Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0347/09
Data do Acordão:09/09/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:GARANTIA BANCÁRIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
CADUCIDADE DE GARANTIA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do n.º 6 do artigo 183.º-A do Código do Procedimento e do Processo Tributário, em caso de caducidade da garantia, o interessado poderá ser indemnizado pelos encargos suportados com a sua prestação, nos termos e com os limites previstos nos números 3 e 4 do artigo 53.º da Lei Geral Tributária.
II - Mau grado tal normativo ter sido aditado ao Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, os “encargos suportados” têm de ser contabilizados desde o momento da prestação de garantia, mesmo que esta seja anterior à vigência do referido preceito legal.
Nº Convencional:JSTA00065926
Nº do Documento:SA2200909090347
Data de Entrada:03/24/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO DE 2008/12/22 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:L 15/2001 DE 2001/06/05 ART11.
CPPTRIB99 ART183-A ART69 F.
LGT98 ART53.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC513/06 DE 2006/10/11.; AC STA PROC730/08 DE 2009/01/28.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 4ED PAG345.
Aditamento:
Texto Integral: – Relatório –

1 - O Director de Finanças da Direcção de Finanças do Porto recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 22 de Dezembro de 2008, que concedeu provimento ao recurso contencioso de anulação deduzido por A…, S.A. contra despacho de indeferimento de pedido indemnizatório por prestação de garantia, apresentando as seguintes conclusões:
1.ª - A Lei n.º 15/2001 de 05 Junho aditou o Art.º 183.º-A ao CPPT, cuja vigência teve início em 05.07.2001;
2.ª - Os prazos previstos nesta nova disposição legal (Art.º 183.º-A do CPPT) aplicavam-se aos processos pendentes, contando-se, contudo, só a partir da entrada em vigor desta mesma lei (ex vi Art. 11.º);
3.ª – Razão pela qual os encargos suportados com a prestação de garantia para suspensão da execução fiscal, só sejam indemnizáveis a partir de 05.07.2001 e não, também, os encargos incorridos anteriormente a esta data;
4.ª – Ao ter decidido em sentido contrário a sentença recorrida fez uma apreciação incorrecta do direito aplicável, violando o Art.º 183.º-A do CPPT conjugado com o Art.º 11.º da Lei n.º 15/2001 de 05.Junho
Nestes termos deve o presente recurso ser considerado procedente e provado e por via dele ser proferido Acórdão que acolha as pretensões do Recorrente, como é de Justiça.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu Parecer nos seguintes termos:
I. A questão que a recorrente Fazenda Pública vem submeter à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal Administrativo refere-se a uma eventual violação dos arts. 183-A n.º 6 e 53.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária na atribuição de indemnização pelos prejuízos incorridos com a prestação e manutenção de garantia bancária.
Alega a recorrente que a Lei n.º 15/2001 aditou o art.º 183.º-A ao CPPT, cuja vigência teve início em 05.07.2001.
E que os prazos previstos nesta nova disposição legal (art.º 183.º-A do CPPT) aplicavam-se aos processos pendentes, contando-se, contudo, só a partir da entrada em vigor desta mesma lei (ex vi art. 11.º).
Razão pela qual conclui que os encargos suportados com a prestação de garantia para suspensão da execução fiscal, só serão indemnizáveis a partir de 05.07.2001, sendo excluídos os encargos anteriores àquela data.
II. Afigura-se-nos, porém, que não lhe assiste razão.
A decisão recorrida entendeu, e bem, na esteira da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo – vide, para além do acórdão 513/06 de 11.10.2006, citado na decisão recorrida, os acórdãos de 31.01.2007, recurso 1086/06 e de 26.04.2007, recurso 215/07, in www.dgsi.pt – que os encargos suportados com a prestação da garantia caducada se contabilizam desde que esta foi prestada.
Como se sublinha naquele primeiro aresto a redacção do art.º 11.º da Lei 15/2001, não tem outro significado «senão conceder sempre à administração o prazo de um ano para decidir a reclamação sem quaisquer consequências indemnizatórias e justamente nos processos pendentes, pois, nos instaurados posteriormente à entrada em vigor da lei, o prazo conta-se naturalmente a partir da respectiva instauração. (…) Na verdade, aquele alargamento do prazo para a decisão da reclamação, em equiparação às reclamações ainda não pendentes, tornaria incompreensível que, ainda assim, o respectivo incumprimento não gerasse um dever de indemnização relativamente às garantias já prestadas anteriormente à vigência do dito artigo 183.º-A desde o seu início».
Daí que se conclua que, estando a reclamação pendente com garantia prestada e tendo a administração um ano para a decidir, mesmo após a entrada em vigor da Lei 15/2001, não o fazendo, deverá indemnizar o contribuinte, com efeitos desde a prestação da garantia.
Nestes termos de parecer que o presente recurso não merece provimento, devendo ser confirmada a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

– Fundamentação –

4 – Questão a decidir
É apenas a de saber se em caso de caducidade da garantia prestada para suspender a execução, ex vi do artigo 183.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), os encargos suportados com a sua prestação e indemnizáveis nos termos do n.º 6 do artigo 183.º-A do CPPT e números 3 e 4 do artigo 53.º da Lei Geral Tributária (LGT), são os contabilizados desde a data em que a garantia é prestada ou apenas os contabilizados a partir da data de entrada em vigor da Lei n.º 15/2001, de 5 de Julho (que aditou ao CPPT aquela disposição legal, hoje parcialmente revogada).

