Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0384/16
Data do Acordão:07/13/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
ADMISSÃO
Sumário:É de admitir o recurso de revista excepcional em que se colocam questões que se prendem (i) com a exigência legal (no âmbito da simultaneidade ou de um qualquer limite temporal mínimo, relativamente à propriedade do imóvel) do carácter próprio da habitação por parte do sujeito passivo, como requisito da aplicação da norma de exclusão tributária prevista no nº 5 do art. 10º do CIRS (por só assim se cumprir a razão de ser de norma de protecção da aquisição de casa de habitação do agregado familiar), bem como (ii) com o conceito de habitação própria nos casos de concorrência de comodato oneroso com previsão de opção de compra.
Nº Convencional:JSTA000P20826
Nº do Documento:SA2201607130384
Data de Entrada:03/31/2016
Recorrente:A...... E B.......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA:

RELATÓRIO
1.1. A……….. e B………., ambos com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 3/12/2015, no processo que aí correu termos sob o nº 08221/14.

1.2. Invocam que a revista deve ser admitida, alegando, em síntese, que estão verificados os respectivos requisitos de admissibilidade e terminando, no final, com a formulação das Conclusões seguintes:
a) Sendo pacífica a admissibilidade do recurso de revista excepcional, previsto no artigo 150.º do CPTA, no contencioso tributário, mister é que os respectivos requisitos, previstos no mesmo artigo 150.º, se verifiquem, para que este Alto Tribunal o possa conhecer;
b) No caso dos presentes autos, fica demonstrado que o presente recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito;
c) Estando-se também perante uma questão - a do preenchimento do conceito de habitação própria permanente - que, quer pela sua relevância jurídica quer pela sua relevância social, se reveste de importância fundamental, importância esta detectada pelo seu interesse prático e objectivo, medido pela utilidade da revista em face da capacidade de expansão da (presente) controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da (presente) situação singular;
d) Como ficou demonstrado, o Douto Acórdão Recorrido padece de nulidade, por omissão de pronúncia, uma vez que estava obrigado a pronunciar-se sobre a preterição da formalidade da audição - vício concretamente invocado pelos Recorrentes, e nunca conhecido pelo TAF de Loulé, o que não fez, lançando mão de justificativa ininteligível;
e) E nessa medida, impedindo os Recorrentes de a contraditarem, com violação das suas garantias processuais;
f) Aliás, ficou também demonstrado que não foram os ora Recorrentes notificados do Parecer do MP junto ao Tribunal, em violação do princípio da igualdade de armas, tal como o mesmo é configurado pelo TEDH;
g) Há também nulidade na Douta Sentença recorrida, uma vez que, como ficou demonstrado, o Douto Acórdão Recorrido fez uma enorme confusão, errando na identificação do imóvel de partida e de chegada;
h) E errando também na identificação do facto tributário gerador da mais valia - situado erradamente pelo Douto Acórdão Recorrido na venda da Vila ………. aos Recorrentes, quando esse facto tributário, gerador de mais valias, ocorreu na venda posterior da Vila ………. a terceiros;
i) Partindo desta falsa premissa - que inclusivamente leva a afirmar que o imóvel de partida e de chegada é o mesmo - constrói-se uma argumentação de Direito que, como fica demonstrado, atenta a falsidade da premissa, cai por terra;
j) Sendo assim um imperativo de justiça a intervenção deste Alto Tribunal, para melhor aplicação e julgamento do direito;
k) Nos autos que sobem a este Alto Tribunal está em causa o preenchimento do conceito indeterminado de habitação própria permanente e da ratio legis da isenção de mais valias, quando as mesmas sejam reinvestidas igualmente em imóvel com o mesmo destino;
l) Sendo sabido que o legislador não define o que seja habitação própria permanente, nem fornece quaisquer critérios para densificação deste critério, que auxiliem os intérpretes e os aplicadores;
m) O que significa que a decisão a proferir por este Alto Tribunal tem relevância jurídica e relevância social;
n) Porque constituirá um meio auxiliar precioso para intérpretes e aplicadores do direito, na ausência de definição legal e de critérios legais de interpretação - cuja necessidade é bem patenteada no Douto Acórdão Recorrido;
o) E Social porque terá utilidade noutros processos;
