e 206.º, n.º 2 do Código de Processo Civil — compêndio subsidiariamente aplicável em processo judicial tributário, por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
bb) Em princípio, não existem obstáculos processuais insuperáveis a que o processo de oposição à execução fiscal possa ser conformado, convertido ou convolado em processo de impugnação judicial da legalidade da liquidação que nessa execução fiscal se cobra coercivamente.
cc) Sendo certo que o pedido de anulação da liquidação de IVA pode ser expresso na forma de impugnação judicial, para que o processo, iniciado na forma de oposição à execução fiscal, possa ser convertido em impugnação judicial, ponto é que, no caso concreto, ocorram todos os requisitos legais do processo de impugnação judicial, desde logo, a tempestividade da respectiva petição inicial, a necessidade e o interesse em agir do contribuinte, e a adequação e a conformidade da causa de pedir ao pedido próprio da forma processual de impugnação judicial, que é o de anulação da liquidação tributária — conforme é jurisprudência corrente do Supremo Tribunal Administrativo que vem a ser dito nos acórdãos de 7-1-2009, e de 21-1-2009, proferidos nos recursos n.º 887-08 e n.º 832-08,
dd) Pelo que, atenta esta possibilidade deveria ter sido decidida a convolação da presente oposição em impugnação judicial.
ee) Face ao supra exposto, a sentença de que se recorre viola o artigo
204. n.º1 alínea h) do Código de Processo e Procedimento Tributário, os artigos 97º n.º 3 e 98º n.º 4 ambos da Lei Geral Tributária e ainda os artigos 199º, 202º e 206º todos do Código de Processo Civil.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste STA emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo a sentença ser confirmada.

2. Naquilo que é relevante, a sentença recorrida é do seguinte teor:

A situação dos autos enquadra-se, manifestamente, no âmbito da apreciação, em concreto, da legalidade da liquidação.
Está em causa a apreciação do circunstancialismo subjacente à prática do concreto ato de liquidação: de acordo com a oponente inexistem razões para que o inspetor tributário lançasse mão de métodos indiretos, apontando ainda alegados erros constantes do relatório de inspeção.
Assim, não há dúvida que a pretensão material da oponente se dirige diretamente à legalidade das liquidações adicionais, apontando erros ao relatório de inspeção tributária; erros que a verificarem-se têm por consequência necessária a ilegalidade das liquidações adicionais efetuadas.
Ou seja, a causa de pedir não tem em vista a exigibilidade da dívida fiscal, mas apenas a sua legalidade.
Ora, o sistema jurídico disponibiliza ao sujeito passivo da relação jurídica tributária um meio processual específico para atacar a legalidade do ato de liquidação: a impugnação judicial a que se referem os artigos 99° e ss. do CPPT.
Deste modo, um sujeito passivo de IRS e IVA não pode lançar mão do processo de execução fiscal para atacar a legalidade do ato de liquidação ao abrigo do disposto no artigo 204°, n° 1, al. h) do CPPT, já que a lei lhe atribui a possibilidade de impugnar judicialmente o ato de liquidação.
Verifica-se, portanto, erro na forma de processo, já que o meio processual de que a oponente lançou mão não é o próprio para a apreciação dos fundamentos invocados.
Ocorrendo erro na forma do processo, importa ponderar a sua convolação no meio processual respectivo, nos termos do disposto nos artigos 97°, nº 3 da LGT e 98°, n° 4 do CPPT — cfr. acórdão do STA de 07.12.2010, Proc. 0748/10.
Como se referiu o meio processual mais adequado para conhecer dos fundamentos explanados na p.i. é a impugnação judicial e não a oposição.
Quer a representação da Fazenda Pública quer o Ministério Público entendem não ser possível a convolação dos presentes autos em impugnação, por não ser admissível impugnar diretamente a liquidação em causa.
O artigo 117°, nº 1 do CPPT estabelece que “salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto, nos termos da lei, recurso hierárquico com efeitos suspensivos da liquidação, a impugnação dos atos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.”
Nos termos da norma referida a impugnação judicial de liquidações com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável nos termos do artigo 91° da LGT.
Não há dúvidas que a oponente invoca erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, já que entende que inexistem razões que levassem o inspetor a utilizar tais métodos em relação ao exercício de 2009.