5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
Ø Em 03/02/1999, foi apresentada reclamação graciosa, no serviço de finanças da Maia (1), relativa a liquidação de IRC, referente ao ano de 1989, no montante global de 67.402.265$00 – cfr. fls. 6 a 29 do processo administrativo apenso aos autos.
Ø Em 25/02/2003, foi informado pelo serviço de finanças da Maia (1) o Director de Finanças do Porto que a reclamação graciosa se encontrava em fase de instrução, a aguardar informação dos Serviços de Inspecção Tributária – cfr. fls. 2 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
Ø Para efeitos de suspensão do processo executivo n.º 1805-00/102082.0, instaurado por falta de pagamento da quantia liquidada, foi apresentada garantia bancária em 26/05/1999, no montante de 91.836.271$00 – cfr. fls. 12 e 13 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
Ø Em 17/02/2003, a recorrente requereu a declaração de caducidade da garantia referenciada e, ainda, indemnização pelos encargos suportados com a sua prestação – cfr. fls. 3 e 4 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
Ø Tal pedido foi objecto de deferimento quanto à caducidade da garantia, tendo cessado todos os efeitos inerente à mesma, mas, no tocante à indemnização solicitada, apenas deferido parcialmente, já que, por despacho, de 07/03/2003, de Inspectora Tributária Principal, com competências subdelegadas pelo Director de Finanças do Porto – despacho publicado no DR. N.º 212, de 12/09/2001, apenas foi considerado o montante de € 2.123,28 – cfr. fls. 30 e 31 do processo administrativo apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Ø Tal decisão foi notificada à recorrente em 11/03/2003 – cfr. fls. 32 a 34 do processo administrativo apenso aos presentes autos.
Ø A presente acção foi instaurada em 26/03/2003 – cfr. fls. 2 dos autos, conforme carimbo aposto no rosto da petição inicial.

