Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01478/14
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
REQUISITOS
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Não se justifica a admissão de revista excepcional para reapreciação da questão de saber se o regime de suspensão do processo de contraordenação previsto no art. 55º nº 1 do RGIT deva ser aplicado, por analogia, ao processo de execução instaurado para cobrança de dívida de coimas.
Nº Convencional:JSTA000P19159
Nº do Documento:SA22015061701478
Data de Entrada:12/04/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……………., com os demais sinais dos autos, interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença de improcedência da reclamação que deduziu contra o acto de indeferimento do pedido de suspensão de execução fiscal proferido em 8/03/2013 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-10.

1.1. As alegações mostram-se rematadas com o seguinte quadro conclusivo:

a) Sendo pacífica a admissibilidade do recurso de revista excepcional, do artigo 150º do CPTA, no contencioso tributário, necessário é, contudo, que os respectivos requisitos, previstos na mesma norma, se verifiquem, para que o mesmo seja admitido e conhecido;

b) Pare esse efeito, é determinante que o recurso se revele claramente necessário para uma melhor aplicação do direito e/ou que se esteja perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, importância esta detectada pelo seu interesse prático e objectivo, medido pela utilidade da revista em face da capacidade de expansão da (presente) controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da (presente) situação singular;

c) Como fica demonstrado, estão no presente caso verificados os requisitos para a admissibilidade da presente revista, impondo-se assim o conhecimento da questão que se traz a este Alto Tribunal, quer para uma melhor aplicação do direito, quer por se tratar de questão de relevância jurídica e (também) social com interesse prático e objectivo, uma vez que a mesma, se colocara (muito) mais vezes aos Tribunais, em processos de terceiros contribuintes;

d) A questão em causa prende-se com a interpretação e aplicação que o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul fez do artigo 55º do RGIT, segundo a qual, e por via daquela interpretação, concluiu, (i) que a impugnação da liquidação subjacente à coima não suspende a execução da coima; (ii) que na impugnação da liquidação do imposto não está em causa a legalidade da dívida exequenda coima, mas do imposto, pelo que a impugnação não constitui obstáculo à cobrança da dívida de coima; (iii) que a procedência da impugnação não implica necessariamente a anulação da coima que só poderá ser feita por revisão da decisão de aplicação da coima; (iv) que a previsão do nº 1 do artigo 55º do RGIT tem a ver com a suspensão do processo de contra-ordenação o que impede, enquanto se mantiver, a aplicação das coimas, mas não tem aplicação no processo de cobrança coerciva das coimas aplicadas; (v) que a impugnação da liquidação do imposto não contende com a legalidade da dívida exequenda de coimas e, por isso, visto o disposto no artigo 169º do CPPT, tal não suspende a execução, pelo que bem se decidiu o sentido de não se poder suspender a execução em causa por não se verificar a situação com previsão no artigo 169.º do CPPT;

e) Como resulta da lição de JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, embora a letra da lei do nº 1 do artigo 55º faça referência aos casos em que há imposto a liquidar, esta norma deve ser aplicada por analogia, aos casos em que se esteja perante uma situação de indefinição sobre a existência do facto gerador da dívida tributária;

f) Sendo a razão de ser desta norma, como sublinhado pelos citados AA., acautelar todas as situações de indefinição sobre a existência do facto gerador da dívida tributária, então, sempre que haja uma situação de indefinição sobre a existência desse facto, deve a norma do artigo 55º, nº 1, do RGIT, ser aplicada por analogia, suspendendo-se o respectivo processo contra-ordenacional, ou, se este estiver findo, o subsequente processo executivo para cobrança coerciva da dívida tributária;

g) Assim, sendo esta a assinalada ratio legis da norma do artigo 55º do RGIT, não faz sentido, como entendeu o Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, fazer cessar a sua aplicação aos processos executivos para cobrança coerciva da dívida tributária decorrente da aplicação da coima uma vez que as razões que fundariam a suspensão do processo contra-ordenacional se mantém inalteradas no processo executivo;

h) E também porque o processo executivo não é mais do que uma consequência, uma continuação, do processo de contra-ordenação, já que tem por objecto a cobrança coerciva da respectiva coima;

i) O entendimento do Douto TCA Sul, de acordo com o qual, a impugnação da liquidação subjacente à coima não suspende a execução da coima, viola sem justificação, a ratio legis do artigo 55º do RGIT, uma vez que a indefinição do facto tributário subjacente se mantém inalterada e justificadamente;

