Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0491/12
Data do Acordão:09/26/2012
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:TRANSFERÊNCIA DE FARMÁCIA
ASSOCIAÇÃO
PREVIDÊNCIA
Sumário:À transferência de uma farmácia pertencente a uma associação de assistência e previdência social não se aplica o regime jurídico da Portaria n.º 936-A/99, de 22 de Outubro.
Nº Convencional:JSTA000P14601
Nº do Documento:SA1201209260491
Data de Entrada:05/07/2012
Recorrente:A.... E B....
Recorrido 1:INFARMED, IP E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A…… e B…… interpuseram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho de Administração do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED], de 23/09/2003, que deferiu o pedido de transferência da Farmácia Privativa Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Estado, a quem indicaram como contra-interessada, para a Rua …… n.° ….. a ……, freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa.

Para tanto alegaram que aquela deliberação estava ferida por vício de forma - visto não ter sido precedida da publicação de aviso prévio em Diário da República, nos termos do artigo da Portaria 936-N99, de 22/10 - e vício de violação de lei - por não respeitar a condição prevista no artigo 2°, n.° 1, alínea b) da citada Portaria uma vez que entre a nova localização da farmácia da referida Associação e o local onde a Farmácia de que os Recorrentes são proprietários distam apenas 469.95 metros em linha recta.

Sem êxito já que lhe foi negado provimento.

Os Recorrentes agravaram tendo concluído a sua alegação do seguinte modo:
1. O regime jurídico previsto na Portaria n.° 936-A/99, de 22/10, aplica-se à transferência da Farmácia Privativa da Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Estado, pois, (i) esse é o único diploma legal que dispõe sobre transferência de farmácias e (ii) a própria entidade recorrida, ou seja, o próprio INFARMED, considerou no procedimento administrativo em causa que se aplica o regime previsto na Portaria n.° 936-A/99 à transferência da Farmácia Privativa da ASMEE, conforme resulta expressamente dos factos provados e), f) e g).
2. Aplicando-se a Portaria n.° 936-A/99, de 22/10, à transferência da Farmácia Privativa da Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Estado, a deliberação do Conselho de Administração do INFARMED, de 23/09/2003 (acta n.° 63/CA/2003), que deferiu o pedido de transferência da Farmácia Privativa da ASMEE para a Rua ……, …… a ……, freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa, distrito de Lisboa, deve ser anulada, por padecer do vicio de violação de lei, por ofensa do disposto no ponto 2°, n.° 1, alínea b), da Portaria n.° 936-A/99 pois, entre o local onde se encontra instalada a Farmácia da Recorrente e o prédio sito nos n.°s ….. a …… da Rua ……, freguesia de São Nicolau, em Lisboa, local para onde o Conselho de Administração do INFARMED deferiu o pedido de transferência da Farmácia Privativa da ASMEE, distam apenas 469,95 metros em linha recta, conforme resulta expressamente do facto provado h).
3. Ao decidir que o acto impugnado não padece do vício de violação de lei invocado pela recorrente, por não respeitar a condição prevista no ponto 2°, n.° 1, alínea b), da Portaria 936-A/99, de 22/10, a douta sentença recorrida violou o disposto no ponto 2.°, n.° 1, alínea b), da Portaria 936-A/99 aplicável à transferência da Farmácia Privativa da ASMEE.
4. Aplicando-se a Portaria n.° 936-A/99, de 22/10, à transferência da Farmácia Privativa da ASMEE, a deliberação do Conselho de Administração do INFARMED, de 23/09/2003 (acta n.° 63/CA/2003), que deferiu o pedido de transferência da Farmácia Privativa da ASMEE para a Rua ….., ….. a ……., freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa, distrito de Lisboa, deve ser anulada por padecer do vício de forma, por ofensa do disposto no ponto 16°, n.° 3, da Portaria n.° 936-A/99 pois, foi preterida a formalidade essencial aí prevista que consiste na publicação prévia de um aviso no Diário da República informando do pedido de transferência e conferindo às outras farmácias do mesmo concelho o direito a solicitarem transferência para o mesmo local.
5. Ao decidir que o acto impugnado não padece do vício de forma invocado pela recorrente, por preterição de formalidade essencial, a douta sentença recorrida violou o disposto no ponto 16°, n.° 3, da Portaria 936-A/99, de 22/10, aplicável à transferência da Farmácia Privativa da ASMEE.

