Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0432/11.9BELRS
Data do Acordão:01/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:IRS
FUNDAMENTAÇÃO
RETENÇÃO NA FONTE
Sumário:I-Resultando da fundamentação constante do relatório de inspeção, a efetiva colocação à disposição de importâncias através de cheques ao portador, ainda que sem a indicação de destinatários, em torneio de “bridge”, organizado em 2007, pela impugnante, associação de utilidade pública desportiva, verifica-se fundamentado o ato de liquidação que foi praticado por referência aos artigos 9.º n.º2 e 71.º n.º2, b), do C.I.R.S.
II- Com efeito, resulta perceptível o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade quanto à liquidação de IRS, por retenção na fonte, critério que tem sido considerado pelo S.T.A. quanto à aplicação do art. 77.º da L.G.T., à luz do art. 268.º n.º3 da C.R.P..
Nº Convencional:JSTA000P26975
Nº do Documento:SA2202101130432/11
Data de Entrada:07/07/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE BRIDGE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório

I.1. O representante da Fazenda Pública (F.P.) interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo (T.C.A.) Sul da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada em 27/03/2019, que julgou totalmente procedente a impugnação intentada pela FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE BRIDGE, melhor sinalizada nos autos, tendo por objecto a anulação da liquidação que sobre si foi emitida, com fundamento em falta de retenção na fonte em sede de IRS, do montante de prémios pecuniários que pagou a competidores no Torneio Internacional de Bridge do Estoril, realizado em Abril de 2007.
I.2. Apresentou alegações que terminou com as seguintes conclusões:
I – Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação judicial, intentada por FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE BRIDGE, NIF 501 302 115, já devidamente identificada nos autos e que, em consequência, ordenou a anulação da liquidação n.º 2011 6410000049 relativa a retenção na fonte em sede de IRS do montante de prémios pecuniários que pagou a competidores no Torneio Internacional de Bridge do Estoril, realizado em Abril de 2007. Entende a Fazenda Pública que a douta sentença, na subsunção dos factos dados como provados ao direito, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos.
II – A Fazenda Pública não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa porquanto a mesma não encerra um correto entendimento da lei em vigor, tendo entendido que a liquidação promovida pelos serviços de inspeção tributária (SIT) incorre em falta de fundamentação na medida em que o relatório de inspeção tributária (RIT) não promoveu a necessária qualificação do Torneio Internacional de Bridge do Estoril como um concurso para efeitos de integração do mesmo na norma de incidência ínsita no artigo 9º, n.º 2 do CIRS.
III – A liquidação em crise tem como pressuposto a organização do Torneio Internacional de Bridge do Estoril, evento este que deu origem ao pagamento de prémios a terceiros, pagamentos estes que não foram sujeitos a retenção na fonte pela Recorrida. Segundo o n.º2 do art.º 9º do CIRS, em vigor à data dos factos, e com referência aos rendimentos que integravam a categoria G do IRS, “São também considerados incrementos patrimoniais os prémios de quaisquer rifas, jogo do loto e bingo, bem como as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, efectivamente pagos ou postos à disposição, com excepção dos prémios provenientes dos jogos sociais organizados por Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu desde que, neste caso, exista intercâmbio de informações”.
IV – Os serviços de inspeção tributária (SIT) consideraram que os referidos prémios constituíram um ganho fortuito na esfera dos seus beneficiários, cuja materialidade económica revelava um rendimento acrescido com pleno enquadramento nos termos amplos da expressão utilizada pelo legislador para se referir à origem dos referidos prémios: “em quaisquer sorteios ou concursos” não se vislumbrando qualquer inserção do referido ganho na delimitação negativa de incidência constante do art.º 12º do CIRS, na versão em vigor à data dos factos. Neste âmbito, e nas palavras de Inês Salema, “A própria norma de incidência contida no artigo 9.º, n.º2, do Código do IRS ao referir-se a prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, evidencia a intenção do legislador em abranger o maior número de realidades possível. Com a expressão «quaisquer» pretende, pois, dizer-se, quaisquer sorteios ou concursos independentemente das formas jurídicas que lhe sejam atribuídas e dos requisitos formais que devam cumprir”.
