Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0836/18.6BEBRG
Data do Acordão:02/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24201
Nº do Documento:SA1201902110836/18
Data de Entrada:01/21/2019
Recorrente:A............ LDA
Recorrido 1:B............ LDA E MUNICÍPIO DE BRAGA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………, S. A. intentou, no TAF de Braga, contra o Município de Braga, acção de contencioso pré contratual onde formulou os seguintes pedidos:
a) Deve ser excluída a proposta da Contra-interessada B…………, L.da e em consequência,
b) Deve o contrato para a «aquisição de serviços de recolha, transporte, parqueamento, guarda, desmantelamento e emissão de certificados de destruição de veículos em Fim de Vida (VFV) e de serviços de parqueamento dos veículos removidos e não desmantelados» ser adjudicado à Autora”.

Indicou como contra-interessada a referida B………….

O TAF julgou a acção procedente condenando o Réu a adjudicar os serviços postos a concurso à Autora e a proceder aos demais termos tendentes à celebração do correspondente contrato.
E o TCA, para onde o MUNICÍPIO DE BRAGA e a Contra-Interessada «B…………» apelaram, concedeu provimento ao recurso e julgou a acção improcedente.

É desse Acórdão que a Autora vem recorrer (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Autora propôs a presente acção pedindo (1) a exclusão da proposta da contra interessada e a consequente anulação do acto de adjudicação – por a mesma conter um prazo de execução/prestação de serviços de parqueamento violador do limite máximo imposto pelo Caderno de Encargos – e (2) a condenação do Réu a adjudicar à Autora os serviços concursados e a com ela celebrar o correspondente contrato.

O TAF julgou a acção procedente e, em consequência, condenou o Réu no pedido. Fê-lo com uma fundamentação de que se retira:
“…
O problema consubstancia-se no facto da concorrente Contra-Interessada na sua proposta ter indicado o prazo de 10.000 dias no atributo objecto de avaliação “PPV” – período de parqueamento dos veículos removidos/recolhidos - e a mesma não ter sido excluída, nos termos do nº 2 do artigo 70.º do CCP.
Subjacente, contudo, a essa problemática encontra-se a necessidade de interpretar e definir o factor “período de parqueamento dos veículos removidos/recolhidos”, que compõe o critério de adjudicação eleito no presente procedimento concursal, ....
Na verdade, o programa do concurso e o caderno de encargos são peremptórios na estatuição sobre o prazo de execução do contrato, nos termos que ora se transcreve:
“3.º Prazo do contrato
1. O contrato mantém-se em vigor pelo prazo de 3 anos e de forma a seguir discriminada, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato.
a) 30 meses, para os serviços de recolha;
b) 36 meses, para os de serviços de transporte, parqueamento, guarda, desmantelamento, emissão de certificados de destruição e devolução dos veículos reclamados pelos seus proprietários.”
Donde, nos termos conjugados do disposto nos artigos 56º, nº 2, e 42º, nº 3, ambos do CCP, é de concluir que o prazo de execução do contrato estava subtraído à concorrência pelo caderno de encargos e, nessa medida, os concorrentes, na parte em que definam o prazo/período de parqueamento dos veículos removidos/recolhidos (PPV), não podiam, propor um prazo que excedesse a duração contratual do contrato.
(…)
Ao se disponibilizar para prestar um serviço de forma gratuita por um período de 10000 dias, tal componente incide sobre o prazo de execução do contrato, ultrapassando o prazo máximo previsto.
...
Em face de todo o exposto, é, pois, de concluir que a proposta da contra-interessada deve ser excluída, em face do disposto nos supra apontados normativos e nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 70º e na alínea o) do nº 2 do artigo 146º, ambos do CCP».

A Recorrida e a Contra interessada apelaram para o TCA Norte e este concedeu provimento ao recurso e julgou a acção improcedente pelas razões que se destacam:
“...
Revertendo ao caso concreto, a declaração da CI obrigando-se a facultar um período de “10.000 dias” para parqueamento de veículos recolhidos é, portanto, bem ou mal formulado, um atributo da proposta submetido à concorrência.
E, se constitui um atributo da proposta submetido à concorrência, não será curial admitir que essa mesma declaração possa simultaneamente constituir um termo ou condição da execução do contrato a celebrar não submetido à concorrência.
O que no caso, se bem se pensa, corresponderá a concluir que o declarado por uma concorrente (no caso a CI) no âmbito de um dos vários critérios de adjudicação, constitui exclusivamente um atributo da proposta e deve ser tratado como tal, ou seja, como elemento submetido à concorrência e a pontuar pelo Júri de acordo com o programa do concurso, sem outras consequências, designadamente, a nível da exclusão da proposta.
O que fica dito seria, só por si, decisivo para concluir pela verificação, neste aspecto, do erro de julgamento invocado pelos Recorrentes, pois a referida declaração da CI, mesmo na hipótese de exceder o apontado critério de adjudicação (PPV), não contaminaria a proposta da CI no seu todo e não configuraria causa da sua exclusão nos termos do artigo 70º/2/b) e 146º/2/o) do CCP.
....
Ora, afigura-se excessivo afirmar que a CI se dispunha, como se refere noutro ponto da sentença, a “parquear os veículos removidos num prazo de 10000 dias, a que corresponde a 27 anos”.
....
Portanto, embora admitindo que o prazo de execução do contrato estava subtraído à concorrência pelo Caderno de Encargos, também por esta via de raciocínio estaria vedado concluir pela exclusão da proposta da CI, pois em termos práticos, tendo em vista as características concretas do concurso, à luz do senso comum e da experiência da vida, não se demonstra que existisse um risco sério de que o prazo de parqueamento proposto pela CI pudesse ultrapassar a duração do contrato.
....
O certo é que a opção do Júri, tanto como a opção da Autora/Recorrida, tem cabimento gramatical na expressão “período de parqueamento (em dias) dos veículos recolhidos” e goza igualmente de racionalidade técnica e económica, dando resposta adequada às necessidades da entidade adjudicante.”

3. Resulta do exposto que o que ora está em causa é saber se o TCA ajuizou correctamente quando declarou que a proposta da contra-interessada não estava ferida pela ilegalidade que levou o Tribunal de 1.ª instância a julgar a acção procedente e, por isso, revogou a sua decisão. Ilegalidade resultante do júri ter entendido que o prazo de execução do contrato estava submetido à concorrência e, por essa razão, admitir que os concorrentes pudessem propor um prazo de parqueamento dos veículos removidos/recolhidos (PPV) superior a duração estabelecida no Caderno de Encargos.
O TAF, reputando o entendimento do júri de ilegal, considerou que esse prazo estava subtraído à concorrência pelo caderno de encargos e, por ser assim, os concorrentes não podiam propor um prazo que excedesse a duração contratual prevista naquele regulamento. Entendimento que o TCA reputou de errado o que determinou a revogação da sentença e o julgamento de improcedência da acção, muito embora tenha entendido que interpretação do Júri relativa à expressão “período de parqueamento (em dias) dos veículos recolhidos”, tinha cabimento e gozava “igualmente de racionalidade técnica e económica, dando resposta adequada às necessidades da entidade adjudicante”.
Nesta conformidade, é visível que resolução da questão ora em causa não só não tem resposta fácil como, as desenvolvidas fundamentações das decisões das instâncias evidenciam, passa pela análise de matéria de significativa complexidade jurídica.
O que nos leva a concluir que o recurso é necessário para uma melhor aplicação do direito.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 11 de Fevereiro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.