Ora, do artigo 117°, nº 1, 1.ª parte do CPPT decorre expressamente que o pedido de revisão do artigo 91° da LGT não é obrigatório para os sujeitos passivos enquadrados no regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto recurso hierárquico com efeitos suspensivos da liquidação.
Assim, nestas duas situações é possível a impugnação direta do ato de liquidação, sendo o pedido de revisão uma mera faculdade.
Tendo em consideração as certidões de dívida que acompanham a p.i., não restam dúvidas que está em causa a liquidação de IVA, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 31.03.2011 (fls. 13 a 17).
É certo que a oponente alega no artigo 5° da p.i. estar dispensada de possuir contabilidade organizada, tendo sido enquadrada no regime simplificado de contabilidade.
Porém a oponente, como resulta do relatório de inspeção, apenas está enquadrada no regime simplificado em sede de IRS, estando enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA.
Ora, estando em causa as liquidações adicionais do IVA, não há dúvidas que a impugnação judicial depende de prévio pedido de revisão da matéria coletável ao abrigo do artigo 91° da LGT.
Poria eventualmente ponderar-se a convolação da presente oposição em pedido de revisão da matéria coletável, porém, como referido quer pela oponente quer pela representação da Fazenda Pública tal pedido já foi apresentado junto da Administração Fiscal, pelo que tal convolação redundaria num ato inútil.
O erro na forma do processo constitui uma nulidade de conhecimento oficioso, conforme decorre do disposto nos artigos 199°, 202º e 206° do CPC, o que determina, não sendo possível efetuar a respectiva convolação no meio processual próprio, o indeferimento da petição inicial, se verificada na fase liminar, ou a anulação de todo o processo com a absolvição do réu da instância, após a fase liminar, como resulta dos artigos 288°, n° 1, al. b), 493°, n° 1 e 2 e 494°, b) do CPC — cfr. Acórdãos do STA de 08.06.2011, Proc. 0140/11; e do TCA Norte de 28.09.2006, Proc. 00156/01 e de 26.04.2006, Proc. 00037/01.
Deste modo, atendendo a que a oponente já lançou mão do meio processual adequado, não havendo, portanto, razões de economia e celeridade processuais que justifiquem a convolação, importa absolver a Administração Fiscal da instância.
Em relação ao pedido relativo à suspensão da execução fiscal, afigura-se que o mesmo poderá ser dirigido ao próprio processo de execução fiscal, onde a oponente alcançará o resultado suspensivo pretendido.
Os contribuintes dispõem de dois modos de obter a suspensão da execução: ou requerem a suspensão da execução ao Tribunal no âmbito de uma impugnação ou de uma oposição, nos termos do disposto nos artigos 103° e 212° do CPPT; ou o fazem diretamente no da própria execução nos termos do disposto nos artigos 169° e ss. do CPPT.
Tendo em consideração que não haverá lugar a convolação do presente processo, o pedido de suspensão da execução deverá ser apreciado pelo órgão de execução fiscal, nos termos gerais”.

3. A recorrente insurge-se contra este julgamento, porque: (i) o que está em causa é a inexigibilidade da dívida exequenda, uma vez que já foram interpostas impugnações das liquidações adicionais do IVA que deram origem ao processo de execução; (ii) e não existem obstáculos processuais insuperáveis para que se possa convolar a oposição em processo de impugnação da legalidade da liquidação que na execução se cobra coercivamente.
O primeiro fundamento do recurso é novo, porque na petição de oposição o recorrente nunca chegou a alegar que havia interposto quatro impugnações das liquidações do IVA de 2009 que deram origem ao processo executivo. O que se escreveu na petição inicial, de forma muito imprecisa, foi que. (i) «não se percebe a razão para a aplicação dos métodos indirectos só no ano de 2009»; (ii) o relatório da inspecção não “corresponde à verdade”, porque os panos de cozinha e as camisolas eram apenas “amostras” confeccionadas pela recorrente e por isso não estavam expostas para venda; (iii) as carpetes foi a impugnante quem as confeccionou, mas o valor que lhes foi atribuído não inclui o material e o imposto a devolver (iv) não omitiu qualquer venda de mercadoria ou serviço prestado e por isso não se pode exigir que declare quantias que recebeu e muito menos que seja tributada sobre essas quantias.
