Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0306/16
Data do Acordão:05/04/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
ADMISSÃO
Sumário:É de admitir o recurso de revista excepcional em que se coloca questão de saber se à isenção de IMI relativa a pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) se aplica, a partir de 1/12/2003 (data do início da vigência do CIMI, em substituição do CCA), o disposto na al. d) do art. 1º, da Lei nº 151/99, de 14/9, ou se aplica o disposto na al. e) do art. 44º do EBF ou, ainda, se ambos os regimes serão aplicáveis; bem como saber que realidades estão subsumidas na expressão legal «prédios destinados directamente à realização dos seus fins», prevista na al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF, por se tratar de questão de relevância social de importância fundamental e com um amplo interesse objectivo (transpõe os limites do caso concreto aqui em apreciação, constituindo um caso “tipo” que se repete e previsivelmente continuará a repetir-se) e já que não se conhece pronúncia do STA sobre a matéria.
Nº Convencional:JSTA000P20491
Nº do Documento:SA2201605040306
Data de Entrada:03/11/2016
Recorrente:CEMG - CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA:

RELATÓRIO
1.1. Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 15/10/2015, no processo que aí correu termos sob o nº 00129/13.5BECBR.

1.2. Invoca que a revista deve ser admitida, porquanto a questão de fundo objecto de pedido de apreciação jurisdicional é uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, reveste importância fundamental e porquanto a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pois que:
a) O que está em causa nestes autos é, imediatamente, firmar jurisprudência quanto à aplicação da alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14.09 e/ou da alínea e) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF, ou ambas as disposições, ou seja, a amplitude da isenção de IMI das PCUP;
b) A manter-se a jurisprudência do acórdão recorrido, ao nível mediato, também as IPSS que são ope legis PCUP (salvo as misericórdias) verão a isenção de IMI restringida, uma vez que o benefício da alínea f) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF, além de ter a mesma redacção no que ao caso interessa, funciona nos mesmos moldes, como resulta da alínea b) do nº 2 e nº 4, ambos do artigo 44º do EBF;
c) E nem a AT aplica a lei, pelo menos às IPSS, com a limitação que resulta do acórdão recorrido, o que é de conhecimento público;
d) Existem em Portugal milhares de entidades com o estatuto de pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) tal como a recorrente e milhares de IPSS (que são, presume-se, PCUP e podem usar o benefício enquanto tal, porque menos restritivo);
e) Não há jurisprudência fixada e uniforme no que tange às isenções de IMI de que beneficiam as PCUP (incluindo as IPSS);
f) Existem múltiplas decisões dos TAF e agora do TCANorte sobre a matéria, ainda não transitadas, sendo que ao nível dos TAF a maioria são no sentido propugnado pela aqui recorrente.
- Por outro lado, como adiante se expõe, o douto acórdão aplica a Lei de forma manifestamente errada ou juridicamente insustentável.
- Tal jurisprudência a fixar-se traria grande alteração da forma como a AT está (a) aplicar a lei (pelo menos quanto às IPSS) restringindo a amplitude do benefício fiscal e com isso causando alarde social no seio das PCUP e IPSS, já de si entidades com debilidades económicas.
- Acresce que, ao nível dos TAF, como resulta das decisões já juntas aos autos (...) há correntes jurisprudenciais diferentes, criando grande incerteza e instabilidade, o que só por si merece a intervenção do órgão de cúpula da justiça fiscal como condição para dissipar dúvidas.
Pede que o recurso seja admitido e lhe seja dado provimento.
E alega, em seguida, quanto ao mérito do recurso, formulando também as respectivas Conclusões.

1.3. Contra-alegou a AT formulando, a final, as conclusões seguintes:
A) A Recorrente interpôs o presente recurso mas nem sequer demonstra que se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 150º do CPTA, pelo que o presente recurso de revista não deve, ser admitido.
B) A questão que a Recorrente pretende seja considerada pelo Tribunal “ad quem” no presente recurso de revista é, pois, a de que: “As questões em discussão, s.m.o. subsumíveis a erros de direito, estão clarificadas no douto acórdão do TCA Norte recorrido, a saber: a) Às isenções de IMI das PCUP, a partir de 01.12.2003 (data da introdução do CIMI em substituição do CCA) aplica-se a alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14/09 e/ou a alínea e) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF? b) Caso se conclua que se aplica apenas a alínea e) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF, o que deve entender-se por “prédios destinados directamente à realização dos seus fins”? O douto acórdão aplica a lei de forma manifestamente errada ou juridicamente insustentável.”
