Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0881/16
Data do Acordão:01/25/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
IVA
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
NULIDADE
Sumário:Só com a alteração introduzida pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12, na al. a) do nº 5 do art. 114º do RGIT é que deixou de ser elemento constitutivo de tipo legal da contra-ordenação ali prevista o recebimento do imposto a entregar ao Estado por parte do arguido.
Nº Convencional:JSTA000P21352
Nº do Documento:SA2201701250881
Data de Entrada:07/05/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A........, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra), datada de 15 de Janeiro de 2015, que julgou nula a decisão proferida nos autos de contra-ordenação nº 1562.2008/06089186, que lhe aplicou a coima de € 3.809,55, por infracção ao CIVA e RGIT.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I. Nos termos das obrigações prescritas pelo nº 1 do artigo 27.° e pela alínea b) do nº 1 do artigo 41.°, ambos do CIVA, resulta para os sujeitos passivos de IVA a obrigação de entrega do montante de imposto exigível dentro do prazo legalmente determinado, sendo que às obrigações de liquidação e entrega do IVA correspondem as normas punitivas previstas nos n°s 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT, norma que define o tipo legal de ilícito contraordenacional, configurando-se o n° 3 como norma que permite proceder ao preenchimento do tipo legal já definido.
II. Para que o agente seja efectivamente imputável prática da contraordenação necessário é que a sua conduta se reconduza à prática do facto típico, ilícito e culposo, em obediência aos princípios da legalidade e da tipicidade plasmados no artigo 2.° do RGIT.
III. E, enquanto o tipo legal subjectivo exige que a prática dos factos descritos no tipo objectivo sejam imputáveis ao agente a título de dolo (n.° 1 do artigo 114.° do RGIT) ou a título de negligência (nº 2 do artigo 114º do RGIT), para preenchimento do tipo objectivo do ilícito em apreço nos autos necessário é determinar ou se entende, à luz do RGIT, em conjugação com as normas tributárias que lhe subjazem, por “prestação tributária” e por “prestação tributária deduzida”.
IV. Nos termos do disposto no artigo 11°, n.° 1, alínea a), do RGIT consideram-se como prestação tributária os impostos cuja cobrança caiba à administração tributária ou à administração da segurança social não restando dúvidas de que o IVA autoliquidado se inclui na noção de prestação tributária, conforme entendimento defendido por Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos.
V. Sendo certo que o tipo legal objectivo resulta de forma inequívoca e absoluta do artigo 114º, n.° 1 e n.° 2, do RGIT, conformando-se tão só o conceito de prestação tributária ao prescrito em normas auxiliares, como o sejam as contidas nos n°s 3 e 5 do artigo 114.º do RGIT e a referida norma do artigo 11.º do RGIT.
VI. No que diz respeito â expressão “deduzida” não só no caso das situações de retenção na fonte previstas nos artigos 71.º e 98º do CIRS, como também no caso do IVA, estamos perante prestação tributária deduzida, uma vez que, em resultado da obrigação de liquidação do imposto, nos termos do disposto nos artigos 35º e 36º n.° 1, do CIVA, o sujeito passivo de IVA exige aos adquirentes de mercadorias ou de serviços uma quantia global, que é o valor da prestação, que inclui o preço do bem ou serviço e o correspondente IVA, e assim vai proceder à dedução do imposto subtraindo-o de uma quantia global que é o valor exigido ao seu adquirente.
VII. Acresce considerar que a entrega do IVA liquidado, por força do regime próprio de funcionamento do imposto, impõe-se independentemente do recebimento do mesmo, sendo que a tal omissão de obrigação de entrega da prestação tributária que foi deduzida ao valor global do serviço prestado ou do bem vendido ao adquirente corresponderá a sanção respectiva, e vertida no n.° 1 e n.° 2 do artigo 114.° do RGIT sob pena de se esvaziar de conteúdo a obrigação fiscal.
VIII. Milita ainda a favor de tal interpretação o facto de o legislador ter procedido a alteração legislativa com o intuito de esclarecer que o IVA liquidado e não entregue se inclui no conceito de prestação tributária: à alínea a) do nº 5 do artigo 114.° do RGIT foi dada nova redacção pela Lei n.° 65-A/2000, de 31 de Dezembro passando a mesma a considerar expressamente como falta de prestação tributária a falta de entrega, total ou parcial ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado.
