Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0648/20.7BELRA
Data do Acordão:09/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
EXCLUSÃO
INTERESSE EM AGIR
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão questão - respeitante ao interesse em agir em sede de contencioso impugnatório dos atos de exclusão e de adjudicação por parte dos vários concorrentes envolvidos - que assume relevância jurídica fundamental e também interesse alargado a outros casos semelhantes, porquanto envolve a concatenação de quadro normativo nacional e da UE e assume carácter paradigmático e exemplar, visto suscetível de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos e para outras situações futuras indeterminadas.
Nº Convencional:JSTA000P28139
Nº do Documento:SA1202109090648/20
Data de Entrada:07/15/2021
Recorrente:A............,S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE AVEIRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:



1. A............, SA [doravante A.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 21.05.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 2979/3032 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso que havia deduzido na ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual instaurada contra Município de Aveiro [doravante R.], B………………, SA e C………………., SA [doravante Contrainteressadas] e que manteve a decisão de 04.03.2021, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto - Juízo de Contratos Públicos [doravante TAF/PRT-JCP] [cfr. fls. 2783/2842 - que julgou «procedente a exceção de falta de interesse em agir» e absolveu «a Entidade Demandada e as contrainteressadas da instância»].

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 3041/3054] na relevância jurídica e social de questão que reputa como de importância fundamental [interesse em agir em sede de contencioso impugnatório dos atos de exclusão e de adjudicação por parte dos vários concorrentes envolvidos] e, bem assim, para efeitos de «uma melhor aplicação do direito», fundada no erro de julgamento, dada a incorreta interpretação e aplicação, mormente do disposto no art. 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, na sua articulação com os arts. 24.º, 70.º, n.º 2, 146.º todos do Código dos Contratos Públicos [CCP] e 01.º, n.ºs 1 e 3, da Diretiva Recursos [Diretiva 89/665/CEE, do Conselho], e, bem assim, do demais quadro principiológico invocado.

3. O R. e as Contrainteressadas devidamente notificados produziram contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr., respetivamente, fls. 3134/3136 e fls. 3112/3128], nelas pugnando, desde logo, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/PRT-JCP considerou «mostrar-se verificada a exceção de falta de interesse em agir da A. quanto a todos os pedidos formulados nos autos, concretamente quanto à anulação da deliberação de 2.7.2020 da Camara Municipal de Aveiro que, aprovando o relatório final, excluiu a proposta da A. e admitiu e adjudicou às contrainteressadas o concurso publico internacional para a “Aquisição de novo ferry elétrico para transporte entre S. Jacinto e o Forte da Barra”, e consequentemente, anulação do contrato celebrado e, bem assim, quanto ao pedido de condenação da Entidade Demandada a excluir a proposta das contrainteressadas e a admitir a proposta da A., adjudicando-lhe o contrato», pelo que absolveu da instância R. e Contrainteressadas, decisão essa que veio a ser mantida, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, pelo TCA/N.

7. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

8. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

9. E a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

10. Mostra-se inequívoco que a questão decidenda, pese embora marcadamente de natureza processual/adjetiva, goza, todavia, de relevância jurídica fundamental, porquanto a mesma, envolvendo a concatenação de quadro normativo nacional e da UE, assume carácter paradigmático e exemplar, já que nela se verifica capacidade de expansão da controvérsia, visto suscetível de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos e para outras situações futuras indeterminadas.

11. E o juízo firmado no acórdão recorrido apresenta-se como carecido de aprofundamento e da sua devida dilucidação por parte deste Supremo Tribunal, como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática, revisitando para o efeito a matéria em questão e tendo presente as circunstâncias apuradas equacionar a própria jurisprudência que o TJUE vem produzindo neste âmbito [cfr., entre outros, Acs. de 04.07.2013, Fastweb SpA, C-100/12, ECLI:EU:C:2013:448, de 05.04.2016, PFE, C-689/13, EU:C:2016:199, 11.05.2017, Archus e Gama, C-131/16, EU:C:2017:358, 05.09.2019, Lombardi, C-333/18, EU:C:2019:675, de 24.03.2021, Nama …, AE, C-771/19, ECLI:EU:C:2021:232].

12. Daí que ponderadas as críticas acometidas à solução acolhida no acórdão recorrido e cientes de que esta, envolvendo matéria dotada de relevância e de complexidade, não está, prima facie, imune à dúvida, impõe-se que o juízo impugnado seja objeto de devida reponderação por este Supremo por forma a, assim, serem dissipadas as dúvidas que aquele juízo aporta.

13. Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 09 de setembro de 2021
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, a Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa e o Conselheiro José Augusto de Araújo Veloso] Carlos Luís Medeiros de Carvalho