Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0653/07
Data do Acordão:12/05/2007
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:BOA-FÉ
RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário:I - A violação da boa fé pode configurar um facto ilícito gerador de responsabilidade civil (art. 6-A do CPA).
II - Nestes casos devem ser ressarcidos os danos causados pela frustração da confiança legítima.
III - A confiança num Despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos, relativos ao reposicionamento no escalão salarial, que tenha determinado a aceitação do lugar, deixa de ser legítima depois da sua válida revogação.
IV - Os danos causados pela frustração da confiança nesse despacho que podem ser atendidos por violação da boa fé são apenas os que ocorreram no período temporal ocorrido antes da revogação.
Nº Convencional:JSTA00064693
Nº do Documento:SA1200712050653
Data de Entrada:07/16/2007
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS - A... E OUTROS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Legislação Nacional:CCIV66 ART323 N1 ART498 ART684-A.
CPA91 ART141 ART6-A ART145 N2.
DL 48051 DE 1967/11/21 ART2 ART6.
DRGU 42/83 DE 1983/05/20 ART70.
CONST ART22.
Jurisprudência Nacional:AC STA DE 2003/06/18.; AC TC PROC 128/02 DE 2002/03/14.; AC STA PROC46227 DE 2001/05/16.; AC STA PROC1527/02 DE 2003/09/23.
Referência a Doutrina:ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PAG115.
FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII PAG136.
MENEZES CORDEIRO TRATADO DE DIREITO CIVIL TOMOI PAG185-187.
GALVÃO TELES OBRIGAÇÕES 3ED PAG58.
ANA PRATA NOTAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL PAG174.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
O ESTADO PORTUGUÊS recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho saneador, na parte em que foi julgada improcedente a excepção da prescrição por si arguida na ACÇÃO ORDINÁRIA, para efectivação da responsabilidade civil extracontratual, em que são autores A… e outros, todos devidamente identificados nos autos.
O recurso foi admitido como agravo e com subida diferida.
Proferida a sentença final o ESTADO PORTUGUÊS foi absolvido do pedido por não se terem provado o “danos”. Dessa sentença recorreram os autores.
1.1. Recurso do réu (despacho saneador/prescrição).
O ESTADO PORTUGUÊS – relativamente ao recurso da decisão sobre a não prescrição do direito à indemnização, formulou as conclusões seguintes:
a) A causa de pedir é o Despacho de 31-7-91, proferido pelo Sr. Director Geral dos Impostos;
b) Admitem os autores (artigos 23º e seguintes da petição inicial) que:
- entre Outubro e Dezembro de 1991 a orientação contida no mesmo não estava a ser seguida;
- empossados como Peritos Tributários de 1ª Classe, foram posicionados em escalão e índices diversos dos anunciados no Despacho; - em 17-4-92, ficaram cientes dos termos da revogação do Despacho, por ilegal;
c) Os autores peticionam prejuízos que fazem remontar a 1991
d) Relativamente ao Despacho, causa de pedir, os autores não usaram, em tempo, de meio de garantia graciosa próprio, apenas vindo a recorrer contenciosamente do acto de 17-4-92;
e) Os acórdãos do STA de 29-6-93 e o Pleno de 8-10-98, cujo objecto era o Despacho de 1992 não apreciaram, em termos de caso julgado material e formal, a ilegalidade do Despacho, peticionada como geradora do direito indemnizatório “sub judice”;
f) O direito de indemnização, por responsabilidade civil extracontratual por actos praticados por entes públicos, prescreve no prazo de 3 anos, contados do conhecimento pelo interessado do direito, que lhe compete – art. 498º, 1 do CC e 71º, 2 da LPTA;
g) O conhecimento da ilicitude equivale à consciência desta – acórdão do STA de 14/11/96, recurso n.º 38482;
h) Não é exigível o conhecimento da ilicitude pelos meios processuais próprios - acórdão de 17-4-97;
i) A responsabilidade civil não exige a prévia anulação do acto, podendo ser efectivada através de acção – acórdão do Pleno de 19-6-01, recurso 34237;
j) A incerteza subjectiva sobre a titularidade do direito não impede o começo do prazo de prescrição extintiva – acórdãos de 12-1-97 e de 20-8-97, recursos n.º 29 288 e 41 814;
l) O conhecimento do direito não tem que ser jurídico – acórdão de 7-5-03, recurso 1076/02;
m) O facto extintivo da prescrição só é afastado nos casos previstos na lei;
n) A presente acção foi instaurada em 12-4-99, sendo o réu citado no dia imediato;
1.2. Recurso dos autores (sentença final)
Os autores, relativamente à decisão de improcedência do pedido formularam as conclusões seguintes:
a) No inicio do ano de 1989 os AA, ora recorrentes estavam providos, definitivamente na categoria de peritos tributários ou de contencioso tributário de 2ª classe, mediante concurso de provas públicas, e, simultaneamente encontravam-se nomeados no cargo de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª classe - o recorrente B… - e no cargo de Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1.ª classe, os restantes, incluindo o A. C… que por manifesto lapso de escrita da sentença recorrida não foi elencado por esta, o que se requer seja rectificado, de acordo com a resposta dada ao art. 10 da Base Instrutória.
b) Por aviso publicado no DR II Série de 11 de Março de 1989, foi aberto concurso para provimento na categoria de perito tributário ou de contencioso tributário de 1ª classe, tendo todos os autores, ora recorrentes, apresentado a sua candidatura na respectiva lista classificativa final;
c) A sua tomada de posse na categoria de perito tributário de 1ª Classe, implicava deixar de poder exercer os cargos de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe ou de Adjunto de Chefe de Repartição de 1ª classe em que se encontravam providos;
d) Os AA, ora recorrentes, tinham-se candidatado ao concurso para peritos tributários ou de contencioso de 1ª classe, com o propósito pessoal de melhorar a sua carreira profissional e a sua remuneração.
e) A partir da publicação da lista classificativa referida em b), os ora recorrentes começaram a preocupar-se seriamente com a situação profissional em que ficariam se aceitassem a nomeação na categoria de perito tributário ou de contencioso de 1ª classe por virtude de terem simultaneamente de deixar os cargos de chefia referidos em c), pretendendo ver clarificada, sem quaisquer dúvidas, a situação, em termos remuneratórios, desse passo ascendente na carreira.
f) Com esse propósito apresentaram requerimentos escritos e exposições verbais à hierarquia designadamente ao Director-Geral das Contribuições e Impostos e ao Sub Director-Geral.
g) Foi na sequência dessas diligências e da de outros colegas em situações idênticas, que foi proferido o despacho do Sr. Director - Geral de 31-7-1991.
h) Este despacho determinou quanto à nomeação por promoção dos peritos tributário/contencioso/fiscalização de 2.ª classe, actuais titulares de cargos de Chefe de Repartição de Finanças de 2.ª classe ou Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1.ª classe, aprovados em concurso para perito tributário/contencioso/fiscalização de 1.ª classe que a mesma se faria com observância do n° 3 do art° 4° do DL 187/90 de 7-6.
i) Com a aplicação do referido despacho, os AA, ora recorrentes, seriam imediatamente integrados, enquanto peritos tributários ou de contencioso de 1ª classe no escalão 7, índice 750.
j) Em virtude do teor desse mesmo despacho, os AA., ora recorrentes, decidiram aceitar a nomeação na categoria de perito tributário de 1ª classe.
1) Apesar daquele despacho do Director-Geral das Contribuições e Impostos, os AA constataram, com surpresa e indignação, que a partir da data do provimento na nova categoria, o seu índice, escalão de vencimento e remuneração mensal tinham descido, passando para o escalão 5, índice 690, com excepção do A. D… que desceu mesmo para o índice 660.
m) Na sequência das reclamações que apresentaram, então, ao Ministro das Finanças tomaram conhecimento de que a sua situação não se enquadrava, afinal, no n° 3 do art. 4° do DL 187/90 de 7-6 - contrariamente ao sustentado no despacho do Director-Geral de 31-7-1991 mas “a contrario sensu” no n° 1 do art. 4 do DL 187/90, pelo que a sua nova situação remuneratória estaria correcta.
n) Do despacho a Secretária de Estado Ajunta e do Orçamento de 17-4-1992 que sustentava esta nova posição e considerava ilegal o anterior despacho do Director-geral, interpuseram os autores recurso para o Supremo Tribunal Administrativo vindo este – em última instância – a considerar, em definitivo, válido o despacho da Senhora Secretária de Estado que embora tivesse revogado implicitamente o despacho do Director Geral, enquanto constitutivo de direitos para os ora recorrentes, fizera-o dentro do prazo de 1 ano que tinha para o efeito;
o) O acórdão do STA (Pleno) transitou em julgado em 26-1-1998 e só então se fixa definitivamente a ilegalidade/ilicitude do despacho do Sr. Director Geral – vieram os autores intentar acção para ressarcimento dos prejuízos que lhes advieram da aceitação da nomeação na categoria de perito tributário/contencioso de 1ª classe na sequência da garantia dada pelo despacho do Sr. Director Geral dos Impostos de 31-7-1991, sobre o seu novo posicionamento indiciário;
p) Os prejuízos causados aos autores, ora recorrentes, foram muito graves na medida em que ultrapassaram o dano decorrente da mediata descida de vencimento com abaixamento do índice do escalão de vencimento pois reflectiram-se negativamente no desenvolvimento subsequente da sua carreira;
q) Exemplificando com o caso do 1º autor, ora recorrente, A…, se não tivesse aceite o provimento na categoria superior, tinha atingido o escalão 7, índice 750, em 1-10-1992. Em resultado do provimento na nova categoria e da descida de posição remuneratória e de carreira que ela determinou, só atingiu o índice 750, em 1-10-1997, ou seja, cinco anos depois.