C) Como se viu, a questão apresentada pelo Recorrente não assume relevância jurídica ou social, aferida em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, pois o Acórdão recorrido limitou-se a aplicar as normas adequadamente, cumprindo todos os princípios constitucionais.
D) Além do que, nem decorre, da interposição do presente recurso, a possibilidade de melhor aplicação do direito, dado que o Acórdão recorrido nada mais fez do que, aplicar correctamente as normas legais aplicáveis, à situação em concreto, não se vislumbrando a necessidade de uniformização do mesmo direito.
E) Aliás, a jurisprudência tem sido unânime quanto à excepcionalidade deste tipo de recurso, sendo a sua admissibilidade como refere, entre outros, o Acórdão nº 0400/15 de 09/09/2015 do STA: “...sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo - o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito - devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.”
F) E, prossegue o douto Acórdão: “E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 - que «(...) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas - ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema
G) Pelo que, não deve ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que a questão objecto do mesmo não preenche os requisitos previstos no artigo 150º do CPTA.
H) Aliás, limita-se, no recurso de revista, a reiterar a posição antes assumida, não fazendo sequer referência à verificação dos pressupostos de admissibilidade do Recurso.
I) Impunha-se que a Recorrente ao lançar mão deste meio de recurso, que fundamentasse as razões pelas quais entendia que o recurso deveria ser admitido.
J) Na verdade, da leitura das alegações de recurso, apenas manifesta discordância com o teor do acórdão recorrido.
K) A Recorrente, nem sequer faz qualquer alusão nas conclusões de recurso quanto à verificação dos pressupostos da admissão da revista.
L) Ora, tal como impõe o artigo 639º do CPC são as conclusões de recurso que delimitam e definem o seu objecto, razão pela qual, se nada foi alegado neste sentido não deve recurso ser admitido.
M) Por tudo o supra exposto, e uma vez que a Recorrente incumpriu o ónus imposto pelo n.º 2, do artigo 672.º, do CPC aplicável ex vi artigo 1.º, do CPTA, aplicável ex vi n.º 2, do artigo 279.º, do CPPT o recurso de revista interposto pela Recorrente deve ser rejeitado;
N) Ainda que se admitisse que tal ónus havia sido observado - o que por mera hipótese de raciocínio se concede -, não se verifica in casu qualquer dos requisitos elencados pelo artigo 150º, do CPTA para que a revista seja admitida;
O) Em causa não está uma questão jurídica fundamental, porquanto a apreciação de uma isenção de IMI, ou o preenchimento de pressupostos objectivos da concessão de benefícios, não reveste de elevada complexidade jurídica, não exigindo, para ser solucionada, de difíceis operações exegéticas, nem um enquadramento jurídico especialmente intricado, nem, ainda, a concatenação de diversos regimes legais ou institutos jurídicos;
P) Como se retira, aliás, da jurisprudência unânime, pacífica e recentemente proferida pelo TCA Norte, e que vem interpretando e aplicando de forma adequada a legislação em causa nos presentes autos.
Q) Assim, se reafirma que, não existindo divergência do acórdão recorrido relativamente à jurisprudência do TCA Norte proferida em inúmeras situações idênticas à dos autos, não estamos perante uma questão jurídica fundamental, porquanto não reveste de elevada complexidade jurídica, nem complexidade jurídica superior ao comum.
R) Não se trata, igualmente, de uma questão de relevância social fundamental, nem qualquer repercussão social, porquanto não se vislumbra a necessidade de intervenção do STA;
S) Acresce que a admissão da revista não se afigura claramente necessária, dado que, a jurisprudência do TCA norte veio consolidar uma única corrente de decisão, razão pela qual se nos afigura que a motivação do presente recurso, salvo o devido respeito, se prende unicamente com a discordância da recorrente com o acórdão recorrido, conforme se retira das alegações de recurso.
T) Pelo exposto, não deve ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que a questão objecto do mesmo não preenche os requisitos previstos no artigo 150° do CPTA.
U) Salvo o devido respeito, também quanto ao mérito do recurso, a Recorrente não tem razão nos argumentos que aduz, desde logo, porque contrariamente ao que defende, o Acórdão recorrido fez uma correcta aplicação e interpretação da lei, nomeadamente das disposições indicadas pelo Recorrente, a Lei nº 151/99 de 14/09 e o artigo 44º/1 al.e) do EBF, aos factos, pelo que se deve manter nos seus precisos termos.