j) Também não se compreende o entendimento do Douto TCA Sul, ao afirmar que a procedência da impugnação não implica necessariamente a anulação da coima, que só poderá ser feita por revisão da decisão de aplicação da coima, uma vez que, sendo o facto tributário o mesmo, e sendo erradicado do ordenamento jurídico, são nulos, como consequência do caso julgado, todos os actos subsequentes ao facto tributário anulado, assim como todo o processado na decorrência, e com base, no facto tributário anulado;

k) Sendo esta nulidade de conhecimento oficioso;

l) Consequentemente, o entendimento do TCA Sul de acordo com o qual, a previsão do nº 1 do artigo 55º do RGIT tem a ver com a suspensão do processo de contra-ordenação o que impede, enquanto se mantiver, a aplicação das coimas, mas não tem aplicação no processo de cobrança coerciva das coimas aplicadas, viola, nos termos referidos, a ratio legis da mesma norma, sendo pelo contrário esta aplicada a todas as situações de incerteza do facto tributário, e por isso também em processos executivos subsequentes ao processo de contra-ordenação;

m) Viola também frontalmente a lei, o entendimento segundo o qual, a impugnação da liquidação do imposto não contende com a legalidade da dívida exequenda de coimas e, por isso, visto o disposto no artigo 169º do CPPT, tal não suspende a execução, já que, neste caso, a norma aplicável, por analogia de situações, é o artigo 55º do RGIT, e não o artigo 169º do CPPT;

n) A falta de suspensão do processo executivo, no momento da verificação do respectivo facto suspensivo - nos termos daquele artigo 55º, nº 1 do RGIT -, constitui uma nulidade processual (artigo l65º do CPPT), a qual tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo executivo (artigo 165º, nº 2, do CPPT);

o) Como fica demonstrado, a norma do artigo 55º do RGIT ancora a sua razão de ser no facto de o processo contra-ordenacional em matéria de infracções tributárias constituir direito sancionatório;

p) Aqui vigorando, nos termos do artigo 31º da CRP, e do artigo 6º da CEDH, o princípio da presunção da inocência;

q) Nesta sede, demonstrou-se que constitui jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) a assimilação dos processos sancionatórios aos processos penais para efeitos do artigo 6º da CEDH, uma vez que “numa sociedade democrática, no sentido da Convenção, o direito a uma administração de justiça equitativa tem um lugar tão proeminente que uma interpretação restritiva do artigo 6.º, n.º 1, não corresponderia ao objectivo da referida norma” (cfr., Decisão Delcourt c. Bélgica, de 17 de Janeiro de 1970);

r) Sendo igualmente jurisprudência pacífica do TEDH que o princípio da presunção da inocência não se circunscreve aos casos em que o arguido é arguido/acusado em processo penal ou em procedimento sancionatório, mas também abarcando todos os demais processos, conexos ou subsequentes (Caso Vassilios StavroPoulos c. Grécia, Acórdão de 27 de Setembro de 2007);

s) Tendo sido este entendimento lato do princípio da presunção de inocência, que fundou a condenação de Portugal no Caso Melo Tadeu c. Portugal, de 23 de Outubro de 2014, em que TEDH entendeu que Portugal violou este princípio ao não ter suspenso (precisamente) um processo de execução fiscal, quando estava pendente processo principal que tinha por objecto o conhecimento do facto tributário que originou aquele processo de execução fiscal;

t) O Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul violou assim, frontalmente, não só o artigo 55º, nº 1 do RGIT, como também o princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32º da CRP e no artigo 6º da CEDH, indo a sua decisão também contra Doutrina e Jurisprudência citadas, aqui se incluindo, muito expressivamente, o Acórdão do TEDH que condenou o Estado Português (Caso Melo Tadeu c. Portugal, de 23 de Outubro de 2014);

u) A questão que a Recorrente coloca a este Alto Tribunal não tem assim natureza casuística, singular, sendo previsível que a sua solução tenha ou possa vir a ter repercussão noutras situações, atenta a natureza do presente caso; por outro lado, esta questão revela especial complexidade do ponto de vista jurídico, antevendo-se por conseguinte utilidade da intervenção deste Alto Tribunal, uma vez que o interesse da matéria ultrapassa as fronteiras deste caso concreto, sendo a sua intervenção ainda claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso devia ser admitido, argumentando o seguinte:

«No caso concreto dos autos a questão que a Recorrente pretende ver apreciada em sede de revista consiste em saber se é admissível a suspensão de processo de execução fiscal, instaurado para cobrança coerciva de dívida relativa a coimas, tendo por fundamento a pendência de impugnação judicial das obrigações tributárias cujo incumprimento esteve na base da aplicação daquelas coimas, ao abrigo do disposto no artigo 55º do Regime Geral das Infracções Tributárias.

