Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:029/21.5BALSB
Data do Acordão:09/22/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe, para além do mais, que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas.
II - Para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam: - Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica; - Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
III - A matéria de direito apreciada na decisão recorrida e nas decisões fundamento não são idênticas, já que na decisão arbitral recorrida estava em causa a aplicação do artigo 51º-C, do CIRC e na decisão arbitral fundamento estava em causa a aplicação do artigo 32º do EBF, o que significa que a análise da realidade apontada nos processos em apreço foi manifestamente substanciada, em termos concretos, com contributos jurídicos distintos, circunstância que justifica, só por si, a existência de decisões finais com sentidos contrários, sendo que identificada esta falta de identidade da questão fundamental de direito, o que significa que tem de ser negativa a resposta à questão de saber se as duas decisões arbitrais em alegada oposição se pronunciaram efectivamente em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica, dentro de um igual enquadramento fáctico e jurídico.
IV - Na decisão arbitral recorrida foi decisiva a posição assumida no sentido de que o regime participation exemption, introduzido no art. 51.º-C do Código do IRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16-01, constituindo uma alteração ao regime geral da relevância fiscal das mais e menos valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, que não substitui, nem sucede, ao regime especial consagrado no art.º 32.º do EBF e que a revogação do art.º 32.º do EBF, operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, com efeitos a partir de 01/01/2014, fez cessar este regime especial, e, consequentemente, a exclusão da tributação das mais e menos valias abrangidas por esse regime especial, de modo que, tendo cessado a referida exclusão no exercício de 2014, não poderá, quanto à tributação devida nesse exercício, aplicar-se essa mesma exclusão, o que implica que está em causa uma alteração substancial da regulamentação jurídica, o que quer dizer que, embora a factualidade seja similar em ambas as situações, a verdade é que houve uma alteração substancial do enquadramento da situação em apreço, sendo clara a diferença em termos de análise por parte das duas decisões em presença.
Nº Convencional:JSTA000P28158
Nº do Documento:SAP20210922029/21
Data de Entrada:02/23/2021
Recorrente:A..............., SGPS, SA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
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Processo n.º 29/21.5BALSB (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)



Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“A…………., SGPS, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. nº 524/2019-T - que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado contra a liquidação de IRC n.º 2017 8310030435, referente ao ano de 2014, a respectiva liquidação de Juros Compensatórios n.º 2017 00000224960 e, bem assim, contra a demonstração de acerto de contas n.º 2017 00006501872, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, por se mostrar em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão arbitral proferida no Proc. nº 392/2017-T.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

i. O presente recurso de uniformização de jurisprudência é interposto a coberto do artigo 25.º, n.º 2, do RJAT e tem por objeto a sentença proferida no pedido de pronúncia arbitral que correu termos, junto do Centro de Arbitragem, sob o n.º 524/2019-T e que julgou improcedente aquele pedido de pronúncia arbitral contra a liquidação adicional de IRC n.º 2017 8310030435, referente ao exercício de 2014, contra a liquidação de Juros Compensatórios n.º 2017 00000224960 e a respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2017 00006501872, da qual resultou imposto a pagar no valor de € 343.356,33 e, bem assim, contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

ii. A questão essencial a dirimir no presente recurso prende-se com saber se a revogação do artigo 32.º, do EBF, efetuada através da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, afasta a jurisprudência decorrente dos acórdãos proferidos, de forma reiterada, e perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, nos processos arbitrais n.ºs 392/2017-T, referente ao IRC de 2011, 2/2019-T, referente ao IRC de 2012 e 3/2019-T, referente ao IRC de 2013.

iii. Como demonstrado no presente recurso, nenhum fundamento existe para que o acórdão recorrido se tenha afastado, nos presentes autos, das conclusões alcançadas nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.ºs 392/2017-T, referente ao IRC de 2011, 2/2019-T, referente ao IRC de 2012 e 3/2019-T, referente ao IRC de 2013 e que determinaram a anulação daquelas liquidações.

iv. O presente recurso centra-se em saber se o artigo 32.º, do EBF deve ser interpretado no sentido de ser aplicado às mais-valias e menos-valias latentes (potenciais) ou deve ser interpretado de forma literal.

v. O acórdão recorrido veio, de forma laboriosa, mas errada, sustentar que, no caso vertente, não era aplicável o artigo 32.º, do EBF atenta a sua revogação pela Lei do Orçamento de Estado para 2014, a partir de 1 de janeiro de 2014, sendo que o acórdão recorrido entende que aquele regime não foi substituído pela participation exemption, consagrado no artigo 51.º-C, do CIRC.

vi. Desde logo, o acórdão recorrido é ilegal quando considera que o artigo 32.º do EBF não foi substituído, após a sua revogação, pelo regime da participation exemption, entendimento que é contrariado, perante idêntico enquadramento, quer de facto, quer de direito, pelo acórdão proferido, em 27 de novembro de 2019, no processo n.º 496/2018-T e também pela própria jurisprudência do STA, em especial, pelo acórdão proferido, em 4 de março de 2020, no processo n.º 083/19.0BALSB;

vii. Acresce que, o acórdão recorrido é, ainda, completamente contrariado pela jurisprudência arbitral quando conclui que a partir da revogação do artigo 32.º do EBF, esta disposição legal não é aplicável a factos que ocorreram durante a sua vigência, sendo este entendimento do acórdão recorrido é rebatido, perante idêntico enquadramento, quer de facto, quer de direito, pelo acórdão do Tribunal Arbitral proferido em 23 de outubro de 2020 no processo n.º 35/2019-T.

viii. Ultrapassada esta questão prévia, que permitiu ao acórdão recorrido afastar a jurisprudência reiterada dos Tribunais Arbitrais sobre a interpretação e aplicação do artigo 32.º do EBF, a ora Recorrente logrou demonstrar que se impõe uma interpretação atualista do artigo 32.º do EBF que tem tido acolhimento reiterado na jurisprudência formada nos processos n.ºs 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2017- T.

ix. Conforme resulta da matéria de facto dada como provada pelo acórdão recorrido, em especial, dos artigos 12. e 13. da matéria de facto dada como provada verifica-se que i) em 2011, a ora Recorrente alienou a participação que detinha no capital social do Banco ……………. e que, na sequência dessa alienação, a Recorrente reconheceu como proveito do exercício de 2011, na conta “7862101” - Alienação de ativos financeiros, o valor de € 7.768.698,68, correspondente ao ajustamento decorrente da aplicação do modelo do justo valor às ações que detinha no final do exercício de 2009.

x. Sendo que, como bem reconhece o acórdão recorrido, embora o Decreto-Lei n.º 159/2009 tenha passado a aceitar a tributação pelo justo valor em determinadas situações, por força do artigo 18.º, n.º 9, do CIRC, e para o futuro, ou seja, de 2010 em diante, o legislador ciente que para efetivar essa mudança de paradigma, que implica que os activos detidos pelas empresas teriam de ser recalculados (contabilística e fiscalmente) para se poder assumir o novo modelo de contabilização e que a diferença de valor entre o custo histórico e o justo valor à data da entrada da nova lei iria originar uma variação patrimonial, que seria sujeita a tributação (seja positivo ou negativo o seu valor) e ciente do impacto que isso poderia ter - comprimir num ano, os ganhos “potenciais” de vários anos, com reflexo na receita fiscal e liquidez dos sujeitos passivos - a lei, por via de uma disposição transitória, dilui esse efeito, repartindo-o por 5 anos (1/5 por ano), de 2010 a 2014, inclusive;

xi. Sendo que, nos presentes autos, está em causa a repercussão desses efeitos em 2014;

xii. Como reconhece o próprio acórdão recorrido, a alienação da participação detida pela Recorrente no Banco ………… ocorreu em 2011 e foi nesse ano que a ora Recorrente reconheceu na sua contabilidade o ganho de € 7.768.698,68, correspondente ao ajustamento do justo valor às ações que detinha no final de 2009;

xiii. Desde logo, a jurisprudência arbitral e do STA não deixam margem para dúvidas: o legislador substituiu o regime constante do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, que implicava uma vantagem decorrente da isenção de mais-valias da alienação de participações sociais e uma desvantagem decorrente da não dedutibilidade de custos de financiamento para a aquisição dessas participações sociais, por um outro critério que permite que as sociedades possam beneficiar não apenas da isenção de mais-valias como também da dedução dos encargos financeiros segundo o regime geral, o que se traduz num benefício adicional relativamente ao regime anterior (cfr. acórdão do STA proferido, em 4 de março de 2020, no processo n.º 083/19.0BALSB, disponível em www.dgsi.pt e acórdão arbitral proferido, em 27 de novembro de 2019, no processo n.º 496/2018-T e disponível em www.caad.org.pt);

xiv. Fica, pois, completamente esclarecido que, contrariamente ao que sustenta o acórdão recorrido, o artigo 32.º do EBF foi substituído pelo regime da participation exemption, previsto no artigo 51.º-C, do CIRC, entendimento este que resulta claro da citada jurisprudência do STA e dos tribunais arbitrais, colidindo frontalmente com o entendimento pouco claro e forçado do acórdão recorrido na tentativa de afastar a aplicabilidade do artigo 32.º do EBF ao caso vertente;

xv. Contudo, o erro de análise do acórdão recorrido não se limitou ao entendimento de que o regime da participation exemption substituiu (ainda que tem um âmbito de aplicação mais amplo) não substituiu o regime fiscal previsto no artigo 32.º do EBF.

xvi. O acórdão recorrido foi mais longe e concluiu que a partir da entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2014, o artigo 32.º do EBF deixava de ser aplicado, mesmo aos factos anteriores à sua revogação.

xvii. Mais uma vez, a jurisprudência do STA e arbitral, ao interpretar doutamente este regime esclarece, como não poderia deixar de ser atenta o princípio constitucional da protecção da confiança, resultante do artigo 2.º da CRP que o artigo 32.º do EBF continua a ser aplicado, mesmo após a sua revogação aos factos anteriores à sua revogação.

xviii. Subscreve-se, na sua totalidade, as felizes palavras utilizadas no acórdão proferido no processo n.º 35/2019-T, ao concluir que não é possível ao intérprete e aplicador do artigo 32.º, n.º 2, do EBF concluir que a um facto ocorrido na vigência da lei revogada não é aplicável nem a lei revogada, nem o regime que o substituiu;

xix. Acontece, porém, que embora tenha sido demonstrada a linha de continuidade, que existe, entre o artigo 32.º, n.º 2, do EBF e o artigo 51.º-C, do CIRC, a boa decisão dos presentes autos resulta da aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF e, consequentemente, pelo acolhimento do douto entendimento dos acórdãos 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T que, perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, determinaram a anulação das correções promovidas pela Administração Tributária.

xx. Com efeito, esclarece o artigo 12.º, n.º 1, da LGT as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos, sendo que o artigo 12.º, n.º 1, do CC estabelece que a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular;

xxi. Sendo que, de acordo com o n.º 2, segunda parte, do artigo 12.º do CC, só quando a lei dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, é que se entende, em caso de dúvida, que abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor;

xxii. O que significa que, como regra, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, 1.ª parte do CC, quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos, pelo que, para os factos anteriores e seus efeitos, verifica-se a lei antiga;

xxiii. Neste contexto, importa ter presente que o artigo 11.º do EBF estabelece expressamente que as normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respectivo, em tudo que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário;

xxiv. Após este trajeto normativo, impõe-se a conclusão de que o benefício fiscal consagrado no artigo 32.º, n.º 2 do EBF determina a salvaguarda dos direitos adquiridos durante a sua vigência, o que significa que o seu regime é aplicável a esses factos, mesmo após a sua revogação, operando-se, como ensina Sá Gomes, o fenómeno de “ultra-atividade” (cfr. quanto a aplicação do artigo 32.º do EBF no tempo o acórdão proferido em 23 de outubro de 2020 no processo n.º 35/2019-T, disponível em www.caad.org.pt e que se revela, mais, uma vez, em frontal contradição com o entendimento preconizado no acórdão recorrido relativamente à aplicação no tempo do artigo 32.º, n.º 2, do EBF);

xxv. Conclui-se, pois, que a não só o acórdão recorrido erra ao sustentar que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF não teve continuidade no regime da participation exemption do artigo 51.º-C, do CIRC, como erra ao sustentar que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF não pode ser aplicado no caso vertente. Estes dois erros de análise permitiram ao Tribunal a quo afastar a jurisprudência dos Tribunais Arbitrais proferida nos processos n.ºs 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, a qual como veremos está em flagrante contradição com a do acórdão recorrido e serve de fundamento ao presente recurso de uniformização de jurisprudência;

xxvi. Independentemente da existência (como sustenta e demonstra a Recorrente) ou inexistência (como sustenta a Recorrida) de continuidade do regime da participation exemption relativamente ao regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, o certo é que os presentes autos deverão, como demonstrado, ser decididos também à luz do artigo 32.º, n.º 2, do EBF à semelhança do que sucedeu nos processos n.ºs 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T e que se encontram em flagrante contradição com o decidido no acórdão recorrido;

xxvii. Desde logo, constituem factos essenciais para a decisão do presente recurso de uniformização de jurisprudência, dados como provados no processo n.º 392/2017-T (comuns também ao processo n.º 2/2019-T e 3/2019-T), e que, sublinhe-se, desde já, são os mesmos que estão em causa nos presentes autos que (…) h) Assim, em 31/12/2010, a requerente tinha 1.535.974 ações do ………., cujo valor de aquisição totalizava 9.927.570,92 € e o valor de mercado (justo valor) ascendia a 12.177.201,97 €; i) Em 2010, a requerente contratou um instrumento derivado de cobertura, como forma de mitigar as flutuações de mercado do título …………; j) Em 2011, a requerente alienou 1.535.876 ações do …………….., cujo valor de aquisição totalizava 9.926.710,30, pelo valor de 13.310.069,49 € l) Esta venda gerou uma grande mais-valia contabilística (de 9.016.187,89 €), mas que a requerente não levou a tributação na sua autoliquidação de 2011, por entender que beneficiava da isenção descrita no artigo 32.º, n.º 2, do EBF (redação e vigência em 2011)” (cfr. acórdão do Tribunal Arbitral proferido, em 21 de março de 2018, no processo n.º 392/2017-T, disponível em www.caad.org.pt (enquadramento factual idêntico nos processos n.ºs 2/2019-T e 3/2019-T, relativos ao IRC dos exercícios de 2012 e 2013);

xxviii. Como bem se refere no processo n.º 392/2017-T a questão fundamental em apreciação nos presentes autos centra-se em saber se o artigo 32.º do EBF é aplicável ou não às participações sociais às quais se aplica o regime de justo valor do artigo 18.º, n.º 9, alíneas a) ou b) do CIRC;

xxix. Sendo que, como também sublinha o acórdão proferido no processo n.º 392/2017-T, se se considerar apenas o elemento literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, apenas estariam isentas as mais-valias realizadas obtidas pelas SGPS, enquanto que o artigo 18.º do CIRC consagra a relevância fiscal de mais-valias potenciais (ganhos contabilizados ao justo valor em resultados) para algumas situações, nomeadamente, a prevista na alínea a);

xxx. Ao apreciar os fundamentos, quer de facto, quer de direito, refere aquele Acórdão que “Não oferece dúvidas que o art. 32.º, n.º 2, do EBF consagra uma isenção - um benefício fiscal - (...) ou seja, o legislador considerou que o interesse público ligado ao desenvolvimento das SGPS justificava a não tributação das mais-valias obtidas por estas sociedades com a alienação de partes de capital, preenchidos que fossem determinados requisitos. Requisitos que se verificam no caso concreto.” (cf. acórdão proferido no processo n.º 392/2017-T);