V – Um torneio, ou seja, uma competição entre vários candidatos a um título, configura uma modalidade de concurso na medida em que ocorre um encontro ou ajuntamento de pessoas visando a atribuição de um prémio. Ao identificar no relatório de inspeção tributária (RIT) o torneio que originou a atribuição do prémio, os SIT procederam ao adequado enquadramento da realidade económica em questão na expressão “quaisquer concursos” prevista pelo legislador do CIRS, não se lhes devendo exigir, com vista à subsunção do torneio em questão ao conceito normativo de concurso, um aprofundado estudo das regras do jogo ou desporto em causa por forma a destrinçar o peso da perícia ou da sorte dos participantes, eventuais destinatários do prémio, e assim melhor fundamentar o RIT.
VI – Do relatório de inspeção sub judice extrai-se com clareza as razões de facto e de direito que motivaram as correções, qualificando e quantificando devidamente o facto tributário. Tal fundamentação mostra-se, pois, adequada a dar a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo subjacente às correções efetuadas, porquanto do mesmo consta a indicação dos factos concretos em que a Administração Fiscal se fundou para proceder à liquidação em crise, fazendo o respetivo enquadramento jurídico. A prova de que a destinatária apreendeu bem essa fundamentação é evidente no modo como impugnou a liquidação em causa, demonstrando ter compreendido bem os motivos que as determinaram, embora deles discordando.
VII – A sentença recorrida, assim não entendendo, não pode, manter-se na ordem jurídica, pois que não subsistem dúvidas de que a Impugnante teve a possibilidade de conhecer as razões de facto e de direito que estão na base da liquidação de IRS impugnada e bem assim de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo empreendido pelos SIT para produzir tal ato tributário. Não se vislumbra, assim, qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência na exposição dos fundamentos de facto e de direito do ato impugnado, que não padece de falta de fundamentação, tendo o ato impugnado respeitado os parâmetros legais ínsitos no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT).
VIII – Razão pela qual não se vislumbra qualquer ilegalidade que possa ter sido cometida pela Administração Tributária relativamente à liquidação de IRS (retenções na fonte) em questão. Ao assim não entender, e tendo decidido em sentido contrário, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da causa, em matéria de direito, violando o disposto no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 9º, n.º 2 do CIRS.
IX – Razão pela qual, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes, designadamente a manutenção da liquidação em causa na ordem jurídica.
TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!
I.3. Admitido o recurso, não foram aduzidas contra-alegações.
I.4. Por decisão sumária do T.C.A. Sul foi julgado procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, bem como julgado competente para tanto a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A.).
I.5. Remetidos os autos ao S.T.A., a exm.ª magistrada do Ministério Público (M.P.) teve “vista” dos mesmos, deixando expresso que não emitia parecer, uma vez o M.P. já tinha anteriormente tomado posição no sentido do recurso ser de improceder.
I.6. Resulta como objecto do recurso se na sentença recorrida ocorre erro de julgamento, de direito, por referência aos artigos 77.º da L.G.T. e 9.º n.º2 do Código do I.R.S., quanto a falta de fundamentação e quanto ao decidido relativamente à segunda referida norma, em que se fundou a liquidação n.º 2011 6410000049, efetuada à impugnante, relativamente à retenção na fonte em sede de I.R.S..
I.7. Nada obsta a que se conheça do recurso em conferência, intervindo os atuais adjuntos do relator com dispensa de vistos.
II.Fundamentação.
II.1. A sentença recorrida reputou como provados os seguintes factos:
1. Pela Ordem de Serviço n.º OI200702764 de 23/04/2007 foi determinada a realização de acção inspectiva de âmbito geral ao exercício de 2007 da Impugnante, tendo a mesma como objectivo a verificação da situação tributária e cumprimento do conjunto dos deveres tributários pela Impugnante nesse exercício – cfr. Fls. 37 e 38 do processo administrativo junto dos presentes autos.