Perante tais factos, a sentença considerou, e bem, que não existe fundamento de oposição, pois foi alegada a “ilegalidade concreta” da dívida exequenda, a qual não cabe no âmbito da alínea a) do artigo 204º do CPPT, e não havia qualquer impedimento a que se impugnasse autonomamente os actos incorporados nos título executivo, pelo que, também não cabe no âmbito da alínea h) do artigo 204º do mesmo diploma.
Sendo a decisão recorrida o objecto do recurso, em princípio, ficam de fora as questões novas, ou seja, questões que não tinham sido objecto da decisão recorrida. Conforme jurisprudência reiterada do STA “os recursos jurisdicionais não constituem o meio processual adequado a decidir questões não apreciadas pela decisão judicial com eles impugnada, pois que, por definição, visam apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso” (cfr. entre outros, o ac. do STA de 17/6/2005, proc. nº 28/2005).
Não há dúvida que os factos alegados na acção de oposição consubstanciam uma ilegalidade concreta da dívida: erro nos pressupostos de facto dos actos tributários incorporados no título executivo. E se assim é, o tribunal de execução não pode conhecer de tal vício, porque o artigo 204º do CPPT, ao utilizar a expressão «só», estabeleceu a taxatividade dos fundamentos da oposição, onde, em regra, não se inclui a ilegalidade concreta da dívida. A ilegalidade a que se refere a alínea a) do nº 1 daquele artigo, como abundantemente tem sido referido pela jurisprudência deste Tribunal, é a “ilegalidade abstracta” ou absoluta, resultante apenas da contribuição, imposto ou outro rendimento de que provêm a dívida exequenda não estar prevista nas leis em vigor ou não estar autorizada a sua cobrança para o respectivo ano, não podendo assim em oposição à execução fiscal invocar-se a ilegalidade concreta, discutindo-se e julgando-se se a dívida exequenda foi ou não mal constituída.
A recorrente vem invocar que existe “inexigibilidade da dívida”, fundamento que se deve incluir na alínea h) do nº 1 do referido artigo 204º. Como nesta alínea, excepcionalmente, se prevê a ilegalidade da liquidação da dívida como fundamento de oposição, «sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação», a afirmação da recorrente não pode deixar de ser contraditória, pois a procedência desse fundamento conduz à extinção da execução em consequência da anulação do acto de liquidação e não da inexigibilidade da dívida.
Ao que parece, com tal afirmação, o que a recorrente pretende dizer é que as liquidações exequendas são ineficazes porque estão pendentes impugnações judiciais. A existência de impugnações das liquidações que deram origem ao processo de execução, como ela própria refere, comprova que não se estamos perante uma situação em que a própria lei não prevê meios de impugnação contenciosa do acto de liquidação da dívida exequendo, o que desde logo põe em distância a aplicação da alínea h) do artigo 204º.
Mas a pendência de processos de impugnação judicial ou administrativa com efeito suspensivo já pode sustentar uma oposição à execução no âmbito da alínea i) do nº 1 do artigo 204º. Para que os actos tributários possam receber uma execução legítima é necessário que sejam eficazes. A execução jurídica ou material de um acto ineficaz é ela mesmo ilegal. Daí que, a ineficácia do acto exequendo torna inexigível a dívida, isto é, o seu pagamento não pode ser exigido em juízo, pois, ainda não se mostrando vencida, não é legalmente possível que entre na fase do relaxe. Se tal acontecer, sem que se mostre decorrido o prazo legal de pagamento, a certidão da dívida, o chamado título executivo, padece de falta de um requisito substancial que é a exigibilidade da dívida. A falta de tal requisito determina a inexequibilidade do título, a qual constitui um fundamento válido da oposição por não envolver a apreciação da legalidade da dívida em execução.
Mas não basta dizer que estão pendentes impugnações judiciais das liquidações exequendas. É preciso demonstrar que, em consequência da sua interposição ou pendência, a execução dos actos tributários impugnados ficou suspensa. Como se preceitua no nº 4 do artigo 103º do CPPT «a impugnação tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 1º dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, com respeito pelos critérios e termos referidos nos nºs 1 a 5 e 9º do artigo 199º». Nesse caso, o efeito suspensivo da impugnação obsta a que seja instaurado o processo de execução fiscal. Se ele for instaurado após a prestação da garantia e antes de a impugnação estar decidida, o executado poderá obter a sua extinção, deduzido oposição enquadrável na referida alínea i) do artigo 204º.
No entanto, não é isso o que se comprova nos autos.
