Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01973/16.7BELSB
Data do Acordão:11/27/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23881
Nº do Documento:SA12018112701973/16
Data de Entrada:10/22/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. Relatório:

A………… e B………… intentaram, no TAC de Lisboa, contra o CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS (CEJ), acção administrativa urgente, impugnando os actos praticados, em 4/08/2016, pelo seu Director Adjunto que homologaram a lista de graduação final dos candidatos habilitados à frequência do 32.º Curso de Formação de Magistrados pedindo:
A - Declarar-se a nulidade do procedimento concursal melhor identificado no cabeçalho desta petição por omissão do dever de audiência prévia dos candidatos inscritos e lesados pelos actos administrativos impugnados, com violação dos artigos 121º e seguintes do CPA e a abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 161º do mesmo diploma legal, com todas consequências legais;
Caso assim se não entenda,
B – Declarar-se a invalidade dos actos administrativos e decretar-se a sua anulação com efeitos retroactivos por violação no respectivo procedimento do dever de informação previsto nos artigos 10º, 11º, 12º, 82º a 85º do CPA e ao abrigo do artigo 163º nº 2 do CPA;
C – Declarar-se a invalidade dos actos administrativos e decretar-se sua anulação com efeitos retroactivos por violação no respectivo procedimento dos Princípios da Colaboração com os Particulares, da Igualdade, Justiça e Razoabilidade, Boa-Fé, Colaboração com os Particulares, previstos nos artigos 6º, 8º, 10º, 11º, e 12º todos do CPA e ao abrigo do artigo 163º nº 2 do CPA;
D - Declarar-se a invalidade dos actos administrativos e decretar-se sua anulação com efeitos retroactivos por desrespeito do dever de fundamentação, com violação do disposto nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do artigo 152º do CPA, ao abrigo do artigo 163º n.º 2 do CPA;
E – Declarar-se a invalidade dos actos administrativos e decretar-se sua anulação com efeitos retroactivos por violação de lei substantiva e correspondente preterição do Princípio de Legalidade, em detrimento do dever imposto pelo artigo 3º n.º 1 do CPA e com violação do n.º 6 do artigo 28º da Lei n.º 2/2008 de 14 de Junho e do n.º 2 do artigo 21º do Regulamento Interno do CEJ e ainda do artigo 9º n.º 2 do Código Civil, ao abrigo do artigo 163º n.º 2 do CPA;
F – Que, a confirmar-se a interpretação que o demandado CEJ aparentemente efectuou da norma regulamentar constante do nº 2 do artigo 21º do seu Regulamento Interno e se conclua pelo acerto dessa eventual interpretação, o que não se concede e apenas se admite em abstracto por mera cautela, se reconheça então a invalidade desta norma por violação do preceito legal do nº 6 do artigo 28º da Lei 2/2008 de 14 de Janeiro, do qual nesse sentido exorbitaria substancialmente, declarando-se a sua ilegalidade com força obrigatória geral ao abrigo dos artigos 143º n.º 1 do CPA e 2º n.º 2 d), 4º n.º 2 a) e b) e 72º e 76º do CPTA.
G – Reconhecer-se serem ambos os Autores possuidores do direito de integração na lista de graduação nos lugares que lhes assistirem em função das classificações de que são portadores obtidas no anterior Curso nº 31, onde ficaram aptos mas não habilitados por insuficiência de vagas, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 28º da Lei 2/2008 de 1 de Janeiro, bem como, em relação ao 1º Autor, o direito à sua imediata integração na lista de habilitação, já que a sua classificação lhe permite admissão directa nas vagas do 32º Curso Normal de Formação Teórico-Prática para Magistrados Judiciais; e ainda o direito à integração eventual da 2ª Autora na mesma lista de habilitados se, porventura, o lugar que lhe vier a caber na lista de graduados lhe permitir esse acesso ainda no presente Curso.
H - Ordenar-se, na sequência e como efeito da anulação dos actos administrativos impugnados e do reconhecimento dos direitos dos Autores, a conversão dos actos anulados com a elaboração de novas listas de graduação e habilitação no respeito das normas legais violadas.
I – Condenar-se a entidade demandada a indemnizar os Autores por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais presentes e futuros sofridos e a sofrer em consequência dos ilícitos cuja prática lhe imputam, por montante a liquidar em execução de sentença, com base no Princípio da Responsabilidade previsto no artigo 16º do CPA e ao abrigo dos artigos 2º n.º 2 k), 4º n.º 2 f), 37º n.º 1 k) do CPTA.
J – Condenar-se e a demandada nas custas e procuradoria do processo.”.

O TAC, por sentença de 15/01/2018, julgou a acção procedente condenando o CEJ a graduar os AA no 32.º Curso Normal de Formação Teórico-Prática para Magistrados Judiciais na posição que lhes cabia de acordo com as notas obtidas no concurso anterior.

O Réu apelou para o TCA Sul e este, por Acórdão de 29/08/2018, concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença recorrida.

É deste Acórdão que vem a presente revista. (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Os Autores apresentaram-se ao 31° Concurso de Formação para Magistrados Judiciais, aberto por Aviso publicado no DR de 12/01/2014, para o preenchimento de 40 vagas, tendo o primeiro obtido a classificação final de 12.538 valores e sido graduado em 44° lugar e a segunda a classificação final de 12,342 valores e graduada em 50° lugar, o que os impediu de o frequentar.
Todavia, e apesar daquela notação positiva, resolveram prestar provas para o 32.º Concurso e, tendo obtido notas negativas, foram excluídos da frequência do respectivo Curso pelo acto do Director Adjunto do CEJ que homologou a lista de graduação final dos candidatos habilitados à sua frequência.
Inconformados, intentaram esta acção, contra o CEJ, impugnando o identificado acto alegando que o mesmo era ilegal por preterição de audiência prévia, por falta de fundamentação, por violação do dever de informação e dos princípios da Colaboração com os Particulares, da Igualdade, Justiça e Razoabilidade, Boa-Fé, Confiança e Legalidade, e por violação do artigo 28º, nº 6, da Lei 2/2008.
O TAC julgou improcedente a alegação de que o acto impugnado era ilegal por preterição de audiência prévia, por falta de fundamentação, por violação do dever de informação e dos princípios da Colaboração com os Particulares, da Igualdade, Justiça e Razoabilidade, Boa-Fé, Confiança e Legalidade, mas declarou-o ilegal por violação do artigo 28º, nº 6, da Lei 2/2008 pelas razões que se transcrevem:
“Estabelece o nº 6 do artigo 28º, da Lei nº 2/2008, de 14 de Janeiro, que os candidatos aptos que não tenham ficado habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato, por falta de vagas, ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este.”.
E os nºs 1 e 2 do artigo 21º do regulamento interno do CEJ (regulamento nº 339/2009, republicado com as últimas alterações através do Aviso nº 4887/2014, publicado no D.R. 2ª série, nº 71, de 10 de Abril de 2014), que:
“1- Os candidatos aptos mas não habilitados que pretendam exercer o direito à dispensa de prestação de provas conferido pelo número 6 do artigo 28.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, devem declará-lo até ao termo do prazo fixado para apresentação de candidaturas no aviso de abertura do concurso imediatamente seguinte, sem prejuízo de poderem candidatar-se a este e ser graduados conjuntamente com os candidatos que neste ficarem aptos.
2- No caso de se candidatarem nos termos do número anterior e ficarem aptos, os candidatos são graduados no concurso seguinte de acordo com a classificação final mais elevada obtida nos dois concursos.”
Resulta das referidas normas que os candidatos aptos que, por falta de vaga, não tenham sido admitidos a frequentar o curso teórico- prático de admissão à magistratura, podem candidatar-se à frequência do curso imediato com a classificação que já detêm e exercer o direito à dispensa de realização de novas provas até ao termo do prazo fixado para apresentação de candidaturas no aviso de abertura do concurso.
Caso optem por prestar provas no último dos concursos em causa, são graduados na posição que lhe conferir a classificação mais elevada que obtiverem nos dois concursos.”

O TCA revogou essa decisão com a seguinte fundamentação:
“…
Os candidatos com classificação final abaixo de 10 valores são excluídos do procedimento, nos termos supra expostos (art° 24° n° 2 b) Lei 2/2008) e, como tal, não preenchem os pressupostos determinados no art° 28° n° 6 Lei 2/2008 para o efeito.
Apenas os candidatos aptos e, como tal, aprovados, mas não habilitados a passar à fase seguinte de curso de formação teórico-prático porque a classificação final obtida os excluiu do número de vagas fixado por despacho ministerial, têm um benefício.
O benefício de, mediante requerimento em prazo nos termos do art° 21° n°s. 1 e 2 do Regulamento do CEJ, serem "dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este."
….
E na medida em que no concurso anterior ficaram aprovados mas não habilitados porque a classificação final obtida os excluiu do número de vagas, concorrem com a classificação final do concurso anterior, à graduação final do concurso seguinte, sendo elencados no lugar que lhes compete por ordem de graduação levando em conta todos os candidatos aprovados neste concurso, nos termos do art° 28° n° 6 Lei 2/2008.
Naturalmente que o regime do art° 28° n° 6 Lei 2/2008 convoca opções e comporta riscos na esfera jurídica dos interessados.

Efectivamente, em caso de candidatos excluídos não tem base legal a aplicação do mecanismo de graduação com os candidatos aprovados (art° 28° n° 6 Lei 2/2008 e 21° n.ºs 1 e 2 do Regulamento do CEJ), por manifesta falta de pressupostos, na exacta medida em que nada há a graduar, pois só se graduam classificações finais positivas, ou seja, de candidatos aprovados na decorrência de terem obtido classificação final nas provas de ingresso ao CEJ de valor igual ou superior a 10 (art.°s 24° n° 2 b), 25° n.ºs 1, 3, 4, 26°, n° 1, e 27° n° 1 Lei 2/2008), nos termos expostos.
….
Os ora Recorridos estão, precisamente, na circunstância de candidatos excluídos.

Donde se conclui que, nesta parte, assiste razão ao Recorrente, não podendo subsistir o julgado pelo Tribunal a quo.

3. A questão que se suscita nesta revista é, como se vê, a de saber se um candidato aprovado nas provas referentes à frequência de um Curso de Formação de Magistrados mas que, apesar de ter tido notação positiva, não o vem a frequentar por as vagas para ele abertas serem insuficientes, pode frequentar o curso imediato se prestou provas de acesso a este Curso e nelas foi excluído.
O Tribunal de 1.ª instância deu resposta positiva a esta questão afirmando que os candidatos aprovados em concurso anterior que não puderam frequentar o respectivo Curso de Formação por falta de vagas poderão frequentar o Curso imediato com a nota obtida no primeiro concurso, ainda que fiquem excluídos no último concurso. Daí que tivesse julgado a acção procedente e anulado o acto impugnado.
Outro foi, porém, o entendimento do TCA já que este considerou que no caso de os candidatos aprovados se apresentaram ao concurso imediato só poderão frequentar o Curso que lhe corresponde se também neste último concurso obtiverem a nota necessária a essa frequência.
É visível que as instâncias divergiram na solução da questão que se suscita nesta acção e que o fizeram com uma argumentação plausível e suficientemente fundamentada. O que evidencia que a sua resolução passa pela análise de questões jurídicas de algum melindre e dificuldade.
O que, por si só, aconselha a admissão desta revista para uma melhor aplicação do direito.
Acresce que este Supremo já se pronunciou sobre a questão ora em causa tendo ponderado o seguinte:
“Relativamente ao nº 6 daquele artigo 28° (da Lei n.º 2/2008) o mesmo apenas diz que os candidatos que não tenham ficado habilitados, isto é, os candidatos que tenham ficado aprovados mas sem colocação (por as vagas do concurso terem sido preenchidas antes da sua ordem de graduação), ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que a ele concorram.
E, nada diz quanto ao facto de os referidos candidatos, apesar de estarem dispensados, ainda assim, preferirem não aproveitar dessa dispensa mas antes preferirem realizar as ditas provas.
E, ao nada dizer, está dito o óbvio, que é a sujeição às regras gerais inerentes à realização das referidas provas, isto é, serem aprovados ou não.” – Acórdão de 24/05/2018, rec. 113/18.
Nesta conformidade concluiu:
“Se o candidato apresenta candidatura ao concurso seguinte deixa, pois, de beneficiar da faculdade prevista no n.º 6 do artigo 28.º, que deixa de lhe ser aplicável.
A norma habilitante confere aos candidatos aprovados e que não tenham ficado habilitados uma possibilidade de dispensa de prestação de provas no concurso imediatamente seguinte e a graduação conjunta com os candidatos que concorram a este último.
Mas não estipula que, caso não queiram beneficiar desta dispensa, não precisam de ficar aptos, pelo que, deve concluir-se que ao não regular a situação em que o candidato não aproveita dispensa, a lei está precisamente a colocar o candidato que optou pela realização das provas na situação de qualquer outro candidato.”

Todavia, e apesar disso, julgou a acção procedente por o CEJ ter publicado, na sua página oficial, a propósito das FAQ'S, que "3. O candidato é excluído no concurso seguinte: ficará, então, graduado neste, em função da classificação final obtida no concurso anterior, ao abrigo do n.º 6 do artigo 28.º" e estar vinculado a cumprir o assim estabelecido.
O que significa que, na óptica do Acórdão deste Supremo, a razão determinante do êxito da acção não foi o estatuído no citado art.º 28°/6 da Lei n.º 2/2008 mas, sim, o conteúdo de uma informação prestada pelo CEJ, que aquele considerou auto vinculativa.
Ora, resulta do probatório que situação similar ocorreu a propósito do 32.º Curso de Formação visto no sítio oficial do CEJ constar a citada FAQ quando os Autores se apresentaram às provas indispensáveis ao respectivo acesso (vd. al.ª F da M.F.).
O que vale por dizer que o Acórdão recorrido decidiu em contrário à jurisprudência deste Tribunal.
O que, por si só, é razão suficiente para a admissão do recurso.
Ora, é importante saber se a orientação dominante deste STA é aquela que transparece do citado Acórdão uma vez que não resulta directamente da referida norma que candidatos aprovados mas sem colocação (por as vagas do concurso terem sido preenchidas antes da sua ordem de graduação) não gozam de qualquer benefício se se apresentarem ao concurso imediato e nele ficarem excluídos.
Sendo assim, sendo que este Tribunal só se pronunciou uma vez sobre a questão dos autos e sendo que ela não só é juridicamente relevante como é de fácil replicação justifica-se a admissão do recurso.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 27 de Novembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.