Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01280/17
Data do Acordão:01/10/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
PRÉDIO URBANO
PARQUE EÓLICO
Sumário:I - Para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis, estaremos perante a realidade jurídica “prédio” quando se mostrem simultaneamente existentes os três elementos: físico, jurídico e económico constantes do art. 2º do CIMI.
II - O elemento económico traduz-se na necessidade de a fracção de território em causa possuir, por si só, valor económico, distinto do valor das coisas (dos materiais que o compõem), o que não acontece com cada aerogerador integrante de um parque eólico.
Nº Convencional:JSTA000P22750
Nº do Documento:SA22018011001280
Data de Entrada:11/16/2017
Recorrente:PE... - PARQUE EÓLICO DA ............., S.A.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela
. de 14 de Outubro de 2016


Julgou que o valor atendível para efeitos de custas do processo é o valor contestado de 414.910,00 € - art.º 97.º-A, n.º 1, al. c) do CPPT.

. de 23 de Março de 2017


Julgou improcedente a impugnação judicial

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

PE…………. - PARQUE EÓLICO DA ……………, S.A., interpôs recurso do despacho de fls. 155-156, que entendeu que a impugnação nos presentes autos se refere ao acto de fixação do valor patrimonial tributário. Tendo, para esse efeito formulado, alegação, com as seguintes conclusões:

A. Discorda a Recorrente da posição assumida pelo Douto Tribunal a quo no despacho recorrido quanto à determinação do valor da acção proposta e, por via disso, quanto a ser devido o pagamento de nova taxa de justiça pelo impulso processual respeitante à apresentação da petição de impugnação;

B. A Impugnação judicial proposta não tem por objecto qualquer acto de fixação de valores patrimoniais, in casu do valor patrimonial tributário no montante de EUR 414.910,00;

C. O objecto da acção corresponde antes à decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Montalegre a 12 de Março de 2014, a qual, indeferindo a reclamação apresentada pela Recorrente nos termos do artigo 130.°, n.° 3, alínea b), do CIMI, recusou eliminar da matriz o alegado prédio em referência;

D. Em concreto, a questão decidenda objecto dos autos de impugnação consiste em aferir da conformidade à lei do entendimento sustentado pela Administração Tributária quanto ao enquadramento dos aerogeradores de parques eólicos no conceito de prédio previsto no artigo 2.° do CIMI e, por via disso, da legalidade do acto de recusa de supressão da matriz predial urbana do aerogerador acima identificado, cuja emissão se estribou nesse entendimento;

E. O valor patrimonial tributário atribuído ao alegado prédio sub judice não assume qualquer relevância no âmbito da impugnação judicial apresentada, independentemente do respectivo quantum e do momento da sua determinação, a questão decidenda manter-se-á imutável;

F. Por não estar em causa a impugnação de qualquer acto de fixação de valores patrimoniais, o valor da acção proposta não poderia ter sido determinado nos termos do artigo 97.°-A, n.° 1, alínea c), do CPPT, não se mostrando igualmente aplicável qualquer das restantes alíneas deste número;

G. Perante o exposto, não merece acolhimento a posição sufragada pelo Douto Tribunal a quo no despacho recorrido quanto à necessidade de determinação do valor da causa nos termos do artigo 97.°-A, n.° 1, alínea c), do CPPT;

H. Em consequência, não é devida a taxa de justiça determinada pelo Douto Tribunal a quo;

I. Por tudo quanto ficou exposto, requer-se ao Douto Tribunal ad quem que diligencie pela revogação do despacho recorrido, com fundamento em erro de julgamento, por ter tido a sua prolação por premissa uma errónea determinação do valor da causa por parte do Douto Tribunal a quo e, por via disso, um incorrecto entendimento por parte deste Douto órgão jurisdicional da taxa de justiça legalmente devida pela apresentação da petição de impugnação subjacente aos autos acima identificados tudo com as demais consequências legais, nomeadamente de restituição da taxa de justiça, no montante de EUR 1.632,00, que, atento o efeito meramente devolutivo do presente recurso, tenha sido paga pela Recorrente nos termos do artigo 6.°, n.° 1 e Tabela I-A, do RCP, em cumprimento do referido despacho.