V) À questão que considerou fundamental, o Acórdão recorrido vem referir o seguinte: “a questão fundamental do presente recurso é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito. Para a resolução desta questão identificamos dois problemas jurídicos fundamentais: o problema se saber qual a lei aplicável [ou seja, o de saber se é aplicável a alínea d) do artigo 1º da Lei nº 151/99 de 14 de Setembro, ou a alínea e) do nº 1 do artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais - redacção em vigor - ou ambas] e o problema de saber se, a ser aplicável (apenas) a alínea e) do nº 1 do artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o que se deve entender por «prédios destinados directamente à realização dos seus fins» para efeitos deste normativo.”
W) Tendo concluído aquele Acórdão “...decorre que a alínea d) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 151/99 de 14 de Setembro não se aplica ao caso, ficando assente que ao mesmo se aplica o disposto no artigo 44º, nº 1, alínea e) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, conforme defende a Recorrente e resulta aplicado no acto impugnado [cfr. conclusão hh) das alegações de recurso].
X) Quanto à interpretação da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF, considerou o Acórdão recorrido estarmos perante uma isenção mista (subjectivo e objectivo), sendo que o pressuposto subjectivo deste benefício fiscal nunca esteve em causa.
Y) O litígio centrou-se no pressuposto objectivo - na questão do destino do imóvel em causa à directa realização dos seus fins, nos termos da parte final da alínea e) do nº 1 do artigo 44º do EBF.
Z) Refere o Acórdão: “…a interpretação que fazemos deste segmento do dispositivo é a de que só se verifica o pressuposto objectivo do benefício se os próprios prédios forem destinados à realização dos fins prosseguidos pelas pessoas colectivas de utilidade pública. E já não assim quando as pessoas colectivas de utilidade pública destinem à realização desses fins os rendimentos obtidos com a alienação ou oneração desses prédios.” (...) Ora, do teor da lei resulta que tem que existir uma relação directa entre o destino dos prédios e os fins prosseguidos pela pessoa colectiva. Sendo que essa relação só é directa quando resulta da própria afectação ou utilização do prédio. Já quando são os rendimentos do prédio que estão afectos a utilidade pública da pessoa colectiva, a relação entre o prédio e os fins de utilidade pública não é directa, mas indirecta.”
AA) A Recorrente ao invocar como fundamento do seu direito, não a afectação do imóvel a fins de utilidade pública, mas a afectação a esses fins dos rendimentos eventuais que consiga extrair da afectação desse imóvel a outros fins, é motivo justificativo para que a isenção em causa não lhe seja concedida.
BB) Por tudo o supra exposto, verifica-se que o Acórdão ora recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente das disposições indicadas pelo Recorrente, o artigo 44º/1 al. e) do EBF e o artigo 1º, alínea d) da Lei nº 151/99 de 14/09, aos factos, pelo que, se deve manter nos seus precisos termos.
Termina invocando que não deve ser admitido o presente recurso de revista, por não se encontrarem preenchidos os requisitos do art. 150° do CPTA e que, caso assim não se entenda, não deve o mesmo proceder.

1.4. O MP emite Parecer, nos termos seguintes:
«A recorrente, CEMG, vem interpor recurso excepcional de revista, do acórdão do TCAN, de 15 de Outubro de 2015, proferido a fls. 355/364, que julgou procedente recurso interposto de sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, no entendimento de que o estatuído no artigo 169.º/1/ d) da Lei 151/99, de 14 de Setembro não se aplica a pedido de isenção de IMI, mas sim de CA, sendo que aquele é regulada no artigo 44.º/l/ e) do EBF e, uma vez que o prédio em causa se encontra devoluto, com destino a arrendamento ou venda, portando, não destinado directamente à realização dos fins da CEMG e, como tal, não goza de isenção de IMI.
A recorrente produziu alegações, tendo concluído nos termos de fls. 390/397.
O recorrido, DGATA, contra-alegou, tendo concluído nos termos de fls. 413/420.