r) Todos os ora recorrentes, sem excepção, foram gravemente prejudicados na sua carreira e remuneração como está comprovado nas alíneas P) a AM) da Matéria Assente, cujo quantitativo exacto, todavia, dada a sua complexidade, deverá ser liquidado em execução de sentença.
s) Na análise jurídica dos factos entendeu, e bem, a sentença “a quo” encontrarem-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil correspondentes ao facto ilícito voluntário e culposo imputável a um órgão do Estado;
t) Na verdade, por decisão com trânsito em julgado a que todos devem obediência incluindo o poder judicial, nos termos do art. 205º, 2 da CPR, está decretada a ilegalidade, por erro de direito, do despacho do DGCI de 31-7-1991;
u) E também a culpa por ser culposa a conduta de um órgão de ente público quando a conduta comissiva não corresponde à que seja exigível e esperada de um funcionário zeloso e cumpridor;
v) Na verdade, a Administração actuou de modo negligente na medida em que criou as condições para que os autores, entre outros, confiassem numa decisão do dirigente máximo da Administração Fiscal – o respectivo Director Geral - deixassem os cargos que exerciam e, em seguida, ao contrário do que lhes tinha sido garantido pelo despacho de 31-7-1991, desceu-lhes o escalão, índice remuneratório e vencimento, degradando as condições da sua carreira profissional, durante anos, com graves prejuízos materiais;
x) Onde a sentença, ora recorrida, manifestamente, errou foi na apreciação da problemática do dano.
z) No que concerne aos lucros cessantes que todos os autores invocaram e provaram ter sofrido, correspondentes à diferença entre a remuneração que manteriam na categoria e cargo em que se encontravam em Setembro de 1991 – de adjuntos de chefe de repartição de finanças de 1ª classe ou de chefe de repartição de finanças de 2ª classe - se não tivessem aceite a nomeação na nova categoria, e a que efectivamente passaram a receber nesta categoria, ou seja, o prejuízo equivalente os ganhos que se frustraram em consequência da aceitação da promoção a perito tributário de 1ª classe diz, estranhamente a sentença “ a quo” que ainda não se verificaram nem a sua verificação se apresenta como infalível sendo todos eles danos futuros e eventuais;
aa) A sentença labora aqui em manifesto erro de direito pois o danos – equivalentes às diferenças de vencimento e do FET comprovadamente perdidos pelos autores – tiveram início logo que todos eles aceitaram a nomeação na categoria de perito de 1ª classe;
bb) O dano futuro eventual a que alude (mal) a sentença “a quo” é manifestamente outra coisa como resulta claro do teor do acórdão do STJ de 11-10-1994, citado pela sentença, em que a situação concreta é reveladora de um mero receio de o interessado vir ser lesado e não um prejuízo concreto efectivo e real como sucede com o caso “sub judice”;
cc) A sentença recorrida confunde a situação concreta em que se demonstrou e provou os prejuízos sofridos pelos autores, ora recorrentes na modalidade de lucros cessantes, com a figura da “compensatio lucri com damno”, segundo a qual devem tomar-se em conta as (eventuais) vantagens resultantes da lesão cujo valor será deduzido aos prejuízos;
dd) Na verdade, no que concerne aos autores A…, E…, B… e F… diz a sentença que os anhos que se frustraram entre 1991 e 1991 podem vir a ser compensados nos anos seguintes, maxime, pela nomeação dos mesmos para cargos de chefia tributária de 1ª;
ee) Na tese da sentença “a quo” só no termo da carreira activa destes autores se poderia afirmar a existência ou não de um dano;
ff) Também quanto aos demais AA, ora recorrentes, a afirmação produzida pela sentença de que não existem danos pois os invocados (e provados) por aqueles são os danos futuros eventuais/hipotéticos por ao compararem a situação em que se encontrariam se não tivessem aceite a promoção com aquela em que se encontram em consequência de tal aceitação circunscrevem tal comparação ao período em que auferiam salário inferior àquele que receberiam se não tivessem aceite a promoção, o que não é legítima, é igualmente errada;
gg) É que cabia ao Estado invocar a compensatio lucri cum damno” o que este manifestamente não fez como resulta do teor da contestação apresentada no tribunal “a quo”;
hh) Dir-se-á mesmo que o Estado ao não invocar qualquer tipo de compensação entre os prejuízos sofridos e as vantagens remuneratórias que mais tarde alguns autores vieram a obter, fruto da sua nomeação em cargo de chefia superior, agiu bem, porquanto,
ii) ao contrário do que a sentença recorrida pressupõe, não corresponde à verdade dizer-se que os autores se não tivessem aceite a nomeação na categoria de peritos de 1ª Classe, não poderiam ultrapassar o índice 750;
ll) Na verdade, se os autores, ora recorrentes, continuassem na categoria de peritos de 2ª Classe e no exercício dos cargos de chefia (Chefe de Repartição de Finanças de 2ª Classe ou adjunto e Chefe de Repartição de finanças de 1ª Classe) poderiam ainda assim ser legalmente providos em regime de substituição no cargo de chefe de repartição de 1ª classe com as inerentes regalias remuneratórias. É o que resultava do art. 97º do Dec. Lei 42/83, de 20-5, do art. 8º do Dec. Lei 33/89, de 26/9, do art. 9º do Dec. Lei 42/97 de 7/2 e, actualmente, do art. 24º do Dec. Lei 557/99, de 14/2;
mm) Donde, no caso concreto, além de ter havido danos, tal como configurados e provados nos autos, para todos os autores, não haveria lugar sequer a er sido invocada pelo réu Estado a “compensatio lucri cum damno” o que não sucedeu, fundamento sério para essa invocação, decorrente de uma efectiva ou meramente hipotética nomeação dos autores em cargo de chefe de repartição de finanças de 1ª classe visto que sempre o poderiam ocupar em regime de substituição;
nn) A sentença recorrida ao considerar os danos sofridos pelos autores, ora recorrentes, como danos futuros eventuais/hipotéticos enferma – ante aprova feita – de manifesto erro de facto e de direito com violação dos artigos 562º, 563º e 564º, n.º 1 do C. Civil, do art. 22º da CRP e dos artigos 1º 2º, n.º 1, 4º e 6ºdo Dec. Lei 48.051 de 21-11-67;
oo) Mostrando-se, por igual, a existência de nexo de causalidade adequada entre os danos sofridos pelos autores e a conduta comissiva da Administração consubstanciada no despacho ilegal do Director Geral das Contribuições e Impostos que deu azo à aceitação por aqueles da nomeação na categoria de perito tributário de 1ª classe, provocando-lhes ao contrário do prometido, uma descida das remunerações, deve revogar-se a sentença recorrida e dar-se provimento à presente acção condenando-se o Estado a indemnizar os prejuízos causados a todos os autores, ora recorrentes, medidos pelas diferenças de remunerações e do FET que têm vindo a suportar entre as que teriam se não tivessem aceite a promoção a peritos tributários de 1ª Classe e as que efectivamente receberam até lhes ser atribuído o índice 750, bem como nos respectivos juros de mora, à taxa legal, já vencidos desde a citação relativos às diferenças devidas e aos vincendos até integral pagamento, tudo a liquidar em execução de sentença.
O Ministério Público, em representação o ESTADO PORTUGUÊS contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida entendendo além do mais que não eram fundadas as expectativas resultantes do Despacho interpretativo do Director Geral de 31 de Julho de 1991, as quais a “existirem não merecem tutela do direito e não são indemnizáveis”, concluindo:
- decidiu bem a Exma Juiz recorrida ao absolver o réu Estado do pedido por entender que os prejuízos mencionados pelos autores s apresentam como danos futuros, eventuais/hipotéticos;
- não padecendo a douta sentença recorrida dos erros de facto e direito mencionados pelos recorrentes;
- ainda que assim não fosse, sempre o réu Estado Português deveria ser absolvido, pois, da factualidade assente não resulta que o despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos em causa nos presentes autos, integre um acto ilícito e culposo, não podendo ser-lhe imputadas as consequências nefastas que os autores lhe atribuem.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
Os factos dados como provados foram os seguintes:
2.1.1. Factos relevantes para o julgamento da excepção da prescrição.
a) Por despacho de 31 de Julho de 1991, o Director Geral das Contribuições e Impostos determinou, quanto à nomeação de peritos tributários/contencioso/fiscalização de 1ª Classe – escalão de promoção – concurso aberto por aviso publicado no DR II Série, n.º59, de 11 de Março de 1989, o constante de fls. 61 e 63, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente que:
“(…)
3º A nomeação, por promoção, de Peritos Tributários/Fiscalização/Contencioso de 2ª Classe ou Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª Classe ou Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe, aprovados em concurso, para a categoria de Perito Tributário/Fiscalização/Contencioso de 1ª Classe, far-se-á com observância do disposto o n.º 3 do art. 4º do Dec. Lei 87/90, de 7 de Junho.