p) Salvo o devido respeito e melhor entendimento de Vossas Excelências, não procede o argumento da alegada impossibilidade de se verificar simultaneidade de “habitação permanente” e “habitação própria” quando o imóvel, não obstante se tratar de habitação permanente há mais de 12 meses, ter sido adquirido e alienado no mesmo dia;
q) Porque a partir da aquisição, a Vila ………. passou a constituir património dos ora Recorrentes, em regime de propriedade plena, verificando-se assim, inequivocamente, no momento da sua alienação, habitação própria permanente;
r) Porque a lei não determina qualquer limite temporal mínimo durante o qual uma habitação permanente tenha de ser propriedade dos alienantes para poder ser considerada também como própria;
s) Sendo indubitável que o imóvel alienado pelos Recorrentes constituía a sua habitação permanente desde a data em que o contrato “de comodato” começou a produzir os seus efeitos;
t) E sendo igualmente incontestável que com a aquisição do imóvel a habitação já permanente, pelo menos aí, passou também a própria dos Recorrentes;
u) O que significa que, entre o momento em os Recorrentes adquiriram o imóvel e o momento em que o alienaram, por mais curto que tenha sido, o imóvel foi - simultaneamente - a habitação “própria” e “permanente” dos Recorrentes;
v) Tanto quanto se alcança, para efeitos de aplicação daquela norma de exclusão não existe nenhuma previsão legal que obrigue a que o imóvel tenha de ser detido a título de propriedade plena por um determinado hiato temporal para poder ser considerado simultaneamente habitação própria e permanente;
w) E como se sabe, onde não distingue o legislador, não distinga o aplicador;
x) Salvo o devido respeito e melhor entendimento de Vossas Excelências, também não procede o argumento segundo o qual a intenção do legislador com a exclusão da tributação em apreço tem como fim a protecção do direito à habitação, e que, por via mais uma vez da alegada falta de simultaneidade entre habitação própria e habitação permanente, a situação dos autos não se subsume naquela norma de exclusão;
y) Por último, fica demonstrado que o imóvel aqui em causa, a Vila ………., era habitação própria dos Recorrentes desde a data da celebração do contrato de comodato dos autos, uma vez que, atenta a sua natureza mista - de compra e venda e de comodato oneroso - nessa data os ora Recorrentes adquiriram a respectiva propriedade económica;
z) Tal qual como se passa com os contratos de locação financeira imobiliária, cujo conteúdo é substancialmente análogo ao contrato dos presentes autos;
aa) Ficando demonstrado que o contrato dos autos é substancialmente idêntico a um contrato de locação financeira imobiliária — quer pela previsão da opção de compra quer pela verificação de contraprestações de capital;
bb) E, por essa razão, como decorrência dos princípios da neutralidade fiscal e da substanciação económica dos factos tributários (n.º 3 do artigo 11.º da LGT), deve em consequência merecer o mesmo tratamento fiscal;
cc) E, quanto ao contrato de locação financeira imobiliária a Administração Fiscal não levanta questões - pelo contrário, dá-o como evidente - que a celebração de um contrato destes confere ao locatário a propriedade económica do imóvel, qualificando este assim, quando o mesmo se destine a habitação, como “habitação própria” do locatário;
dd) E fá-lo tendo em atenção o prescrito no n.º 3 do artigo 11.º da LGT, nos termos do qual, “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários
Terminam pedindo que o presente recurso excepcional de revista seja admitido, por verificados os respectivos pressupostos, nos termos do artigo 150.º do CPTA, e julgado procedente, nos termos expostos.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer, nos termos seguintes, além do mais:
«Ao abrigo do disposto no art. 150.º do CPTA, vem interposto Recurso Excepcional de Revista do douto Acórdão do TCASul de 03.12.2015 que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional da sentença do TAF de Loulé de 10.03.2014, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a impugnação.
«O recurso de revista previsto no n.º 1 do art. 150.º do CPTA, consagrando um duplo grau de recurso jurisdicional fundado em critérios qualitativos, tem natureza excepcional, apenas sendo admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
O erro ou a mera discordância quanto ao decidido não podem fundamentar o recurso. Não pode, nomeadamente, ser objecto da revista o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (n.º 4 do art. 150.º do CPTA). A revista só pode ter por fundamento a violação de lei substantiva ou processual (n.º 2 do art. 150.º do CPTA).
