Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01115/20.4BELRA
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
CITAÇÃO
INSOLVÊNCIA
Sumário:I - A citação do executado que lhe seja enviada antes da declaração da sua insolvência não é efetuada na pessoa do administrador de insolvência.
II - A citação do executado efetuada nos termos do número anterior constitui causa interruptiva da prescrição das dívidas cobradas na execução respectiva, ainda que, entre o envio e a receção da carta, tenha sido declarado insolvente.
Nº Convencional:JSTA00071124
Nº do Documento:SA22021042801115/20
Data de Entrada:04/15/2021
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:IGFSS, IP - SECÇÃO DE PROCESSO EXECUTIVO DE LEIRIA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DE LEIRIA
Decisão:CONCEDE PARCIAL PROVIMENTO
Área Temática 1:PRESCRIÇÃO DO TRIBUTO
Legislação Nacional:ARTIGO 41º, N.º 3 DO CPPT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A MAGISTRADA DO MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria interpôs recurso da sentença daquele tribunal que julgou totalmente procedente a reclamação da «decisão do Coordenador da Secção de Processo Executivo (SPE) de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS), datada de 03.11.2020, pela qual foi indeferido o seu requerimento de declaração de prescrição da dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal (PEF) n.º 1001201200285030 e apensos, referentes a contribuições e cotizações do período compreendido entre abril de 2012 e fevereiro de 2013, no valor total de € 36.592,93».

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

1. Mediante ofício de 20/0/2012 foi enviado ofício mediante carta registada com AR, dirigido à Reclamante, visando a sua citação no PEF n.º 1001201200285030 e apensos do IGFSS visando a cobrança coerciva de dívidas referentes a 2012 (a mais antiga);

2. Em 22.10.2012 foi proferida sentença de declaração de insolvência da Reclamante, no âmbito do Proc. n.º 1285/12.5TBPMS, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós;

3. Em 26.10.2012 o ofício referido em 1. foi recepcionado;

4. Quando o ofício foi expedido ainda não havia sido proferida sentença a declarar a insolvência da Reclamante;

5. Quando o ofício foi recebido a sentença de declaração de insolvência ainda não tinha transitado em julgado;

6. Pelo que não haveria ainda lugar à citação na pessoa do Administrador da Insolvência;

7. Assim sendo, a citação efectuada à Reclamante mostra-se válida e produz os seus efeitos;

8. Nomeadamente em sede de interrupção do prazo de prescrição das dívidas exequendas, conforme dispõe o art. 49º nº 3 da LGT, interrupção essa com carácter duradouro;

9. Pelo que considerando o período a que se reportam as dívidas e a data da citação, as aludidas dívidas não se mostram prescritas.

10. Em face do que fica exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que assim o considere, indeferindo a reclamação.

Notificada da interposição, a Recorrida apresentou contra-alegações em forma de conclusões que, por isso, aqui se transcrevem também: «(…)

1. O ofício de 20.10.2012 foi dirigido à empresa para a sua sede e não ao AI e para a morada deste conforme é jurisprudência pacífica e assente.

2. Tal ofício foi recebido a 26.10.2012, depois de declarada a insolvência da reclamante a qual ocorreu em 22.10.2012 tendo sido proferida no processo 1285/12.5TBPMS que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós.

3. A receção do ofício e nas condições que o foi não tem qualquer efeito interruptivo já que só a citação produz efeito interruptivo da prescrição como é claramente referido no nº 1 do Art. 323 do C. Civil.

4. De qualquer forma o IGFSS tinha perfeito conhecimento através da consulta das pautas de distribuição que em 18/10/2012 a reclamante se tinha apresentado à insolvência (doc. 1).

5. O IGFSS tomou conhecimento do teor da reclamação apresentada pela ora alegante, que lhe foi notificada por ordem do Mtº Juiz, mas nada disse, aceitando todos os factos apresentados.

6. De resto e mais uma vez, o IGFSS emitiu citação à reclamante no PEF 1001201300186686 em 08.07.2013 e voltou a dirigir tal citação à empresa insolvente e para a sua sede social e não para o AI e a sua morada em flagrante violação do disposto nos Arts.81 nº 4 do CIRE e 41 nº 3do CPPT.