Nos processos de impugnação que a recorrente agora vem dizer que estão pendentes (os proc. nºs 336/11, 337/11, 338/11 e 339/11, todos BECBR), nem se demonstra que foram instaurados antes do termo do prazo de pagamento voluntário do imposto, pois, findo esse prazo, é extraída a certidão da dívida para efeitos de instauração de execução (arts. 88º nºs 1 e 4 e 162º do CPPT), nem se comprova que tenha sido prestada garantia idónea antes da instauração da execução.
Poderá, no entanto, haver outro motivo de suspensão da eficácia e execução das liquidações, pois na sentença recorrida não se convolou a oposição para em pedido de revisão da matéria colectável, porque tal pedido já foi apresentado junto da Administração Fiscal, pelo que tal convolação redundaria num acto inútil.
Ora, a pendência de pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos tem efeitos suspensivo da liquidação do tributo, nos termos do nº 2 do art. 91º da LGT, e por isso mesmo também impede a instauração da execução baseada em liquidação efectuada com violação dessa norma. Se a liquidação foi efectuada antes de expirado o prazo para o contribuinte requerer a revisão da matéria colectável, então foi ilegal por violação daquela norma. Com efeito, se o pedido de revisão tem efeito suspensivo da liquidação do tributo, tem de se entender que, até estar esgotado o prazo para se efectuar tal pedido, não pode ser praticado o acto de liquidação que tenha por suporte a matéria colectável fixada, sob pena de se contrariar a ratio legis daquela norma, que é a de não se fazer a liquidação sem estar esgotada a possibilidade de alteração da matéria colectável por meios administrativos.
Nessa situação, em que ilegalmente foi efectuada uma liquidação antes de estar decidido o pedido de revisão da matéria colectável, pode admitir-se que o contribuinte possa reagir opondo-se à execução fiscal que com base nessa liquidação venha a ser instaurada. É que, nesse caso, a impugnação autónoma da liquidação antecipada no procedimento tributário confronta-se com a limitação do nº 5 do artigo 86º da LGT, que exige a reclamação prévia necessária de actos de avaliação indirecta para se conhecer do “erro na quantificação” ou “nos pressupostos de determinação da matéria colectável por métodos indirectos”. E se não há possibilidade de invocar essa espécie de ilegalidades, fica aberta a porta para a admissibilidade da invocação da ilegalidade da liquidação da dívida exequenda como fundamento de oposição à execução fiscal, ao abrigo da alínea i) do nº 1 do art. 204º (cfr. ac. do STA de 7/10/2009. rec. nº 0655/09).
Mas, no caso dos autos, não se está em condições de apreciar tal matéria, por três motivos: (i) desconhece-se se as liquidações incorporadas no título executivo foram ou não praticadas antes de se esgotar o prazo de revisão da matéria colectável; (ii) na petição inicial nunca se invocou a ilegalidade das liquidações, seja por violação do nº 2 do art. 92º da LGT, seja por violação dos arts. 77º, nº 6 e 36º, nº 1 do CPPT, se praticadas antes da notificação do acto de fixação da matéria colectável; (iii) a questão nem foi abordada pela sentença recorrida, nem a recorrente a incluiu no âmbito do recurso.
Portanto, está arredada a possibilidade de se incluírem os factos alegados pela recorrente na oposição no âmbito da aliena i) do art. 204º.
A recorrente também não se conforma com o facto da decisão recorrida não ter convolado a oposição em impugnação judicial, porque os fundamentos invocados se enquadram todos no artigo 99º do CPPT, não havendo quaisquer obstáculos processuais a que se siga a forma adequada.
Esta pretensão da recorrente é duplamente surpreendente: por um lado, nunca foi dado a conhecer ao juiz a quo que existiam impugnações pendentes que tinham por objecto as liquidações exequendas; por outro, se as impugnações já foram intentadas, que utilidade tem a convolação? A sentença recorrida, tendo conhecimento de que havia sido deduzido um pedido de revisão da matéria colectável, considerou ser inútil a convolação para esse procedimento tributário e, nessa parte, transitou em julgado. Perante a afirmação de que estão pendentes impugnações das liquidações exequendas, apesar das regras do nº 3 do art. 97º da LGT e nº 4 do art. 98º do CPPT, não se justifica a convolação quando o interessado já está a utilizar o meio processual em que pode obter o efeito que poderia ser obtido com a convolação.
É quanto basta para que se negue provimento ao recurso.

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 21 de Novembro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.