Exemplificando, dir-se-á que um Perito Tributário de 2ª Classe, exercendo em comissão de serviço o cargo de Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe ou de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª Classe, que se encontra actualmente integrado no NSR no escalão, índice 690 será integrado, com a promoção, no escalão 6, índice 720, da categoria de Perito Tributário de 1ª Classe, por força do art. 17º do Dec. Lei 53-A/89, de 16 de Outubro (…)”;
b) Na sequência de reclamações feitas ao Ministro das Finanças, designadamente pelos autores – por ao tomarem pose na nova categoria, constatarem, pelos recibos de vencimento, que passaram a receber menos – o Gabinete do Secretário de Estado do Orçamento elaborou, em Abril de 1992, uma nota na qual se salientava que a resolução do problema não podia ser encontrada através da norma constante do n.º 3 do art. 4º do Dec. Lei 189/90, de 7/6, contrariamente ao sustentado, em parte, no anterior despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos de 31-7-1991, e isto porque tal norma, acentuava-se, apenas contempla a situação dos dirigentes dos serviços locais da DGCI que, tendo obtido promoção na carreira técnica tributária, matem o desempenho do lugar de chefia que vinham exercendo, que não era o caso, considerando que se devia aplicar “a contrario sensu” o n.º 1 do citado art. 4º;
c) A Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento exarou no canto superior direito da referida nota, com data de 17-4-1992, o seguinte despacho: “Concordo”.
d) Os autores interpuseram, em 23 de Junho de 1992, recurso contencioso o despacho referido em c) no STA, no qual sustentaram a conformidade à lei do despacho do Director Geral de 31-7-1991 e a ilegalidade do despacho da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento de 17-4-1992, invocando os vícios de falta de fundamentação e de violação de lei – pois ao considerar inaplicável à situação dos autores o art. 4º, n.º 3 do Dec. Lei 187/90, de 7/6, violou tal normativo, bem como o art. 40º do Dec. Lei 184/89, de 2/6, por força da descida generalizada de índice remuneratório aplicado aos autores;
e) Por acórdão da 1ª Secção do STA de 29-6-1993, foram considerados improcedentes os vícios invocados e por ocorrer “implicitamente a revogação parcial do despacho de 31-7-91, do Director Geral das Contribuições e Impostos pelo acto recorrido dentro de um ano – cfr. art. 18º, n.º 2 da LOSTA” foi negado provimento ao recurso.
f) Por acórdão do Pleno da 1ª Secção do STA de 8-10-1998 foi confirmado acórdão referido em e), o qual transitou em julgado em 26-10-98;
g) A presente acção deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 12-4-99 e o réu foi citado em 13-4-1999.
2.1.2. Factos relevantes para o julgamento do mérito da causa.
1) No início de 1989, os autores estavam todos providos definitivamente na categoria de peritos tributários ou de contencioso tributário de 2ª classe, categoria que obtiveram após concurso de provas públicas;
2) Simultaneamente, encontravam-se também no mesmo ano nomeados no cargo de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª Classe, o autor B…, e no cargo de adjuntos do chefe de repartição de finanças de 1ª classe, os autores A…, G…, H…, I…, E…, J… e F…;
3) Em Setembro de 1991, os autores venciam 289.500$00 de remuneração bruta (equivalente ao escalão 6, índice 720) correspondente aos cargos de chefe de repartição de finanças de 2ª classe e de Adjunto do Chefe de Repartição de Finanças de 1ª classe;
4) Por aviso publicado no DR, II Série, de 11 de Março de 1989, foi aberto concurso para provimento na categoria de perito tributário de 1ª classe, tendo os autores apresentado a sua candidatura ao referido concurso;
5) A lista classificativa para o referido concurso foi publicada no DR, II série de 10/4/91, na qual os autores figuravam;
6) A tomada de posse na categoria de perito tributário de 1ª classe por parte dos autores implicava que deixariam de poder exercer os cargos - de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª classe e de Adjunto do Chefe de Repartição de Finanças de 1ª classe - em que se encontravam providos;
7) Por despacho de 31 de Julho de 1991 — o qual foi circulado a nível nacional a todos os Sub Directores, Directores de Serviços, Directores Distritais de Finanças e Chefes de Secretaria dos Tribunais Tributários -, o Director-Geral das Contribuições e Impostos determinou, quanto à nomeação de peritos tributários/contencioso/fiscalização de 1ª classe (escalão de promoção), concurso aberto por aviso publicado no DR, II Série, n° 59, de 11 de Março de 1989, o constante de fls. 61 a 63, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente que:
“(…) nomeação, por promoção, de Peritos Tributários/fiscalização/Contencioso de 2ª Classe, actuais titulares de cargos de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª Classe ou Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe, aprovados em concurso, para a categoria de Perito Tributário/Fiscalização/Contencioso de 1ª Classe, far-se-á com observância do disposto no n° 3 do art. 40 do Decreto-Lei n° 187/90, de 7 de Junho.
Exemplificando, dir-se-á que um Perito Tributário de 2ª classe, exercendo em comissão de serviço o cargo de Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe ou de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª Classe, que se encontra actualmente integrado no NSR no escalão 5, índice 690, será integrado, com a promoção, no escalão 6, índice 720, da categoria de Perito Tributário de 1ª classe, por força do artigo 17º do Decreto-Lei n° 353-A/89, de 16 de Outubro, (...)”;
8) Com a aplicação do despacho referido em 7) os autores seriam integrados imediatamente, enquanto peritos tributários de 1ª classe, no escalão 7, índice 750, e teriam um aumento imediato de remuneração para 301.500$00, ao tempo.
9) Na sequência de reclamações feitas ao Ministro das Finanças, designadamente pelos autores - por, ao tomarem posse na nova categoria, constatarem, pelos recibos de vencimento, que passaram a receber menos -, o Gabinete do Secretário de Estado do Orçamento elaborou, em Abril de 1992, uma “Nota”, na qual se salientava que a resolução do problema não podia ser encontrada através da norma constante do n° 3 do art. 4°, do DL 189/90, de 7/6, contrariamente ao sustentado, em parte, no anterior despacho do Director-Geral das Contribuições e Impostos de 31.7.1991, e isto porque tal norma, acentua-se, apenas contempla a situação de dirigentes dos serviços locais da DGCI que, tendo obtido promoção na carreira técnica tributária, mantêm o desempenho do lugar de chefia que vinham exercendo, o que não era o caso, considerando que se devia aplicar “a contrario senso” o n° 1 do citado art. 4°.
10) A Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento exarou no canto superior direito da referida “Nota”, com data de 17.4.1992, o seguinte despacho: “Concordo”.
11) Os autores interpuseram em, 23 de Junho de 1992, recurso contencioso do despacho referido em 10) no STA, no qual sustentaram a conformidade à lei do despacho do Director-Geral de 31.7.1991 e a ilegalidade do despacho da Secretária de Estado Adjunta e do orçamento de 17.4.1992, invocando os vícios de falta de fundamentação e de violação de lei - pois ao considerar inaplicável à situação dos autores o artigo 4º n° 3, do DL 187/90, de 7/6, violou tal normativo, bem como o art. 4°, do DL 184/89, de 2/6, por força da descida generalizada de índice remuneratório aplicada aos autores.
12) Por acórdão da 1ª Secção do STA de 29.6.1993, o qual consta de fls. 101 a 125, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foram considerados improcedentes os vícios invocados e, por ocorrer “implicitamente a revogação parcial do despacho de 31.07.91, do Director-geral das Contribuições e Impostos pelo acto recorrido dentro de um ano - cfr. art. 18° n° 2 da LOSTA”, foi negado provimento ao recurso.
13) Por acórdão do Pleno da 1ª Secção do STA de 8.10.1998, o qual consta de fls. 127 a 136, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, foi confirmado o acórdão referido em 12) o qual transitou em julgado em 26.10.1998.
14) Os autores A… e E… aceitaram a nomeação para a categoria de perito tributário de 1ª classe em 19.9.1991, o autor G… em 20.9.1991, o autor K… em 27.9.1991, o autor B… em 1.10.1991, os autores C… e J… em 2.10.1991 e o autor F… em 3.10.1991, datas a partir das quais passaram a ser abonados pelo escalão 5, índice 690, com o vencimento base de 277.400$00.
15) Os autores A…, E… e B… passaram, em 1.10.1994, para o escalão 6, índice 720, e, em 1.10.1997, passaram para o escalão 7, índice 750.
16) Os autores A… e H…, se não tivessem aceite a nomeação para a categoria de perito tributário de 1ª classe, tinham, pelo menos a partir de 1.10.1992, o tempo necessário para passar para o índice 750.
17) Em Janeiro de 1992 os índices 690, 720 e 750, correspondiam a 299.600$00, 312.000.600$00 e 325.700$00, respectivamente.
18) Em Janeiro de 1993 os índices 690, 720 e 750 correspondiam a 314.600$00, 328.300$00 e 342.000$00, respectivamente.
19) Em Janeiro de 1994 e até 30.9.1994, o índice 690 correspondia a 324.000$00, e a partir de Outubro de 1994, a 327.200$00, o índice 720 a 338.100$00, até 30.9.1994, e a partir de 01.10.1994, a 341.500$00 e o índice 750 a 352.200$00, até Setembro de 1994, e, a partir de Outubro de 1994, a 355.700$00.
20) Em Janeiro de 1995 os índices 690, 720 e 750 correspondiam a 340.000$00, 355.100$00 e 369.900$00, respectivamente.
21) Em Janeiro de 1996 o índice 720 correspondia a 376.300$00 e o índice 750 a 391.900$00.
22) Em Janeiro de 1997 o índice 720 correspondia a 387.600$00 e o índice 750 a 403.400$00.
23) Em Janeiro de 1998, o índice 720 correspondia a 398.200$00 e o índice 750 a 414.800$00.
24) Em 1998 o valor do FET/anual foi de 657.336$00 para os cargos de Adjunto do Chefe de Repartição de Finanças de 1ª classe e de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª classe e de 542.648$00 para a categoria de Perito Tributário de 1ª classe.
25) O valor do FET de 1.1.1999 a 30.4.de 1999 foi de 219.112$00 para os cargos de Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª classe e de 191.536$00 para a categoria de Perito Tributário de 1ª classe.
26) Os autores E… e B…, se não tivessem aceite a nomeação para a categoria de Perito Tributário de 1ª classe, tinham a partir de 1.1.1994, o tempo necessário para passar para o índice 750.
27) O autor F…, pelo menos em 1.1.1995, encontrava-se no escalão 6, índice 720, e, em 1.11.1998, passou para o escalão 7, índice 750.
28) O autor F…, se não tivesse aceite a nomeação para a categoria de perito tributário de 1ª classe, tinha, pelo o tempo necessário para passar para o índice 750.
29) Os autores C… e J… ascenderam em Fevereiro de 1993, à categoria de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª classe, passando ao índice 760.