A questão que os ora Recorrentes elegem como sendo aquela cuja apreciação, “quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social, se reveste de importância fundamental” é a que se prende com o preenchimento do conceito de habitação própria e permanente constante do art. 10.º, n.º 5 do CIRS.
A “relevância jurídica fundamental”, como é jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal e também do STJ, só se verifica quando a questão de direito implique, pela sua complexidade e originalidade, assinalável exercício exegético na sua resolução, susceptível de gerar larga controvérsia na doutrina e de conduzir a decisões contraditórias.
Já “relevância social fundamental” verificar-se-á, como esclarece o douto Acórdão de 27.11.2013, in Rec. n.º 01355/13, “quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio”.
No caso vertente, entende-se que se justifica a admissão da revista.
Por um lado, porque não se conhece expressa pronúncia sobre a matéria. Por outro, porque a questão suscitada e a controvérsia que pode gerar não se confinam aos limites do caso apreciado.
Por outro ainda, porque, não obstante a aparente clareza dos termos que o integram, tem-se por manifesta a necessidade da densificação do conceito em causa para responder a situações como a dos autos e clarificar o âmbito de aplicação da norma do art. 10.º, n.º 5 do CIRS, por forma a obviar a decisões contraditórias. E, neste contexto, a pronúncia deste Supremo Tribunal, enquanto órgão de cúpula do sistema, poderá servir de paradigma ou orientação para a resolução de casos futuros, em ordem a uma melhor aplicação do direito e à consolidação e estabilização da jurisprudência sobre a matéria.
Apenas importará acrescentar, porque a questão vem suscitada [Conclusões d) a g)], que a arguição e conhecimento de nulidades da decisão recorrida não é actividade que seja compaginável com a natureza excepcional do presente recurso. E, de facto, como se refere no douto Acórdão de 16.12.2015, in Rec. n.º 0624/15, “constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil”».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Nas instâncias julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Em 08/01/2004 a Impugnante celebrou com C…………, um “Contrato de comodato”, pelo qual a Impugnante recebeu o prédio urbano para habitação, designado por “Vila ……..”, sito em …….., freguesia de ………, concelho de Loulé, inscrito na matriz sob o artigo 6040, que se dá aqui por reproduzido (cfr. fls. 9 e 10 dos autos).
B) Entre 27/01/2005 e 07/06/2005 foi facturado ao Impugnante o valor de € 457,00 de electricidade usada no local de consumo: “C…….Limited, Sítio …….., 8125-……… ………., com o “código de identificação do local: 0005140369 (cfr. fls. 15 e 16 dos autos).
C) Em 16/03/2005; 13/04/2005; 12/05/2005 e 15/06/2005 foram pagas mensalidades de electricidade usada no local referido na alínea precedente (cfr. fls. 15 dos autos).
D) Em 08/06/2005 foi emitida, pela D……Comunicações, em nome do Impugnante e para o local “…………., ………….., ………., 8125-……… ……….”, factura de consumo de “Comunicações” (cfr. fls. 17 a 19 dos autos).
E) Em 02/04/2003; 17/04/200317/04/2003 e 23/04/2003, foram emitidas por “E………, Lda.”, facturas em nome do Impugnante com a descrição de materiais, que aqui se dão por reproduzidas (cfr. fls. 23 a 26 dos autos).
F) Em 23/04/2003 foi emitido pelo Impugnante à empresa E…………, Lda., o cheque nº 7600000139, no valor de € 357,91 (cfr. fls. 27 dos autos).
G) Em 23/05/2005, os impugnantes adquiriram o prédio inscrito na matriz sob o art. 6040, pelo valor de € 170.000,00 sito em ……….., …….(cfr. fls. 66 do processo de reclamação graciosa).
H) Em 23/05/2005 os impugnantes alienaram pelo valor de € 500.000,00 (cfr. fls. 66 do processo de reclamação graciosa e por acordo).
I) Os Impugnantes reinvestiram o valor de € 500.000,00 na construção de habitação (cfr. fls. 66 do processo de reclamação graciosa e por acordo).