2. Na sequência da acção inspectiva referida em 1., foi realizado o respectivo relatório de inspecção tributária – cfr. Fls. 33 a 57 do processo administrativo junto aos presentes autos.

3. Na parte do relatório referido em 2. dedicada às “Características do sujeito passivo” consta o seguinte: “…De acordo com o Art. 1º dos seus estatutos, a Federação Portuguesa de Bridge, é uma pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública, sem fins lucrativos, constituída por escritura pública… A Federação Portuguesa de Bridge, foi oficialmente declarada Instituição de utilidade pública desportiva, através do Despacho n.º 41/93, publicado no Diário da República, II série, n.º 288 de 11 de Dezembro de 1993. A Federação rege-se pelo regime jurídico das federações desportivas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 144/93 de 26 de Abril, pelos seus estatutos e pelo Regulamento Geral…” – cfr. Fls. 38 e 39 do processo administrativo junto aos presentes autos.
4. Na parte do relatório referido em 2. subordinado ao “Objectivo Social” escreveu-se o seguinte: “…De acordo com os Artigos 4º, 5º e 6º dos seus estatutos…de modo a seguir os seus objectivos, que são nomeadamente: - promover, desenvolver, organizar, regulamentar, dirigir e difundir o ensino e a prática de bridge, em todas as suas formas e manifestações…Para garantir a prossecução destes objectivos, compete-lhe: a) Promover e reconhecer a criação de Associações Regionais e estimular a criação de clubes de bridge, acompanhando o coordenando a sua actividade, no interesse do desenvolvimento do bridge desportivo…d) organizar a realização de competições oficiais e outras, de âmbito nacional ou internacional, em Portugal…j) Promover a formação de árbitros e professores de bridge de forma a difundir e desenvolver a prática do jogo, especialmente nas escolas e entre os jovens… A FPB é membro das organizações internacionais que regulam o Bridge desportivo, e é filiada na Liga Europeia de Bridge (EBL) e na Federação Mundial de Bridge (WBF)…” – cfr. Fls. 39 e 40 do processo administrativo junto aos presentes autos.

5. Na parte do relatório referido em 2. referente à “Contabilidade” consta o seguinte: “…Da análise efectuada, no decorrer desta acção inspectiva, aos documentos que servem de apoio aos registos contabilísticos, verificámos as seguintes irregularidades:…pagamento de Prémios sem indicação dos beneficiários, sem retenção na fonte de IRS, e ainda apoiados apenas nas cópias dos cheques emitidos ao portador…” – cfr. Fls. 44 e 45 do processo administrativo junto aos presentes autos.

6. Na parte do relatório referido em 2. dedicado aos “Prémios” escreveu-se o seguinte: “… Neste exercício, verificou-se, que foram atribuídos pela FPB, prémios no montante de 12.250,00€ líquidos, referentes ao Festival Internacional de Bridge do Estoril. Como fizemos referência anteriormente, os documentos justificativos da atribuição destes prémios, resumem-se apenas às cópias dos cheques emitidos ao portador, portanto sem identificação dos beneficiários dos mesmos. A tributação dos prémios atribuídos é efectuada mediante retenções na fonte, à taxa liberatória de 35%, prevista no art. 72º n.º 2 alínea b) do CIRS. A obrigação de retenção e entrega do imposto, cabe à entidade promotora, ou seja à Federação Portuguesa de Bridge, e o valor do imposto é determinado pela aplicação da taxa ao valor ilíquido do prémio…” – cfr. Fls. 48 do processo administrativo junto aos presentes autos.