Requereu que seja julgado procedente o presente recurso, revogando-se, em consequência, o despacho recorrido e, por via disso, ordenando-se a restituição da taxa de justiça, no montante de EUR 1.632,00, que foi pago pela Recorrente em cumprimento desse despacho, com as demais consequências legais.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da revogação do despacho recorrido por entender que: «(…) como bem enfatizou a Recorrente, o ato impugnado é o da recusa da eliminação do alegado prédio, tipo "outros", propriedade da Impugnante, da matriz predial urbana da freguesia de Cambeses do Rio, Donões e Mourilhe.»

Tal como indicado pela recorrente, tendo em conta o pedido e a causa de pedir desta impugnação judicial, o seu objecto visa atacar a decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Montalegre a 12 de Março de 2014, que indeferiu a reclamação apresentada pela Recorrente nos termos do artigo 130.°, n.° 3, alínea b), do CIMI, e recusou eliminar da matriz o alegado prédio em referência, sendo que a fixação do valor patrimonial foi mera consequência desta decisão de indeferimento.
A impugnação tem por objecto um acto que antecede o de fixação do valor patrimonial tributário, cuja procedência levará à eliminação desse valor patrimonial tributário.
Assim, estamos perante um processo cujo valor deveria ter sido fixado com recurso a critérios indeterminados, nos termos do artigo 12.°, alínea f), do RCP e não tendo por base o valor correspondente a uma impugnação do ato de fixação dos valores patrimoniais, onde seria atendível, para efeitos de determinação do valor da causa para efeitos de custas, o valor contestado.
No pagamento da taxa de justiça inicial teve a impugnante em conta o valor indeterminado, o que se mostra em conformidade com a lei aplicável, pelo que a decisão recorrida, ao determinar o pagamento de complemento de taxa de justiça, fez uma errada aplicação da lei, cometendo erro de julgamento que é causa da sua revogação.





PE………. - PARQUE EÓLICO DA …………., S.A., veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de impugnação n.º 195/14.6BEMDL apresentada contra o acto de indeferimento da reclamação contra a inscrição na matriz dos aerogeradores, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
QUESTÃO PRÉVIA; Correcção de Erros de Escrita

A) Existindo lapsos de escrita na sentença recorrida, requer-se, ao abrigo do artigo 614.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, a esse Douto Tribunal a quo que proceda à sua rectificação:
(i) Ponto 7 da sentença recorrida (página 2): onde se lê «artigo P-9» deverá constar «artigo P-898» e
(ii) Ponto 12 da sentença recorrida (página 4): onde se lê «artigo P-896- deverá constar «artigo P - 898;
(iii) Caso tal não aconteça, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que proceda à sua rectificação, tudo com as demais consequências legais.

Do OBJECTO DO RECURSO

B) Discorda a Recorrente em absoluto do sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo, por entender que o aerogerador em presença não é um prédio na acepção do artigo 2.º do CIMI;

C) Entende a Recorrente padecer a sentença de nulidade por ter o Douto Tribunal a quo omitido a notificação das partes para produzirem por escrito as suas alegações de direito, conforme expressamente prevê o artigo 120.° do CPPT;

D) Perante o exposto, delimita-se o objecto do presente recurso à análise das seguintes questões jurídicas:

i.) Se a sentença recorrida padece de nulidade por força da omissão de notificação para apresentação de alegações escritas nos termos do artigo 120.° do CPPT;

ii.) Se, como defende o Douto Tribunal a quo no âmbito da sentença recorrida, os aerogeradores de parques eólicos são prédios na acepção do artigo 2.° do CIMI.

DA NULIDADE DECORRENTE DA OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES ESCRITAS, NOS TERMOS DO ARTIGO 120.º DO CPPT.