7. O trânsito em julgado da declaração de insolvência é totalmente irrelevante para efeitos da atuação da prescrição.

8. Pelo exposto não deve ser dado provimento ao douto recurso interposto pelo MP, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo JUSTIÇA».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.


***

2. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria relevou e deu como provada a seguinte factualidade:

1. Em 17.10.2012 a SPE de Leiria do IGFSS instaurou contra a Recorrente os PEF n.º 1001201200285030 e 1001201200285021 para cobrança coerciva de dívidas referentes a cotizações e juros do período compreendido entre abril de 2012 e julho de 2012, no valor total de €22.363,85 (cf. autos e certidões de fls. 10 e seguintes do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Em 20.10.2012 a SPE de Leiria do IGFSS emitiu Citação dirigida à Reclamante no âmbito do PEF n.º 1001201200285030 e apensos através de correio registado com aviso de receção (cf. ofício de fls. 15 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em 22.10.2012 foi proferida sentença de declaração de insolvência da Reclamante, no âmbito do Proc. n.º 1285/12.5TBPMS, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós (cf. anúncio de fls. 6 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 26.10.2012 o ofício referido em 2. foi rececionado (cf. data e assinatura apostas no aviso de receção de fls. 16 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Em data concretamente não determinada a SPE de Leiria do IGFSS instaurou contra a Reclamante os PEF n.º 1001201300186686 e apensos, para cobrança coerciva de contribuições e cotizações referentes ao período compreendido entre agosto de 2012 e fevereiro de 2013, no valor total de €14.229,08 (cf. notificação e fls. 21 e seguintes do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Em 08.07.2013 a SPE de Leiria do IGFSS emitiu Citação dirigida à Reclamante no âmbito do PEF n.º 1001201300186686 e apensos através de correio registado com aviso de receção (cf. ofício de fls. 23 e seguintes do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. Em 16.07.2013 o ofício referido em 6. foi rececionado (cf. data e assinatura apostas no aviso de receção de fls. 17 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. Em 18.08.2014 transitou em julgado o despacho de encerramento do processo de insolvência n.º 1285/12.5TBPMS (cf. certidão de fls. 6 verso do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

9. Em 27.08.2020 a SPE de Leiria do IGFSS remeteu à Recorrente ofício com o assunto Divulgação das listas de contribuintes devedores à Segurança Social, através do qual a notificava para o exercício do direito de audição relativamente à inclusão na lista de devedores a divulgar eletronicamente (cf. ofício de fls. 32 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

10. Em 04.09.2020 a Reclamante dirigiu à SPE de Leiria do IGFSS exposição na qual suscitava a prescrição da dívida exequenda nos PEF n.º 1001201200285030 e apensos (cf. requerimento de fls. 29 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11. Em 29.10.2020 a SPE de Leiria do IGFSS elaborou a informação n.º 91/2020/Prescrição na qual propunha a manutenção da exigibilidade total dos valores em dívida com o prosseguimento da tramitação no âmbito dos PEF n.º (cf. informação de fls. 34 e seguintes do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

12. Em 03.11.2020 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS apôs na informação referida em 11. despacho de concordância e de indeferimento do requerimento referido em 10. (cf. despacho de fls. 34 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


***

3. Resulta claramente das doutas alegações de recurso e das conclusões a final formuladas que o Recorrente Ministério Público se insurge contra a decisão do tribunal de primeira instância, pretendendo a sua revogação total.

No entanto, o Recorrente pretende a revogação total daquela decisão fundando-se no erro de julgamento quanto à questão de validade de apenas um dos dois atos de citação realizados no processo.

Com efeito, na sentença recorrida aludiu-se claramente a dois atos de citação relacionados com dois grupos de processos executivos, instaurados para cobrança de dois grupos de dívidas, de períodos distintos.

E, no entanto, o Recorrente só se pronuncia quanto à questão da validade do primeiro ato de citação.