xxxi. Como observa o Tribunal Arbitral naquele Acórdão “É, por outro lado, claro para o tribunal que existe uma manifesta e incompreensível dessintonia entre o disposto nos art. 32.º, n.º 2 do EBF e o previsto no art. 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, bem como que a coerência e a racionalidade do sistema de tributação das SGPS parecem impor que todas as mais-valias por elas obtidas com a alienação de partes sociais estejam isentas (desde que verificados os demais pressupostos legais), pois que foi ao interesse extra fiscal que o legislador quis dar a primazia ao prever a isenção constante da primeira das referidas normas.” (cf. pág. 10 do cit. Documento n.º 1, correspondente ao acórdão proferido no processo n.º 392/2017-T);

xxxii. Aquele acórdão arbitral afasta, ainda, uma interpretação meramente literal do artigo 32.º do EBF sustentada pela Administração Tributária ao referir que “Na verdade, a interpretação estritamente literal do n.º 2 do art.º 32.º do EBF, sustentada pela AT, resultaria num tratamento diferenciado injustificado de sociedades que se encontrem em situações materialmente idênticas, por evidenciarem igual capacidade contributiva. (…) Porém, uma interpretação que atenda, para além do sentido literal (atual) do preceito, também aos elementos sistemático e teleológico e às exigências dos princípios constitucionais mencionados, admite aplicação do art. 32.º, nº 2, do EBF, às mais-valias latentes (potenciais).” (cf. pág. 14 do acórdão);

xxxiii. Após proceder a uma análise aprofundada do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, refere o Tribunal Arbitral no acórdão 392/2017-T que impõe-se “(...) uma interpretação atualista do art. 32.º, n.º 2, do EBF, de que decorre que se retire do preceito o sentido interpretativo de que o mesmo acolhe a isenção das mais-valias obtidas pelas SGPS, nas condições aí previstas, independentemente de a sua relevância fiscal acontecer apenas no momento da sua transmissão (princípio da realização) ou ao longo dos diferentes exercícios pelos quais se prolongue a sua detenção (justo valor).” (cf. pág. 16 do cit. acórdão proferido no processo n.º 392/2017-T);

xxxiv. Assim, concluiu o Tribunal Arbitral no processo arbitral n.º 392/2017-T que “Por nós, a essas acções também se aplica a isenção do art. 32.º, n.º 2, do EBF: ou porque mediaram mais de 12 meses entre a data de aquisição em 2010 e a de venda em 2011 (e por isso a AT não introduziu esse dado que poderia ser relevante para o ato tributário, ou então sibi imputet); mas sobretudo - e foi por esta razão que ambas as partes entendem ultrapassados os 12 meses de detenção, porque tal aquisição “resulta de conversão de direitos adquiridos sobre ações detidas há mais de 1 ano”. E perante isso, a própria AT entendeu (e bem) que a data de aquisição, para cálculo e tratamento de ulteriores mais e menos valias, não ocorreu em 2010, mas da data de aquisição das ações donde brotaram tais direitos - o que sucedeu antes de 2010 (há mais de um ano). Quer dizer: a AT não invocou este “argumento” por esquecimento, mas porque entendeu que as ações de 2010 foram adquiridas para efeitos da aplicação do art. 32.º, n.º 2, do EBF, na data de aquisição dos títulos a montante donde resultaram depois os referidos direitos.” (cf. pág. 18 do cit. acórdão proferido no processo n.º 392/2017-T);

xxxv. Ou seja, aquele douto acórdão – que se encontra, perante os mesmos factos e o mesmo enquadramento de direito, em clara contradição com o acórdão recorrido - clarificou que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF deveria ser interpretado de forma atualista, concluindo-se pela isenção das mais-valias obtidas pelas SGPS, nas condições aí previstas, independentemente de a sua relevância fiscal acontecer apenas no momento da sua transmissão (princípio da realização) ou ao longo dos diferentes exercícios pelos quais se prolongue a sua detenção (justo valor);

xxxvi. Esta mesma conclusão quanto à interpretação e aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, alcançada no processo n.º 392/2017-T foi, pois, alcançada nos processos n.ºs 2/2019-T e 3/2019-T (cfr. Documentos n.ºs 2 e 3);

xxxvii. Ficou, pois, demonstrado através do presente recurso que também no exercício de 2014 deverá ser aplicado o artigo 32.º, n.º 2, do EBF assente na interpretação atualista propugnada nos acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T que determina a isenção de tributação das mais-valias enquadráveis no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, com a consequente anulação das de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios do ano de 2014, com a consequente restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios (cfr. ponto 30. da matéria de facto dada como provado no acórdão recorrido).
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO E SUBSTITUÍDO POR UM ACÓRDÃO QUE DÊ TOTAL PROVIMENTO À PRETENSÃO DA RECORRENTE, RECONHECENDO A ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE IRC N.º 2017 8310030435 E, BEM ASSIM, DA LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS N.º 2017 00000224960 COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE, A RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO INDEVIDAMENTE PAGO, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS.”

O recurso foi admitido por despacho de 22-04-2021, sendo que imediatamente antes foi decidido, na medida em que as três decisões arbitrais fundamento indicadas são praticamente idênticas, que o Tribunal terá apenas em consideração como acórdão fundamento a decisão proferida no processo arbitral nº 392/2017-T.

Foi cumprido o disposto no artigo 25º nº 5 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não conhecimento do recurso por falta do necessário pressuposto - falta de identidade da questão fundamental de direito.

Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.




2. FUNDAMENTOS

2.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão arbitral recorrida o seguinte:

“…

1- A Requerente é uma sociedade anónima, constituída em 2004, que reveste a natureza de SGPS e tem por objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades.

2- A Requerente detinha, no final do exercício de 2009, 1.516.483 ações no Banco ……………….., representativas de uma participação no capital social inferior a 5%, registadas ao valor de aquisição (€9.746.679,97), tendo feito o seu ajustamento para o justo valor (€15.515.378,65), e reconhecendo essa variação positiva (€7.768.698,68) nos capitais próprios, mais propriamente numa conta de reservas.

3- Aquando a entrada em vigor do SNC, em 01-01-2010, a Requerente optou, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 158/2209, pela aplicação das NICs/IAS no tratamento contabilístico dos seus instrumentos financeiros.

4- A partir de 2010, o reconhecimento e mensuração dos instrumentos financeiros passou a reger-se pela IAS 39 e não pela NCRF 27.

5- A Requerente contabilizou as acções do ……………. como activos financeiros disponíveis para venda.

6- A Requerente não tem refletido as variações do justo valor das ações do ……………. e do respetivo instrumento de cobertura no capital próprio, mas sim nos resultados.

7- Em 2010, a Requerente contratou com entidades especializadas do setor financeiro a utilização de derivados de cobertura com vista à redução da exposição a variações das cotações das ações do ……………….

8- Para cada exercício e relação de cobertura, a Requerente preparou, no início da operação, documentação sobre os seguintes aspetos: objetivos de gestão de risco e estratégia associada à realização da operação de cobertura, de acordo com as políticas de cobertura de risco definidas; descrição do risco coberto; identificação e descrição dos instrumentos financeiros cobertos e de cobertura; método de avaliação da eficácia de cobertura e periodicidade da sua realização, tendo, para este efeito, sido efetuados testes de eficácia da cobertura através da comparação da variação no justo valor do instrumento de cobertura e do elemento coberto, situando-se esta relação num intervalo entre 80% e 125%.

9- As ações do Banco ………………….. estavam indexadas a uma operação de cobertura, cujo instrumento derivado utilizado foi registado pelo justo valor através de resultados.