O INFARMED contra alegou para formular as seguintes conclusões:
1. A norma habilitadora da Portaria 936-A/99 consta do art.º 50.° do DL 48 547, razão pela qual esta Portaria visa exclusivamente regular a transferência de farmácias tendo em conta os interesses genéricos dos cidadãos e os interesses das farmácias que estão no mercado em situação de concorrência.
2. Assim, a Portaria 936-A/99 não tem como escopo regular a instalação e a transferência de farmácias privativas, só podendo ser aplicada a esta situação por via de analogia, nos termos do artigo 10.º do CC.
3. O acto sub judice não viola o disposto no art.º 2.°/1/b) da Portaria 936-A/99 porquanto a sua ratio consiste exclusivamente na subsistência económica dos próprios estabelecimentos e na protecção de uma cobertura farmacêutica eficiente e eficaz da população.
Ora,
4. Tais tutelas não se justificam para as farmácias privativas, que nos termos da Base II/4 da Lei 2125 e do artigo 44° do DL 48 547, só podem destinar-se aos serviços privativos das Misericórdias ou instituições de assistência e previdência social, suas proprietárias; pelo que apenas podem fornecer medicamentos em condições especiais às pessoas que, nos termos dos estatutos ou regulamentos das entidades a que pertençam, tenham essa prerrogativa e nas condições ali expressamente estabelecidas.
5. O artigo 16.°/3 da Portaria 936-A/99 tem como ratio permitir uma igualdade de oportunidades de aceder a uma determinada clientela, de uma zona ou de uma região.
Assim,
6. se as farmácias privativas apenas têm como clientela os seus associados, não podendo estar aberta ao público em geral, cliente das outras farmácias, é evidente que o acto sub judice não viola o artigo 16.º/3 da Portaria 936-A/99, na medida em que o mesmo por força da razão não lhe pode é aplicável.
7. Será de concluir que não se verifica assim qualquer vício imputável ao acto impugnado.

A Contra interessada, Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Estado, contra alegou para defender a manutenção do julgado sem, contudo, formular conclusões.

A Ilustre Magistrada do M.P. emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso por considerar que o sentido da decisão recorrida se encontrava em conformidade com a jurisprudência unânime deste STA e que não havia razão para que esta fosse alterada.

FUNDAMENTAÇÃO


I. MATÉRIA DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
a) Os recorrentes são proprietários da Farmácia ……de ......., que se encontra instalada na Rua ……, n°……, em Lisboa [documento de fls. 25 dos autos].

b) A Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Estado é uma instituição particular de solidariedade social, sem fins lucrativos, que prossegue fins de previdência e de auxílio recíproco [documento de fls. 102 a 118 dos autos].

c) A Farmácia Privativa da Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Estado, com o alvará n°897, de 5 de Março de 1960, situa-se na ……., n°……, freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa [documento de fls.2 do processo instrutor].

d) Em 20 de Março de 2002, a Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Estado requereu a transferência da sua Farmácia Privativa para a Rua ……, n°…… a ……, freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa [documento de fls.3 do processo instrutor].

e) Em 23 de Setembro de 2003, o Conselho de Administração do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento deliberou autorizar, analisada a proposta/DIL/4002, de 19 de Setembro de 2003, da Comissão de Avaliação de Transferência de Farmácias, a transferência da Farmácia Privativa Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Estado para a Rua ……., n°…… a ……, freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa, nos termos do disposto no n°6 da Portaria n°936-A199, de 22 de Outubro, alterada pela Portaria n°1 379/2002, de 22 de Outubro [documento de fls.24 dos autos].

f) Na proposta da Comissão de Avaliação de Transferência de Farmácias consta, além do mais, o seguinte: “1 - O presente pedido não carece de publicação de anúncio em Diário da República, porquanto a farmácia funciona ao abrigo do Art° 44, do Decreto-lei n°48547, de 27 de Agosto de 1968. 2. Cumprido o disposto no n° 6° da Portaria anteriormente citada, conclui pela documentação que instruiu o processo que o pedido reúne as condições legais, para aprovação pelo que se propõe superiormente o deferimento do pedido” [documento de fls. 30 do processo instrutor].