Nos termos do estatuído no artigo 150.º/1 do CPTA o recurso excepcional de revista ali regulado só é admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
É jurisprudência reiterada ((1) Acórdãos do STA, de 14 de Setembro de 2011, 16 de Novembro de 2011 e 12 de Janeiro de 2012, proferidos nos recursos números 0387/11, 0740/11 e 0899/11, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.) da SCT deste STA que:
1. O recurso de revista excepcional regulado no artigo 150.º do CPTA, pelo seu carácter excepcional, estrutura e requisitos, não pode entender-se como de índole generalizada mas antes limitada, de modo a que funcione como uma válvula de escape do sistema, só sendo admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental, ou que, por mor dessa questão, a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. Assim sendo, este tipo de recurso só se justifica se estamos perante questão que é, manifestamente, susceptível de se repetir num número de casos futuros indeterminados, isto é, se se verifica a capacidade de expansão da controvérsia que legitima o recurso de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.
Não é de admitir o recurso de revista excepcional quando se está perante uma questão pontual e puramente individual, que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico e não reveste uma importância fundamental do ponto de vista social, e quando não se invoca que a doutrina e/ou jurisprudência se tenha vindo a pronunciar em sentido divergente sobre a questão, tornando necessária a sua clarificação de forma a obter a melhor aplicação do direito, nem se invoca ou vislumbra que tenha ocorrido um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida”. ((2) Acórdão do STA, de 21 de Março de 2012-P. 084/12, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
“…o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intrincado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas.
Por outro lado, a clara necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas - ou por as instâncias terem tratada a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Em suma, a intervenção do STA no âmbito de um recurso excepcional de revista só pode considerar-se justificada em materiais de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador com esse recurso.” ((3) Do acórdão do STA, de 9 de Outubro de 2013-P. 0185/13, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
Analisadas as conclusões de recurso do recorrente, constata-se que o recorrente se limita a sustentar posição contrária à defendida pelo aresto recorrido, sem que invoque ou demonstre qualquer um dos fundamentos exigidos pelo artigo 150.º do CPTA para que o STA possa apreciar o recurso.
Todavia, uma vez que a recorrente no requerimento de fls. 325/327, preliminar às alegações, faz expressa referência à verificação dos pressupostos de admissão do recurso excepcional de revista haverá, salvo melhor juízo, que apreciar se os mesmos se verificam ou não. ((4) Acórdão da SCA do STA, de 2010.01.20, proferido no recurso n.º 08/10, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
A recorrente pretende ver reapreciadas pelo STA, as seguintes questões:
1- À isenção de IMI das pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP), a partir de 1 de Dezembro de 2003, data da introdução do CIMI em substituição do CCA, aplica-se o artigo 1.º/ d) da Lei 151/99, de 14 de Setembro, o artigo 44.º/ e) do EBF, ou ambos?
2- Se se entender ser aplicável o artigo 44.º/ e) do EBF, ou ambos, o que se deve entender por «prédios destinados directamente à realização dos seus fins»?
A nosso ver parece verificarem-se os pressupostos de admissão do recurso excepcional de revista.
De facto, tendo em conta as centenas de PCUP existentes é evidente a susceptibilidade de repetição das questões controvertidas num número indeterminado de casos futuros.
A decisão recorrida, na fundamentação jurídica, salvo melhor juízo, parece ter incorrido em manifesto lapso.
Na verdade, sustenta o acórdão recorrido, na senda da jurisprudência do TCAN, que a norma do artigo 1.º/ d) da Lei 151/99, de 14 de Setembro consagra, apenas, uma isenção de CA e não de IMI enquanto a norma do artigo 44.º/1/ e) do EBP consagra, apenas, uma isenção de IMI e não de CA.
Sustenta a decisão recorrida que a isenção de IMI foi pedida em data em que o CCA já se encontrava revogado, pelo que o benefício concedido apenas poderia ser concedido ao abrigo do disposto no artigo 44.º/1/ e) do EBF.
Com efeito, no entender da decisão recorrida, a extinção do tributo extingue a isenção respectiva do sistema tributário, sem prejuízo do direito à isenção adquirido na vigência do tributo, nos termos do disposto no artigo 3.º/2 do EBF, o que não virá ao caso, uma vez que, em seu entender, não está em causa nenhum direito adquirido na vigência da CA a coberto do regime transitório consagrado no artigo 11.º/3/4 e 31.º/5/6 do DL 287/2003, de 12 de Novembro.
Defende, também, o acórdão recorrido que, se a norma de incidência desaparecer do ordenamento jurídico, a norma de desagravamento desaparece concomitantemente, não se transfere para outra norma de incidência, a menos que a lei o determine especialmente, nos termos, designadamente, no seu regime transitório.