J) Em 03/10/2006 os Impugnantes apresentaram declaração Mod. 3 de IRS (cfr. fls. 32 do processo de reclamação graciosa).
K) Foi emitida em 22/06/2009 a liquidação nº 20095003196421 no valor de € 81.804,48 (cfr. fls. 21 do processo administrativo);
L) Em 03/07/2009, o Impugnante apresentou declaração de substituição para o ano de 2005, mencionando no campo “G” que pretendia reinvestir (sem recurso ao crédito) a importância de € 500.000,00 e que reinvestiu a importância de € 458.933,18, nos 12 meses anteriores (sem recurso ao crédito) e que no ano da alienação reinvestiu (sem recurso ao crédito) € 135.257,73 (cfr. fls. 45 a 50 do processo de reclamação graciosa);
M) Em 03/07/2009, o Impugnante apresentou reclamação graciosa (cfr. fls. 2 do processo de reclamação graciosa);
N) A reclamação graciosa apresentada veio a ser indeferida por despacho de 17/09/2009 proferido pelo Director de Finanças de Faro (cfr. fls. 66 e 67 do processo de reclamação graciosa);
O) Em 17/09/2009 foi enviado ofício nº 3260 ao Impugnante a informar da decisão de indeferimento da reclamação (cfr. fls. 68 do processo de reclamação graciosa);
P) Em 11/12/2009 foi emitido “Atestado” pela Junta de Freguesia de …….. que se dá aqui por integralmente reproduzido e onde consta, nomeadamente, que o Impugnante “(...) residiu nesta Freguesia no período compreendido entre Janeiro de 2003 e 25 de Maio de 2005, no ……….., ……….. - ………, em ………” (cfr. fls. 44 dos autos).
Q) Em 11/12/2009 foi emitido “Atestado” pela Junta de Freguesia de ……… que se dá aqui por integralmente reproduzido e onde consta, nomeadamente, que a Impugnante “(...) residiu nesta Freguesia no período compreendido entre Janeiro de 2003 e 25 de Maio de 2005, no ………., ……….. - ………., em …….. (cfr. fls. 44 dos autos).
R) O domicílio fiscal dos Impugnantes, à data de 31/05/2009 era …….., lote …….., 8135-…….. Almancil (cfr. fls. 51 do processo de reclamação graciosa);
S) Os Impugnantes residiram na ……….. - …………, mais de 12 meses (conforme documentos juntos aos autos e confronto com depoimento de testemunhas).

3.1. Por sentença proferida no TAF de Loulé (fls. 124/134) foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida pelos ora recorrentes na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que tinham apresentado contra a liquidação de IRS do ano de 2005, no montante de 81.804,48 Euros.
E tendo a Fazenda Pública interposto, para o TCA Sul, recurso daquela decisão do TAF de Loulé, veio a ser proferido, em 3/12/2015 (fls. 253/264), o acórdão ora recorrido, no qual, revogando-se a dita decisão do TAF de Loulé, se julgou improcedente a impugnação.
E, em síntese, com referência ao acórdão do TCA Sul, de 15/5/2014, no proc. 07529/14 e ao acórdão do STA, de 17/9/2014, proc. nº 0250/14, argumentou-se no acórdão recorrido o seguinte:
— Considerando os pressupostos da dispensa de tributação, previstos na al. a) do nº 5 do art. 10º do CIRS, consagra-se ali «uma exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar» mas o «imóvel “de partida” e o “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão da incidência e a mais-valia realizada no imóvel “de partida” será tributável», sendo que «para que opere tal exclusão tributária do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação do sujeito passivo: é preciso que o ganho seja reinvestido, no prazo de 24 meses, na aquisição de outro imóvel e que este também tenha como destino a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.»
— No caso em exame, verifica-se que os impugnantes celebraram com C……….., um contrato de comodato, recebendo o prédio urbano designado por Vila ……….., no qual residiram até 23/5/2005, e nesta mesma data o adquiriram pelo preço de €170.000,00 e, também na mesma data, o alienaram pelo valor de € 500.000,00, pretendendo, obter a não tributação dos ganhos obtidos com tal alienação do imóvel, ao abrigo do disposto no artigo 10º/5/a), do CIRS.