10- Para diminuir o risco de exposição à variação do justo valor das ações do Banco …………, a empresa contratou o instrumento de cobertura e o item coberto através de conta de resultados de exercício.

11- O valor do ajustamento de €5.519.067,73 resulta da diferença entre o ajustamento realizado no ativo por ocasião da adoção do SNC e o realizado no final do exercício de 2010.

12- Em 2011, a Requerente alienou a participação que detinha no capital social do Banco ………………….

13- Na sequência dessa alienação, a Requerente reconheceu na sua contabilidade, como proveito do exercício de 2011, na conta "7862101" - Alienação de Ativos Financeiros, o valor de €7.768.698,68, correspondente ao ajustamento decorrente da aplicação do modelo do justo valor às ações que detinha no final do exercício de 2009.

14- Apesar de ter reconhecido como proveito do exercício, a Requerente deduziu no Quadro 07 da declaração Modelo 22, mais especificamente no campo 767, €37.811,23 a título de mais valias contabilísticas.

15- No exercício de 2014, a Requerente acresceu no Quadro 07, na linha 703 - Variações patrimoniais positivas (regime transitório previsto no art.º 5.°, n.º 1, 5 e 6 do DL n.º 159/2009, de 13 de julho) a importância de €8.468,98.

16- A Requerente, no exercício de 2014, registou em gastos, na conta SNC 69.11 - Juros de financiamento obtido, a importância de €25.928,32.

17- A título de rendimentos, a Requerente relevou contabilisticamente na conta SNC 79 - Juros. a importância de €81.159,02:

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18-A Requerente acresceu ao 07, no campo 779, da modelo 22 de IRC de 2014, o montante de €5.820,18.

19- Em 2015, a Requerente foi alvo de uma acção de inspecção de caráter interno e âmbito parcial, ao exercício de 2011, efetuada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 01201501546, destinada a confirmar o tratamento fiscal das mais-valias obtidas com partes de capital.

20- Em resultado da inspecção foram realizadas correções aritméticas à matéria coletável de IRC do exercício de 2011, no montante de €2.801.228,95, tendo, em consequência das mesmas, o prejuízo fiscal declarado de €229.614,79 passado para um lucro tributável de €2.571.614,16.

21- Na sequência da inspecção, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2015 8310038135, relativa ao ano de 2011, no valor de €68.809,50.

22- A Requerente deduziu, num primeiro momento, reclamação graciosa contra os actos de liquidação de IRC e de juros compensatórios relativos ao ano de 2011 e, posteriormente, deduziu pedido de pronúncia arbitral que correu termos sob o n.º 392/2017-T e que foi julgado totalmente procedente.

23- Em execução desse acórdão, a AT emitiu o acto de liquidação de IRC n.º 2018 8010003599, relativo ao exercício de 2011, do qual resultou imposto a reembolsar de €89,44.

24- Por referência aos exercícios de 2012 e 2013, a Requerente foi objeto de procedimentos de inspecção a coberto da ordem de serviço n.º 01201604079 e 01201604080, das quais resultaram correcções meramente aritméticas à matéria colectável de IRC de €1.558.571,09 e €1.553.887,00, nos anos de 2012 e 2013, respetivamente.

25- Na sequência da referida inspecção, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, referentes ao exercício de 2012 e 2013, contra os quais deduziu reclamações graciosas que foram indeferidas, tendo posteriormente apresentado pedidos de pronúncia arbitral que correram termos sob o n.º 2/20 19-T e n.º 3/2019- T, tendo sido julgados totalmente procedentes.

26- A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva ao exercício de 2014.

27- Do Relatório de Inspecção (RIT) ao exercício de 2014, consta, para além do mais, o seguinte:

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28- Na sequência da inspeção, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2017 8310030435, assim como a liquidação de juros compensatórios n.º 2017 00000224960, da demonstração de acerto de contas n.º 201700006501872 e da liquidação de juros n.º 201700000264955, no valor global de €343.403,05.

29- A demonstração de liquidação de juros tem o seguinte teor:

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30- Em 26-09-2017, a Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IRC relativas ao exercício de 2014, no valor de €343.356,30.

31- Porém, não se conformando com as referidas liquidações, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa.

32- A Requerente foi notificada do despacho de 10 de julho de 2019 da Senhora Diretora de Serviços de IRC que determinou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/131, "o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas".

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.”

Por sua vez, o acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto:
“(…)
a) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, que se dedica, desde 2004, à gestão de participações sociais como forma indirecta do exercício de atividades económicas (cfr. art. 1.º do Dec. Lei n.º 495/88, de 30/12).
b) No exercício da sua atividade, a requerente adquiriu, em sucessivas operações ao longo do tempo, um conjunto de ações do Banco ………………., SA (………..), as quais foram alienadas em 2011.
c) Em 31/12/2009, a requerente detinha 1.516.483 ações do ……………., cujo valor total de aquisição era de 9.746.679,97€.
d) Em 1/1/2010, entrou em vigor do Sistema de normalização contabilístico1 aprovado pelo Dec. Lei n.º 158/2009.
e) A requerente exerceu a opção (com efeitos desde 1/1/2010) constante do art. 4.º, do Dec. Lei n.º 158/2009, no sentido de passar a elaborar as suas contas de acordo com as regras Internacionais de contabilidade (IAS/IFRS e suas interpretações aprovadas pela União Europeia), em lugar de a efetuar de acordo com o padrão contabilístico nacional (do Sistema de Normalização Contabilístico).
f) A Requerente na passagem do POC para o sistema contabilístico internacional, registou, em relação às ações do …………. detidas em 31/12/2009, uma variação do justo valor (diferença entre o valor de aquisição e a cotação do título na data da mudança de regime contabilístico) de 7.768.698,68€, contabilizada numa conta de resultados em capital próprio.
g) Em 1/10/2010, a requerente adquiriu mais 19.442 ações do …………., por conversão de direitos adquiridos sobre as ações do ……….. detidas pela A…………… há mais de 1 ano.
h) Assim, em 31/12/2010, a requerente tinha 1.535.974 ações do …………., cujo valor de aquisição totalizava 9.927.570,92€ e o valor de mercado (justo valor) ascendia a 12.177.201,97€.
i) Em 2010, a requerente contratou um instrumento derivado de cobertura, como forma de mitigar a flutuações de mercado do título ………..
j) Em 2011, a requerente alienou 1.535.876 ações do …………., cujo valor de aquisição totalizava 9.926.710,30€, pelo valor de 13.210.069,49€.
l) Esta venda gerou uma grande mais-valia contabilística (de 9.016.187,89€), mas que a requerente não levou à tributação na sua autoliquidação de 2011, por entender que beneficiava da isenção descrita no artigo 32.º, n.º 2 do EBF (na redação e vigência em 2011).
m) A AT realizou uma inspeção tributária ao ano de 2011 em que concluiu que o acréscimo ao lucro tributável de 2011, por efeito da venda das ações do ……….. (no montante global de 2.801.228,95€) deveria ser tributado, por não terem sido tomados em consideração os efeitos da aplicação do justo valor por contrapartida de resultados, com a seguinte discriminação: 1.247.489,21€€, correspondente à soma de 1.033.289,07€ e 214.200,14€, valores das mais-valias apurada com a alienação das acções do ………….; 1.553.739,74€, correspondente a 1/5 da quantia do ajustamento de transição do POC para o SNC (decorrente de mensuração das ações do ………… ao justo valor).
n) Estas correções deram origem à liquidação agora impugnada (com absorção de prejuízos acumulados e valor a pagar).
o) Em 28 de março de 2016, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra essa liquidação, que foi objecto de indeferimento expresso, em Março de 2017.
p) Inconformada com esse indeferimento, a requerente deduziu então a presente ação arbitral.
q) Em 12 de Novembro de 2015, a requerente procedeu ao pagamento da liquidação impugnada, por razões cautelares.
2.2. Factos não provados
Não se provou o dia exato (ou dias) da venda dos títulos em 2011.
Não há outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas partes (que são, essencialmente, documentos emitidos pelas Finanças, e pela Requerente), no consenso das partes (também em relação aos documentos, valores das transações, suas datas e demais operações) e nas informações oficiais juntas ao processo.”