g) A deliberação referida em e) foi tornada pública através do Aviso n°10716/2003, publicado no Diário da República, II Série, n°239, de 15/10/2003 [documento de fls. 24 dos autos].

h) Entre o local onde se encontra instalada a Farmácia ...... de ……., na Rua ……., n°……, em Lisboa, e o prédio sito na Rua ……, n°…… a ……., freguesia de São Nicolau, em Lisboa, distam 469.95 metros em linha recta [documento de fls. 26 a 28 dos autos].


II. O DIREITO.

O presente recurso dirige-se contra a sentença do TCA de Lisboa que negou provimento ao recurso contencioso, interposto por A…… e B……, da deliberação do INFARMED, de 23/09/2003, que autorizou a transferência Farmácia Privativa Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Estado para local diferente daquele em que se encontrava. E isto porque considerou que aquela decisão não estava ferida pelos vícios que lhe foram assacados uma vez que ”… o regime constante da Portaria n.° 936-A/99, de 22/10, não é aplicável às farmácias privativas, como é a farmácia de que a contra-interessada é proprietária, pelo que a sua transferência não pressupunha a publicação do aviso a que se refere o artigo 16.º, n.° 2 da referida portaria, nem se encontrava dependente da condição de não distar de outra farmácia menos de 500 metros, improcedendo, nesta medida, os vícios imputados pelos recorrentes à deliberação recorrida.”

Decisão que não convenceu os Recorrentes que continuam a sustentar que o regime estabelecido na citada Portaria se aplica à transferência de todas as farmácias, designadamente às pertencentes a associações de assistência e previdência social e que, sendo assim, a deliberação impugnada padecia de vício de violação de lei por ofender o disposto no seu ponto 2/1/b) – já que o local para onde a farmácia da Recorrida particular irá ser transferida dista menos de 500 metros do local os Recorrentes têm instalada a sua farmácia – e vício de forma por desrespeitar a formalidade exigida no seu ponto 16/3 – não ter sido publicado aviso no Diário da República publicitando o mencionado pedido de transferência.

A questão objecto do presente recurso é, pois, como se vê, a de saber se o regime jurídico estabelecido na Portaria n.º 936-A/99, de 22/10 - designadamente os seus pontos 2, n.º 1, al.ª b), e 16.º, n.º 3 - se aplica à transferência de farmácias pertencentes a associações de assistência e previdência social.
Questão que já foi, por diversas vezes, abordada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, de forma unânime, pelo que, inexistindo divergência que possa justificar uma alteração do entendimento que se colhe nesses Arestos, limitar-nos-emos a acompanhar o que tem sido decidido.

Escreveu-se no Acórdão de 13/07/2011 (rec. 269/11) tirado numa situação em tudo igual à que ora se nos apresenta:
“A Lei n.º 2125, de 20-3-1965, contém as bases do exercício da actividade de farmácia.
Esta Lei foi expressamente revogada pelo art. 60.º do DL n.º 307/2007, de 31/08, mas é aplicável ao acto impugnado, praticado em 23-9-2003, pois a validade de actos administrativos é apreciada à face do regime que vigora no momento em que foram praticados, em sintonia com a regra da 1.ª parte do n.º 2 do art. 12.º do Código Civil.

A Base II da Lei n.º 2125 estabelece o seguinte:
BASE II
1. As farmácias só poderão funcionar mediante alvará passado pela Direcção-Geral de Saúde. O alvará é pessoal, só pode ser concedido a quem é permitido ser proprietário de farmácia e caduca em todos os casos de transmissão, salvo nas hipóteses previstas na lei.

2. O alvará apenas poderá ser concedido a farmacêuticos ou a sociedades em nome colectivo ou por quotas, se todos os sócios forem farmacêuticos e enquanto o forem.

3. A nenhum farmacêutico ou sociedade poderá ser concedido mais de um alvará. Igualmente nenhum farmacêutico poderá pertencer a mais de uma sociedade ou pertencer a ela e ser proprietário individual de uma farmácia.