E) Sempre teria o Douto Tribunal a quo de notificar a Recorrente para apresentar alegações escritas antes de proferir a decisão final, nos termos do artigo 120.° do CPPT, sob pena de nulidade processual;

F) Caso a Recorrente tivesse tido a possibilidade de apresentar alegações escritas, teria podido manifestar a sua posição e, desse modo, teria podido sensibilizar o Douto Tribunal a quo para a necessidade de uma tomada de posição distinta;

G) Constata-se pois que a omissão da notificação para apresentação de alegações escritas nos termos do artigo 120.° do CPPT teve influência directa no exame e decisão da causa, tendo a sentença recorrida constituído uma verdadeira decisão-surpresa, situação expressamente vedada pelo artigo 3.º, n.º 3, do CPC, padecendo, por isso, a sentença de nulidade processual;

H) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que reconheça a nulidade de que padece a sentença recorrida, por violação dos artigos 120.º do CPPT, e 3.°, n.º 3, do CPC, tudo com as demais consequências legais;

DO ERRO DE JULGAMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA CONCERNENTE À PRETENSA SUBSUNÇÃO DO AEROGERADOR EM REFERÊNCIA NO CONCEITO DE PRÉDIO PREVISTO NO ARTIGO 2.° DO CIMI

I) O Douto Tribunal a quo entende ser o aerogerador visado um prédio na acepção do artigo 2.° do CIMI, sem que daí resulte qualquer violação das normas constitucionais oportunamente invocadas pela Recorrente - isto é, os artigos 103.°, n.º 2, 165.°, n.º 1, alínea i), e 112.º da CRP;

J) Discorda a Recorrente da posição adoptada pelo Douto Tribunal a quo, na medida em que claudicam os elementos atinentes à natureza física e económica ínsitos no conceito de prédio previsto no artigo 2.º do CIMI, sendo certo que uma interpretação conforme à Lei fundamental - in casu, aos princípios constitucionais plasmados nos artigos 103.° n.º 2, 165.°, n.º 1, alínea i), e 112.º da CRP - pressupõe necessariamente a não aplicação deste preceito legal à realidade em presença;

K) No que especificamente respeita ao elemento atinente à natureza física, entende a Recorrente que o mesmo não se encontra preenchido uma vez que os aerogeradores de parques eólicos constituem conjuntos integrados de componentes - equipamentos - necessários à produção de energia eléctrica, não possuindo a sapata de betão e a estrutura tubular metálica autonomia funcional intrínseca, não sendo subsumíveis nos conceitos de construção e edificação;

L) No que especificamente respeita ao elemento atinente à natureza económica, não possuindo a sapata de betão e a estrutura tubular metálica autonomia funcional relativamente aos demais componentes integrantes do aerogerador, também não a possui, pelos mesmos motivos e maioria de razão, a nível económico, claudicando, em consequência, o preenchimento do requisito em apreço, conforme tem sido aliás expressamente decidido pela jurisprudência dos tribunais superiores;

M) Tudo ponderado, conclui-se não serem os aerogeradores de parques eólicos prédios na acepção do artigo 2.º do CIMI, constituindo os seus diversos componentes bens de equipamento não enquadráveis nos conceitos de construção e edifício, carecendo igualmente de valor económico autónomo;

N) Em consequência, inversamente ao sentido decisório propalado na sentença recorrida, mantêm plena razão de ser os argumentos esgrimidos nos artigos 43.º a 56.º da petição inicial, os quais se dão por integralmente reproduzidos na presente sede, carecendo de fundamento a posição perfilhada pelo Douto Tribunal a quo relativa à alegada não preterição do regime ínsito nos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 112.º da Constituição da República Portuguesa;

