Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0239/17
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P21617
Nº do Documento:SA1201703160239
Data de Entrada:03/02/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A……………… intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, contra a Universidade de Coimbra (UC) e a Faculdade de Ciências e Tecnologia de Coimbra (FCTUC), acção administrativa comum, pedindo que se declarasse nulo o «contrato de avença» que havia celebrado com a Universidade de Coimbra, que se reconhecesse que o trabalho que para esta prestava evidenciava que entre eles se tinha estabelecido uma relação jurídica de emprego público e que, na sequência desse reconhecimento, se condenasse a Ré integrá-lo nos seus quadros no escalão e categoria que lhe cabiam e a pagar-lhe todas quantias que lhe deveriam ter sido pagas, e não foram, designadamente a título de diferenças salariais, de subsídios de alimentação, de férias de Natal, etc.
Para tanto, no essencial, alega que, apesar de ter celebrado com a 1.ª Ré um «contrato de avença» certo era que, de facto e na realidade, exercia funções de coordenação e responsabilidade no Gabinete de Apoio a Projectos da FCTUC a tempo inteiro, em regime de exclusividade, com instrumentos de trabalho e nas instalações desta, pertencendo também à Universidade pessoal que o assessorava. Daí que a relação que se estabelecera entre ambos era uma relação jurídica de emprego público.

Sem êxito já que aquele Tribunal, por decisão de 07/12/2015, julgou a acção improcedente e condenou do Autor como litigante de má-fé em multa e no pagamento de uma indemnização ao Réu.
O Autor recorreu dessa decisão para o TCA Norte e este, por Acórdão de 21/10/2016 (rec. 330/04.2 BECLB), concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte atinente à condenação daquele como litigante de má-fé.

É desse Acórdão que vem recorrer, ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Recorrente pretende que esta Formação admita a revista do Acórdão do TCA Norte que confirmou a sentença do TAF que se recusara a declarar a nulidade do contrato de avença celebrado entre este e a Ré e que, em consequência, se recusara a condená-la a reconhecer que entre ambos existia uma relação jurídica de emprego público com todas as consequências que daí adviriam.
- Desde logo, porque tal importaria converter um contrato de avença numa relação jurídica de emprego público o que seria ilegal uma vez que, tal como se decidira na sentença, “independentemente das circunstâncias em que o serviço foi prestado pelo Autor, não pode o tribunal emitir uma pronúncia judicial a reconhecer que se estabeleceu uma relação de emprego público, sob pena de tornar o regime legal de constituição da relação jurídica de emprego público em causa facilmente defraudável, através do recurso à conversão judicial de situações não enquadráveis naquele regime em relação de emprego público … :” A ser colhida, a tese do Autor significaria a criação de uma nova forma de acesso à função pública, desta vez pela via judicial, o que era ilegal.
- O Tribunal de 1.ª instância tinha, também, razão quando afirmou que “não podendo ser reconhecida qualquer relação de emprego público, também a apreciação da invalidade de acto de denúncia do dito Contrato de Avença, enquanto acto suposto de despedimento que determinou a cessão unilateral de um vínculo de emprego público... fica prejudicada”, já que “não havendo relação de emprego público, tão pouco pode ter havido o acto unilateral de despedimento”.
- Acresce que ficou provado que, no desenvolvimento da relação profissional decorrente do Contrato de Avença, nunca existiu qualquer subordinação jurídica ou económica ou dependência hierárquica do Autor/Recorrente relativamente à Universidade pois, por um lado, era ele que determinava a sua forma de trabalhar quanto ao modo e procedimentos a seguir como, por outro, não exerceu qualquer poder directivo ou de autoridade sobre os funcionários desta.
- Deste modo, a denúncia do Contrato de Avença oportunamente operada é válida e plenamente eficaz, tanto mais quanto é certo que a mesma respeitava o que havia ficado convencionado entre as partes nas cláusulas daquele contrato;
- “Improcedendo o pedido de declaração de nulidade da denúncia, forçoso será também julgar improcedente o pedido de «reintegração» que tinha como pressuposto e estava dependente do primeiro”; e todas as outras pretensões daí decorrentes.

3. O Autor não se conforma com essa decisão e, por isso, requer a admissão deste recurso para que se aprecie as questões que ele identifica, entre outras, nas seguintes conclusões:
“1° Os factos em causa nos autos remontam aos anos de 1994 a 2003, devendo por esse facto ser aplicada a lei vigente ao tempo, vem como a corrente doutrinária ao tempo dos factos.
16.º Apesar do contrato assinado pelo Autor estar caracterizado como um contrato de avença, o mesmo viola o n.º 1 e 3 do art.º 7.º do DL 229/85, de 29/07.
19.º Nem em Julho de 1994, nem posteriormente, estavam reunidos os elementos caracterizadores do contrato de avença conforme provado
20.º Provado está, quer pela matéria de facto assente, quer pela matéria provada em julgamento que, desde 1994, entre a Autora e a Ré existiu uma relação jurídica de emprego com a Administração como pública.
22° Daí que, o núcleo caracterizador de uma relação jurídica de emprego com a administração como pública seja dado pela natureza das funções exercidas por um dos sujeitos da relação — funções próprias e permanentes do serviço público para o qual o A. se vinculou a prestar trabalho.
23° Na relação do A. com a R. o A. obrigou-se a colocar o seu trabalho ao serviço da administração pública, de modo a desempenhar, sob a autoridade e direcção dos respectivos órgãos, nomeadamente do conselho directivo da Faculdade de Ciências e tecnologia de Coimbra, um conjunto de actividades e tarefas destinadas a realizar as funções próprias e permanentes do serviço público in casu no GAP.
33.º Durante todos os anos de vigência do contrato a Ré comportou-se como entidade patronal. O Autor desempenhou funções sob as suas ordens direcção e fiscalização das RR.

4. Está aqui em causa, como se acaba de ver, a questão de saber se o contrato celebrado pelo Autor e a Universidade de Coimbra é nulo por os termos da relação nele estabelecida configurar uma relação de emprego público e não, como a sua identificação indicava, um contrato de avença, isto é, um acordo que regulava uma relação que funcionava em termos semelhantes aos de um contrato de trabalho - designadamente no tocante à relação de independência ou subordinação como o seu trabalho era desenvolvido. – Questão cuja análise nos iria permitir concluir se, apesar da forma contratual escolhida, era possível reconhecer que esse contrato conferia ao Autor os direitos e benefícios que estão associados a uma relação jurídica de emprego público.
Trata-se de questão que não tem forte probabilidade de replicação, pelo menos na forma particular como vem desenhada a relação material controvertida. Deste modo, e ainda que na vertente individual a questão acima identificada seja necessariamente importante, certo é que não é esse o critério incluído no artigo 150.º, 1, do CPTA para a admissão da revista.
Acresce que a lei que regulamentava a situação em causa foi revogada pelo art.º 116.º da Lei 12-A/2008, de 27/02, que, por sua vez, também já foi revogada pelo art.º 42.º da Lei 35/2014, de 20/06. Nesta conformidade, a decisão que se pede a este Supremo Tribunal perdeu actualidade.
Finalmente, ainda se dirá que não se evidencia que as instâncias tenham decidido manifestamente mal as questões que lhes foram suscitadas uma vez que não só o seu julgamento foi convergente como foi feito com uma adequada ponderação das leis em vigor e da matéria de facto provada nos autos.
Não se verificam, pois, os requisitos estabelecidos no art.º 150.º do CPTA para a admissão deste recurso.

DECISÃO

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 16 de Março de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.