As instâncias consideraram que a impugnação das obrigações tributárias não constituía obstáculo à cobrança da dívida de coima, já que a procedência de tal acção não implicava necessariamente a anulação da coima, que “só poderá ser feita por revisão da decisão de aplicação da coima”; E o disposto no artigo 55º do Regime Geral das Infracções Tributárias não tinha aplicação no processo de cobrança coerciva das coimas.

Pese embora a aparente consistência da argumentação aduzida no acórdão do TCA Sul, afigura-se-nos, contudo, que a questão assume contornos mais delicados e que merecem uma análise mais cuidada. Com efeito, a cobrança coerciva das coimas não consubstancia a cobrança de uma mera dívida (e muito menos de uma receita, como a administração tributária a encara na maior parte das vezes). Antes configura a execução de uma sanção pecuniária, ou seja, de uma pena aplicada em processo de contra-ordenação. E se a razão de ser dessa pena tem subjacente a falta de cumprimento de uma obrigação que está a ser contenciosamente impugnada, então há que analisar se há ou não fundamento para prosseguir com o cumprimento da pena ou se outros valores existem que se revelam superiores a esse cumprimento e demandem a suspensão daquela execução.

(…)

Resulta da interpretação que a administração tributária faz do artigo 55º do RGIT (e vertida nas informações que constam do processo) e que merece acolhimento na letra da lei, caso o tributo não tenha sido impugnado no prazo voluntário de pagamento, o processo de contra-ordenação prossegue e não é suspenso. Como o prazo de impugnação administrativa ou contenciosa se conta a partir do termo do prazo de pagamento voluntário, o que sucede é que, mesmo que o tributo tenha sido impugnado e caso o arguido não suscite a questão no processo de contra-ordenação, juntando cópia dessa impugnação, o processo de contra-ordenação acaba por prosseguir e ser proferida decisão final tomando-se definitiva se a mesma não for impugnada (como aparentemente ocorreu no caso concreto).

Assim sendo e pese embora se possa invocar que tal resultado pode ser evitado se o arguido impugnar a decisão, certo é que também se pode alegar que a administração tributária acaba por ter conhecimento da impugnação do tributo e nesse caso devia ter oficiosamente suspendido o processo de contra-ordenação.

Perante tais situações, que são susceptíveis de ocorrer amiúde, afigura-se-nos que a questão suscitada pela Recorrente se reveste de inegável importância e que merece a intervenção do STA como tribunal de revista, até porque o montante das coimas atinge, não raras vezes, valores elevadíssimos, cuja cobrança pode pôr em risco a solvência do arguido.».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.


2. Segundo o disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA, “das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação prevista no nº 5 do referido preceito legal.

Isto é, o preceito prevê excepcionalmente recurso de revista para o STA quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Razão por que a jurisprudência tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, frisando que ele constitui uma “válvula de segurança do sistema” que só deve ser accionada nesses estritos e precisos termos.

Por conseguinte, este recurso só é admissível se estivermos perante questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

E como tem sido repetidamente explicado nos inúmeros acórdãos proferidos sobre a matéria e que nos dispensamos de enumerar, o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina.

relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.

Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

Vejamos se tais requisitos se verificam no caso vertente.

As questões colocadas ao TCAS pela Recorrente, no que aqui interessa, eram as de saber se o tribunal da 1ª instância incorrera em erro de julgamento da matéria de facto, por ter concluído que não fora posta em causa a legalidade da dívida exequenda, e em erro de julgamento da matéria de direito, por incorrecta interpretação da norma contida no artigo 55º, nº 1, do RGIT.

O TCAS julgou inverificados os apontados erros, confirmando a sentença recorrida com a seguinte fundamentação:

«Para a recorrente existe erro de julgamento da matéria de facto na parte em que o tribunal refere que do probatório é possível retirar a conclusão de que o recorrente não põe em causa a legalidade das dívidas exequendas, sendo que, no entender da recorrente ela está a pôr em causa a legalidade das dívidas ao impugnar as liquidações do imposto donde resultou a dívida de coima.

Não lhe assiste razão.

Como resulta do art. 55º do RGIT o processo de contra ordenação será suspenso até que ocorra uma das seguintes circunstâncias: (a) ser o tributo pago no prazo previsto na lei ou no prazo fixado administrativamente; (b) haver decorrido o referido prazo sem que o tributo tenha sido pago nem reclamada ou impugnada a liquidação; (c) verificar-se o trânsito em julgado da decisão proferida em processo de impugnação ou o fim do processo de reclamação.

Tal suspensão tem a ver com o processo de contraordenação e não com o processo de execução fiscal onde se executam as coimas.

Enquanto o processo de contraordenação estiver suspenso não se podem aplicar as coimas, mas aplicadas estas e não havendo recurso da decisão que as aplicou e transitada a decisão sem haver pagamento das coimas no prazo previsto na lei, elas são cobradas coercivamente, como é a situação em apreço.