Ora, salvo melhor juízo, a argumentação jurídica usada pelo acórdão recorrido esbarra, frontalmente, com alguns normativos constantes das disposições finais do DL 287/de 12 de Novembro, constantes dos artigos 28.º/l e 31.º/l/6.
Efectivamente, nos termos do disposto nos artigos 31.º/1 e 32.º/1 do DL 287/2003, a partir de 1 de Dezembro de 2003 foi revogado o CCA.
Nos termos do artigo 28.º/1 do mesmo DL todos os textos legais que mencionam CCA consideram-se referidos ao CIMI.
Por força do disposto no artigo 31.º/6 do DL 287/2003, mantiveram-se em vigor os benefícios fiscais relativos à CA, passando a ser reportados ao IMI.
Ou seja, dos normativos referidos parece resultar claro que a isenção constante do artigo 169.º/1/ d) do da Lei 151/99, de Setembro se transferiu para o IMI.
Assim sendo, como nos parece que é, entendemos que a fundamentação do acórdão recorrido no sentido de que o disposto no artigo 169.º/1/ d) da Lei 151/99, de 14 de Setembro não se aplica ao pedido de isenção e IMI não é juridicamente sustentável.
Temos, pois como assente que tal normativo (tal como o normativo do artigo 44.º/1/ e) do EBF) tem plena aplicação ao presente pedido de isenção de IMI.
Questão diferente é saber quais as consequências jurídicas da aplicação conjugada de tais normativos.
No que concerne à interpretação do conceito de prédios directamente destinados à realização dos fins da PCUC, embora a jurisprudência do TCAN vá no sentido da decisão recorrida, isto é que apenas gozam de isenção os prédios de uso em instalações e não os prédios de uso em rendimento, o certo é que a nível de decisões de 1.ª instância há ampla divergência jurisprudencial, sendo certo que a interpretação e aplicação dos normativos conjugados dos artigos l69.º/1/d) da lei 151/99 e 44.º/1/e do EBF não deixa de ser particularmente melindrosa.
Torna-se, pois, a nosso ver, útil que o STA, enquanto órgão de regulação do sistema, se pronuncie sobre as questões em análise, de molde a servir de paradigma ou orientação na apreciação de casos similares.
Termos em que, salvo melhor juízo, deve ser admitida a revista

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Nas instâncias julgaram-se provados os factos seguintes [face a erro de numeração, as alíneas foram agora renumeradas e a al. m) foi aditada pelo TCAN ao abrigo do nº 1 do art. 662º do CPC].
A – A Autora integra-se no Montepio Geral com a designação de Caixa Económica Montepio Geral (cf. docs. a fls. 38 a 41 e 89 a 103 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
B – Por despacho do Sr. Primeiro-ministro, de 08.10.1991, foi declarada de utilidade publica a Caixa Económica de Lisboa anexa ao Montepio Geral, tendo o mesmo sido publicada em DR II Série de 22.10.1991 (cf. docs. a fls. 42 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
C – Em 01.03.2012, a Autora remeteu uma exposição escrita ao Serviço de Finanças de Cantanhede, onde solicitava a isenção de IMI relativa à “[… ] fracção autónoma designada pela letra «B», do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de …………., concelho de Cantanhede, inscrito na matriz predial sob o artigo 1577º [… ]” (cf. docs. a fls. 14 a 16 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
D – A Autora teve conhecimento do projeto de decisão de indeferimento do pedido formulado na alínea anterior por ofício dos serviços do Réu datado de 11.05.2012, no qual se convidada aquela a exercer “[… ] o direito de audição, por escrito ou oralmente [… ]” (cf. docs. a fls. 17 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
E – Em 16.05.2012, a Autora enviou uma exposição escrita dirigida ao Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Cantanhede onde solicitava, a final, “[… ] o averbamento na matriz da isenção pessoal e permanente de IMI de que beneficia a CEMG, desde o ano da constituição do direito de propriedade [… ]” (cf. doc. a fls. 18 a 19 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
F – Por despacho do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Cantanhede, datado de 16.05.2012, foi indeferida a isenção solicitada referida na alínea «C» (cf. doc. a fls. 20 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
G – À Autora foi dado conhecimento do despacho referido na alínea anterior por ofício dos serviços do Réu, datado de 15.06.2012 (cf. docs. a fls. 20 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
H – A Autora enviou uma exposição escrita que deu entrada no Serviço de Finanças de Cantanhede, em 29.06.2012, que designou por «Recurso Hierárquico» (cf. doc. a fls. 2 a 7 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
I – Em informação dos serviços da Impugnada, datada de 17.08.2012, relativamente à exposição escrita referida na alínea anterior, extrai-se que: “[…] Nos termos do artigo 44º, nº 1, alínea e), do EBF, estão isentas de IMI as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados à realização dos seus fins.