«»

2.2. DE DIREITO

2.2.1.- Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

O presente recurso para uniformização de jurisprudência respeita à decisão arbitral proferida no processo nº 524/2019-T - que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado contra a liquidação de IRC n.º 2017 8310030435, referente ao ano de 2014, a respectiva liquidação de Juros Compensatórios n.º 2017 00000224960 e, bem assim, contra a demonstração de acerto de contas n.º 2017 00006501872, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, por alegada oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido na decisão arbitral proferida no Proc. nº 392/2017-T.

Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, na redacção aplicável, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

Como já foi enunciado, o presente recurso tem fundamento na oposição de julgados, impondo-se aferir previamente da verificação dos pressupostos substantivos de que depende o conhecimento do seu mérito. Que são, esquematicamente, os seguintes:

[1.º] que a decisão recorrida tenha apreciado o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);

[2.º] que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].

[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Avançando, diga-se ainda como se refere no Ac. deste Tribunal (Pleno) de 4 de Junho de 2014, Proc. nº 01763/13, www.dgsi.pt, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Tal significa que para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Analisando:
Nas suas alegações, a Recorrente, de forma sugestiva, refere que a questão essencial a dirimir no presente recurso prende-se com saber se a revogação do artigo 32.º, do EBF, efetuada através da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, afasta a jurisprudência decorrente dos acórdãos proferidos, de forma reiterada, e perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, nos processos arbitrais n.ºs 392/2017-T, referente ao IRC de 2011, 2/2019-T, referente ao IRC de 2012 e 3/2019-T, referente ao IRC de 2013, entendendo que nenhum fundamento existe para que o acórdão recorrido se tenha afastado, nos presentes autos, das conclusões alcançadas nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.ºs 392/2017-T, referente ao IRC de 2011, 2/2019-T, referente ao IRC de 2012 e 3/2019-T, referente ao IRC de 2013 e que determinaram a anulação daquelas liquidações, dizendo depois que o presente recurso centra-se em saber se o artigo 32.º, do EBF deve ser interpretado no sentido de ser aplicado às mais-valias e menos-valias latentes (potenciais) ou deve ser interpretado de forma literal e que o acórdão recorrido veio, de forma laboriosa, mas errada, sustentar que, no caso vertente, não era aplicável o artigo 32.º, do EBF atenta a sua revogação pela Lei do Orçamento de Estado para 2014, a partir de 1 de janeiro de 2014, sendo que o acórdão recorrido entende que aquele regime não foi substituído pela participation exemption, consagrado no artigo 51.º-C, do CIRC.

O que fica exposto aponta logo para um primeiro e decisivo problema que se impõe aqui tratar e que é o de saber se as duas decisões em alegada oposição se pronunciaram efectivamente em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica, dentro de um igual enquadramento fáctico e jurídico.

Ora, a decisão arbitral recorrida começa logo por referir que “A primeira questão em causa no presente pedido arbitral prende-se com o enquadramento fiscal da variação patrimonial positiva no valor de €7.768.698,68, decorrente da transição para o SNC, e que corresponde ao ajustamento do valor de aquisição para o justo valor”, apontando mais à frente que “Esta questão, no que diz respeito a exercícios anteriores, foi já objecto de decisões por tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, designadamente nos processos 392/2017- T, 2/2019-T e 3/2019-T, que concluíram pela procedência do pedido, e no processo 4/2019-T, que concluiu pela improcedência do pedido”, para logo anunciar que “Não obstante, julga-se que tal questão deverá ser, nos presentes autos, equacionada em termos distintos”.

Nesta sequência, a decisão arbitral recorrida ponderou que:

“(…)

Já no que respeita ao primeiro grupo de acórdãos arbitrais, o que se verifica é que, no exercício ora em causa (2014), ocorreu a revogação do art.º 32.º do EBF, norma que foi ali aplicada, e constitui a ratio decidendi, daqueles arestos, circunstância esta que assumirá importância decisiva, nos termos melhor adiante explicitados.

Neste quadro, crê-se que a análise ora a encetar não poderá reconduzir-se a uma mera adesão às análises anteriormente feitas, que devem ser reformuladas, à luz dos dados legais, inovatoriamente introduzidos no ordenamento jurídico.


*

Assim, e antes de mais, haverá que esclarecer a revogação do art.º 32.º do EBF, e conjugá-la devidamente, com a entrada em vigor do art.º 51.º-C do CIRC-2014.

Dispunha o art.º 32.º/2 do EBF, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e, antes dele, em termos materialmente idênticos quanto às SGPS, o art.º 31.º/2 do mesmo EBF, na redacção dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que:

"As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades."

Antes disso, dispunha o mesmo art.º 31.º/2, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, que:

"As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.".

O regime em questão, plasmado, até 31/12/2013, no art.º 32.º/2 do EBF, foi revogado, com efeitos a partir de 01/01/2014, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, sendo que, pela Lei n.º 2/2014, de 16/01, foi, no art.º 51.º-C do Código do IRC, introduzido o regime designado por participation exemption.

A questão que se coloca, então e antes de mais, é a de saber se o novo regime é uma continuação do anterior ou se, antes, é um regime novo, ainda que parcialmente replicando aspectos do regime revogado.

Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, crê-se que se está perante um novo regime.

Efectivamente, e desde logo, embora não sendo um argumento decisivo, verifica-se que a revogação do art.º 32. o do EBF e a consagração do regime participation exemption ocorreram em actos legislativos distintos e em momentos temporais também distintos, ao contrário do que seria normal se houvesse uma continuidade de regimes.

Por outro lado, e não sendo este, igualmente, um argumento determinante, inexiste uma continuidade do diploma onde são consagrados os regimes em questão.

Esta circunstância dá-se, de resto, e aqui já se começam a apresentar circunstâncias de relevância mais decisiva, porquanto se constata uma diferente natureza substancial dos regimes em causa.

Assim, enquanto que o regime do art.º 32.º/2 do EBF constituía um verdadeiro benefício fiscal, na definição do art.º 2.º/1 do próprio EBF, o regime participation exemption passou a fazer parte do regime geral do IRC, deixando de revestir o carácter excepcional, instituído para tutela de interesses públicos extrafiscais, postulado pela qualidade de benefício fiscal, e passado a ser uma norma genérica, aplicável a todos os sujeitos passivos de IRC, integrando o "modelo de tributação dos rendimentos de partes de capital”, fazendo parte de um "regime, que encontra a sua ratio num aprofundamento do principio da territorialidade".

Sendo que, como referiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 139/2016:

"tentando apurar a igualdade substancial de posições jurídicas - no pressuposto de que só duas posições materialmente iguais ou equivalentes podem servir de parâmetro para aferir de um tratamento desigual -, não pode afirmar-se, de modo algum, que tal ligação exista entre uma relação que conduz à tributação-regra e uma outra relação que conduz à concessão ou não concessão do beneficio fiscal."

Este aspecto é bem claro no "Relatório do Anteprojeto da Reforma" do IRC, que refere que "que a realização de mais-valias e a distribuição de dividendos são duas formas alternativas de aportação de valor aos accionistas, sendo concebidas como substitutos próximos, em função da sua inerente substituibilidade relativa. Nestes termos, considera-se que um tratamento fiscal discrepante entre estas duas formas de realização do rendimento é suscetível de influenciar a decisão fundamental de detenção de capital nas empresas, modificando, desta forma, o comportamento “natural” dos agentes económicos, ou, por outras palavras, criando ineficiências.".