A única interpretação que se julga possível das doutas alegações de recurso é, por isso, a seguinte: o Recorrente pretende que houve erro de julgamento na parte em que se conheceu da validade da citação primeiramente efetuada; e que, desse erro de julgamento decorre que nenhuma das dívidas exequendas está prescrita.

Pelo que, as duas questões a decidir são as seguintes: a de saber se a primeira citação efetuada é válida e a de saber se, em caso afirmativo, daí decorre que nenhuma das dívidas se encontra prescrita.

Concretizemos um pouco mais a primeira questão: está em causa saber se é válida uma citação por carta registada com aviso de receção enviada à sociedade executada e recebida na sede desta apesar se, entre a data do envio da carta para a citação e a data da sua receção, ter sido decretada a insolvência da sociedade executada.

Na douta sentença recorrida entendeu-se que a citação não foi correctamente efetuada porque não foi efetuada na pessoa do senhor administrador da insolvência, como manda o artigo 41.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

No entanto, aquela citação nunca poderia ter sido efetuada na pessoa do senhor administrador da insolvência. Porque não lhe foi dirigida. Nem tampouco à massa insolvente.

Portanto, o problema nunca poderia ter estado na efetivação da citação, mas na emissão da carta para citação. O erro, a existir, precede as operações que materializam a entrega da carta e remonta ao momento em que a mesma foi emitida.

O erro na identidade do citando só pode ser, para o efeito, o erro na identificação da pessoa a quem a carta para citação deve ser dirigida.

Sucede que, com referência ao momento em que a carta foi emitida, esta foi devidamente efetuada. Desde logo, porque nem sequer tinha sido ainda decretada a insolvência da executada.

Assim sendo, não houve erro nenhum. Nem na emissão da carta, nem na entrega.

E não se vê de que outro vício padeça a citação. Que também não vem invocado.

E este entendimento não é contrariado pela jurisprudência invocada na sentença recorrida. Que analisou situações em que as citações foram ordenadas muito depois da declaração de insolvência.

Na situação dos autos, a execução fiscal deve ser considerada uma execução pendente à data da insolvência, processando-se a intervenção do administrador no processo respectivo nos mesmos termos previstos para os processos pendentes.

Há, assim, que responder à primeira questão nos seguintes termos: a citação do executado, enviada antes da declaração da sua insolvência, não é efetuada na pessoa do administrador de insolvência.

Assim, o Recorrente tem razão nesta parte: houve erro de julgamento na parte em que se concluiu que, pelo facto de não ter sido efetuada na pessoa do senhor administrador de insolvência, esta citação não teve quaisquer efeitos, incluindo os efeitos interruptivos da prescrição.

Passemos à segunda questão: a de saber se daí decorre que nenhuma das dívidas se encontra prescrita.

A esta questão respondemos negativamente.

Como é óbvio, a citação só interrompe a prescrição relativamente às dívidas cobradas nos processos respectivos. Se, como é o caso, foram entretanto instauradas outras execuções, é relativamente às respectivas citações que deverá ser indagada a respectiva eficácia interruptiva.

Que, no caso, não importa indagar, porque o julgamento efetuado pela primeira instância, nesta parte, não é posto em causa no recurso.

Pelo que o recurso merece provimento, mas apenas na parte que diz respeito aos processos executivos mencionados no ponto 2 dos factos provados.

Na parte restante, referente aos processos executivos mencionados no ponto 6 dos factos provados, o recurso improcede.


***

4. Conclusões

I. A citação do executado que lhe seja enviada antes da declaração da sua insolvência não é efetuada na pessoa do administrador de insolvência.

II. A citação do executado efetuada nos termos do número anterior constitui causa interruptiva da prescrição das dívidas cobradas na execução respectiva, ainda que, entre o envio e a receção da carta, tenha sido declarado insolvente.


***

5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida na parte referente às execuções mencionadas no ponto 2 dos factos provados, nesta parte improcedendo a reclamação.

Na parte restante, nega-se provimento ao recurso.

Custas em primeira instância por ambas as partes e na proporção de metade para cada uma.

Custas do presente recurso pela Recorrida, na parte em que decaiu. Que se fixam, para este efeito, na proporção de metade das devidas.

D.n.

Lisboa, 28 de abril de 2021. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo.