Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0894/10
Data do Acordão:03/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:INTIMAÇÃO PARA COMPORTAMENTO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:São requisitos cumulativos do meio processual de intimação para um comportamento, prevista no art. 147º do CPPT, a omissão de um dever jurídico por parte da administração tributária susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária e que esse intimação seja o meio mais adequado para assegurar a tutela plena desse direito ou interesse, pressupondo aquela omissão a prévia definição da existência desse dever.
Nº Convencional:JSTA00066902
Nº do Documento:SA2201103300894
Data de Entrada:11/16/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - INTIMAÇÃO COMPORTAMENTO.
Legislação Nacional:CPA91 ART54 ART120 ART123 ART124 ART133 N2 D ART135 ART137 ART139 ART147 N1 N2 N3.
ETAF02 ART26 B.
CPC96 ART199.
CONST97 ART62 ART103.
CPPTRIB99 ART2 D ART87 N3 ART98 N4 ART102 ART276.
LGT98 ART2 C ART78 N1 N7 ART97 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC901/05 DE 2006/01/08.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO 5ED VI PAG881 PAG882 PAG1083 PAG1084.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E OUTRO COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS VI PAG247.
VIEIRA DE ANDRADE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA 1976 PAG87.
GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 4ED VI PAG1092.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre da decisão que, proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, lhe indeferiu liminarmente a Petição Inicial de intimação para um comportamento, deduzida contra a Direcção Geral de Impostos, representada pelo Serviço de Finanças Sintra 2, Algueirão, na qual pede que o Tribunal condene a requerida a:
a) suspender a execução fiscal que contra ele corre termos nesse Serviço de Finanças, com o n° 3549200801237993;
b) devolver-lhe a quantia de 194,58 Euros (cento e noventa e quatro euros e cinquenta e oito euros) indevida e ilegalmente penhorada.
E mais requer que seja notificada a respectiva entidade patronal para proceder ao imediato cancelamento da penhora de 1/6 do salário do requerente.
1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 3, indeferiu liminarmente o requerimento de intimação para um comportamento requerido pelo ora recorrente, contra o Serviço de Finanças - 2, Algueirão, nos termos do art. 147° do CPPT.
2. Nessa petição foi requerido que esse serviço de Finanças procedesse ao arquivamento do processo de execução fiscal com o n° 3549200801237993 e cancelasse a penhora de 1/6 do salário do recorrente, destinada a pagar essa quantia exequenda.
3. Segundo o douto despacho de indeferimento, a petição apresentada pelo recorrente não constituiu fundamento de intimação para um comportamento já que este visa um cumprimento de um dever pela administração fiscal que assenta na prévia definição da existência desse dever, o que não resulta dos autos, resultando controvertido a legalidade do próprio acto tributário e das coimas aplicadas.
4. Diz ainda o douto despacho recorrido ser insusceptível de convolação dos autos para a forma adequada em resultado de não se verificarem os pressupostos processuais para se proceder a tal adequação, atento as distintas causas de pedir e diferentes as formas de processo adequado.
5. E, ainda porque há muito se encontrava precludido o prazo para deduzir impugnação judicial ou para recorrer das decisões de aplicação das coimas.
6. Ora, o requerimento de intimação para um comportamento requerido contra o Serviço de Finanças - 2, Algueirão, nos termos do art. 147° do CPPT, teve como causa de pedir um processo executivo com base na liquidação de IVA e de IRS e, ainda da aplicação de coimas motivadas pela falta dessas declarações, do qual o recorrente não é, minimamente, responsável.
7. Na verdade, foi apurado, em dois processos-crime - 116/09.3IDLSB e 123/05.0PDLRS - que alguém usurpou a identidade do recorrente agindo em seu nome e sem o seu consentimento, auferiu os rendimentos que motivaram a liquidação do IVA e IRS efectuada pelo Serviço de Finanças e, ainda, a aplicação das coimas por falta das respectivas declarações.
8. Contrariamente ao que seria expectável e minimamente exigível, o serviço de Finanças de Sintra. 2 - pese embora tivesse concluído que este não tinha auferido os rendimentos que lhe tinham sido imputados através do recurso a métodos indirectos - não arquivou o processo de execução fiscal contra o ora recorrente.
9. O recorrente é, e sempre foi, um trabalhador assalariado que trabalha como cozinheiro, tendo antes exercido as funções de pedreiro e nunca exerceu quaisquer funções de astrólogo.
10. Manifestamente, a liquidação do IVA e do IRS e, ainda a aplicação de coimas efectuadas ao recorrente, pelo Serviço de Finanças de Sintra. 2, não têm qualquer fundamento porque baseadas num erro sobre a pessoa responsável pelo seu pagamento.