Nenhum farmacêutico, quando proprietário de uma farmácia ou gerente técnico de uma sociedade, pode desempenhar qualquer função incompatível com o exercício efectivo da actividade farmacêutica.

4. Para cumprimento dos seus fins estatutários, as Misericórdias e outras instituições de assistência e previdência social poderão ser proprietárias de farmácias desde que estas se destinem aos seus serviços privativos. As farmácias que estas instituições actualmente possuam abertas ao público podem continuar no mesmo regime.

5. Poderá ser passado alvará às instituições de assistência e previdência social e, na falta destas, aos organismos corporativos da actividade farmacêutica, quando haja interesse público na abertura de farmácia em determinado local ou na manutenção da já existente, e não apareçam farmacêuticos interessados na sua instalação ou aquisição.

Decorrido o prazo de três anos, a contar da data do alvará, caducará a concessão a favor de qualquer farmacêutico ou sociedade interessados, desde que seja satisfeito, em relação à farmácia instalada, o valor acordado ou fixado em acção de arbitramento.

6. A farmácia compreende a sede e os postos ou ambulâncias de medicamentos dela dependentes.

7. Para efeitos deste base, não são considerados farmácias os serviços farmacêuticos dos estabelecimentos militares ou hospitalares e das instituições de previdência social, quando exclusivamente destinados a suprir as respectivas necessidades funcionais.

O DL n.º 48547, de 27-8-1968, que regulamentou aquela Lei, estabelece o seguinte, nos seus art.ºs 44.º, 45.º e 50.º:
Artigo 44.º
No alvará das farmácias licenciadas nos termos do n.º 4 da base II da Lei n.º 2125 indicar-se-á expressamente que estas farmácias apenas podem fornecer medicamentos em condições especiais às pessoas que, nos termos dos estatutos ou regulamentos das entidades a que pertençam, tenham essa prerrogativa e nas condições ali expressamente estabelecidas.
Artigo 45.º
1. O requerimento para a instalação de nova farmácia será acompanhado:
a) Do documento comprovativo da qualidade de farmacêutico do requerente ou requerentes;
b) De certidão da escritura de constituição da sociedade, quando for o caso;
c) De declaração das funções que o requerente ou o sócio director técnico da farmácia eventualmente desempenhe ou declaração de que não desempenha outras funções;
d) De quaisquer outros elementos que a Direcção-Geral de saúde considere de interesse para a instrução do processo.
2. Quando os pedidos forem formulados por Misericórdia ou outras instituições de assistência e previdência social ou por organismos corporativos de actividade farmacêutica, nos termos da base II da Lei n.º 2125, os documentos a que se referem as alíneas a) e c) do número anterior reportar-se-ão ao director técnico que for proposto e serão apresentados na altura oportuna.
Artigo 50.º
1. Serão aprovadas, mediante portaria do Ministro da Saúde e Assistência, as condições em que será autorizada a instalação de novas farmácias ou a sua transferência, bem como a instalação de postos e ambulâncias de medicamentos.

2. Nas condições a estabelecer, ter-se-á em atenção a comodidade das populações e a viabilidade da exploração económica dos estabelecimentos.

A Portaria n.º 936-A/99, de 22/10, foi emitida ao abrigo deste art. 50.º como se estabelece no seu Preâmbulo, em que se refere o seguinte:

O desenvolvimento da política de saúde na sua componente de melhoria da acessibilidade do cidadão a todo o tipo de cuidados impõe a revisão do quadro legal vigente no que diz respeito à cobertura farmacêutica da população. Importa repensar as regras e condições de abertura de novas farmácias, bem como de transferência, de forma a tornar os serviços farmacêuticos mais próximos e acessíveis aos cidadãos.
Importa também corrigir algumas importantes assimetrias que existem actualmente na distribuição de farmácias no território nacional.

Por outro lado, e ainda no âmbito da revisão da disciplina jurídica relativa à abertura de farmácias, procede-se ao aperfeiçoamento das regras dos concursos para instalação de novas farmácias, de modo a torná-las mais transparentes, justas e equilibradas.