O) Com efeito, a subsunção da realidade em presença no conceito de prédio previsto no artigo 2,° do CIMI não pode deixar de ser vista como um meio inadmissível de determinação da incidência tributária em sede de IMI, bulindo directamente com a tipicidade inerente ao escopo garantístico do princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103.°, n.º 2, da CRP, e 8.°, n.º 1, da Lei Geral Tributária;

P) Ademais, provindo do entendimento vertido pela Administração Tributária na Circular n.º 8/2013, de 4 de Outubro de 2013, do Director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, equivale a admitir como possível a definição de obrigações tributárias por meras orientações administrativas, hipótese que resulta manifestamente Incompatível com o disposto no artigo 112.º, n.º 1, da CRP, com o referido princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103.° da CRP e 8.° da LGT e, de igual modo, com o principio da reserva de lei previsto no artigo 165.°, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa;

Q) Tudo ponderado, conclui-se não serem os aerogeradores de parques eólicos prédios na acepção do artigo 2.º do CIMI;

R) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, revogando a decisão recorrida com fundamento em erro de julgamento por incorrecta aplicação do regime ínsito no artigo 2.° do CIMI e, nessa medida, nos artigos 103.º, n.º 2, 165.°, n.º 1, alínea 1), e 112.º, n.º 1, da CRP, tudo com as demais consequências legais.

Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal a quo que rectifique os erros de escrita referidos supra, nos termos do artigo 614.°, n.ºs 1 e 2, do CPC, e, caso tal não aconteça, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que proceda à sua rectificação, tudo com as demais consequências legais.

Mais se requer, nestes termos e nos demais de Direito que esse Douto Tribunal ad quem suprirá, que julgue o presente recurso totalmente procedente, revogando-se, por enfermar de erro de julgamento, a sentença recorrida nos termos e com os fundamentos supra expostos, tudo com as demais consequências legais.

Requer-se ainda a esse Douto Tribunal ad quem, na exacta medida da procedência do presente recurso, a condenação da Fazenda Pública no pagamento das custas de parte, nos termos dos artigos 26.° e 6.°, n.º 7, do RCP, tudo com as demais consequências legais.

Finalmente, requer-se ainda a esse Douto Tribunal ad quem que igualmente aprecie o recurso interposto pela Recorrente no passado dia 31 de Outubro de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 285.° do CPPT.


Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público que concluiu:
(…)face à procedência das conclusões das alegações da Recorrente,
o Ministério Público emite parecer no sentido de que deverá ser concedido provimento aos presentes recursos jurisdicionais e, consequentemente, deverão ser revogado o despacho interlocutório e a sentença recorrida e, em substituição, deverá fixar-se o valor da impugnação, ao abrigo do n.° 2 do artigo 97.°-A do CPPT e, ainda, julgar-se procedente a impugnação judicial, com a anulação do ato impugnado, com todas as devidas e legais consequências.”

Não foram apresentadas contra-alegações.


A sentença considerou provados os seguintes factos:
1. A Impugnante é uma sociedade comercial anónima, com sede e direcção efectiva em Portugal, que se dedica à produção, transporte, venda e distribuição de electricidade proveniente do sector das energias renováveis -art.º 1 da PI, não impugnado;

2. A Impugnante é titular e proprietária de parque eólico sito na União de Freguesias de Cambezes do Rio, Donões e Mourilhe, no concelho de Montalegre, composto por nove aerogeradores da marca Nordex, do modelo N60 - cfr. doc 1 da PI;.

3. Cada um dos referidos aerogeradores é composto por uma sapata de betão ("fundação") com 125,44 m2; uma estrutura tubular metálica ("torre") constituída por quatro pisos, com 13,70 m2 (junto à base) e 4,30 m2 (junto à nacelle); uma nacelle, um rotor e três pás - cfr. docs. 2 a 5 da PI;

4. Ao A. foi-lhe concedida a licença de exploração para o parque eólico em apreço -doc. n.º 6, que aqui se dá por reproduzido;