Foi este um dos dois motivos específicos, dentro da constatação geral da limitação da “eficiência do regime utilizado, a nível nacional, para eliminação da dupla tributação”, que levaram a Comissão de Reforma a propor "a adoção de um regime participation exemption de cariz universal (i. e., aplicável ao investimento independentemente do pais ou região em que este se materialize, salvo as indispensáveis normas anti-abuso) e horizontal (aplicável tanto à distribuição de lucros e de reservas, quanto às mais-valias, e, bem assim, às diversas operações suscetíveis de serem consideradas substitutos próprios destas operações)".

Ou seja: a instituição do regime participation exemption nada teve a ver com o regime do art. 32.º/2 do EBF, tendo sido determinado por razões próprias e específicas, alheias àquele regime.

A redundância (e não substituição) do "regime fiscal previsto para as SGPS”, e a sua consequente revogação, foi, então, uma consequência da adopção do regime participation exemption, e não uma causa.

Ou seja, e em suma: crê-se que, com o regime participation exemption, não se trata, desde logo, de um regime de carácter excepcional, instituído para tutela de interesses públicos extrafiscais, mas de uma opção de política fiscal, integrado num lote de medidas destinado a aumentar a "eficiência do regime utilizado, a nível nacional, para eliminação da dupla tributação", tendo a revogação do art.º 32.º do EBF sido uma consequência da sobreposição, em grande parte, entre o novo regime criado, e o regime especial das SGPS, sendo este um dos “diversos regimes fiscais especiais actualmente existentes” que “a adoção do novo regime de participation exemption veio tornar redundantes”.

Assim, e embora, como refere o próprio "Relatório do Anteprojeto da Reforma" do IRC, o novo regime mantenha, "no essencial, as vantagens que o Estatuto dos Benefícios Fiscais concedia a este tipo de entidades”, não deixam de ser regimes substancialmente distintos, sendo que, como se viu e resulta do "Relatório do Anteprojeto da Reforma" do IRC, a referida manutenção, no essencial, das vantagens que o EBF concedia às SGPS na matéria, é um efeito lateral da instituição de um novo regime cuja consagração, casualmente, está desligada do referido regime do EBF, tanto que, é a própria Comissão de Reforma, no referido Relatório, que esclarece que a revogação do art.º 32.º do EBF se dá, igualmente, "atendendo a que estas [as SGPS's] não lograram atingir o objectivo originariamente proposto de se afirmarem como veículo de investimento fiscalmente competitivo no plano internacional", o que reforça, igualmente, a noção de que o regime de participation exemption, não só não se trata de um regime especial substitutivo do regime do art.º 32.º do EBF, como, igualmente, que aquele primeiro regime não visa acudir a qualquer especificidade própria das SGPS's, por via da constatação da não concretização do objectivo inicialmente proposto para aquelas.

Daí que, respeitadas outras opiniões, não se possa nem deva falar em sucessão, nem, muito menos, em substituição, de regimes.

O que ocorreu foi, isso sim, a revogação de um regime, e a consagração, 17 dias depois, de um outro, de âmbito e natureza distintos, que não sucedeu, nem pretendeu suceder, àquele.

De resto, este hiato temporal, não poderá, igualmente, deixar de se julgar significativo, para a discussão que aqui nos ocupa.

Efectivamente, segundo jurisprudência que hoje pode ser tida por firmada, "o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.".

Assim sendo, como se julga dever entender que é, o que se verifica é que as mais valias geradas no hiato entre o dia 01/01/2014 e o dia 17/01/2014, não estão sujeitas nem ao regime do art.º 32.º do EBF, entretanto revogado, nem a regime consagrado no art.º 51.º-C do CIRC-2014, que ainda não vigorava naquele período.

Desta forma ficará claro, julga-se, que o regime participation exemption, introduzido no art.º 51.º-C do Código do IRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16-01, constituindo uma alteração ao regime geral da relevância fiscal das mais e menos valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, não substitui, nem sucede, ao regime especial anteriormente consagrado no art.º 32.º do EBF. …”.

Mais à frente, descendo ao caso concreto, com referência à questão de saber se a variação patrimonial positiva ora em causa, decorrente de ajustamentos por aplicação do justo valor, está sujeita, ou não, ao regime do art.º 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC-2014, a decisão arbitral recorrida aponta que “ … o ora decidido nesta matéria, é conforme à fundamentação das decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais n.º 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, do CAAD, que concluíram pela procedência do pedido ali formulado pela Requerente, análogo ao que está aqui em causa.

Efectivamente, tendo ali sido reconhecida razão à Requerente, por via de uma interpretação actualista do, à data vigente, art.º 32.º do EBF, necessariamente que se considerou que o ajustamento pelo justo valor contabilizado pela Requerente, em tudo análogo ao que ora nos ocupa, não estava sujeito ao princípio da realização, já que se assim fosse, não seria necessária qualquer aplicação daquele art.º 32.º do EBF, já que a tributação estaria excluída, desde logo, pelo corpo do art.º 18.º, nº 9, do CIRC aplicável, que é o que a Requerente ora sustenta em primeira linha, e que, pelo atrás exposto, não se pode acolher.

Face a todo o exposto, julga-se que, tendo, in casu, o ganho decorrente do justo valor sido, confessadamente, reconhecido em sede de resultados, está sujeito ao regime do art.º 18.º, n.º 9, alínea a) do CIRC aplicável. …”.

Avançando, a decisão arbitral recorrida ponderou também que:

“(…)

Com efeito, e desde logo, a própria Requerente reconhece que apenas se poderá conjecturar a aplicação do art.º 51.º-C do CIRC aplicável, conforme decorre, para além do mais, do alegado nos artigos 78.º, 105.º, 107.º, 110.º, 111.º, 112.º-D), I) e J) e 117.º do Requerimento inicial, o que se considera pacífico, atenta a revogação, entretanto operada, do art.º 32.º do EBF, norma na qual se fundaram as decisões dos processos arbitrais n.º 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, do CAAD.

Deste modo, a questão fulcral a enfrentar nesta matéria, é a de apurar se as ponderações operadas naquelas decisões arbitrais, a propósito do artigo 32.º do EBF, e da necessidade da respectiva interpretação actualista, são ou não transponíveis para o art.º 51.º-C do CIRC aplicável.

Ora, a resposta a esta questão, julga-se, não poderá ser outra que não de sentido negativo.

Assim, e desde logo, o art.º 46.º/1/b) do CIRC exclui, expressamente, os ajustamentos relevantes para o art.º 18.º/9 do conceito de mais e menos valias, pelo que, por força de lei expressa e clara, não será aplicável aquele art.º 51.º-C do CIRC, não se podendo, por isso, proceder a uma interpretação deste artigo nos mesmos termos em que foi interpretado o art.º 32.º do EBF nas decisões dos processos arbitrais n.º 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, do CAAD.

Ou seja: os ajustamentos, positivos ou negativos, abrangidos pela alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, concorrerão, nos termos de tal norma, para a formação do lucro tributável, não lhes sendo aplicáveis os condicionamentos do art.º 51.º-C do CIRC, por força do art.º 46.º/1/b) do mesmo Código.

Acresce que, sendo aquele mesmo art.º 51.º-C do CIRC aplicável uma norma nova - a estrear-se no exercício em questão - não poderá, nem, ressalvado o respeito devido, fará sentido que seja, alvo de uma interpretação actualista.

Por fim, e como igualmente se viu já, aquela norma do art.º 51.º-C do CIRC aplicável não é uma norma específica das SGPS's, não é um benefício fiscal, nem constitui um regime especial que atenda a qualquer especificidade daquelas, sendo que, como a perfunctória leitura das decisões processos arbitrais n.º 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, do CAAD, foi a especificidade daquelas (das SGPS's) que fundou a interpretação actualista do art.º 32.º/2 do EBF.

Daí que careça igualmente de fundamento, a alegação da Requerente, segundo a qual a posição defendida pelos Serviços de Inspeção Tributária conduz à revogação ilegal, pela via administrativa, de um benefício fiscal automático cujos pressupostos se encontram integralmente preenchidos, o artigo 32.º, n.º 2 do EBF até 2014 e, agora, do disposto no artigo 51.º-C, do CIRC, uma vez que aquele primeiro normativo, como a própria Requerente reconhece, só vigorou até 2014, e este último, no contém no seu âmbito as situações abrangidas pelo art.º 18.º, n.º 9, al. a), por força do disposto no art.º 46.o/1/b) do mesmo Código, não sendo susceptível de qualquer interpretação actualista, pelos motivos previamente expostos.

Assim, e face ao exposto, outra conclusão não será possível de tirar que não a de que, no exercício de 2014, estando os ajustamentos pelo justo valor, em causa nos presentes autos de processo arbitral, contabilizados em resultados, serão os mesmos abrangidos pelo regime do art.º 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC aplicável, concorrendo para a formação do lucro tributável da Requerente, e não se sujeitando ao regime do art.º 51.º-C daquele mesmo Código, por força do disposto no artigo 46.º/1/b), também do mesmo diploma, não sendo transponíveis, a este propósito, qualquer das considerações e argumentos que fundaram a interpretação actualista do art.º 32.º do EBF, operada nos processos arbitrais n.º 392/2017-T, 2/2019-T e 3/2019-T, do CAAD.

Daí que, inelutavelmente, se haja de concluir pela improcedência desta parte do pedido arbitral. …”

Para rematar, e de forma impressiva, a decisão arbitral recorrida analisa a eventualidade de replicar naquele processo o entendimento vertido nas decisões arbitrais acima descritas, onde se integra a decisão arbitral fundamento, até por invocação da figura do caso julgado material, adiantando que:

“(…)

Ambas estas questões assentam no mesmo pressuposto material que é a ocorrência da identidade das circunstâncias de facto, e do direito a aplicar, entre os casos já julgados e o caso (ora) a julgar.

Sucede que, nos termos previamente expostos, não se verifica - notoriamente, como a própria Requerente admite, ao fazer referências ao actual art.º 51.º-C do CIRC - identidade do direito a aplicar.

Com efeito, e como antes se detalhou, o art.º 51.º-C do CIRC 2014 não poderá, segundo se julga, ser considerado, na sua substância e intencionalidade, uma continuação material do regime do revogado artigo 32.º do EBF.

Nestes termos, e como de alguma forma já resulta do anteriormente explicado, apenas fará sentido seguir a fundamentação e argumentação dos acórdãos arbitrais invocados pela Requerente até ao momento em que ali se procede à interpretação e aplicação do artigo 32.º do EBF, norma que, à data do facto tributário em questão nos presentes autos, se encontrava já revogada e, como tal, é insusceptível de aplicação.

Daí em diante, conforme atrás se operou, haverá que proceder à interpretação e aplicação do art.º 51.º-C do CIRC 2014, e nessa operação os dados normativos a ponderar, conforme também se explicou já, são substancialmente distintos, sendo, por isso, distinta a conclusão a retirar.

Por outro lado, não existindo identidade do direito aplicar - nas decisões invocadas pela Requerente estava em causa a aplicação do art.º 32.º do EBF, e no caso sub iudice a aplicação do art.º 51-C do CIRC 2014 - não ocorrerá, por definição e nos termos da própria jurisprudência invocada pela Requerente, caso julgado material.

Daí que, também nestas partes, não possa senão improceder o pedido arbitral. …”

Por seu lado, a decisão arbitral fundamento tratou a realidade que interessa aos autos nos seguintes termos:

“…

Não oferece dúvidas que o art. 32.º, n.º 2, do EBF consagra uma isenção - um benefício fiscal -i.e., uma medida de carácter excepcional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (cfr. art. 2º, n.º 1, do EBF).

Ou seja, o legislador considerou que o interesse público ligado ao desenvolvimento das SGPS justificava a não tributação das mais-valias obtidas por estas sociedades com a alienação de partes de capital, preenchidos que fossem determinados requisitos. Requisitos que se verificam no caso concreto.

A pergunta que consideramos ser de fazer é simples: o superior interesse público que conduziu à isenção destas mais-valias é diferente consoante estejamos perante mais-valias realizadas ou mais-valias contabilizadas ao justo valor através de resultados?

Afigura-se-nos claro que o critério relevante será sempre a natureza do ganho e não o momento da sua tributação.

Assim, quando o contribuinte opta pela contabilização segundo o princípio da realização ou segundo o princípio do justo valor, não se altera a natureza do rendimento (está sempre em causa uma mais-valia), nem o seu montante.

Na realidade, numa perspetiva da continuidade da atividade empresarial, a mais-valia que é tributada corresponde sempre à mais-valia realizada, porquanto, no exercício em que ocorrer a transmissão da participação social, será registado um ganho ou uma perda consoante o valor de realização seja inferior ou superior àquele pelo qual tal participação se encontrava contabilizada à luz dos critérios do justo valor. O “referencial” da tributação é, pois, sempre o “valor de realização”.

Nestes termos, a opção por um ou outro critério contabilístico apenas altera o momento em que ocorre a tributação, a qual, no sistema do justo valor, em lugar de acontecer apenas aquando da alienação das participações em causa (como sucede no sistema da realização), vai ocorrendo ao longo dos vários exercícios pelos quais se prolonga a detenção das participações sociais, pela consideração dos aumentos ou diminuições potenciais (aferidas segundo o justo valor - valor de mercado) do valor de ais participações no fim de cada exercício.

Acresce que a isenção é um elemento essencial de um imposto: é o resultado de uma opção (que cabe ao legislador) valorativa dos interesses fiscais e extra-fiscais contemplados em determinada situação, pelo que não a sua existência e aplicabilidade não poderá ser resultado de uma opção contabilística. Nestes termos, afigura-se-nos insustentável o entendimento segundo o qual uma isenção “deixa de existir” quando se opte por determinada técnica de registo contabilístico (contabilização ao justo valor), sendo que, além do mais, tanto significaria colocar a concretização dos interesses extra-fiscais subjacentes à isenção” nas “mãos” de cada sujeito passivo.

É, por outro lado, claro para o tribunal que existe uma manifesta e incompreensível dessintonia entre o disposto nos art.º 32.º, n.º 2 do EBF e o previsto no art. 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, bem como que a coerência e a racionalidade do sistema de tributação das SGPS parecem impor que todas as mais-valias por elas obtidas com a alienação de partes sociais estejam isentas (desde que verificados os demais pressupostos legais), pois que foi ao interesse extra fiscal que o legislador quis dar primazia ao prever a isenção constante da primeira das referidas normas.

Aqui chegados, cumpre averiguar se assiste razão à Requerente quando defende a necessidade de uma interpretação actualista do teor do art.º 32.º, n.º 2, do EBF, considerando o que passou a dispor o art.º 18.º, n.º 9, al. a), do CIRC, mediada pelo princípio da interpretação em conformidade com a CRP.

A interpretação que admite a aplicação do artigo 32.º, n.º 2, às mais-valias ou menos valias latentes (potenciais) é, por outro lado, a que se apresenta mais conforme aos princípios constitucionais da tributação do rendimento real (previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade.

Ora, um dos princípios gerais da interpretação das normas jurídicas e “critério de interpretação” é o da interpretação conforme à Constituição (cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3ª.ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 480). Segundo este critério, no caso de o intérprete, mediante a aplicação dos elementos interpretativos, chegar a mais do que um sentido possível a atribuir a um preceito normativo, deve preferir aquele que mais se adeque à Constituição.