6 – A farmácia da Contra-interessada, que é uma instituição de assistência e previdência social, já existia à data da entrada em vigor da Lei n.º 2125 (como resulta do ponto 3 da matéria de facto fixada), pelo que, por força do disposto no n.º 4 da sua Base II, pôde continuar no mesmo regime.
O DL n.º 48547 estabeleceu, nos seus art.ºs 44.º e 45.º, o regime destas farmácias previstas no n.º 4 da Base II.

A portaria que se autoriza no art. 50.º deste Decreto-Lei, destina-se apenas a aprovar «as condições em que será autorizada a instalação de novas farmácias ou a sua transferência, bem como a instalação de postos e ambulâncias de medicamentos», tendo «em atenção a comodidade das populações e a viabilidade da exploração económica dos estabelecimentos».
Desde logo, resulta do texto deste art. 50.º que a portaria que se autorizou teria como objecto apenas «novas farmácias ou sua transferência», pelo que o seu alcance não se podia estender às farmácias já existentes e sua transferência, como é o caso da farmácia da Contra-interessada.

Por isso, se com a Portaria n.º 936-A/99 o Governo pretendesse regulamentar a transferência das farmácias anteriormente existentes, tê-lo-ia feito sem o necessário suporte legal, que não se encontra no referido art. 50.º, invocado como norma habilitante da intervenção regulamentar do Governo, o que implicaria a sua ilegalidade, por força do disposto nos n.ºs 6 e 8 do art. 112.º da CRP.

Por outro lado, como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 4-2-2010, proferido no processo n.º 1114/09, «tendo em consideração o conteúdo do n.º 2 do art. 50 «Nas condições a estabelecer, ter-se-á em atenção a comodidade das populações e a viabilidade da exploração económica dos estabelecimentos», fica claro que a regulamentação a sair, devendo ter em consideração esses pontos, visa apenas a generalidade dos cidadãos (a comodidade das populações) e a subsistência no mercado das empresas (a viabilidade da exploração económica dos estabelecimentos), e só pode referir-se às farmácias que estão no mercado em situação de concorrência», o que não é o caso da farmácia da Contra-interessada.

O Preâmbulo daquela Portaria, referindo os objectivos de «tornar os serviços farmacêuticos mais próximos e acessíveis aos cidadãos», de «corrigir algumas importantes assimetrias que existem actualmente na distribuição de farmácias no território nacional» e aperfeiçoar as «regras dos concursos para instalação de novas farmácias», evidencia que se teve em vista a regulamentação do regime de instalação e transferência de farmácias destinadas a assegurar o fornecimento geral da população, em situação de concorrência.

Assim, é de concluir, como se refere na sentença recorrida, que o ponto 2.º, n.º 1, alínea b), e o ponto 16 da Portaria n.º 936-A/99 não são aplicáveis à transferência da farmácia da Contra-interessada, pelo que o acto impugnado não pode enfermar de ilegalidade por violação daquelas normas.

O facto de no procedimento administrativo terem sido feitas referências à Portaria n.º 936-A/99 não tem qualquer relevância para determinar a sua aplicação ao caso dos autos, pois a legalidade do acto, designadamente a violação dos pontos 2.º, n.º 1, alínea b), e 16 daquele Portaria que a Recorrente defende terem sido violados, tem de ser aferida à face do regime normativo aplicável e não daquele que a Autoridade Recorrida tenha entendido ser aplicável.

Por outro lado, é manifesto que o Tribunal, na aplicação do direito, não está limitado pela actuação das partes, quer antes quer depois de instaurado o processo (art. 664º do CPC).

Assim, não merece censura a sentença recorrida.”

No mesmo sentido podem ver-se os acórdãos de 8-11-2007 (proc. n.º 747/07), de 27-5-2009 (proc. n.º 449/08), de 25-6-2009 (proc. n.º 755/08), de 4-2-2010 (proc. n.º 1114/09) e de 3-3-2011 (proc. n.º 28/11).

Nestes termos, e com os fundamentos acabados de expor, os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, com taxa de justiça de € 450 (quatrocentos e cinquenta euros) e procuradoria de 50%.

Lisboa, 26 de Setembro de 2012. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – José Manuel da Silva Santos Botelho – Adérito da Conceição Salvador dos Santos.