Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0710/17
Data do Acordão:03/14/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P23044
Nº do Documento:SA2201803140710
Data de Entrada:06/09/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………, com os sinais dos autos, vem interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de Dezembro de 2016, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgara totalmente improcedente a oposição por si deduzida à execução fiscal n.º 1058201401270346, originariamente instaurada contra a sociedade “B…………, Unipessoal, Lda” e contra si revertida, apresentando para tal as seguintes conclusões:
I – O presente Processo tem na sua origem o Processo de Execução Fiscal n.º 1058-2014/01270346, que se reporta a dívidas referentes ao Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) da Sociedade “B…………, UNIPESSOAL, LDA”, NIPC ………, devedora Originária, as quais reverteram para a esfera do aqui Recorrente, na qualidade de Responsável Subsidiário da mesma.
II – Nesta sequência, foi proferida sentença pelo Tribunal de 1.ª instância que julgou improcedente a Oposição à Execução apresentada pelo Recorrente, por:
- Entender não procedia o argumento do Recorrente de que tinha existido falta de excussão prévia do património da Sociedade devedora originária.
- Entender que este não logrou provar e demonstrar não lhe ser imputável o incumprimento das obrigações fiscais em cobrança coerciva.
III – Ora, o Tribunal Central Administrativo Sul em Acórdão proferido em 15 de Dezembro de 2016 confirmou a decisão de 1.ª instância, tendo concordado com estes dois entendimentos.
IV – Não pode o ora Recorrente manifestar concordância com tal decisão, por não acompanhar a argumentação vertida na mesma.
V – Conforme se expôs, não teve lugar, como a Lei exige, a excussão prévia do património da Sociedade devedora originária.
VI – Ora, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT só pode haver chamamento à execução dos responsáveis subsidiários se existir fundada insuficiência do património do devedor originário apenas para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
VII – Pelo que, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, para que possam ser chamados à execução os responsáveis subsidiários não basta que haja fundada insuficiência do património do devedor originário para a satisfação de todos os seus credores, neles se incluindo a AT.
VIII – Ora, como vimos supra, o valor do património da Sociedade devedora originária (3.186.847,25€) não é fundadamente insuficiente para a satisfação da dívida exequenda (7.430,38€).
IX – logo, in casu, não existe fundada insuficiência do património do devedor originário para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
X – assim, não estão reunidos os pressupostos ou requisitos constantes da alínea b) do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT para que se possa proceder à reversão da execução fiscal ao Recorrente.
XI – Acresce ainda que, ainda não foi feita a alienação dos imóveis supra indicados, pelo que, estes ainda se encontram na esfera jurídica da Sociedade devedora originária, rectius, na esfera jurídica da massa insolvente da Sociedade devedora originária entretanto declarada insolvente.
XII – Assim, no processo de execução fiscal que deu origem ao presente recurso ainda não foram excutidos todos os bens do devedor originário.
XIII – Foram, por isso, violadas as normas dos arts. 22.º, n.º 4 e 23.º, n.ºs 2 e 3 da LGT; e al. b) do n.º 2 do art. 153.º do CPPT.
XIV – Por outro lado, existiu também um comportamento (ação positiva) pró-ativo do recorrente no sentido de proteger os seus credores.
XV – Com efeito, o art. 24.º, n.º 1, al. b) da LGT estabelece uma presunção legal de culpa, que in casu faz recair sobre o recorrente o ónus de demonstrar que não foi por culpa sua que ocorreu o incumprimento das obrigações tributárias.
XVI – Simplesmente, o Recorrente considera que resultam dos autos elementos que permitem com toda a certeza ilidir essa presunção.
XVII – Com efeito, é o próprio administrador de insolvência que refere que a sociedade insolvente reclamou para a sua posse o imóvel de modo a defender a obra de furtos ou deteriorações.
XVIII – Ora, quando isso aconteceu já a Sociedade insolvente tinha resolvido com justa causa o contrato com a Sociedade empreiteira (cfr. Parágrafo n.º 10 do capítulo “Causas da Insolvência” do Relatório).
XIX – essa resolução do contrato com a maior cliente iria determinar, com toda a certeza, a entrada em situação de insolvência da Sociedade devedora principal.
XX – O que significa que, quando decidiu, na qualidade de único gerente da sociedade, reclamar a posse do imóvel de modo a defender a obra de furtos e deteriorações, o recorrente já estaria a atuar com o único objetivo de proteger os credores da Sociedade.
XXI – Ora, tal não pode deixar de ser considerado como um comportamento ativo (ação positiva) por parte do Recorrente no sentido da proteção dos seus credores, máxime a administração Tributária.
XXII – Deve, por isso, considerar-se afastada e ilidida a presunção de culpa prevista no art. 24.º, n.º 1 al. b) da LGT.
XXIII – No Relatório do Administrador de Insolvência, refere-se expressamente que a causa da insolvência da Sociedade devedora originária foi o incumprimento reiterado e injustificado por parte da empreiteira, que determinou a suspensão da obra.
XXIV – Foram também levadas a cabo pelo recorrente intensas negociações, sempre num quadro de diálogo e disponibilidade com o objetivo de evitar a insolvência e, por conseguinte, proteger os seus credores (cfr. Parágrafo n.º 8 do capítulo “Causas da Insolvência” do relatório).
XXV – A Devedora Originária, “B…………, UNIPESSOAL, LDA”, foi declarada insolvente.
XXVI – No âmbito do Processo de Insolvência da Sociedade devedora originária, não foi aberto incidente de qualificação da insolvência como culposa, por não existirem indícios da prática dos factos descritos nos artigos 186.º e seguintes do CIRE.
XXVII – Não se verificou nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE; por conseguinte, seria necessária a existência de dolo ou culpa grave na atuação do devedor, passível de originar a sua situação de insolvência, o que in casu, não sucedeu.
XXVIII – Pois, a situação de insolvência da devedora Originária não foi criada ou agravada em consequência de uma atuação dolosa ou com culpa grave do seu Sócio-Gerente, provindo, ao invés, de razões objetivas, não imputáveis ao Sócio-Gerente, provindo, ao invés, de razões objetivas, não imputáveis ao Sócio-Gerente, designadamente do incumprimento contratual do seu maior parceiro de negócios, conforme se alcança pelo conteúdo do Relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE, elabora pelo Exmo. Sr. Administrador de insolvência.
DO PEDIDO:
Nestes termos, requer-se a V. Exas. que seja revogado o acórdão proferido pelo Tribunal central administrativo Sul, sendo este substituído por outro que julgue procedente a Oposição à execução Fiscal apresentada pelo Recorrente, e, consequentemente seja o Recorrente absolvido do pedido formulado no âmbito do Processo de Execução Fiscal.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal teve vista dos autos, remetendo a emissão de parecer para momento posterior, sendo caso disso – cfr. fls. 176 dos autos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
- Fundamentação -

4 – Dá-se por reproduzido para todos os efeitos legais o probatório fixado no acórdão recorrido – fls. 122/123 dos autos.

5 – Apreciando.
5.1 Da admissibilidade do recurso
O presente recurso foi interposto pelo recorrente como se de um ordinário recurso de revista se tratasse (cfr. requerimento de interposição de recurso, a fls. 148 dos autos), tendo sido tramitando e admitido (fls. 171 dos autos) como recurso de revista excepcional nos termos do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o único admissível de acórdãos dos TCAs.
Haverá, pois, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, Acórdão deste STA de 2 de Abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

No caso dos autos, o recorrente manifesta divergência com o decidido pelo acórdão do TCA-Sul recorrido, que confirmou a sentença de 1.ª instância, relativamente à improcedência do argumento do recorrente no sentido da falta de excussão prévia do património da originária devedora e por ter julgado não ter sido afastada e ilidida a presunção de culpa prevista no art. 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT no caso dos autos e atendendo, designadamente ao Relatório do Administrador de Insolvência.
Ora, é sabido que o recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
E resulta evidente da alegação de recurso do recorrente que, no que respeita aos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excepcional, o recorrente nada alega, não estando igualmente dispensado de o fazer porquanto não é notório que as questões que coloca se revistam de importância jurídica ou social fundamental ou que a admissibilidade do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Tratam-se, ao invés, de duas questões objecto de amplo tratamento jurisprudencial e doutrinal, como quase todas as relativas à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, que de modo algum podem qualificar-se como de complexidade superior à comum, e a que o TCA – Sul deu, no acórdão recorrido, resposta amplamente satisfatória e conforme à jurisprudência e doutrina largamente maioritárias.

O recurso não será, pois, admitido.
- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se julgar não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA;

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 14 de Março de 2018. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Ascensão Lopes - António Pimpão.