30) O autor G… entre 01.03.1994 e 30.09.1994 auferiu no máximo pelo índice 740 (347.500$00), em 1.10.1994 passou para o escalão 6, índice 720, e em 01.10.1996 passou para o índice 790, por ter sido nomeado Chefe de Repartição de Finanças de 1ª classe.
31) O autor G…, se não tivesse aceite a nomeação para a categoria de Perito Tributário de 1ª classe, tinha, pelo menos a partir de 01.01.1994, o tempo necessário para passar para o índice 750.
32) O autor H…passou, pelo menos em 01.10.1994, para o escalão 6, índice 720, passando, a partir de 1.2.1997, a ser abonado por mais 30 pontos percentuais, e, em 1.10.1997, passou para o escalão 7, índice 750, passando a ser abonado por mais 30 pontos percentuais.
33) O autor I… aceitou a nomeação para a categoria de Perito Tributário de 1ª classe em 19.9.1991, data a partir da qual passou a ser abonado, pelo menos, pelo índice 660, o qual correspondia ao vencimento base de 265.000$00, e, em Janeiro de 1992, a 286.600$00, e, pelo menos em 1.10.1992, já era pago pelo índice 690, passando, em 24.2.1993, data em que foi nomeado Chefe de Repartição de finanças de 1ª classe, para o índice 760, com o vencimento base de 346.500$00.
34) O autor K… com a aceitação da nomeação para Perito Tributário de 1ª classe teve de deixar de prestar serviço na Repartição de Finanças de Portimão, tendo sido colocado na Direcção Distrital de Finanças de Beja, onde permaneceu sete meses, e posteriormente na Direcção Distrital de Faro onde esteve colocado entre Maio de 1992 e Janeiro de 1996.
35) Em 1989, o autor C… encontrava-se nomeado no cargo de Adjunto do Chefe de Repartição de Finanças de 1ª classe.
36) Os autores candidataram-se ao concurso referido em 4) com o propósito pessoal de melhorar a sua carreira profissional e a sua remuneração.
37) A partir da data referida em 5) os autores começaram a preocupar-se seriamente com a situação profissional em que ficariam se aceitassem a nomeação na categoria de peritos tributários de 1ª classe, face ao descrito em 6), pretendendo ver clarificada e sem quaisquer dúvidas, a situação que decorria, em termos de sistema remuneratório, desse seu passo ascendente na carreira.
38) Com esse propósito apresentaram requerimentos escritos e fizeram exposições verbais à sua hierarquia, designadamente ao Sr. Director-Geral das Contribuições e Impostos, Dr. M…, e ao Sub Director-Geral, Dr. L….
39) Na sequência das diligências e dos pedidos de esclarecimento dos autores e dos seus colegas em idêntica situação, foi proferido o despacho mencionado em 7).
40) Em virtude do teor do despacho mencionado em 7), os autores decidiram aceitar a nomeação na categoria de perito tributário de 1ª classe.
41) O autor F… só o fez porque o seu Director - Geral lhe garantiu, pelo despacho referido em 7), o mencionado em 8).
2.2. Matéria de direito
Estão em causa dois recursos: um do despacho saneador que julgou não verificada a excepção da prescrição; um outro recurso interposto pelos autores da sentença final.
Apreciaremos em primeiro lugar o recurso do despacho saneador, pois a sua procedência prejudicará o conhecimento do recurso da decisão final.
2.2.1. Recurso do saneador – prescrição do direito à indemnização.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da prescrição do direito à indemnização reclamado pelos autores, com a seguinte fundamentação:
“(…) Dos factos provados resulta que o despacho de 31-7-91, da autoria do Director Geral das Contribuições e Impostos, foi revogado na parte (ponto 3) em que era favorável aos interesses dos autores, através de despacho de 17-4-1992, a Secretária de Estado Adjunta do Orçamento, por ilegalidade. Mais e encontra assente que os autores não se conformaram com este último despacho – por considerarem legal o despacho de 31-7-1991 – dele tendo recorrido contenciosamente, mas, por acórdão da 1ª Secção do STA de 29-6-1993, foi negado provimento ao recurso decisão que foi confirmada pelo acórdão do Pleno da 1ª Secção do TA de 8-10-1998, o qual transitou em julgado em 26-10-1998. Ora só a partir do trânsito em julgado desta última decisão é que ficou definitivamente decidido que o acto de 17-4-1992 ao revogar o acto de 31-7-91 – ponto 3 – por ilegalidade, era lega, ou seja, só a partir desse momento é que ficou definitivamente decidido que o acto de 31-7-91, no seu ponto 3, era ilegal, acto esse que fundamenta a presente acção. O que significa que só a partir daquele momento é que os autores estavam devidamente habilitados ou na posse de todos os elementos que lhes permitiam exercer o direito à pretendida indemnização, isto é, tinham conhecimento de que o acto de 31-7-91, ponto 3, era ilegal, ou por outras palavras, só nessa data estavam em condições de formular um juízo subjectivo pelo qual podiam qualificar esse acto como gerador de responsabilidade civil, e, por conseguinte, só a partir do trânsito em julgado da decisão datada de 18-10-1998, ou seja, em 26-10-1998 é que começou a correr o prazo de prescrição (cfr. art. 498º, n.º 1, do Cód. Civil) já que nessa data já tinham conhecimento dos restantes pressupostos condicionantes da responsabilidade. Diz expressamente o art. 323º, n.º 1 do C. Civil, que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. É, assim, notório que quando o réu foi citado para a presente acção, em 13-4-1999 (data em que se interrompeu o prazo da prescrição), ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição de 3 anos. Pelo exposto, julga-se improcedente a invocada excepção de prescrição”.
O M.P., em representação do Estado Português, contesta a decisão porque relativamente ao despacho de 31-7-91 – causa de pedir – os autores não usaram de qualquer meio de garantia (graciosa ou contenciosa), apenas vindo a recorrer do despacho de 17-4-92, não tendo assim ocorrido qualquer facto interruptivo da prescrição.
Vejamos.
Os autores baseiam o seu pedido de indemnização no engano que lhes provocou o Despacho de 31-7-91 do Director Geral das Contribuições e Impostos. Desse despacho decorria que a aceitação da nomeação como Peritos Tributários/Fiscalização/Contencioso de 1ª Classe seria feita para um índice e escalão que, por força do entendimento exarado no Despacho de 17-4-92, da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento não correspondia à verdade. Depois de terem aceite o lugar e terem recebido a respectiva remuneração aperceberam-se que o Despacho de 31-7-91 não estava a ser cumprido – por ter ocorrido a sua revogação (implícita – como veio a reconhecer o STA) pelo Despacho da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, de 17-4-92. Insurgiram-se, então, contra este despacho através do recurso contencioso que veio a ser julgado improcedente.
A questão que se coloca é a de saber se o recurso contencioso do despacho de 17-4-92 é subsumível na previsão do artigo 323º, 1 do C. Civil, funcionando como facto interruptivo da prescrição do direito à indemnização reclamado na presente acção.
Os autores aceitaram o lugar para onde foram nomeados por julgarem válido o despacho do Director Geral de 31-7-91 e não haveria lugar a qualquer dano (emergente da frustração desse estado de confiança) se esse acto fosse válido. Ora, a luta jurídica pela validade desse acto foi desencadeada pelos autores através do ataque ao acto que o revogou (implicitamente). Se os autores lograssem mostrar que o acto revogatório era ilegal, designadamente por ser válido o acto revogado, não haveria responsabilidade civil – pois não havia qualquer dano emergente da confiança depositada na validade desse acto. Os autores seriam posicionados de acordo com a informação do Director Geral em que acreditaram. Mas como perderam a causa, reclamam (nesta acção) os danos que essa situação lhes causou.
Assim, ainda que indirectamente, os autores através do recurso contencioso evidenciaram o desígnio de não aceitarem ser prejudicados com a aludida revogação implícita. É quanto basta para interromper a prescrição, nos termos do art. 323º, 1 do C. Civil, uma vez que este nos diz que a prescrição é interrompida pela citação judicial de “qualquer acto que exprima directa, ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”. A razão de ser da norma é que o lesado dê a conhecer ao agente causador do dano que tem intenção de exercer o direito, e, portanto que este fique a conhecer da seriedade dessa intenção. Ora, a Administração ficou a saber, desde logo e através de citação para um processo judicial, que os autores não se conformavam com a revogação do acto do Director Geral. A génese ou causa do dano radicava no “engano” que esse despacho provocou nos autores. O recurso onde sustentam a validade desse despacho tem também o alcance de tentar a demonstração que afinal não tinha havido qualquer engano. Os autores, pugnaram no recurso contencioso pela demonstração de uma actividade lícita da Administração – pois nessa hipótese seriam posicionados mais favoravelmente no escalão e índice remuneratório. Pugnar ela validade do despacho é assim um meio de evidenciar de forma clara perante a Administração que se pretende exercer o direito respectivo. Direito cujo conteúdo em termos pragmáticos redunda em não ficar prejudicado com a aceitação da nomeação.
Daí que a sentença tenha decidido bem quando considerou interrompida a prescrição com a interposição do recurso contencioso, nos termos do art. 323º, 1 do C. Civil. Nestes casos o novo prazo da prescrição só volta a correr depois do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo. Por isso, tendo a decisão em causa, transitado em julgado em 26-10-98 e sendo o réu citado nesta acção em 13-4-99, é manifesto que não tinha ainda decorrido o prazo de três anos previsto no art. 498º do C. Civil.
Deve em consequência negar-se provimento ao recurso do interposto pelo Estado Português.
2.2.2 - Recurso dos autores
2.2.2.1. A sentença recorrida.
A sentença recorrida absolveu o réu do pedido depois de ter entendido que se verificavam os pressupostos da responsabilidade civil relativos a facto, à ilicitude e à culpa. A seu ver os danos invocados pelos autores não se provaram. O M.P. nas suas contra - alegações sustenta ainda que não houve ilicitude, nem culpa.