11. Não está em causa a legalidade do próprio acto tributário e das coimas aplicadas - como refere o douto despacho - uma vez que a liquidação dos impostos e as coimas a ela associadas devem ser consideradas inexistentes, por estar em causa a legitimidade passiva do recorrente na relação jurídico tributária, tal como apresentada pela administração fiscal, ainda que por erro.
12. Mas, está em causa um dever da administração fiscal em mandar arquivar o processo executivo fiscal e, bem assim, o cancelamento da penhora do salário do recorrente por estar em causa a legitimidade passiva do recorrente na relação jurídico tributária, tal como apresentada pela administração fiscal, ainda que por erro.
13. A execução movida pelo serviço de Finanças de Sintra. 2 é, além de inexistente, manifestamente um acto nulo por ofender um conteúdo essencial de um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art. 133°, n° 2, alínea d) do Código de Procedimento Administrativo (CPA) ex-vi art. 2° alínea c) do CPPT.
14. Pese embora o despacho recorrido reconheça que o recorrente deveria, em tempo, ter recorrido a outros meios processuais de defesa para fazer valer os seus direitos, o recorrente não pode conformar-se com o facto de a execução fiscal ter prosseguido quando estão em causa rendimentos e contribuições a que o recorrente é completamente alheio e cuja responsabilidade pelo seu pagamento nunca lhe deveria ter sido assacada.
15. Aliás, tendo a administração fiscal recorrida reconhecido, em sede de investigação criminal, que as coimas e os impostos apurados não eram da responsabilidade do ora recorrente, por tais responsabilidades se terem ficado a dever à usurpação da sua identidade e consequente uso do seu nome sem o seu consentimento, era humanamente expectável que essa mesma administração mandasse, não só arquivar a execução fiscal contra o recorrente, mas também que se abstivesse de ordenar uma penhora do salário do executado por saber não ser este o responsável pelo seu pagamento.
16. Diz o art. 18° n° 3 da Lei Geral Tributária que o sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
17. O recorrente não está vinculado ao cumprimento das prestações tributárias que indevidamente lhe foram liquidadas, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável, como aliás, amplamente reconhecido pela própria administração fiscal, nos dois processos crimes movidos contra o ora recorrente.
18. Por outro lado, o art. 103° da Constituição (CRP) estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
19. A penhora do vencimento do salário do recorrente consubstancia, in totu, uma violação e uma ofensa a um conteúdo essencial de um direito fundamental de natureza análoga, como é o direito de não pagar impostos que violem esse dispositivo constitucional.
20. Ademais, só em finais de Julho de 2010 é que o executado, ora recorrente, foi notificado da penhora do seu salário, pela sua entidade patronal, não podendo, como é evidente, nessa data, socorrer-se de outros meios processuais legalmente previstos.
21. Tanto mais que o executado estava plenamente convencido que a administração fiscal iria, como seria expectável, cancelar a execução contra si movida, por manifesta falta de fundamento, atendendo à sua ilegitimidade de sujeito passivo na relação tributária nessa execução.
22. Por outro lado, ao requerer a intimação para um comportamento, o recorrente visou atacar o acto que determinou a penhora do seu vencimento, emanado em 9 de Julho de 2010, pelo Serviço de Finanças de Sintra-2.
23.Existe assim uma manifesta omissão da administração fiscal no cancelamento e arquivamento da execução fiscal e, posteriormente, na abstenção de mandar prosseguir essa execução fiscal através da penhora de 1/6 do salário do recorrente.
24. Diz o art. 147°, n° l do CPPT que "Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente".
25. Esta intimação para um comportamento tem natureza subsidiária, sendo apenas aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no CPPT, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa (n° 2 desse mesmo art. 147°).
26. É o próprio despacho recorrido que expressamente afirma que não existe no CPPT qualquer outro meio processual que possa assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses do recorrente, nomeadamente, por preclusão do prazo para o requerente poder usar qualquer outro meio processual previsto no CPPT.
27. Sem por em causa a fundamentação do doutro despacho recorrido, levanta-se a questão de saber se esse entendimento deverá ser aplicado ao caso em apreço, uma vez que a relação jurídica tributária é manifestamente inexistente, por falta de legitimidade passiva do recorrente.
28. Será que a posição defendida no douto despacho recorrido, com invocação da doutrina e ensinamentos de J. Lopes de Sousa, não será apenas aplicável a relações jurídicas tributárias que não estejam inquinadas pelo vício da total inexistência?
29. Será legal e/ou constitucional que a administração fiscal comece a tributar um qualquer cidadão sem minimamente existir qualquer fundamento para uma relação que a própria administração fiscal amplamente reconheceu como inexistente?