No caso concreto, tal regra hermenêutica, mediada por uma interpretação atualista, aponta decisivamente para a interpretação do n.º 2 do art.º 32.º do EBF que deixámos sufragada.

Assim, numa perspetiva atual, à luz da evolução dos conceitos técnico contabilísticos operados, só uma interpretação assente num critério teleológico-objetivo, e em conformidade com a Constituição evita uma contradição de valoração insanável, que não encontra qualquer fundamento razoável e é contrária à unidade do sistema jurídico.

Tudo o que tendo direta aplicação no caso concreto, conduz, necessariamente, a uma interpretação atualista do art. 32.º, n.º 2, do EBF, de que decorre que se retire do preceito o sentido interpretativo de que o mesmo acolhe a isenção das mais-valias obtidas pelas SGPS, nas condições aí previstas, independentemente de a sua relevância fiscal acontecer apenas no momento da sua transmissão (princípio da realização) ou ao longo dos diferentes exercícios pelos quais se prolongue a sua detenção (justo valor).

Fazemos nosso o entendimento de GOMES CANOTILHO em parecer junto aos presentes autos, segundo o qual quando no texto do artigo 32.º/2 do EBF o legislador se refere a mais-valias e menos-valias realizadas, isso deriva do facto de apenas essas concorrerem para a formação de um lucro tributável em IRC.

“A partir do momento em que o CIRC sofre uma alteração que se traduz na possibilidade de tributação de mais-valias e de menos-valias potenciais, então, a norma do artigo 32.º/2 deve ser objeto de uma interpretação atualista.

“As razões que levaram o legislador a criar o regime especial de tributação para as SGPS, refletido no artigo 32.º/2 do EBF, e que são invocadas no acórdão do STA citado supra” [Processo n.º 0314/12, de 05/09/2012], são válidas quer para as mais-valias e menos-valias realizadas quer para as mais-valias e menos-valias potenciais”.

“Não se compreenderia que o legislador, preocupado com a importância das SGPS para a economia nacional e reconhecendo a sua especificidade previsse um regime especial determinando que as mais-valias e menos-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável e, simultaneamente, as sujeitasse a um regime geral que admite, em certos casos (os do artigo 18.º, n.º 9, al. a) do CIRC) a tributação de mais-valias potenciais por via de ajustamentos de justo valor».

No mesmo sentido, que o Tribunal identicamente subscreve, concluem PAULO DA MOTA PINTO e ANTÓNIO MARTINS, em parecer junto aos autos (pág. 35), quando referem: «Dir-se-á que a resposta é evidente, tendo em conta a razão de ser e a finalidade da norma do art.º 32.º, n.º 2, do EBF, o contexto em que foi editada e a sua alteração, tudo a impor uma interpretação atualista: não faria sentido que o legislador tivesse querido atribuir um benefício fiscal às SGPS como meio de fomentar a sua atividade em benefício da economia, quando aquelas realizam mais-valias transformando-as em meios monetários, e que, diversamente, pretenda a tributação de mais-valias meramente potenciais obtidas pelas mesmas SGPS, num contexto em que estas passaram a ser fiscalmente relevantes. Dir-se-á, pois, que parece claro que, pela sua razão de ser, o benefício fiscal previsto no art. 32.º, n.º 2, do EBF, deve, por igualdade ou mesmo por maioria de razão, incluir igualmente os ajustamentos de justo valor (mais-valias potenciais) que tenham passado a concorrer, a partir de 2010, para a formação do lucro tributável».

Comungamos também do que, a este propósito, salienta GUSTAVO COURINHA, igualmente em parecer junto aos autos: (i) «o benefício fiscal constante do art.º 32.º, n.º 2, do EBF é um regime fiscal indiscutivelmente de base subjetiva , estruturado por referência à forma societária (SGPS)» (pág. 60); (ii) “o art.º 32/n.º 2 do EBF não pode ser interpretado como uma norma que decide em favor ou contra um determinado método de periodização – realização ou Justo Valor. Ao invés, este artigo carece de ser interpretado em termos neutrais. É esta interpretação neutral que se revela mais adequada à sua própria natureza, enquanto simples norma de determinação de eventos tributários (neste caso, por isenção). O art.º 32º/n.º2 não poderá ter pretendido promover a utilização de um método de periodização (realização) com prejuízo de outro (Justo Valor). Não é essa a sua função, nem se percebe que interesse extra-fiscal justificaria um tal tratamento. Com efeito, é impossível imaginar que interesse poderia explicar um benefício fiscal que se traduza pela preferência na realização de mais-valias, quando é precisamente oposta a função prosseguida pelas SGPS nos grupos societários (…)» (págs. 65 e 66).

Termos em que se conclui que o rendimento (mais-valia) obtido pela Requerente goza da isenção prevista no art. 32.º, n.º 2, do EBF, devendo proceder o pedido da Requerente. …”

Em suma, a leitura da realidade em apreço corrobora o exposto pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Publico quando refere que a matéria de direito apreciada na decisão recorrida e nas decisões fundamento não são idênticas, já que na decisão arbitral recorrida estava em causa a aplicação do artigo 51º-C, do CIRC e na decisão arbitral fundamento estava em causa a aplicação do artigo 32º do EBF.

Tal significa que a análise da realidade apontada nos processos em apreço foi manifestamente substanciada, em termos concretos, com contributos jurídicos distintos, circunstância que justifica, só por si, a existência de decisões finais com sentidos contrários, sendo que identificada esta falta de identidade da questão fundamental de direito, o que significa que tem de ser negativa a resposta à questão de saber se as duas decisões arbitrais em alegada oposição se pronunciaram efectivamente em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica, dentro de um igual enquadramento fáctico e jurídico.
Mas mais.
É sabido que a alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se “sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica” (Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal de 18 de Maio de 2005, Proc. nº 276/05, www.dgsi.pt).

Ora, foi decisivo na decisão arbitral recorrida a posição assumida no sentido de que o regime participation exemption, introduzido no art. 51.º-C do Código do IRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16-01, constituindo uma alteração ao regime geral da relevância fiscal das mais e menos valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, não substitui, nem sucede, ao regime especial consagrado no art.º 32.º do EBF e que a revogação do art.º 32.º do EBF, operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, com efeitos a partir de 01/01/2014, fez cessar este regime especial, e, consequentemente, a exclusão da tributação das mais e menos valias abrangidas por esse regime especial, de modo que, tendo cessado a referida exclusão no exercício de 2014, não poderá, quanto à tributação devida nesse exercício, aplicar-se essa mesma exclusão.

Com este pano de fundo, tem de entender-se que está em causa uma alteração substancial da regulamentação jurídica, o que quer dizer que, embora a factualidade seja similar em ambas as situações, a verdade é que houve uma alteração substancial do enquadramento da situação em apreço, sendo clara a diferença em termos de análise por parte das duas decisões em presença, de modo que, considerando tudo o que ficou exposto, tem de concluir-se que não se mostram reunidos todos os pressupostos legais para que possa julgar-se existir entre as decisões contradição juridicamente relevante e como tal não haverá que conhecer do mérito do recurso.

Razão porque se decide não tomar conhecimento do mérito do recurso.


3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, pelo montante superior a € 275.000, ponderados o desempenho processual das partes e a menor complexidade deste recurso, tendo ainda presente que o respectivo conhecimento ficou a montante, no sentido de que não passou da análise dos requisitos de admissibilidade do recurso.

Notifique-se. D.N..

Comunique ao CAAD.




Lisboa, 22 de Setembro de 2021

Pedro Vergueiro (Relator)

O Relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Srs. Conselheiros integrantes da Formação de Julgamento - os Senhores Conselheiros Isabel Marques da Silva - Francisco Rothes - Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Condesso - Nuno Bastos - Aníbal Ferraz - Paula Cadilhe Ribeiro - Anabela Russo.

Pedro Nuno Pinto Vergueiro