Estão assim postos em causa, neste recurso, a existência de dano indemnizável e (nos termos do art. 684-A do Código de Processo Civil) a ilicitude e a culpa. Dada a conexão existente entre a ilicitude e o dano – uma vez que só são indemnizáveis os danos ocorridos no âmbito de previsão das normas violadas, impõe-se, em primeiro lugar, recortar com precisão qual o facto ilícito, ou seja, onde e em que medida o facto (gerador do dano) é ilícito, pois só desse modo podemos enfrentar a questão da rigorosa delimitação do dano.
2.2.2.2. A responsabilidade civil fundada na violação da boa fé
Os autores na petição inicial recortaram o facto ilícito com alguma prolixidade: (i) tanto invocam o Despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos de 31 de Julho de 1991; (ii) como a violação da confiança depositada nesse desse despacho, por aquele que o revogou implicitamente, em 17-4-92.
A sentença recorrida considerou como facto ilícito (gerador da responsabilidade civil peticionada) o Despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos. Tal ilicitude, na tese da sentença decorria da sua ilegalidade, a qual foi afirmada no Supremo Tribunal Administrativo, quando apreciou a validade do acto de 17-4-92, na sua veste de acto revogatório de acto ilegal.
Contudo, bem vistas as coisas, esta ilegalidade não afecta qualquer direito dos autores. O acto em causa era ilegal, precisamente, por atribuir aos autores uma “expectativa” que não tinha fundamento na ordem jurídica. O ressarcimento do dano provocado por um acto ilegal traduz-se na reposição da situação anterior, como se o acto ilegal não fosse praticado, ou dito de outro modo, como se um acto legal fosse “ab inicio” praticado. O ressarcimento dos danos causados por um acto administrativo ilegal é feito pela reconstituição da situação, como se a mesma fosse legal desde o início.
Assim, a legalidade da situação jurídica infringida pela ilegalidade do acto do Director Geral repõe-se integralmente com a revogação de tal acto e com pagamento aos autores das quantias que, nos termos da lei, lhe eram devidas. Como receberam as quantias que legalmente lhe eram devidas, a ilegalidade do acto do Director Geral foi reposta, pois a sua ilegalidade foi corrigida com a sua tempestiva revogação.
Falta, todavia, apreciar o outro fundamento invocado pelos autores como configurando um ilícito gerador de responsabilidade civil extracontratual: a lesão da confiança.
Neste ponto há que fazer ainda uma distinção importante.
Os autores atribuem a lesão da confiança ao acto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento de 17-4-92 (que revogou implicitamente o acto do Director Geral). Contudo, tal acto foi proferido dentro de um ano e com fundamento em ilegalidade – conforme concluiu este Supremo Tribunal no recurso contencioso respectivo. A confiança na estabilidade da situação jurídica tal como decorreria da aplicação dos critérios definidos pelo acto do Director Geral (quanto aos vencimentos que aí se diziam ser devidos) depois de proferido um acto revogatório legal deixa de ser legítima – pois os actos administrativos, mesmo quando constitutivo de direitos, não garantem aos seus destinatários a irrevogabilidade, dentro do prazo de um ano (art. 141º do CPA).
Foi por isso que o Supremo Tribunal Administrativo aceitou a validade da revogação implícita. E é por isso que os autores, a partir de então, não têm qualquer expectativa legítima a auferirem os vencimentos de acordo com o acto validamente revogado.
O que não significa, todavia, toda e qualquer exclusão de uma confiança legítima que veio afinal a não ser respeitada. Resta, efectivamente, um aspecto da frustração da confiança que pode ser autonomizado. É que, na verdade, foi dado como provado que os autores só aceitaram as nomeações por terem acreditado no Despacho do Director Geral. Constataram depois (para além de não terem auferido os vencimentos que o entendimento de tal despacho implicava) que vieram a auferir menos do que auferiam antes da aceitação da nomeação na nova carreira. Ora, mesmo negando aos autores o direito a auferir as remunerações de acordo com o acto do Director Geral (depois do mesmo ser revogado licitamente) importa saber, em que medida aquele acto (que apesar de validamente revogado gerou expectativas), pode gerar danos indemnizáveis a título de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Será que apesar da revogação lícita desse despacho, ainda existe um prejuízo causado por um estado de confiança fundado e legítimo?
É esta a questão que vamos apreciar de seguida.
A análise deste ponto exige, contudo, uma indagação detalhada sobre os pressupostos da responsabilidade civil fundada na lesão da confiança, tendo fundamentalmente em vista determinar (ou localizar) a ilicitude e quais os danos que eventualmente devem ser ressarcidos a esse título.
i) Violação da boa fé e ilicitude
Aceitamos que a ilicitude, para efeitos dos artigos 6º e 2º do Dec. Lei 48.051 decorra da violação de princípios de direito administrativo, como seja o princípio da boa fé. Como referem ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código de Procedimento Administrativo, anotação ao art. 6º-A, pág. 115 “quanto às implicações da violação do princípio da boa fé, nas relações jurídico-administrativas, em sede de responsabilidade da Administração ou dos interessados na sua actuação, entendemos que são plenas. Aquele dos sujeitos envolvidos nessa relação que não respeite as exigências da boa fé e dê causa, com isso, a prejuízos de outras pessoas constitui-se na obrigação de indemnizar civilmente: o sujeito administrativo por força do art. 22º da Constituição e 6º do Dec. Lei 48.051, os interessados na sua actuação, por força do art. 483º do C. Civil”.
O art. 6-A do C. P. Adm. consagra expressamente o princípio da boa fé, nas relações entre a Administração e os particulares, nos seguintes termos:
1. No exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
2. No cumprimento do disposto nos números anteriores, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial:
a) a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa;
b) o objectivo a alcançar com a actuação pretendida”.
Sobre os termos em que a boa fé merece tutela jurídica, a nossa doutrina administrativa tem delimitado os seguintes parâmetros:
FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo II, pág. 136 e seguintes, entende que este princípio se concretiza através de dois princípios básicos “o princípio da tutela da confiança legítima e o princípio da materialidade subjacente”. Este autor desenvolvendo depois cada um destes princípios explicita que “a tutela da confiança não é, no entanto, arvorada em princípio absoluto, ocorrendo apenas em situações particulares que a justifiquem. São, na verdade quatro os pressupostos jurídicos de tutela da confiança. Desde logo, a existência de uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva ou ética da pessoa lesada. Em segundo lugar, exige-se uma justificação para essa confiança, isto é, a existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível. Igualmente necessário é o investimento de confiança, isto é, o desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes sobre a crença consubstanciada. Por último, surge a imputação da situação de confiança, implicando a existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado”. Estes pressupostos não são necessariamente cumulativos: “a falta de um pode ser compensada pela intensidade especial que assumam alguns – ou algum - dos restantes. Por sua vez “o princípio da materialidade subjacente” desvaloriza excessos formais, requerendo que o exercício de posições jurídicas se processe em termos de verdade material.
Esta visão segue, no essencial, MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, Tomo I, pág. 186 e 187 que enumera quatro pressupostos da vertente da boa fé que se traduz na tutela da confiança legítima:
“1º - uma situação de confiança, conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2º - uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocarem uma crença plausível;
um investimento de confiança, consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu”.
Também MARCELO REBELO DE SOUSA salienta a autonomização do princípio da protecção da confiança relativamente ao princípio da boa fé (Lições de Direito Administrativo, pág. 117/118), indica - em termos algo semelhantes - para sua concretização os seguinte pressupostos:
1º - uma actuação da parte de um sujeito de direito público integrado na Administração Pública, criando a confiança quer na durabilidade da sua eficácia, quer na possível prática de outro acto da administração;
2º - uma situação de confiança justificada do destinatário da actuação de outrem, no desiderato último dessa actuação;
3º - a efectivação de um investimento de confiança, isto é, o desenvolvimento de actos ou omissões na base da situação de confiança; 4º - o nexo de causalidade entre a situação de confiança e o investimento de confiança”.