30. Será ou não expectável que após esse reconhecimento do erro pela própria administração fiscal, o cidadão médio, indevidamente tributado, confie na boa fé da administração fiscal, no sentido de esta mandar arquivar a execução fiscal que indevidamente lhe foi movida?
31. A estas questões não responde o douto despacho recorrido, o que, salvo melhor opinião, viola não só os preceitos legais expressamente previstos no CPPT, como os preceitos constitucionais que asseguram ao recorrente o direito de obter dos tribunais tributários a tutela plena, eficaz e efectiva dos seus direitos ou interesses, em matéria fiscal.
32. Por fim, a penhora do vencimento do recorrente, a execução fiscal que lhe serviu de fundamento e, bem assim, o douto despacho recorrido estão feridos de inconstitucionalidade.
33. Desde logo, por a execução fiscal e a consequente penhora violarem o disposto no art. 103° da CRP. Nomeadamente, por não corresponderem a uma justa repartição dos rendimentos e da riqueza que o nosso sistema fiscal visa assegurar, uma vez que o recorrente nunca auferiu os rendimentos que lhe foram imputados (parte final do n° l desse artigo 103°).
34. E ainda, porque, por via dessa penhora e dessa execução, o recorrente estar obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança não foram efectuadas nos termos da lei (parte final do n° 3 desse mesmo artigo).
35. Porquanto, o recorrente, por não ser sujeito passivo da relação tributária, é parte ilegítima tanto da execução fiscal, como da penhora que lhe foi movida.
36. A interpretação de que a intimação para um comportamento, prevista e regulada no art. 147° do CPTT não é a forma de processo adequada para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos e interesses do recorrente é ilegal por violação desse mesmo artigo que estabelece ser este o único e mais adequado meio para que esses direitos e interesses sejam minimamente assegurados quando estão em causa liquidações de impostos e respectivas coimas por falta das declarações, manifestamente inexistentes por ilegitimidade passiva do recorrente na relação jurídico tributária, amplamente reconhecido pela própria administração fiscal.
37. A interpretação de que a intimação para um comportamento prevista e regulada no art. 147° do CPTT não é a forma de processo adequada para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos e interesses do recorrente, é inconstitucional por violação do art. 103° da CRP, em conjugação com o art. 17° da mesma, que estabelece o direito fundamental de natureza análoga de ninguém poder ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei, quando estão em causa liquidações de impostos e respectivas coimas por falta das declarações, manifestamente inexistentes por ilegitimidade passiva do recorrente na relação jurídico tributária, amplamente reconhecido pela própria administração fiscal.
38. Por fim, a interpretação de que a intimação para um comportamento prevista e regulada no art. 147° do CPTT não é a forma de processo adequada para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos e interesses do recorrente, é inconstitucional por violação do art. 268°, n° 4 da CRP que consagra o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos do recorrente, nomeadamente a adopção de medidas cautelares adequadas a proteger esses mesmos direitos e interesses, quando estão em causa liquidações de impostos e respectivas coimas por falta das declarações, manifestamente inexistentes por ilegitimidade passiva do recorrente na relação jurídico tributária, amplamente reconhecido pela própria administração fiscal.
Termina pedindo que o despacho recorrido seja revogado, nomeadamente, por:
1. Ilegalidade, ao ter violado:
a) o art. 147° do CPPT;
b) o art. 18°, n° 3 da LGT;
2. E, por inconstitucionalidade ao ter feito inadequada interpretação dos art. 103°, n° l e n° 3 (em conjugação como art. 17°) e art. 268°, n° 4, todos da CRP.
Devendo ser proferido acórdão que intime o Serviço de Finanças-2., Algueirão aos seguintes comportamentos:
1. Arquivamento do processo de execução fiscal movido contra o recorrente, com o n° 3549200801237993 por, manifestamente, ofender os direitos e interesses legítimos do recorrente, legal e constitucionalmente consagrados e, ainda,
2. Cancelamento da penhora de 1/6 do salário do recorrente por, manifestamente, ofender os direitos e interesses legítimos do recorrente, legal e constitucionalmente consagrados.
1.3. Não foram apresentadas contra alegações.
1.4. O MP não emitiu Parecer.
1.5. Suscitada que foi, pelo relator, a questão prévia da eventual nulidade da sentença, por falta absoluta de fundamentação de facto e tendo as partes sido notificadas para, querendo, sobre ela se pronunciarem, apenas a recorrente o veio fazer, alegando, em síntese:
- Embora admita que nas conclusões referidas no despacho (6ª, 7ª, 9ª, 15ª, 20ª e 21ª) se enunciam factos, não pretende deles extrair qualquer consequência jurídica, na medida em que esses factos constituem matéria assente, não controvertida e apenas foram introduzidos enquanto enquadramento fáctico do pedido, tendo tido o cuidado de juntar ao processo certidões de tribunais onde esses factos foram amplamente reconhecidos pela própria requerida.
- Ao indeferir liminarmente a petição inicial, o tribunal recorrido limitou-se a invocar matéria de direito, considerando precludido o prazo para deduzir impugnação judicial, ou para recorrer das decisões de aplicação de coimas. Mas o recorrente considera, tendo em conta a flagrante omissão da Fazenda Nacional em não cancelar os impostos apurados e as coimas a eles referentes que só através desta intimação para um comportamento conseguirá fazer valer os seus direitos, dado que a Fazenda Nacional insiste em não corrigir os erros por si inclusive reconhecidos.
- Embora admitindo que os prazos de impugnação judicial e de recurso das decisões de aplicação de coimas já tenham precludido, não foi essa consequência jurídica que motivou o recorrente a interpor recurso dessa decisão, mas, sim, a de saber se não será apenas através da providência cautelar de intimação para um comportamento que o recorrente conseguirá "obrigar" a Fazenda Nacional a cumprir a lei e a agir de acordo com ela, nomeadamente por estarem em causa impostos e coimas às quais o recorrente é totalmente alheio.
- Como diz o nº 1 do art. 147° do CPPT, em caso de omissão, por parte da AT, do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar o direito ou interesse legítimo em matéria tributária - como é o presente caso, onde a administração tributária se absteve de anular e mandar cancelar os impostos indevidamente cobrados ao recorrente -, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente.
- E o presente meio é o único meio que poderá assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos o interesses legítimos do recorrente, como é referido no n° 2 desse mesmo art. 147°.
- Tendo o Tribunal recorrido reconhecido que os prazos de impugnação judicial ou de recurso das decisões de aplicação de coimas já se encontravam precludidos, forçoso seria, que o mesmo tivesse considerado que só através desta intimação para um comportamento o recorrente conseguiria assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos o interesses legítimos.
- Pelo que no recurso apenas está em causa matéria exclusivamente de direito, directamente relacionada com o âmbito e alcance desse art. 147° do CPPT.
- Mas, caso não seja este o entendimento, devem os autos ser remetidos para o TCAS, para apuramento da matéria de facto invocada pelo recorrente e por si considerada como matéria assente.
1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. O despacho recorrido é, no que aqui releva, do teor seguinte:
«A…, com os demais sinais dos autos vem deduzir a presente petição de Intimação Para um Comportamento, nos termos do disposto no art° 147° do CPPT, face à existência de penhora de 1/6 do vencimento efectuada no processo de execução fiscal que corre termos no Serviço de Finanças de Sintra 2 contra o executado, ora requerente, por dívidas de IRS e IVA e Coimas Fiscais, o que reputa de ilegal e com fundamento na inexistência dos factos tributários que serviram de base à extracção das certidões de dívida que sustentam os referidos autos de execução, concluindo com o pedido de suspensão da execução e procedendo-se ao levantamento da penhora efectuada, - cfr p.i de fls. 3 e segs. Atento a que,
Verifica-se um erro sobre a forma de processo, por aquela causa de pedir fundamentar uma petição de impugnação ou de um recurso da decisão de aplicação de coima, não constituindo fundamento de intimação para um comportamento já que este visa o cumprimento de um dever pela Adm. Fiscal que assenta na prévia definição da existência desse dever, o que não resulta dos autos, resultando controvertido a legalidade do próprio acto tributário e das coimas aplicadas. - cfr nesse sentido, J. Lopes de Sousa, in "CPPT Anotado", 4ª Ed. 2003, pags. 667 e segs. e arts. 99° e segs. e art. 147°, todos do CPPT e art. 80° do RGIT, sendo insusceptível de convolação dos autos para a forma adequada, nos termos do disposto no art. 97°, n° 3, da LGT e no n° 4, do art. 98° do CPPT, em resultado de não se verificarem os pressupostos processuais para proceder a tal adequação, atento as distintas causas de pedir e diferentes as formas de processo adequado, não podendo este Tribunal decidir quais as pretensões a ser apreciadas nos autos. Para mais,
Verifica-se que, em face dos documentos juntos pelo requerente, de fls. 12 a 25, atento a data da instauração dos referidos processos executivos, à data da apresentação da presente p.i. já se encontrava há muito precludido o prazo para deduzir impugnação judicial ou para recorrer das decisões de aplicação das coimas.
Nos termos expostos, vai indeferida liminarmente a petição por nulidade de erro na forma de processo manifestamente insanável.»
3. Importa, desde já, apreciar a questão suscitada pelo relator, atinente à eventual incompetência, em razão da hierarquia, deste STA.
Tal como resulta da al. b) do art. 26º do ETAF (na redacção da Lei 107-D/2003 de 31.12), a competência do Supremo Tribunal Administrativo para apreciação dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários restringe-se, exclusivamente, a matéria de direito, constituindo, assim, uma excepção à competência generalizada do Tribunal Central Administrativo, ao qual compete (cfr. al. a) do art. 38º) conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26°.
Em consonância, o nº 1 do art. 280° do CPPT prescreve que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Reserva-se, portanto, ao Supremo Tribunal Administrativo o papel de tribunal de revista, com intervenção reservada para os casos em que a matéria de facto controvertida no processo esteja estabilizada e apenas o direito se mantenha em discussão.
Deste modo, para aferir da competência, em razão da hierarquia, do STA, apenas há que atentar, em princípio, no teor das conclusões da alegação do recurso (pois por elas se define o objecto e se delimita o âmbito deste - cfr. o nº 3 do art. 684° e os nºs 1 e 3 do art. 690°, ambos do CPC) e verificar se, perante tais conclusões, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, a sua apreciação implica a necessidade de dirimir questões de facto (ou porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, ou porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, ou, ainda, porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa).
E se o recorrente suscitar qualquer questão de facto, o recurso já não terá por fundamento exclusivamente matéria de direito, ficando, desde logo, definida a competência do Tribunal Central Administrativo, independentemente da eventualidade de, por fim, este Tribunal vir a concluir que a discordância sobre a matéria fáctica, ou que os factos não provados alegados são irrelevantes para a decisão do recurso.
No caso vertente, nas ditas Conclusões 6ª, 7ª, 9ª, 15ª, 20ª e 21ª o recorrente alega, na verdade, matéria de facto.
Porém, melhor vistos os autos, nomeadamente o teor das Conclusões seguintes, resulta que o recorrente acaba por não extrair consequências jurídicas daquela factualidade, centrando a questão do recurso na de saber se, no caso, há, ou não, erro de julgamento por parte do despacho recorrido quanto ao entendimento de que, face ao disposto no art. 147º do CPPT, se verifica erro na forma de processo, por as causas de pedir invocadas serem adequadas ao processo de impugnação judicial e ao recurso da decisão de aplicação de coima, não constituindo fundamento de intimação para um comportamento.
Ou seja, embora no recurso se invoque aquela referida factualidade, trata-se de factualidade que, em abstracto, é indiferente para o julgamento da causa e não interfere com a pretendida interpretação e aplicação da norma jurídica questionada, até porque, tratando-se de despacho liminar de indeferimento, por ocorrência de erro na forma de processo, o que importa apreciar é a verificação, ou não, de tal erro, em face do pedido e da causa de pedir.
Por isso, conclui-se que o recurso tem por fundamento exclusivamente matéria de direito, sendo, por isso, competente para o seu conhecimento a Secção do Contencioso Tributário deste STA.
4. Vejamos, então, a questão a decidir, que é a de saber se o despacho recorrido enferma de erro de julgamento por ter indeferido liminarmente, com os fundamentos nele exarados, a presente intimação.
4.1. Dispõe-se nos nºs. 1 a 3 do art. 147º do CPPT:
«1 - Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente.
2 - O presente meio só é aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no presente Código, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa.
3 - No requerimento dirigido ao tribunal tributário de 1ª instância deve o requerente identificar a omissão, o direito ou interesse legítimo violado ou lesado ou susceptível de violação ou lesão e o procedimento ou procedimentos a praticar pela administração tributária para os efeitos previstos no n° 1.»
4.2. A intimação para um comportamento, prevista neste art. 147º do CPPT, exige, portanto, como seus requisitos cumulativos a omissão de um dever jurídico por parte da administração tributária susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária e que essa intimação seja o meio mais adequado para assegurar a tutela plena desse direito ou interesse.
Daí que, como salienta o Cons. Jorge de Sousa (CPPT, anotado, 5ª ed., Vol. I, pags. 1083 e 1084, Anotação 3 ao art. 147º), a utilização deste procedimento, visando obter o cumprimento de um dever pela AT, suponha «que esteja definida previamente a existência deste, uma vez que, ao contrário do que sucede com a acção administrativa especial para condenação à prática de acto devido, não se inclui no processo de intimação uma fase declarativa.
Tal definição da existência de um dever pode resultar directamente da lei, quando se esteja em face de direitos cuja existência não necessite de actos de aplicação ou decorra necessariamente de determinada situação fáctica».
Ora na presente intimação o recorrente requereu que o DGI, representado pelo Serviço de Finanças de Sintra 2, seja intimado a suspender a execução fiscal que contra ele corre termos nesse Serviço de Finanças, com o n° 3549200801237993; a devolver-lhe a quantia de 194,58 Euros, indevida e ilegalmente penhorada; e a ordenar a notificação da respectiva entidade patronal para proceder ao imediato cancelamento da penhora de 1/6 do salário do requerente.
E, como flui da respectiva Petição Inicial, o recorrente substanciou a omissão do dever jurídico por parte da AT no seguinte:
- no facto de esta não ter tomado a iniciativa de mandar arquivar o processo de execução fiscal, apesar de (tendo este sido instaurado com o fundamento de o recorrente oferecer serviços de astrologia e nunca ter declarado nem IRS, nem IVA às Finanças, desde o ano de 2004), ser falso que o requerente alguma vez tenha exercido qualquer função de astrólogo ou tenha oferecido quaisquer serviços relacionados com astrologia, pois que desde 2001 trabalha por conta de outrem, entregando nas Finanças as respectivas declarações de IRS em sintonia como os rendimento obtidos através do seu trabalho;
- no facto de a AT ter apresentado queixa contra ele, pela prática do crime continuado de burla, mas o respectivo processo (nº 123/05.0PDLRS, que correu os seus termos na 1ª secção dos Serviços do MP de Loures) ter tido despacho de arquivamento proferido pelo MP, acabando a própria AT por desistir da queixa apresentada, o que, igualmente, sucedeu no processo n° 116/09.3IDLSB, que correu termos na 3ª secção do MP, DIAP, da Comarca da Grande Lisboa - Noroeste, instaurado por queixa contra o recorrente, por crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103° do RGIT, no qual também a AT veio propor o arquivamento, por a mesma factualidade estar em investigação no outro citado inquérito nº 123/05-0PDLRS;
- no facto de nesses autos de inquérito ter ficado apurado que o requerente não era a pessoa contra quem foi apresentada a queixa, por ter havido usurpação da sua identidade, e ter ficado apurado que ele não exerceu, nos anos de 2004 e 2005, outra actividade para além de servente de pedreiro ou pintor da construção civil, tendo havido alguém que, usurpando a sua identidade, agiu em seu nome e, sem o seu consentimento, auferiu rendimentos de 97.000,00 Euros e 38.000,00 Euros, nesses respectivos dois anos, rendimentos esses que tinham sido obtidos pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, através do recurso a métodos indirectos, com correcção do rendimento ilíquido declarado em sede de IRS, em face de indícios detectados pela Polícia Judiciária;
- e na circunstância de, uma vez que o MP e a AT concluíram que houve usurpações da identidade do requerente, considerar que seria normal que aquela tomasse a iniciativa de mandar arquivar a execução fiscal contra o recorrente, o que não fez.
E, no entendimento do recorrente, em face destes factos resulta uma omissão do dever jurídico, por parte da AT, que justifica a apresentação da presente intimação para um comportamento, à luz do art. 147º do CPPT.
4.3. Mas, como se referiu, o despacho recorrido entendeu que, face aos pedidos formulados e à causa de pedir invocada, se verifica erro na forma de processo, por tal causa de pedir não ser adequada a fundamentar o presente pedido de intimação, já que este visa o cumprimento de um dever por parte da AF, que assenta na prévia definição da existência desse dever, o que não resulta dos autos, resultando, antes, controvertida a legalidade do próprio acto tributário e das coimas aplicadas.
E, a nosso ver, o despacho recorrido decidiu de acordo com a lei aplicável.
Sendo certo que o erro na forma de processo (art. 199° do CPC) ocorre quando o autor usa de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão (é entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico que a ocorrência deste erro deve aferir-se pelo pedido formulado na acção), sendo em face dessa pretensão que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito, vemos, por um lado, que nos termos acima expostos, a intimação não é meio adequado à pretensão de suspensão da execução e de devolução das quantias nela já penhoradas, e vemos, por outro lado, que, de todo o modo, também a evidência do bom fundamento jurídico das pretensões do recorrente (suspensão do prosseguimento da execução fiscal; devolução da quantia de 194,58 Euros; e notificação da respectiva entidade patronal para proceder ao imediato cancelamento da penhora de 1/6 do salário do requerente) não resulta do teor do requerimento apresentado.