A Caixa Económica Montepio Geral, anexa ao Montepio Geral – Associação Mutualista, instituição Particular de Solidariedade Social, é uma pessoa colectiva de utilidade pública, conforme declaração inserta no Diário da República, II Série, n.º 243 de 22/10/1991.
No entanto, o prédio em causa não está directamente afecto à realização dos fins estatutários da recorrente, uma vez que o seu destino é a venda, para eventual realização de mais valias, ainda que o produto das mesmas venha a ser aplicado na prossecução dos seus fins.
V – Conclusão
Pelo exposto, sou de opinião que o recurso hierárquico não merece provimento, devendo manter-se o despacho recorrido, por não estarem reunidos os pressupostos legais.
Dispensado o direito de audição nos termos no nº3 do artigo 60º da Lei Geral Tributária.[…]”
(cf. doc. a fls. 36 a 39 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
J – Na informação referida na alínea anterior, foi aposto pela Sra. Subdirectora Geral do Réu, com data de 01.10.2012, o seguinte: “Concordo, Nos termos e com dos fundamentos expostos, na presente informação e Pareceres nela exarados, indefiro o recurso hierárquico. Mantenho o despacho recorrido com todas as consequências legais” (cf. doc. a fls. 36 a 39 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
K – Da informação e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores teve a Autora conhecimento por ofício dos serviços do Réu, datado de 22.11.2012 (cf. docs. a fls. 41 a 43 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
L – A petição inicial do presente meio processual deu entrada neste Tribunal via SITAF em 18.02.2013 (cf. fls. 1 a 51 dos autos).
M) Em 21.11.2011, a Autora adquiriu por «Venda Judicial», a fracção autónoma letra “B” do prédio urbano inscrito na respectiva matriz da freguesia de ………… sob o artigo - cfr. título de transmissão a folhas 13 do processo administrativo em apenso).

3.1. Por sentença proferida no TAF de Coimbra em 20/12/2013 foi julgada improcedente a acção administrativa especial que a ora recorrente - Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) - deduziu com vista à anulação do acto de indeferimento de recurso hierárquico, praticado pela Subdirectora-Geral dos Impostos, relativo a benefício fiscal consubstanciado na isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativamente a prédio urbano, requerido ao abrigo da al. d) do art. 1° da Lei n° 151/99, de 14/9, e da al. e) do n° 1 e al. b) do n° 2 e n° 4 do art. 44° do Estatuto do Benefícios Fiscais (EBF) e a substituição do mesmo por outro que confira a isenção de IMI ao imóvel em causa.
Dessa decisão do TAF de Coimbra a Caixa Económica Montepio Geral interpôs recurso para o TCA Norte onde, por acórdão de 15/10/2015, foi tal recurso julgado improcedente, com fundamento em que o disposto na al. d) do nº 1 do art. 169º da Lei nº 151/99, de 14/9, não se aplica a pedido de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), mas sim de Contribuição Autárquica (CA), pois que, sendo aquela isenção de IMI regulada na al. e) do nº 1 do art. 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), e dado que o prédio em causa não está destinado directamente à realização dos fins da CEMG), então, não goza de isenção de IMI.

3.2. A recorrente sustenta que se verificam os requisitos de admissibilidade do recurso excepcional de revista (art. 150º do CPTA).
O recorrido (Director-Geral da ATA) entende que não se verificam esses requisitos e que a recorrente nem sequer os invocou.
Vejamos, pois.
Desde logo é de referir que o recorrido carece de razão quanto à aventada alegação de que a recorrente não invoca os requisitos de admissibilidade do recurso de revista.
Na verdade, como se vê do requerimento preliminar às alegações, a recorrente logo aí invoca desenvolvidamente (cfr., aliás, as alíneas transcritas no Ponto 1.2., supra), que a revista deve ser admitida, porquanto a questão de fundo objecto de pedido de apreciação jurisdicional é uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, reveste importância fundamental e porquanto a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

3.3. Há, então, que apreciar se o recurso é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos no próprio art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

3.4. Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar (e disso dão conta ambas as partes) a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

3.5. No caso, ao invés do contra-alegado pelo recorrido, afigura-se-nos que estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional.