Nesta situação a impugnação da liquidação subjacente à coima não suspende a execução da coima e não está em causa a legalidade da dívida exequenda coima, mas do imposto, pelo que a impugnação não constitui obstáculo à cobrança da dívida de coima.

A procedência da impugnação não implica necessariamente a anulação da coima que só poderá ser feita por revisão da decisão de aplicação da coima.

Não se verificou, assim, qualquer erro de julgamento da matéria de facto na decisão recorrida.

Não se verificou também qualquer erro de julgamento na interpretação das normas jurídicas aplicáveis.

A previsão do nº 1 do art. 55º do RGIT tem a ver, como já se referiu, com a suspensão do processo de contra ordenação o que impede, enquanto se mantiver, a aplicação das coimas, mas não tem aplicação no processo de cobrança coerciva das coimas aplicadas.

A impugnação da liquidação do imposto não contende com a legalidade da dívida exequenda de coimas e, por isso, visto o disposto no art. 169º do CPPT, tal não suspende a execução, pelo que bem se decidiu no sentido de não se poder suspender a execução em causa por não se verificar a situação com previsão no art. 169º do CPPT.».

A Recorrente continua, porém, a insistir que o processo de execução fiscal, sequente ao processo de contra-ordenação em que foi fixada a coima por decisão administrativa, deve ser suspenso até que seja proferida decisão na impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação do tributo que determinou a aplicação da coima, por aplicação analógica do que dispõe o artigo 55º, nº 1, do RGIT, sustentando que só esta interpretação da norma é consentânea com o princípio da presunção da inocência, consagrado nos artigos 32º da CRP, e 6º da CEDH, e com a posição contida nos acórdãos proferidos pelo TEDH em 17/1/1970 (Decisão Delcourt c. Bélgica), em 27/9/2007 (Caso Vassilios StavroPoulos c. Grécia), e em 23/10/2014 (caso Melo Tadeu c. Portugal). E advogando que a matéria em causa assume relevância jurídica ou social pela sua utilidade jurídica, que extravasa os limites da situação singular face à possibilidade da sua repetição num número indeterminado de casos futuros, sustenta que o recurso de revista deve ser admitido, com vista a uma melhor aplicação e uniformização do direito.

Todavia, salvo o devido respeito, a questão que se pretende ver (re)apreciada não tem virtualidade, na perspectiva jurídica ou de repercussão social, para transcender o caso em apreço, nem é reveladora de uma clara necessidade de intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, de acordo com o entendimento acima exposto.

Com efeito, a análise e resolução da questão não revela especial complexidade do ponto de vista intelectual e jurídico, nem reveste relevância superior à comum, já que as operações exegéticas a que houve de proceder não são de particular dificuldade nem requereram, sequer, a necessidade de compatibilização de diversos regimes potencialmente aplicáveis.

De resto, a doutrina e a jurisprudência que a recorrente invoca nunca se pronunciou no sentido de que o regime de suspensão do processo de contra-ordenação previsto no artigo 55º, nº 1, do RGIT, deva ser aplicado, por analogia, ao processo de execução fiscal instaurado para cobrança da coima aplicada por decisão administrativa ou judicial que se tornou definitiva por falta de impugnação (e que adquiriu, por isso, força de caso resolvido ou do caso julgado), ou de que a execução fundada em decisão definitiva possa contender com o princípio da presunção da inocência. E a tese perfilhada no acórdão recorrido (e que confirmou a sentença de 1ª instância) é, indubitavelmente, uma das soluções plausíveis de direito.

O que tudo nos leva a concluir no sentido de que tal questão não reveste uma relevância jurídica fundamental face à definição que acima deixámos explicitada, ficando, assim, afastada a necessidade de este Tribunal intervir para emitir pronúncia nesse quadro.

E também não se vislumbra uma relevância social fundamental na apreciação da dita questão, por não se detectar um interesse comunitário significativo na sua (re)apreciação.

Finalmente, não vem invocado, nem é do nosso conhecimento, que exista divisão jurisprudencial e doutrinal sobre a matéria, geradora de incerteza e instabilidade na resolução da questão, nem se visiona na apreciação feita pelo TCA qualquer erro grosseiro ou decisão ilógica, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, que imponha a admissão da revista como claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, fica afastada a necessidade de este Tribunal intervir nesse quadro.

Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que não se verificam os requisitos de admissão do recurso excepcional de revista expressos no artigo 150º, nº 1, do CPTA.


3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em não admitir a revista.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 17 de Junho de 2015. – Dulce Neto (relatora) – Casimiro Gonçalves – Isabel Marques da Silva.