E não colhe a alegação (cfr. Conclusões 11ª a 14ª) de que não está em causa a legalidade do próprio acto tributário e das coimas aplicadas uma vez que a liquidação dos impostos e as coimas a ela associadas devem ser consideradas inexistentes e que, assim, o que está em causa é um dever da AT em mandar arquivar o processo executivo fiscal e cancelar a penhora do salário do recorrente por estar em causa a sua legitimidade passiva na relação jurídico tributária, tal como apresentada pela administração fiscal, ainda que por erro, sendo, por isso, inexistente a presente execução, que configura manifestamente um acto nulo por ofender um conteúdo essencial de um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art. 133°, n° 2, al. d) do CPA.
Com efeito, embora haja de recorrer-se (por aplicação subsidiária do disposto nos arts. 2°, al. d) do CPPT e 2°, al. c) da LGT) ao que quanto a esta matéria dos actos administrativos nulos dispõe o CPA, verificamos que nos termos daquele referido art. 133º «são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade», daqui decorrendo, portanto, que os vícios do acto impugnado são, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (cfr. arts. 133°, nº 1, e 135° do CPA), sendo, ainda, admissível o vício da inexistência jurídica, a que se alude nos arts. 124º, 137° e 139°, todos do CPA.
Optou-se, ali, por um regime misto na previsão dos vícios que conduzem à nulidade do acto administrativo: admitiu-se o critério da nulidade por natureza (princípio da cláusula geral), mas, por outro lado, combinou-se este critério com o da enumeração exemplificativa - a chamada nulidade por determinação da lei.
Como ensinam Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, pag. 247) «a nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o regime-regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135° do CPA, segundo o qual são anuláveis os “actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.”
(...) A anulabilidade constitui uma forma de invalidade do acto administrativo que se reconduz à violação de uma regra ou de um princípio jurídico de natureza formal (de competência, de forma ou de trâmite) ou substantiva. No primeiro grupo, incluem-se: (a) a violação de regras relativas à competência do autor do acto, quando não envolvam as situações extremas de falta de atribuições, geradoras de nulidade (incompetência relativa); (b) vícios de forma, que poderão consistir na preterição de formalidades no âmbito do procedimento administrativo (arts. 54° e segs. do CPA), na omissão ou deficiência respeitante à forma do acto (art. 120º do CPA), desde que não se reconduza à carência absoluta da forma legal, ou na omissão ou deficiência atinente à Enunciação do objecto e dos elementos do acto (art. 123º do CPA)».
Em suma, serão, pois, nulos os actos tributários a que falte algum dos seus elementos essenciais (elementos essenciais dos actos tributários serão aqueles que sejam necessários para assegurar a sua exequibilidade) e os actos indicados no nº 2 do art. 133º do CPA, entre os quais constam os que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental e os que ofendam os casos julgados.
Ora, se por um lado, se podem definir os direitos fundamentais como sendo os que «conferem posições jurídicas subjectivas individuais e permanentes, com a finalidade principal de proteger a liberdade e a dignidade das pessoas» (Cfr. Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pág. 87, citado no ac. deste STA, de 8/1/2006, rec. 0901/05) também, por outro lado, como aponta o cons. Jorge de Sousa (CPPT anotado e comentado, Volume I, 5ª edição, 2007, anotação 7 ao art. 124º, pags. 881/882), embora a liquidação ilegal de qualquer imposto acarrete uma ofensa do direito de propriedade, que é um dos direitos fundamentais, já que estes serão todos os englobados na Parte I da CRP, que tem a epígrafe «Direitos e deveres fundamentais», pelo que tal qualificação é de estender aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, incluídos no Título III dessa Parte I, em que se engloba o direito de propriedade privada (art. 62°), «nem todas as liquidações ilegais se podem considerar feridas de nulidade, já que a lei expressamente prevê para elas a sanção da anulabilidade, como se depreende do facto de prever um prazo para a sua impugnação (art. 102° deste Código).
Não é qualquer ofensa de um direito fundamental que a alínea d) do nº 2 do art. 133° do Código do Procedimento Administrativo, mas apenas as ofensas do seu conteúdo essencial.
Uma ofensa deste tipo só ocorrerá quando perante ela o direito fundamental afectado fique sem expressão prática apreciável, o que não é o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários.
Por outro lado, entre as violações possíveis de direitos por normas tributárias, a sanção mais grave da nulidade, por razões de proporcionalidade, terá de ser reservada para os actos que representam mais graves violações dos direitos tributários.»
Ora, no caso, o fundamento da intimação que o recorrente invoca é a própria ilegalidade (por alegada inexistência de incidência objectiva e subjectiva) da liquidação subjacente à dívida exequenda, ou seja, não é a nulidade do acto tributário em si, mas sim a ilegalidade da liquidação por inexistência do facto tributário gerador do imposto.