— O imóvel alienado, pese embora tenha sido a habitação permanente dos impugnantes, não corresponde a habitação própria dos mesmos: é que a residência permanente no imóvel teve como título um contrato de comodato, pelos que os impugnantes não eram proprietários do dito imóvel, o que significa que este não preenche o conceito de “habitação própria e permanente”, constante da norma de exclusão de tributação em apreço. Tal norma exige a concomitância ou simultaneidade do carácter próprio e permanente da habitação por parte do sujeito passivo, dado que só assim se cumpre a razão de ser de norma legal de protecção da aquisição de casa de habitação do agregado familiar. E estando em causa um benefício fiscal, não há lugar a interpretação analógica do preceito em causa.
— Em suma, o imóvel de partida e o imóvel de chegada não assumem o mesmo destino: é que o imóvel de partida, em 23/5/2005, não preenchia os requisitos para constituir na esfera jurídica dos impugnantes a dispensa de tributação, dado que não reunia, em simultâneo, os pressupostos da habitação permanente e própria do sujeito passivo: «um imóvel adquirido já com a intenção de venda, cuja realização de ambas as operações - compra e venda, ocorridas no mesmo dia, não permite concluir que o imóvel foi adquirido para a habitação própria e permanente dos impugnantes. // É que uma coisa é ser detentor de um contrato de arrendamento ou de um contrato de comodato sobre o imóvel, fazendo do mesmo a habitação própria e permanente, isto é, usando-o como arrendatário ou comodatário, outra coisa, é fazer do mesmo a habitação própria e permanente como proprietário».

3.2. Os recorrentes sustentam que se verificam os requisitos de admissibilidade do recurso excepcional de revista (art. 150º do CPTA).
E no mesmo sentido de pronuncia o MP.
Vejamos, pois.

3.3. Desde logo é de referir (como bem aponta, aliás, o MP) que não é admissível, nesta sede (recurso excepcional de revista) a alegação das nulidades imputadas ao acórdão recorrido: como tem sido jurisprudência reiterada deste STA (cfr., entre outros, os acs. de 16/12/2015 e de 29/4/2015, nos procs. n.ºs 0624/15 e 01363/14, respectivamente): não obstante se trate de um recurso ordinário, tem natureza excepcional e o seu objecto não comporta aquela arguição (as nulidades podiam e deviam ter sido invocadas perante o tribunal recorrido, nos termos do nº 4 do art. 615º do CPC, como, de resto, sucede nos recursos por oposição de acórdãos.

3.4. Quanto ao mais:
Os pressupostos de admissibilidade deste recurso excepcional de revista estão contidos no próprio art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».
Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar (e disso dão conta os recorrentes) a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

3.5. No caso, concorda-se com os recorrentes e com o MP, no sentido da verificação dos requisitos de admissibilidade do presente recurso excepcional de revista.
Desde logo, porque as questões suscitadas revelam, por um lado, especial capacidade de repercussão social, com a consequente utilidade da decisão a extravasar os limites do caso concreto, sendo que, por outro lado, também não se conhece pronúncia, nem relativamente à matéria da invocada exigência legal (no âmbito da simultaneidade ou de um qualquer limite temporal mínimo relativamente à propriedade do imóvel) do carácter próprio da habitação por parte do sujeito passivo, como requisito da aplicação da norma de exclusão tributária prevista na al. a) do nº 5 do art. 10º do CIRS (por só assim se cumprir a razão de ser de norma de protecção da aquisição de casa de habitação do agregado familiar), nem relativamente conceito de habitação própria nos casos de concorrência de comodato oneroso com previsão de opção de compra.
Ou seja, as questões suscitadas e a controvérsia que as mesmas poderão gerar, não se confinam aos limites do concreto caso a apreciar, antes se apresentando como relevantes e potenciadoras na clarificação da aplicação da referida norma do CIRS, igualmente se reconhecendo a utilidade de intervenção do STA, com vista a uma pronúncia que possa servir como orientação para os tribunais de que aquele Tribunal é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em admitir a presente revista excepcional.
Sem custas.

Lisboa, 13 de Julho de 2016. – Casimiro Gonçalves (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.