7. Na parte do relatório referido em 2. dedicado à “Descrição dos factos e fundamentação das correcções meramente aritméticas” escreveu-se nos seguintes termos relativamente às “Retenções na fonte de IRS”: “…Conforme exposto no Ponto II-3.7, deste relatório, o contribuinte não efectuou Retenções na Fonte de IRS à taxa de 35%, sobre os Prémios que atribuiu neste exercício, no total de 12.250,00€, e a que estava obrigado nos termos da alínea b) do n.º 2 do Artº 71º do CIRS. Pelo exposto, o IRS em falta de retenção e entrega nos cofres do Estado, totaliza o montante de 6.596,15€, foi calculado da seguinte forma: 12.250,00€ : 65 x 100 x 35 = 6.596,15€… 18.846.15€ - 6.596,15€ = 12.250,00€…Este imposto devia ter sido entregue nos cofres do Estado , em Abril de 2007…” – cfr. Fls. 52 e 53 do processo administrativo junto aos presentes autos.

8. Na parte do relatório referido em 2. dedicado ao “Direito de Audição – Fundamentação” escreveu-se o seguinte: “…Da exposição apresentada pelo contribuinte, somos a acrescentar o seguinte: 1 – Em relação às correcções propostas em sede de IRS, estas vão-se manter, dado que sendo um concurso, os prémios atribuídos pela Federação constituem incrementos patrimoniais integrados nos rendimentos da Categoria G, nos termos do n.º 2 do Artº 9º do CIRS. Para serem enquadrados nesta categoria, os prémios devem resultar de concursos ou prova amadoras que não revistam a natureza de uma prestação de serviços, mas apenas uma participação de carácter lúdico num determinado evento desportivo. Estes rendimentos encontram-se sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória de 35%, de acordo com o previsto na alínea b) do n.º 2 do Art.º 71º do CIRS. Não se encontram identificados os beneficiários dos prémios atribuídos…” cfr. Fls. 54 a 56 do processo administrativo junto aos presentes autos.
9. Na sequência das conclusões apuradas em sede de relatório referido em 2. Foi emitida sobre a Impugnante a liquidação n.º 2011 6410000049 no valor global de 7.566,95 referente a imposto não entregue e respectivos juros – cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial a fls. 10 dos presentes autos.
Não foram dados como provados outros factos.
II.2. De Direito.
Vejamos, antes de mais, se se verifica o vício de falta de fundamentação, em que foi fundada a anulação da referida liquidação.
Com efeito, na sentença recorrida considerou-se quando ao previsto no art. 9.º n.º2 do C.I.R.S., na redacção vigente em 2007, que o conceito de “concursos” é normativo e que, não constando do relatório de inspeção os necessários elementos de facto e de direito à sua integração, a liquidação era de anular por falta de fundamentação.
A A.T. apela que a que se considere o conceito de “concursos” previsto no referido o art. 9.º n.º2 do C.I.R.S., em termos amplos, com fundamento na letra da lei, de modo a abranger os prémios atribuídos, através de cheques, sem a indicação de destinatários, no torneio internacional organizado em 2007, pela Federação Portuguesa de Bridge, no Estoril, argumentando com o que consta do relatório de inspeção nos termos vertidos na matéria de facto.
Consideremos, antes de mais o disposto no art. 9.º n.º2 do C.I.R.S., na redação dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, vigente à data dos factos:
-“São também considerados incrementos patrimoniais os prémios de quaisquer lotarias, rifas e apostas mútuas, totoloto, jogos do loto e bingo, bem como as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, efectivamente pagos ou postos à disposição, com excepção dos prémios provenientes dos jogos sociais do Estado denominados Euromilhões e Liga dos Milhões, explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”.
Ora, de tal desde logo resulta o alargamento da incidência relativamente a Incrementos patrimoniais.
A doutrina tem defendido que foi intenção do legislador, quanto a “concursos, “abranger todos os prémios atribuídos sem dependência de um título habilitador do sujeito passivo, ou seja, sem dependência da aquisição de um bilhete, rifa, cautela ou título equivalente”– cfr., André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares, Anotado, Coimbra 1999, p.180 e Inês Salema, Tributação em IRS de Prémios atribuídos em sorteios e concursos, Fiscalidade, Abril-Junho 2008, n.º 34, pág. 75 e Olga Maria Marques da Cruz, na tese de mestrado sobre A tributação em IRS dos prémios atribuídos em jogos, sorteios e concursos, em https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/23066/1/Dissertacao_OlgaCruz.pdf.