Na jurisprudência deste SUPREMO TRIBUNAL o princípio da boa fé também tem sido acolhido, como se pode ler no Acórdão de 18-6-2003, onde é feita uma exaustiva indicação da jurisprudência mais recente:
“(…) Por sua vez, este STA também tem admitido a aplicação quer do princípio da boa fé quer do princípio da protecção da confiança no âmbito do direito administrativo e se pode concluir da seguinte resenha: - Acórdão de 24-3-83 – Rec. 17429; - Acórdão de 6-6-84 – AD 289, a págs. 62; - Acórdão de 2-2-88 – Rec. 24979; - Acórdão de 28-4-88 – Rec. 18436; - Acórdão de 1-3-89 – Rec. 24444: "Tendo sido a Administração que deu origem ao erro, a conclusão referida em... é apontada pelo princípio da boa-fé, que à mesma é oponível; - Acórdão de 12-11-91 – Rec. Nº 23049 ;"O princípio da boa-fé é hoje pacificamente aceite na doutrina a na jurisprudência administrativas da generalidade dos países, sendo oponível à Administração, rectius se é ela própria a frustrar legítimas e fundadas expectativas por si criadas. ... o princípio do primado do Estado de direito democrático garanta um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas legitimamente criadas e, pois, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica."; - Acórdão de 5-12-91 – Rec. 28237; - Acórdão de 26-10-94 – Rec. 34604 – Rec. 17626; - Acórdão de 2-5-95 (Pleno) – Rec. 22871: "Violam o princípio da confiança comportamentos intrinsecamente contraditórios e inconsequentes, quer quando comparados com outros anteriormente praticados quer quando se tenha em conta o contexto global dos pressupostos de facto e de direito vinculativos da prática de um acto; - Acórdão de 4-5-95 – Rec. 241450-Z: "A violação do princípio da confiança supõe que um destinatário normal, medianamente avisado e cuidadoso, face a determinada conduta da Administração, possa razoavelmente concluir que esta se auto vinculou a proferir determinada decisão."; - Acórdão de 3-10-96 (Pleno) – Rec. 24079: "...sendo obviamente certo que os órgãos ou agentes públicos se encontram vedadas actuações de má-fé ou com o propósito de prejudicar ou enganar os administrados."; - Acórdão de 11-12-96 (Pleno) – Rec. 32156: "Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança,..., estruturantes do princípio do estado de direito..., constituem postulados ou normas de actuação a serem observados no exercício da actividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade para escolha de alternativas comportamentais, funcionando pois como limites internos dessa actividade, não relevando assim no domínio da actividade vinculada..., consistente esta na simples subsunção de um dado concreto à previsão normativa dos comandos legais vigentes." – no mesmo sentido, cfr. o Ac. de 14-5-96 – Rec. 37684; - Acórdão de 29-9-99 – Rec. 34604; - Acórdão, de 17-12-99 (Pleno) – Rec. 40313: " O princípio da boa-fé, hoje expressamente consagrado no art. 6º A do CPA, mas já anteriormente vigente nas relações jurídicas administrativas, como princípio geral de direito, impõe uma actuação ponderada e coerente..."; - Acórdão de 28-11-00 – Rec. 42055 onde se salienta que a boa-fé administrativa implica a criação de um clima de confiança e de previsibilidade nas relações com os particulares, adoptando comportamentos consequentes e não contraditórios; - Acórdão de 16-10-02 – Rec. 48379: "Não há violação do princípio da boa-fé se ao requerente... não foram criadas expectativas minimamente sólidas..."; - Acórdão de 13-11-02 – Rec. 44846: Onde se refere que o princípio da boa-fé apenas releva "no âmbito da actividade discricionária da Administração."; - Acórdão de 30-4-03 (Pleno) – Rec. 47275/02: "O princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático (art. 2º da C.R.P.), postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia razoavelmente contar.";- Acórdão de 6-5-03 – Rec. 46188: "O princípio da boa fé é acolhido expressamente no art. 6/A do CPA e concretiza-se através de dois elementos básicos: (i) tutela da confiança legítima e (ii) materialidade subjacente. A tutela da confiança assenta por seu turno nos seguintes pressupostos: - boa fé ou ética do lesado; elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; desenvolvimento de actividades jurídicas assentes sobre a crença consubstanciada; existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado.".
O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tem, também, sustentado que o princípio da confiança, insíto na ideia de Estado de direito democrático (art. 2º da CRP) implica um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar – cfr. designadamente, os Acs nºs: - 287/90, de 30-10-90 – Proc. BMJ 400, a págs. 214; - 302/90, de 14-11-90 – Proc. 107/89 – BMJ 401-130; 03/90, de 21-11-90 – Proc. 129/89, BMJ 401-139; - 365/91, de 7-8-91 – Proc. 368/91, DR, II Série, de 27-8-91; - 70/92, de 24-2-92 – Proc. 89/90, BMJ 414-130; - 410/95, de 28-6-95 – Proc. 248/94 – DR, II Série, de 16-11-95; - 625/98, de 3-11-98 – Proc. 816/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 41º, pág. 293; - 648/98, de 15-12-98 – Proc. 639/97; - 160/00, de 22-3-00 – Proc. 843/98, DR, II Série, de 10-10-00; - 109/02, de 5-3-02 – Proc. 381/01 e - 128/02, de 14-3-02 – Proc. 382/01.
O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem adoptado, por vezes com algumas adaptações, os pressupomos da tutela da confiança defendidos por MENEZES CORDEIRO e acima expostos – cfr, entre outros os Acórdãos do STJ de 5-3-96, CJ/Supremo (1996) 1, 115-118; 28-11-96 CJ/Supremo IV (1996) 3 118-121 5-2-98 BMJ 474, pág. 431, e a jurisprudência aí citada.
Importa porém realçar que a violação da confiança pode gerar uma multiplicidade de consequências: (i) a invalidade do acto; (ii) pode neutralizar a validade de um acto; (ii) pode impedir as consequenciais de um uso inadequado do direito; (iii) pode implicar o incumprimento de uma obrigação; (iii) pode limitar os efeitos do incumprimento de uma obrigação e pode, finalmente, (iv) gerar uma obrigação de indemnizar – cfr. JESUS GONZALEZ PEREZ, que segue precisamente esta ordem no estudo dos efeitos da violação da boa fé, in El Principio General de La Buena Fé En El Derecho Administrativo, pág. 77 a 87. Para este autor a infracção do princípio da boa fé seria a ilicitude determinante da indemnização, sempre que se verificassem os demais pressupostos (pág. 86).
Mas, podemos perguntar: se a violação da boa fé pode gerar uma indemnização, em que termos as coisas se passam? A lesão da boa fé é, só por si, o facto ilícito, ou é necessário ainda uma outra norma especial a atribuir-lhe tal relevo?
Este Supremo Tribunal, no Acórdão de 16 de Maio de 2001 (recurso 46.227) – Diário da República Apêndice de 8 de Agosto de 2003 – pág. 3895/3908 - equacionou a questão de saber onde radica, afinal, o fundamento da ilicitude na violação da confiança. Estava em causa a declaração de nulidade do acto de aprovação de um projecto de arquitectura. O Supremo depois de concluir que o acto que licenciou o projecto de arquitectura era nulo, e depois de considerar que tal acto era constitutiva de direitos, colocou a questão: “Há realmente ilegalidade na aprovação do projecto de arquitectura nessas condições, e ilegalidade que acarreta a respectiva nulidade. (…) E num caso destes responderá o Município pelos prejuízos causados? Com que fundamento? E no caso afirmativo, que prejuízos devem considerar-se abrangidos por essa indemnização? (…)”
A conclusão a que chegou, curiosamente foi a de que pelos princípios gerais não haveria qualquer responsabilidade civil. “Ora, - argumenta-se – se encararmos o facto gerador da responsabilidade como sendo a aprovação do projecto de arquitectura, embora haja ilegalidade nesse acto, uma barreira desde logo se ergue: não há danos que possam imputar-se ao acto da câmara, pois tal acto foi ao encontro da pretensão que o administrado formulara, deferindo-a nos seus precisos termos. Falham os requisitos do dano e nexo causal. Por outro lado, se quisermos construir a responsabilidade civil sobre o acto de recusa de emissão do alvará, ou de deliberação final de licenciamento, o que falta é a ilicitude da actuação do órgão administrativo. Na verdade, nenhuma das partes discute a legalidade dessa recusa aceitando que o regulamento do PDM impedia validamente que o autor construísse uma edificação com o coeficiente de ocupação que o seu projecto previa. A Administração actuou a coberto da normação aplicável, e não havendo ilegalidade não haveria fundamento para a condenação do réu
A saída encontrada no referido Acórdão foi a da existência de uma norma especial (o art. 52º, n.º 5 do Dec. Lei 445/91, que prevê a constituição do Município na obrigação de indemnizar “os prejuízos causados” pela revogação, anulação ou declaração de nulidade dos actos de licenciamento nas circunstâncias aí referidas. Ou seja, o Supremo buscou um fundamento legal especialmente previsto para poder atribuir o efeito indemnizatório à violação da confiança. Só depois de encontrar um fundamento para a responsabilidade civil é que apelou à lesão da confiança, concluindo que o que estava em causa era uma responsabilidade civil pré-contratual, e desta forma limitar o âmbito do dever de indemnizar aos “danos negativos” (pág. 3904).
Também nos parece necessária a existência de uma base legal para fundamentar a ilicitude. De facto, a mera referência linguística à violação da confiança como equivalendo à ilicitude não é intuitivo. O percurso seguido pelo Acórdão acima referido mostra bem a preocupação de fazer assentar um juízo tão importante como o da ilicitude, numa base legal sólida (clara, simples e com uma referência literal evidente). A ilicitude há-de aferir-se sempre perante um comportamento e uma previsão normativa, pelo que sem a definição normativa prévia não é possível um juízo de ilicitude. Note-se todavia que a tutela da confiança para além de ser protegida através de disposições legais específicas (cfr. para o direito civil o caso dos artigos 179º,184º, 2 e 1009º relativos a certos actos das sociedades civis puras; 291º perante a anulação ou declaração de nulidade de actos jurídicos), também é protegida quando não haja um dispositivo específico, mas “os valores fundamentais do ordenamento, expressos como boa fé ou sob outra designação, assim o imponham” (MENESES CORDEIRO, ob. cit. pag. 185).
É o que ocorre no procedimento administrativo quando o art. 6º-A do C. P. Adm. impõe um relacionamento entre a Administração e os particulares tutelando a confiança criada, e impondo um relacionamento segundo as regras da boa fé. É, portanto, esta a norma legal cujo incumprimento pode gerar responsabilidade civil. A boa fé é tutelada naquele artigo através da enunciação de conceitos muito gerais: “a Administração deve relacionar-se segundo as regras da boa fé”. Para apreciar se o comportamento assumido foi de boa fé “devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, especialmente a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa e o objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (art. 6-A, 2, alíneas a) e b) do C. P. Adm). A concretização desses conceitos gerais, como é o caso da protecção da confiança deve ser feita, segundo nos parece, de acordo com os quatro pressupostos enumerados por MENESES CORDEIRO e FREITAS DO AMARAL, e MARCELO REBELO DE SOUSA acima referidos:
- (i) Situação de confiança;
- (ii) Justificação para essa confiança;
- (iii) Investimento de confiança;
- (iv) Imputação da situação de confiança à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante.
A conclusão é, pois, a seguinte: se o particular numa relação com a Administração Pública se encontrar numa situação de facto que preencha todos os pressupostos da lesão da sua boa – fé acima referidos, consideraremos verificada a ilicitude da conduta da Administração para efeitos de responsabilidade civil.