Conforme tem vindo a ser reconhecido, aliás, em inúmeros acórdãos desta formação, a que se refere o nº 1 do art. 150º do CPTA (cfr. v.g., o proferido em 2/3/2016, no proc. nº 1483/15), em que a revista igualmente foi admitida.
Na verdade, a recorrente pretende ver reapreciadas pelo STA, as seguintes questões, que o acórdão recorrido também considerou: saber se à isenção de IMI relativa a pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) se aplica, a partir de 1/12/2003 (data do início da vigência do CIMI, em substituição do CCA), o disposto na al. d) do art. 1º, da Lei nº 151/99, de 14/9, ou se aplica o disposto na al. e) do art. 44º do EBF ou, ainda, se ambos os regimes serão aplicáveis; e saber que realidades estão subsumidas na expressão legal «prédios destinados directamente à realização dos seus fins», prevista na al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF, [isto, caso se entenda que é aplicável o disposto nesse normativo, em exclusividade ou em conjunto com o regime da Lei 151/99].
Ora, tendo em conta as centenas de PCUP existentes é evidente a susceptibilidade de repetição das questões controvertidas num número indeterminado de casos futuros. Realidade esta que tem chegado, aliás, ao conhecimento do Tribunal, dado o número de recursos desta natureza que têm vindo a ser distribuídos nesta formação de julgamento, sendo que a própria documentação junta aos presentes autos também dá conta de várias decisões de tribunais de 1ª instância em que é sufragado o entendimento proposto pela recorrente, no sentido de que o prédio em questão beneficia de isenção de IMI ao abrigo do disposto na al. d) do art. 1º da referida Lei nº 151/99, de 14/9 e al. e) do art. 44º do EBF.
Tese esta que, todavia, o acórdão recorrido, seguindo jurisprudência do TCAN, não acolheu, pois que julgou no sentido da não aplicação da al. d) do art. 1º da Lei nº 151/99 e, por consequência, da inexistência do alegado benefício com a amplitude pretendida pela recorrente (cfr. além do acórdão recorrido, também os acs. do TCA Norte, de 9/6/2015, rec. nº 699/13.8BECBR; de 17/9/2015, rec. nº 465/13.0BECBR; de 30/9/2015, recs. nº 0650/03, nº 0625/11 e nº 205/12; de 15/10/2015, rec. nº 0589/12; e de 10/12/2015, rec. nº 0495/13.2BEPNF).
E como acima se deixou dito e noutro local o MP sublinha,(Cfr. Parecer no proc. nº 1658/15, desta Secção.) mesmo considerando o regime dualista inerente à própria actividade estatutariamente exercida pela recorrida (com especificidades próprias que, em regra, não se encontram noutras pessoas colectivas de utilidade pública), a questão suscitada revela capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular da recorrente, pois que a aplicação da al. d) do nº 1 do art. 1º da Lei 151/99 e a interpretação da expressão “prédios destinados directamente à realização dos seus fins” se poderá colocar em relação a prédios titulados pelas demais PCUP.
Acrescem eventuais dificuldades quanto à desaplicação da al. d) do nº 1 da Lei 151/99 (na qual assenta a pretendida isenção de IMI), tendo em conta o também disposto no nº 1 do art. 28º e nos n.ºs 1 e 6 do art. 31º, ambos do DL nº 287/2003, de 12/11 (diploma que aprovou o CIMI e o CIMT) e de acordo com os quais (i) todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica se consideram referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI), (ii) o CCA é revogado mas a contribuição autárquica se considera substituída pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI) e (iii) se mantêm em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI.
Estamos, portanto, perante situação em que a admissão deste recurso de revista se reveste de relevância jurídica e social e em que se manifesta claro interesse objectivo (dado que transpõe os limites do caso concreto aqui em apreciação, constituindo um caso “tipo” que se repete e previsivelmente continuará a repetir-se) e em que também se reconhece a utilidade de intervenção do STA, com vista a uma pronúncia que possa servir como orientação para os tribunais de que aquele Tribunal é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em admitir a presente revista excepcional.

Sem custas.

Lisboa, 4 de Maio de 2016. – Casimiro Gonçalves (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.