Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:066/18.7BCLSB
Data do Acordão:12/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23969
Nº do Documento:SA120181218066/18
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A............ - FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A………… – Futebol, SAD recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) do acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que o sancionou, por infracção ao disposto no art.º 112.° RDLPFP, com uma pena de multa no montante de € 5.738,00.

Sem êxito já que o TAD negou provimento ao recurso.

O Autor recorreu para o TCA Sul e este concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão do TAD e anulou o acto impugnado.

É desse Aresto que a FPF vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. Resulta da M.F. que o Departamento de Comunicação do A………… – Futebol, SAD tem uma conta oficial no Twitter e que lhe cabe estabelecer as linhas orientadoras da sua utilização e os conteúdos a transmitir. É uma conta de acesso e conteúdos reservados a jornalistas os quais, para lhe poderem aceder, obrigam-se a aceitar os termos e condições da sua utilização entre as quais se encontra a obrigação de não divulgar o conteúdo das informações prestadas através da mesma. Conta cuja gestão, designadamente no que se refere aos conteúdos, é feita por uma empresa prestadora de serviços, a …………. Ora, entre os dias 4 e 6 de Nov./2017, foram publicados nessa conta os seguintes twitts:
Golo limpo anulado ao B………… que nem o vídeo árbitro viu. Esta é a jornada da vergonha.“
“Não se via uma jornada com uma arbitragem assim desde o Apito Dourado: falta nítida de ………… antes do penalti a favor do C…………, dois penaltis limpos contra o D………… não assinalados e golo limpo mal anulado ao B…………. É um escândalo, esta é a jornada da vergonha.

A publicação desses twitts foi sancionada pelo Conselho de Disciplina da FPF com uma pena de multa no montante de € 5.738,00, por infracção ao disposto no art.º 112.° RDLPFP.
Decisão que o TAD manteve.
A………… – Futebol, SAD recorreu para o TCA alegando que não era responsável pela publicação desses twitts, que a referida conta era gerida por uma empresa externa (…………), que esses twitts apenas podiam ser visionados pelos 77 jornalistas seguidores da citada conta, que era de acesso restrito e conteúdo confidencial, e que, sendo assim, a sua divulgação pelos jornais A Bola e Record não lhe podia ser imputada. Acrescia que o seu teor não era injurioso, difamatório ou grosseiro e que a sanção aplicada era manifestamente excessiva.
O TCA concedeu provimento ao recurso e anulou o acto sancionatório. Fê-lo pelas razões que se destacam:
“ …. o que mais aqui interessa é que a A…………, SAD não divulgou nos jornais os cits. tweets.
E isso é muito importante no caso presente, porque o TAD expressamente atendeu à exteriorização cumulativa dos tweets: (i) pela Internet (quereria dizer, em bom rigor, na plataforma Twitter com a cit. conta fechada ou restrita a jornalistas e confidencial) e (ii) nos cits. jornais. O que seria da autoria da A…………, SAD, maxime do seu Departamento de Comunicação.
….
Ora, é manifesto que o cit. departamento não tem nada a ver com a divulgação pelos cits. jornais. Estes não são, nem imprensa privada da A…………, SAD, nem sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa.
….
Por outro lado, os tweets foram indevidamente, ilicitamente, retirados para o público. É que a sua utilização aparente por parte dos jornalistas seguidores da conta Twitter A………… Press foi indevida, ilícita, porque representam a violação do contratado entre a A………… Press e os seus seguidores; é uma conta reservada, restrita e cujo teor é confidencial. Logo, não poderia haver uso público do teor da conta, dos respetivos tweets, sob pena de violação dos cits. artigos 75º/1 e 76º/1 do CC.

também consideramos que as expressões cits., não divulgados pelo A…………, SAD nem pelas entidades referidas no nº 3 do artigo 112º cit., não têm a dimensão suficiente para serem censuradas.
Parece-nos que elas não igualizam o caso concreto à corrupção do “Apito Dourado”, antes dizem – apenas - que foi a pior arbitragem desde a época do “Apito Dourado”, uma “vergonha” (sic). Ora, deduzir daqui a referência à corrupção (aspeto essencial na decisão recorrida) é ir longe de mais, é policiar e supor, s.m.j., esquecendo (1º) o contexto português habitual do futebol profissional português (com crítica e indignação continuadas) e (2º) que há conexão objetiva suficiente com a arbitragem em questão. Isto, especialmente, na delicada matéria abordada pelo cit. artigo 37º/1 da CRP.”

3. São três as questões que se suscitam nesta revista; a primeira, a de saber se a A…………, SAD pode ser responsabilizada pelos conteúdos publicados na sua conta oficial de Twitter apesar desta estar a ser gerida por entidade externa e dela ser a responsável, no dia a dia, por aqueles conteúdos; a segunda, a de saber se, sendo o acesso daquela conta restrito e tendo os seus utilizadores se obrigado a manter sigilo sobre o conteúdo dos twitts, a A…………, SAD pode ser punida pela divulgação pública do seu teor; e, finalmente, a de saber se os twitts que motivaram a punição da A…………, SAD têm a gravidade suficiente para merecer a impugnada sanção.
Ora, parece-nos indiscutível que, sobretudo, as duas primeiras são questões que, pela sua relevância jurídica, devem ser consideradas de importância fundamental, tanto mais quanto é certo que é grande a possibilidade da sua replicação. O que, por si só, justifica a admissão do recurso.
Por outro lado, tais questões, também, assumem especial relevância social visto os referidos twitts terem sido motivados por alegados erros de arbitragem e estes desencadearem paixões que podem potenciar fenómenos de violência, física ou verbal.
Encontram-se, pois, reunidos os pressupostos de admissão da revista.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir o recurso.
Sem custas.
Porto, 18 de Dezembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.