Tal radica no argumento de se ter procedido ao alargamento da incidência mesmo relativamente ao anteriormente previsto no Código de Imposto de Selo, bem como ainda de no art. 152.º da Lei do Jogo, aprovada pelo Dec.-Lei n.º 422/89, de 2/12, em que, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 10/95, de 19/1, ter sido prevista a abrangência, em modalidades afins de jogos de fortuna e azar, de “sorteios” e “concursos”.
É certo que, para efeitos desse art. 152.º, foi considerado que a diferença entre sorteios e concurso consiste em a esperança de ganho residir somente na sorte, ou conjuntamente na sorte e na perícia do jogador – assim, no acórdão do S.T.J. de 28-11-07, proferido no proc. 7P3186, acessível em www.dgsi.pt.
No entanto, tal como a autora acima citada defende a pág. 81, que, regulamentando a Lei do Jogo e o Código do I.R.S. actividades semelhantes, tal ocorre em perspectivas diferentes, pois “a referida norma de incidência contida no artigo 9.º, n.º2, do Código do IRS ao referir-se a prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, evidencia a intenção do legislador em abranger o maior número de realidades possíveis.”
Assim sendo de considerar relativamente ao previsto no dito art. 9.º n.º2 do Código do IRS e, resultando da fundamentação constante do relatório de inspeção, a efetiva colocação à disposição de importâncias através de cheques ao portador, ainda que sem a indicação de destinatários, em torneio de “bridge”, organizado em 2007, pela impugnante, associação de utilidade pública desportiva, consideramos verificar-se fundamentado o ato de liquidação que foi praticado.
Aliás, da indicação efetuada no dito relatório dos artigos 9.º n.º2 e 71.º n.º2, b), do C.I.R.S., resulta perceptível o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade quanto à liquidação de IRS, por retenção, critério que tem sido considerado pelo S.T.A. quanto à aplicação do art. 77.º da L.G.T., à luz do art. 268.º n.º3 da C.R.P. – cfr., acórdãos do S.T.A. de 7-3-2007, proc. 0498/06 - em caso que também ao referido art. 9.º n.º2- e, entre outros no mesmo sentido, os de 12-3-2014, proc. 01674/13, e o de 9-9-2015, proc. 01173/14, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Consideramos impor-se, consequentemente, anular o decidido com fundamento em falta de fundamentação.
Importando conhecer das demais questões cujo conhecimento foi prejudicado, mais consideramos que os autos devem baixar ao tribunal recorrido, a fim de que seja proferida nova decisão após ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 682.º n.º3 do C.P.C...
Com efeito, a impugnante, notificada do dito relatório veio a invocar, nomeadamente, tratar-se de torneio de “brigde desportivo”.
E, pretendendo com isso afastar a aplicação do art. 9.º, n.º2, do C.I.R.S., não foram fixadas as características do “bridge”, importando que tal ocorra, de acordo com regulamento interno que exista, ou, pelo menos, que sejam fixados os fundamentos do reconhecimento da impugnante que se dedica a essa actividade, como associação de utilidade pública desportiva.
III.Decisão.
Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, anular o decidido na sentença recorrida e mandar baixar os autos ao tribunal recorrido, a fim de que, após ampliação da matéria de facto nos termos acima referidos, seja proferida nova decisão relativamente às questões prejudicadas.
Custas pela recorrente, de acordo com o critério do proveito, considerando que a recorrida, não tendo contra-alegado, não é vencida no recurso – art. 517.º n.º1 do C.P.C..
Lisboa,13 de janeiro de 2021. - Paulo Antunes (Relator) - Pedro Vergueiro - Aragão Seia.