IX. E, já em momento anterior à alteração da redacção se impunha que se considerasse como falta de entrega da prestação tributária a falta de liquidação e a liquidação inferior à devida, situações em que logicamente não pode haver recebimento do IVA, não ficando o preenchimento do tipo legal dependente disso, concluindo-se que se a prática da infracção se verifica quando não há liquidação de IVA, por maioria de razão também se verificará quando há liquidação de IVA, recebido ou não recebido.
X. À recorrente foi aplicada coima pela entrega da declaração periódica de IVA desacompanhada do meio de pagamento, e independentemente do recebimento ou não do IVA, reconduz-se a sua conduta á prática da infracção contraordenacional vertida no artigo 114.° do RGIT n° 1, do RGIT, bem como do seu n.° 2, pois que imputável a título de negligência.
XI. Considerando-se o requisito da descrição sumária dos factos a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 79.° do RGIT como plenamente preenchido, não padecendo a decisão de aplicação de coima de qualquer nulidade.
XII. Pelo que entende Fazenda Pública não resta senão concluir, respeitosamente, que a douta sentença proferida pelo tribunal a quo assenta em errónea interpretação do direito aplicável no caso em apreciação, designadamente as normas dos n° 1, 2 e 3 do artigo 114.° do RGIT, para efeitos de subsunção da conduta da recorrente na norma do artigo 114.°, n.° 1 e 2 do RGIT, determinante de errada exclusão da mesma do tipo legal do ilícito contraordenacional de falta de entrega da prestação tributária.
XIII. Violando a douta sentença inelutavelmente o disposto nas normas do n° 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT, aplicáveis no âmbito da contraordenação imputada à recorrente, bem como as normas vertidas no nº 1 do artigo 63.º, sua alínea d), e no n.° 1 do artigo 79.°, sua alínea b), ambas do RGIT, por não aplicáveis à situação em apreço nos presentes autos de contraordenação.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e o recurso interposto da decisão de aplicação da coima ser julgado improcedente.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público, notificado, pronunciou-se no sentido de que, “ (…) o recurso é de improceder quer por ter ocorrido nulidade insanável ao não se fazer constar dos factos o recebimento de IVA, ou, a considerar-se que os factos tal como descritos são puníveis, tal implica que fossem indicadas outras disposições, o que não tendo ocorrido também constitui nulidade insanável nos termos previsto no art. 79.º nº 1 al. b) do R.G.I.T.”

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
a) No dia 17.11.2008, a recorrente remeteu a declaração periódica de IVA referente a 2008/09T, da qual resultou imposto a pagar no montante de €17.237,81 - Cfr. fls. 16;
b) A recorrente não efectuou o pagamento ao Estado do montante referenciado no ponto antecedente até ao dia 17.11.2008- Cfr. idem;
c) No dia 14.12.2008, foi levantado o auto de notícia n.° 2008.0567391/2008, no qual consta identificado como sujeito passivo infractor a ora Recorrente, pela prática da infracção consubstanciada na apresentação dentro do prazo D.P., s/ pagamento ou c/pagamento insuficiente p. e p. artigos 27°, n.° 1, e 41°, n.° 1, al. b), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e 114°, n.° 2, e 26°, n.° 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) - Cfr. idem;
d) Em 12.03.2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Sintra - 1 proferiu decisão de aplicação de coima, que fixou no montante de € 3.809,75,55, da qual se destaca o seguinte:
(...) Descrição Sumária dos Factos
Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Noticia pelos factos:, os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei nº 015/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação (ões).
Normas Infringidas
Artigo
Art.° 27. °n.° 1 e 41. °n.° 1 b) CIVA - Apresentação dentro prazo D.P. , s/pagamento ou c/ insuficiente (T)
Normas Punitivas Artigo
Art.º 114.º nº 2 e 26.º n° 4 do RGIT - Falta entrega de prest. tributária dentro do prazo (T)
Período Tributação 200809T
Data da infracção 2008-11-17
Coima fixada 3.809,55
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguidos(s) deriva do Art.º 7º do Dec-Lei n. ° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art.º 3º do RGIT concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da (s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da coima
Para fixação da coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objetiva e subjetiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro(s) (Art.º 27º do RGIT):
Requisitos/Contribuintes
A................ SA.
Actos de ocultação - Não
Beneficio Económico - 0,00
Frequência da prática – Frequente
Negligência - Simples
Obrigação de não cometer infracção - Não
Situação económica e financeira - Baixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção < 3 meses (...)
DECISÃO DA FIXAÇÃO DA COIMA
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art.º 79 ° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 3.809,55, cominada no(s) Art°(s) 114.º nº 2 do RGIT e 26° nº 4 do RGIT, com respeito pelos limites do Art.° 26.° nº4 do RGIT com respeito pelos limites do Art. 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 48,00) nos termos do nº 2 do Dec-Lei nº 29/98 de 11 de Fevereiro. (…)” - Cfr. documento a fls. 19 e 19, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
e) Em 02.07.2012, a Recorrente apresentou recurso da decisão a que se refere a alínea d) do probatório - Cfr. fls. 3;
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A decisão recorrida julgou procedente o recurso judicial interposto da decisão administrativa de aplicação de coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Sintra-1, que condenou a recorrida, no pagamento de uma coima de Euros 3.809,55, pela prática de uma contra-ordenação pp., pelas disposições conjugadas dos arts. 27º/1 e 41º/1/ b) do CIVA e 26º/4 e 114º/2 do RGIT, no entendimento de que a decisão é nula, nos termos do disposto nos arts. 63º/1/ d) e 79º/1/ b) do RGIT, por omissão da menção quanto ao facto de não se mencionar o efectivo recebimento, por parte da acoimada, do montante do IVA que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado.
Do assim decidido discorda a recorrente Fazenda Pública, que entende não se verificar a predita nulidade insuprível, dado que a contra-ordenação prevista no art. nº 1 do art. 114º do RGIT se verifica, independentemente do recebimento ou não do IVA.
Esta questão já não é nova e foi recentemente decidida por este Supremo Tribunal no seu acórdão datado de 30.11.2016, recurso n.º 01290/15 em sentido diametralmente oposto àquele que é defendido no presente recurso.
Aí escreveu-se, com utilidade para estes autos:
É que os factos em causa, como se constata do probatório, ocorreram em data anterior à alteração da redacção do nº 5, al. a) do art. 114º do RGIT (operada pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12), que entrou em vigor em 1/1/2009. E só em consequência dessa alteração é que passou a ser punível (nos termos do nº 1 do art. 114º do RGIT), a falta de entrega ao credor tributário do imposto devido, que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado. Ou seja, só por via dessa alteração é que o recebimento do imposto deixou de constituir elemento do tipo legal da contra-ordenação em causa.
Como sublinham Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, (Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, 4ª ed., 2010, p. 815.) aquela alteração visou o alargamento da previsão legal de modo a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens/serviços. (Daí que dessa alteração decorra, também, não ser, actualmente, a dedução do imposto nos termos legais, elemento do tipo legal da respectiva contra-ordenação, não se impondo, por isso, que em decisão de aplicação de coima relativa a tal contra-ordenação conste a omissão de entrega da prestação tributária devida (cfr. os acs. do STA, de 25/6/2015, no proc. nº 0382/15 e de 21/10/2015, no proc. nº 01175/15).)
Em suma, como bem se refere na decisão recorrida e no Parecer do MP, à data dos factos impunha-se a especificação do efectivo recebimento do montante do IVA que devia ter sido entregue nos cofres do Estado. E tratando-se de elemento essencial para o preenchimento do tipo legal da infracção em causa, a respectiva omissão, em sede de decisão de aplicação de coima, consubstancia incumprimento do requisito legal atinente à “descrição sumária dos factos” (al. b) do nº 1 do art. 79º do RGIT) e determina a nulidade daquela decisão (al. d) do nº 1 do art. 63º do RGIT).
É de concluir, portanto, que a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, improcedendo, assim, o recurso.”.
E como o assim decidido se aplica de igual modo à concreta situação destes autos, não pode ser diferente a solução a adoptar.

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2017. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.