Aplicando este regime ao caso dos autos temos o seguinte:
Os autores acreditaram num Despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos sobre matéria que se encontrava nas suas atribuições. Dirigiram-se previamente a essa entidade, por terem dúvidas sobre os efeitos remuneratórios da transição. O Despacho do Director Geral era claro, dando, inclusivamente um exemplo com a situação concreta em que se encontravam os autores: “Exemplificando, dir-se-á que um Perito Tributário de 2ª Classe, exercendo em comissão de serviço o cargo de Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe ou de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª Classe, que se encontra actualmente integrado no NSR no escalão, índice 690 será integrado, com a promoção, no escalão 6, índice 720, da categoria de Perito Tributário de 1ª Classe, por força do art. 17º do Dec. Lei 53-A/89, de 16 de Outubro”.
Verificam-se todos os pressupostos da tutela jurídica da confiança, como vamos ver.
Existe uma situação de confiança conforme com o sistema, estando os autores numa posição de boa fé, atenta a qualidade do autor do acto (Director Geral). Os autores não contribuíram com o seu comportamento para a criação da situação uma vez que se limitaram a questionar a Administração antes de agirem.
Essa situação de confiança está objectivamente justificada, uma vez que assenta não só na emissão de um despacho de um Director Geral com atribuições na matéria, como vinha concretamente destinada a resolver as dúvidas que lhe tinham sido previamente colocadas.
Houve um investimento de confiança dos autores, aceitando o novo lugar. A aceitação do lugar está de facto conexionada com a situação de confiança objectivamente criada.
A situação de confiança, neste caso, foi criada pelo Director Geral das Contribuições e Impostos, um órgão da Administrarão Pública, sendo o Estado que vai ser atingido pela protecção dada, ou seja, quem vai indemnizar os lesados.
Para haver ilicitude, como acima aceitamos, basta que a confiança do tutelado mereça protecção jurídica e tenha sido atingida. Já vimos que pelo art. 6º-A do CPA e concretização acima feita, que a situação dos autores se enquadra nesse quadro: confiança juridicamente tutelada lesada pelos serviços do réu. Deste modo aceitamos que se verifique o requisito da ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil.
ii) culpa
A invalidade do Despacho – causador do estado de confiança - foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Administrativo. Assentando o despacho num entendimento errado (como mais tarde se veio a verificar) o que importa é saber se o erro era ou não culposo. Pensamos que é de imputar aos serviços da Administração o erro de interpretação da lei. Na verdade, os serviços jurídicos do Ministério das Finanças do Estado Português, não podem deixar de estar obrigados a interpretar a lei correctamente, o que basta para se poder imputar o erro de interpretação do Director Geral das Contribuições e Impostos a título de negligência.
iii) Nexo de causalidade e danos ressarcíveis
Relativamente aos danos deve esclarecer-se que os mesmos se reconduzem aos danos decorrentes do “investimento de confiança” devendo ser ressarcidos todos e os danos devidos pela frustração desse investimento. Que danos são esses?
Num Acórdão deste Supremo Tribunal de 23-9-2003, proferido no recurso 1527/02 (em que foi relator o mesmo deste processo) a questão do âmbito do dever de indemnizar, pela frustração da confiança (numa hipótese de responsabilidade pré – contratual), foi abordada em termos, com os quais continuamos a concordar, e que por isso (relativamente aos termos gerais em que o problema se coloca) seguiremos de perto (na parte que interessa ao presente processo).
Nestes casos protege-se a confiança e, por isso, os danos são aqueles que o lesado "não teria sofrido se não tivesse confiado na realização do contrato" – Revista de Legislação e Jurisprudência, 110º, 276, e, no mesmo sentido, M. BRITO, Código Civil anotado, 1º, 265 e GALVÃO TELES, Obrigações, 3ª edição, pág. 58. Este último autor refere concretamente a hipótese de um contrato concluído, ferido de invalidade, concluindo que "o lesado tem direito à indemnização dos danos negativos, ou seja, os danos que não teria sofrido se não entrasse em negociações ou não celebrasse o contrato nulo ou anulável". Ou, como refere o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA "quem agir de má fé no âmbito dos preliminares do contrato sujeita-se a indemnizar a contraparte pelo interesse contratual negativo, ou seja, a reparar os danos que aquela não teria sofrido se não fosse a expectativa na conclusão do negócio frustrado ou da vantagem que teria obtido se aquela expectativa se não tivesse gorado" – Ac. de 22-5-2003, recurso 03B1334 e de 10-5-2001, CJ, ano IX, Tomo 2, pág. 71 (a referência à "vantagem que teria obtido se aquela expectativa se não tivesse gorado" refere-se aos lucros cessantes - perda da vantagem - decorrentes da não celebração do contrato). "Que a indemnização dos danos negativos compreende tanto os danos emergentes como os lucros cessantes é opinião pacífica na doutrina portuguesa..." - ANA PRATA – Notas sobre a Responsabilidade Civil Pré - Contratual, pág. 174 e autores aí citados.
Este SUPREMO TRIBUNAL tem entendido que os danos resultantes da responsabilidade pré – contratual são apenas os danos negativos: "A responsabilidade civil por lesão da confiança é restrita à reparação do interesse contratual negativo, ou da confiança, isto é, do prejuízo resultante da frustração das expectativas de conclusão do negócio, estando excluída a reparação do interesse positivo, ou seja pelo benefício que a conclusão do negócio traria à parte prejudicada nas suas expectativas" – Ac. de 31-5-2001, rec. 46919; cfr. ainda o Ac. de 16-5-2001, rec. 46227, onde também se excluem do âmbito de protecção das regras que protegem a confiança aquilo que a parte prejudicada "... deixou de ganhar em consequência de não ter podido construir um prédio com as características que pretendia...".
MENEZES CORDEIRO reconduz a medida do dano na responsabilidade civil pré-concontratual "às regras gerais da responsabilidade civil" – Tratado de Direito Civil, I Parte Geral, 1999, pág. 346 – ou seja, “não há que operar, salvas disposições legais específicas e contrárias, limitações ao interesse negativo”. "Tratando-se da confiança, diz o referido autor, teremos de ver o âmbito desta, designadamente ponderando o círculo do investimento da confiança. Se por via da confiança suscitada, uma parte perdeu uma ocasião de negócio, a indemnização deve abranger o interesse positivo". Note-se, ainda, que é possível a indemnização de danos decorrentes de um "mau cumprimento" ao abrigo da responsabilidade pré - contratual, sempre que, o contrato seja válido e eficaz, mas com um âmbito que prejudica uma das partes e o dano seja imputável à violação dos deveres inerentes à fase prévia ao acordo (este tipo de danos não se incluem na categoria dos danos negativos, como é evidente, dado que o contrato foi válido e eficazmente celebrado)– cfr. o acórdão de 29 de Janeiro de 1973, anotado por ANTUNES VARELA na Revista de Legislação e Jurisprudência, onde o comprador de um imóvel o adquiriu na convicção, criada pelo vendedor, de que o mesmo poderia ser afecto ao comércio ou ao exercício de profissões liberais, e tal não era verdade. O dano, nestes caso, não pode ser o dano decorrente da não celebração do contrato, porque o contrato se celebrou válida e eficazmente. A situação em apreço nestes autos é semelhante a esta: os autores aceitaram a nomeação convencidos de que iam ganhar mais.
Pensamos que o dano indemnizável (qualquer que seja) deve ter, e nisto tem razão MENEZES CORDEIRO, a medida da lesão sofrida com o acto ilícito, ou sendo caso disso e quando a licitude resida na frustração da confiança, o dano deve ter medida dos danos provocados por essa frustração. ANTUNES VARELA também aceita esta orientação, quando nos diz: "Tal como na responsabilidade contratual e extracontratual, também na responsabilidade pré - negocial os danos indemnizáveis variam consoante as circunstâncias de cada caso. A indemnização terá sempre como objectivo, quer num quer noutro domínio colocar o lesado na situação patrimonial em que ele se encontraria se não fora o facto ilícito praticado" – Anotação ao Acórdão do STJ de 29-1-73, acima citado.
Qual será então o âmbito de protecção da confiança, e que direito a indemnização pode nascer na esfera jurídica dos autores? Ou dito de outro modo, quais os danos sofridos (em termos de causalidade adequada) pelo investimento de confiança que podem e devem ser suportados pelo Estado?
Podemos, com toda a certeza, excluir os seguintes:
Não há nexo de causalidade entre a lesão da confiança que o despacho do Director Geral causou e as remunerações que os autores diziam ser devidas, depois desse despacho ter sido validamente revogado. Quanto a esse ponto o princípio da legalidade é uma circunstância intransponível, e no local próprio (recurso contencioso do acto revogatório) ficou assente que os autores estavam a ser remunerados de acordo com a lei. O acto revogatório foi proferido dentro do prazo de um ano e com fundamento em ilegalidade, pelo que, a partir da sua prática a crença na validade do acto revogado deixou de ser legítima.
Também não há nexo de causalidade entre o dano emergente de uma mais rápida ou melhor progressão na carreira onde estavam antes da tomada de posse, que não estivesse já prevista na lei, na data em que aceitaram o novo lugar – é o caso das prestações do FET que, na altura, não estavam criadas e portanto não poderiam ter servido de termo de comparação no investimento de confiança dos autores. Os autores não puderam contar com esse facto e portanto o mesmo não podia ter pesado no investimento de confiança.