Nem estamos, portanto, nem perante acto tributário a que se impute a falta de algum dos seus elementos essenciais, nos termos acima mencionados (elementos que sejam necessários para assegurar a sua exequibilidade), nem perante ofensa de um direito fundamental, para efeitos de se considerar que impende sobre a AT o dever jurídico de mandar arquivar o processo executivo fiscal e cancelar a penhora ali efectuada.
4.4. E não sendo, como se disse, a intimação para um comportamento o meio processual adequado à definição de direitos e interesses em matéria tributária, antes visando assegurar de foram rápida a efectivação de direitos cuja existência e titularidade no requerente são evidentes, é de concluir que, no caso presente e atenta a factualidade invocada, essa evidência não se manifesta, desde logo porque a factualidade invocada não se subsume a qualquer prévia e definitiva existência do dever, por parte da AT, que seja decorrente da lei ou, necessariamente, da referida situação fáctica invocada.
Acresce que a concessão de moratória ou a suspensão da execução fiscal, fora dos casos previstos na lei, não é admissível, sendo mesmo fundamento de responsabilidade tributária subsidiária (cfr. o nº 3 do art. 87º do CPPT) e acresce, por outro lado, que os factos alegados não reflectem uma evidente ilegalidade da liquidação que originou a dívida da execução fiscal em causa, ainda que em termos de causa de pedir sejam adequados, como se diz no despacho recorrido, a fundamentar eventual impugnação judicial da liquidação ou recurso da decisão de aplicação de coima, meios processuais idóneos a garantir uma tutela plena, efectiva e eficaz dos direitos ou interesses legítimos dos contribuintes, sendo que a circunstância de o prazo para a dedução de impugnação ou recurso estar, eventualmente, precludido não determina, no caso, a propriedade do meio de intimação para um comportamento nem, ao invés do sustentado pelo recorrente na Conclusão 26ª do recurso, que não exista no CPPT qualquer outro meio processual que possa assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos seus direitos ou interesses, até porque, além do mais, o recorrente também dispõe, ainda agora e atempadamente, no âmbito do CPPT, de outros meios processuais capazes de lhe garantir uma tutela plena, efectiva e eficaz dos seus direitos ou interesses legítimos patrimoniais que possam ser lesados pelas decisões do órgão de execução fiscal, designadamente a reclamação prevista no art. 276º do CPPT, adequada a ajuizar dos formulados pedidos de suspensão (extinção) da execução e devolução das quantias pagas e eventual consequente cancelamento da penhora. Podendo, mesmo, equacionar-se a possibilidade de o recorrente vir, simultaneamente, a requerer, também, a revisão do acto tributário, atento o disposto nos nºs. 1 e 7 do art. 78º da LGT, pois que, por iniciativa da Administração, o acto pode ser revisto, a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago.
4.5. E pelas mesma razões não colhe, igualmente, a alegação constante das Conclusões 27º a 38º, pois que, não se discordando que no art. 103º da CRP se estatui, além do mais, o princípio da legalidade dos impostos, importa referir que o direito de não pagamento de impostos referido no nº seu 3 apenas ocorre «no caso de eles terem sido criados de forma inconstitucional (designadamente, por não terem sido criados pela AR, ou mediante autorização sua)» ou «quando a sua liquidação e cobrança se não façam «nas formas prescritas na lei» (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2007, Anotação VII ao art. 103º, pag. 1092).
E, no caso, a alegação do recorrente também não se reconduz à invocação de que a liquidação ou a cobrança aqui em causa hajam desrespeitado as formas prescritas na lei, antes se reconduzindo, como se disse, à invocação de factualidade que pretende imputar à liquidação a ilegalidade, concreta, decorrente da alegada falta de incidência objectiva e subjectiva do respectivo imposto e da alegada inexistência do facto subsumível ao respectivo tipo de contra-ordenação.
Por isso que, dado o também disposto no nº 2 do art. 147º do CPPT, os factos ora invocados também não sejam susceptíveis de integrar os pedidos formulados em sede da presente intimação para um comportamento.
De todo o modo, E assim, não vindo impugnado o segmento em que o despacho recorrido conclui pela insusceptibilidade de ser ordenada a convolação dos autos para a forma adequada, nos termos do disposto no nº 3 do art. 97° da LGT e no n° 4 do art. 98° do CPPT, em resultado de não se verificarem os pressupostos processuais para proceder a tal adequação, nenhuma censura suscita a decisão recorrida ao concluir que, configurando a intimação deduzida um meio inadequado à pretensão do recorrente, indeferiu liminarmente a respectiva petição, por erro na forma de processo, manifestamente insanável.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 30 de Março de 2011. - Casimiro Gonçalves (relator) - Brandão de Pinho - Isabel Marques da Silva.