6 – Apreciando
6.1 Dos encargos suportados com a prestação de garantia
A sentença recorrida (a fls. 88 a 96 dos autos), estribando-se no decidido por Acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Outubro de 2006, proferido no recurso 513/06 e de que foi Relator o Senhor Conselheiro Brandão de Pinho, decidiu ter o recorrente direito a indemnização pelos prejuízos decorrentes da prestação de garantia desde a data em que esta foi prestada, 26 de Maio de 1999, e até ser levantada, independentemente de ter sido prestada antes ou depois da entrada em vigor do artigo 183.º-A do CPPT, ocorrida em 5 de Julho de 2001 (cfr., sentença recorrida, a fls. 96 dos autos).
Insurge-se contra o decidido o Director de Finanças da Direcção de Finanças do Porto, ora recorrente, que pretende extrair do artigo 11.º da Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho uma limitação da indemnização dos encargos por garantia indevida aos incorridos a partir da data da entrada em vigor daquela lei, ou seja a partir de 5 de Julho de 2001, invocando em defesa da sua posição o Acórdão deste Tribunal de 18 de Maio de 2005, proferido no recurso n.º 40/2005, cujo sumário transcreve e a cujos fundamentos adere (cfr. alegações de recurso a fls. 118 e 119 dos autos).
Vejamos.
Importa desde já dizer que o Acórdão deste Tribunal invocado pelo Recorrente e a cuja fundamentação adere para sustentar a sua posição é, por um lado, anterior ao que serviu de fundamento à decisão recorrida, por outro, que dois dos seus subscritores reviram entretanto a posição que aí defendida, manifestando-o expressamente através de declaração aposta precisamente no Acórdão de 11 de Outubro de 2006 (rec. n.º 513/06), que fundamentou a sentença recorrida.
É também no sentido deste último Acórdão a jurisprudência posterior deste Supremo Tribunal, expressa não apenas nos Acórdãos citados pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu Parecer junto aos autos e supra transcrito, como também, mais recentemente, no Acórdão de 28 de Janeiro de 2009 (rec. n.º 730/08).
Entendemos não haver razão para divergir dessa orientação hoje firmada, assumida em outros Acórdãos subscritos pelos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no presente recurso e que a Relatora acompanha também e a cuja fundamentação aderimos.
Assim, como se escreveu no citado aresto:
«Dispõe o número 1 do artigo 183.º-A referido que “a garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição ou se na impugnação judicial ou na oposição não tiver sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação”.
E, tendo a garantia caducado, há que apreciar os efeitos operados por tal caducidade.
Nos termos do seu n.º 6, “em caso de caducidade da garantia, o interessado será indemnizado pelos encargos suportados com a sua prestação, nos termos e com os limites previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 53.º da Lei Geral Tributária”.
Ou seja, a caducidade da garantia, resultado da falta de decisão da reclamação graciosa no prazo de um ano, dá origem a um direito a indemnização, regulado nos termos e com os limites previstos no artigo 53.º, n.ºs 3 e 4 da LGT, pelos encargos suportados com a prestação dessa mesma garantia.
(…) Apesar das diferenças, as duas indemnizações partilham o mesmo regime legal no que concerne aos “termos e os limites” em que a obrigação deve ser paga, por força daquela remissão do n.º 6 do artigo 183.º-A do CPPT para os n.ºs 3 e 4 do artigo 53.º da LGT: “a indemnização (…) [prevista no artigo 183.º-A, n.º 6, do CPPT] tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente” – artigo 53.º, n.º 3, da LGT -, sendo que “será paga por abate do tributo do ano em que o pagamento se efectuou” – n.º 4 deste último artigo.
Alega a recorrente que, “por maioria de razão, o direito à indemnização não poderá compreender os encargos suportados com a prestação de garantia até à entrada em vigor da referida Lei 15/2001” (…), pois "a lei só dispõe para o futuro" (…).
Mas a aplicação retroactiva daquela Lei Fiscal não está em causa já que o regime transitório da Lei n.º 15/2001, previsto no seu artigo 11.º, determina que, “relativamente aos processos pendentes” – definindo o respectivo «regime de transição» em que, portanto, já havia garantias prestadas -, os prazos referidos naquele artigo 183.º-A só são contados a partir da entrada em vigor desta lei.
A tese da recorrente deixa sem qualquer conteúdo o inciso normativo inicial daquele artigo 11.º pois a sua segunda parte – contagem do prazo – só pode referir-se a processos (reclamações) pendentes: se o dito “regime de transição” fosse só referente ao prazo, a expressão “relativamente a processos pendentes” seria de todo espúria.
Tal segunda parte não tem outro significado senão conceder sempre à administração o prazo de um ano para decidir a reclamação sem quaisquer consequências indemnizatórias e justamente nos processos pendentes, pois, nos instaurados posteriormente à entrada em vigor da lei, o prazo conta-se naturalmente a partir da respectiva instauração.
À falta de tal preceito, a lei não seria retroactiva, isto é, só se aplicaria às reclamações instauradas e às garantias prestadas posteriormente à sua vigência.
A Lei n.º 15/2001 é, pois, retroactiva, já que se aplica às reclamações pendentes com garantias prestadas, faltando apenas definir o respectivo âmbito.
Sendo que, ao referir-se apenas à contagem do prazo de caducidade das garantias pendentes, aquele regime transitório também tutela os efeitos dessa mesma caducidade.
Isto é: a verificação do pressuposto constitutivo da caducidade da garantia já prestada – o decurso de um ano, a partir da entrada em vigor daquela Lei, sem que a reclamação graciosa seja decidida pela administração fiscal – é indissociável do seu efeito – o direito a indemnização pelos encargos suportados com a prestação da garantia caduca -, uma vez que a Lei n.º 15/2001 não diz o contrário.
O legislador, ao prever o pressuposto constitutivo da caducidade, consequentemente previu também o seu efeito.
Na verdade, aquele alargamento do prazo para a decisão da reclamação, em equiparação às reclamações ainda não pendentes, tornaria incompreensível que, ainda assim, o respectivo incumprimento não gerasse um dever de indemnização relativamente às garantias já prestadas anteriormente à vigência do dito artigo 183.º-A e desde o seu início.
Da referência do artigo 11.º desta Lei aos “processos pendentes” resulta, pois, que o mesmo artigo se aplica às garantias já prestadas e, não se concretizando qualquer restrição indemnizatória, terão de ser indemnizados todos os encargos, que não somente os posteriores à entrada em vigor da Lei n.º 15/2001.
O que perfeitamente se justifica atendendo a que a reclamação tem efeito suspensivo se prestada garantida adequada – artigo 69.º, alínea f), do CPPT -, obstando à própria instauração da execução – cfr. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado, 4.ª edição, p. 345, nota 8.
Em suma: havendo naturalmente reclamações pendentes com garantias prestadas e tendo a administração um ano para decidir a reclamação não se vê justificação para, não o fazendo, não dever indemnizar o contribuinte, com efeitos desde a prestação da garantia.
Pelo que, na determinação da indemnização, os “encargos suportados” têm que ser contabilizados desde o momento da prestação da garantia (8 de Junho de 1998) até à declaração da sua caducidade (12 de Novembro de 2002), “nos termos e com os limites previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 53.º da LGT”».

a) O recurso não merece provimento.

- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Sem custas, pois que a Fazenda Pública delas estava isenta à data em que deu entrada a petição de impugnação (27 de Março de 2003 – cfr. fls. 2 dos autos) que está na origem dos presentes autos.

Lisboa, 9 de Setembro de 2009. Isabel Marques da Silva (Relatora) - Brandão de Pinho - António Calhau.

a) Rectificação ordenada por despacho de 03/12/2009 a fls 146..