Também não há, no presente caso, direito ao ressarcimento, relativamente à diferença entre as remunerações auferidas e aquelas que poderiam ter auferido, se não fosse a lesão da confiança (pedido dos autores). Da análise que fizemos sobre ressarcibilidade do dano da confiança, concluímos que cabem nesta categoria as “perdas de ocasião de negócio” decorrentes do investimento de confiança (lucros cessantes dentro dos danos negativos). Também vimos que eram ressarcíveis os danos causados pela diferença entre a expectativa gerada nos preliminares do contrato e a realidade (erro sobre a das finalidades do arrendado, causado pelo vendedor, no exemplo anotado por ANTUNES VARELA). Mas, em todos estes casos o dano - apurado segundo a teoria da diferença, que hoje tem consagração legal, no art. 566º do C. Civil – era um dano efectivo ou real.
Ora, no caso dos autos não há um dano real ou efectivo. Na verdade, para apurarmos o dano causado pela perda da expectativa a uma melhor carreira não podemos ficcionar o momento da verificação do dano na altura mais conveniente ao lesado. Sendo a expectativa sobre a melhoria da carreira, a mesma só pode fazer-se em função de toda a carreira, como parece óbvio. Foi este o caminho seguido pela sentença e, a nosso ver bem. O dano – neste caso – corresponderia à diferença entre as remunerações auferidas na carreira onde tomaram posse e as remunerações que auferiria se não tivessem aceite a nomeação. Ora, nestas condições, não está demonstrado nos autos que os autores ficavam necessariamente em piores condições.
Nos termos do art. 70º do Dec. Regulamentar 42/83, de 20 de Maio (em vigor quando os autores fizeram o “investimento de confiança”) o acesso à categoria de Peritos de Fiscalização ou de Contencioso Tributário de 1ª Classe permitia o acesso à categoria de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe (categoria onde acederam), o que não lhes era permitido em quanto Peritos de Fiscalização ou de Contencioso de 2ª Classe (categoria que detinham):
Artigo 70.º
(Nomeação do pessoal dirigente dos serviços locais)
1 - A nomeação do pessoal dirigente dos serviços locais é feita nos seguintes termos:
a) Os chefes de repartição de finanças de 1.ª classe, de entre peritos tributários de1.ª classe, peritos de fiscalização tributária de 1.ª classe e peritos de contencioso tributário de 1.ª classe com média de classificação de serviço não inferior a 14 ou a Bom no último triénio ou, não havendo candidatos nas condições indicadas, de entre funcionários aprovados nas provas de selecção para a categoria de perito tributário de 1.ª classe, com média de classificação de serviço não inferior a 14 ou a Bom no último triénio, pela ordem das respectivas listas classificativas;
b) Os chefes de repartição de finanças de 2.ª classe e os adjuntos de chefe de repartição de finanças de 1.ª classe, de entre peritos tributários de 2.ª classe, peritos de fiscalização tributária de 2.ª classe e peritos de contencioso tributário de 2.ª classe com média de classificação de serviço não inferior a 14 ou a Bom no último triénio ou, não havendo candidatos nas condições indicadas, de entre funcionários aprovados nas provas de selecção para a categoria de perito tributário de 2.ª classe com média de classificação de serviço não inferior a 14 ou a Bom no último triénio, pela ordem das respectivas listas classificativas;”
O Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe, de acordo com o Anexo I, ao Dec. Lei 187/90, de 7 de Junho, era remunerado, através de 7 escalões, com os seguintes índices: 600, 650, 690, 740, 760, 790, 800.
Os Adjuntos de Chefe de Repartição de 1ª Classe e Chefes de Repartição de 2ª Classe, segundo o mesmo anexo I, eram remunerados de acordo com os seguintes escalões: 550, 590, 630, 660, 690, 720 e 750.
Como se vê, a progressão na carreira de origem, colocou os autores com possibilidade de ascenderem aos escalões 760, 790 e 800 que nunca poderiam atingir se não tivessem aceite a nomeação. Deste modo, é fácil concluir que a expectativa de uma melhor carreira não foi gorada.
Os autores apesar de não terem a progressão “anunciada”, continuavam a ter, apesar de tudo, uma expectativa de melhor progressão. Tanto era assim, de resto, que os autores C… e J… em 1993 ascenderam à categoria de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe, passando a ser remunerados pelo índice 760 - cfr. ponto 29 da matéria de facto – e com expectativa de poderem chegar a escalão 800. Se continuassem Peritos de 2ª Classe o melhor do resultado possível seria o escalão 750 (se se mantivessem como Chefes ou Adjuntos de Chefe de Repartição de Finanças) e 680 (e não 750, na nova carreira) quando regressassem ao lugar de origem (art. 4º, n.º 4 do Dec. Lei 187/90, de 7 de Junho, na redacção vigente à data em que se formou o “investimento de confiança”). Assim, quer na progressão possível, em lugares de chefia, quer na progressão possível na carreira de origem, quer na colocação nesta carreira quando terminassem a comissão de serviço em cargo de chefia, não há qualquer dúvida que os autores ascenderam a um lugar com muito melhores perspectivas de progressão na carreira a nível remuneratório.
Não houve, assim, contrariamente ao que os autores pretendam fazer crer a perda de uma oportunidade de melhor progressão. Em termos de oportunidade de progressão na carreira, os autores nada perderam. Ficaram efectivamente com melhores oportunidades.
Do exposto sobre as vicissitudes de ambas as categorias, decorre que o dano de confiança recortado pela diferença da expectativa entre as remunerações na carreira de Peritos Tributários de 1ª Classe e como Adjuntos e Chefes Adjuntos de Repartição de Finanças - perda de uma oportunidade de melhor progressão remuneratória - não se verifica, pois a expectativa de uma melhor progressão na carreira, como Perito de 1ª Classe, não se gorou: havia efectivamente (como vimos acima) possibilidade de uma maior progressão, na nova categoria.
Há, contudo, espaço para se poder recortar um dano resultante da quebra da confiança. Na verdade, os autores não contavam que a aceitação do lugar, na nova carreira (ainda que globalmente mais favorável) tivesse uma fase inicial onde havia uma efectiva diminuição do índice remuneratório, contavam, sim e pelo contrário, que tinham o direito a uma remuneração melhor (índice 750, mais concretamente).
E foi – note-se bem, pois é aqui que radica a “ilicitude” - essa crença que os determinou a aceitar o lugar.
Esta confiança, como já vimos, a partir da revogação (licita) deste despacho deixou de merecer protecção. Mas antes dessa revogação, ou seja, durante o tempo em que o Despacho do Director Geral vigorou, a expectativa dos autores a uma remuneração de acordo com os critérios aí definidos era legítima e portanto a sua frustração deve ser indemnizada.
Não decorre desta afirmação que os efeitos constituídos à luz dos actos validamente revogados devam ser atendidos, pois tal seria ilegal dada a retroactividade da revogação anulatória (art. 145º, 2, do CPA). O que está em causa não é produção de efeitos ilegais… mas precisamente a existência de uma compensação devida pela reposição da legalidade. Ora, em casos como o presente, em que os autores só aceitaram o lugar na expectativa (então legítima, pois provocada pelo dirigente máximo do serviço, e entidade que lhes processava os vencimentos), justifica-se que a frustração desta expectativa seja ressarcível, sob pena da consagração do princípio da boa fé não ter qualquer utilidade. O título jurídico onde assenta o direito dos autores não é o acto revogado – pois a revogação com fundamento em ilegalidade é retroactiva - mas a frustração (temporária) da confiança.
Ora, o dano emergente da frustração da confiança deve ter, nesta situação, a medida da duração da expectativa legítima, isto é, existe o dano de frustração da confiança, enquanto a mesma confiança persistiu, o que aconteceu desde a aceitação do lugar até à revogação do Despacho do Director Geral. Com efeito, a partir do momento em que a Administração revoga um despacho ilegal, deixam de ser legítimas as expectativas no cumprimento do despacho (ilegal) revogado. As exigências de responsabilização da violação da boa fé (protegendo o particular) cessam com a prática do acto legal, mas subsistiram no período em que perdurou o estado de confiança.
Note-se ainda que os autores, ao saberem da revogação do acto do Director Geral podiam, desde logo, e para além da luta pela sua anulação – que encetaram – pedir a anulação da aceitação do lugar, com fundamento em “erro sobre o objecto” nos termos do art. 251º do C. Civil (aplicável por força do art. 295º). Tinham assim direito a uma tutela judicial efectiva, cobrindo a totalidade dos danos: enquanto perdurou a vigência do acto do Director Geral serão indemnizados pelo dano da confiança e, revogado este, poderiam – se assim o tivessem querido – regressar à situação anterior, pedindo a anulação do “acto de aceitação” do lugar.
Subsiste, então e apenas, como dano provocado pela frustração da confiança a diferença de remuneração prometida ou anunciada e a efectivamente recebida, mas apenas desde o momento da aceitação do lugar até ao momento em que foi proferido o despacho revogatório.
Nestes termos, os autores devem ser ressarcidos pelo “dano da confiança”, ou seja, pela exacta medida da frustração da expectativa e durante o tempo em que esta se pode considerar legítima. Devem, assim, ser indemnizados pela diferença entre o vencimento auferido o que aufeririam se fossem remunerados nos termos do Despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos de 31-7-91 (índice 750), desde a aceitação do lugar até 17-4-92 (data da revogação lícita daquele despacho). Ao montante assim encontrado, acrescem juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento - art. 805º, 3 do C. Civil.
Os autos não fornecem todos os elementos para cálculo da indemnização, pois importa apurar a data precisa da aceitação do lugar estas remunerações efectivamente percebidas por cada um deles desde daí e até 17-4-92, pelo que se relega para momento posterior (execução de sentença) o respectivo apuramento.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam:
a) Negar provimento ao recurso do Estado;
b) Conceder parcial provimento ao recurso dos autores e condenar o Estado Português a pagar a cada um deles a quantia a liquidar oportunamente, nos termos acima referidos.
c) Custas pelos autores na proporção do seu decaimento, que se fixa em 70%.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2007. – António Bento São Pedro (relator) – Fernanda Martins Xavier e Nunes – Maria Angelina Domingues.