5. O dito parque eólico iniciou a sua exploração no ano de 2003 - cfr. Doc. 6 da PI;

6. No dia 7 de Janeiro de 2014, a Impugnante foi notificada do ofício n.º15.458.749, do Chefe do Serviço de Finanças de Montalegre, contendo o seguinte:
«Em resultado da avaliação efectuada ao PRÉDIO TIPO "OUTROS" inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P-898 da freguesia 170636 CAMBEZES DO RIO, DONÕES E MOURILHE, foi atribuído o Valor Patrimonial Tributário abaixo descrito [EUR 414.910,00], apurado nos termos do n.º 2, do artigo 46.º do Código do Imposto Municipal sobre imóveis». – doc. 7 da PI;

7. A Impugnante procurou determinar junto do serviço de finanças a realidade avaliada - isto é, o alegado prédio (tipo «outros») inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P-9-, tendo-lhe sido informada de que o mesmo corresponderia a uma das torres eólicas (aerogeradores) do parque eólico denominado "PARQUE EÓLICO DA ……………..": art.º 6.º da PI, não contestado.

8. Ao alegado prédio foi atribuído o valor patrimonial tributário de EUR 414.910,00 - cfr. doc.7. da PI;

9. Por ter discordado da inclusão do aerogerador em apreço na matriz predial urbana, a Impugnante apresentou perante o serviço de finanças reclamação nos termos do artigo 130.°, n.º 3, alínea b), do CIMI, tendo no seu âmbito requerido a sua supressão da matriz e, nesse contexto, sustentado:
«A Reclamante [impugnante] considera que a referida realidade não se enquadra no conceito de prédio para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis ("IMI"), baseando-se para o efeito em parecer jurídico do Professor Doutor CARLOS LOBO, emitido a 28 de Maio de 2010, no qual se salienta que os parques eólicos - e, por maioria de razão, os seus diversos componentes, designadamente as torres eólicas - não beneficiam de qualquer contrapartida pública de suporte infraestrutural, violando a sua hipotética consideração como prédios urbanos o princípio da equivalência, basilar da tributação em sede de IMI [ ... ]. //Por outro lado, o enquadramento da realidade em causa na categoria de «Outros» - na acepção do artigo 6.º, n. º 1, alínea d), do CIMI - é manifestamente desadequado já que tal categoria não é susceptível de integrar componentes de um parque eólico que, por natureza, não são urbanas [... ]. //Paralelamente, importa enfatizar já resultar do regime ínsito no Anexo II, n.º 33, ao Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de Maio, na redacção dos Decretos-Lei n.ºs 168/99, de 18 de Maio, e 339C/2001, de 29 de Dezembro (actualmente previsto no Anexo II, n.º 28, ao Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de Fevereiro), a obrigação de pagamento aos municípios pela Reclamante, na qualidade de empresa detentora de licenças de exploração de parques eólicos, de «uma renda de 2,5% sobre o pagamento mensal feito pela entidade receptora da electricidade produzida», a qual, ainda que sob as vestes encapotadas de contribuição especial, assume a natureza de um verdadeiro imposto, fazendo por isso claudicar a incidência de IMI sobre a mesma realidade tributária ( ... ]. //Pelos motivos expostos, entende a Reclamante ser a torre eólica em referência insusceptível de inclusão matricial para efeitos de IMI, o que nesta sede se invoca para os devidos efeitos legais. Nestes termos, requer-se a supressão da matriz predial urbana do alegado prédio acima melhor identificado, tudo com as demais consequências legais». - cfr. doc. 8 da PI;

10. Paralelamente, a Impugnante apresentou perante o serviço de finanças pedido de segunda avaliação nos termos do artigo 76.º, n.º1, do CIMI, - cfr. doc 9 da PI;

11. Por ofício n.º 263, de 18 de Fevereiro de 2014, do Chefe do Serviço de Finanças de Montalegre, a Impugnante foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da reclamação apresentada e, bem assim, para exercer o seu direito de participação na formação da respectiva decisão –doc. 10 da PI;

12. Do projecto de decisão em referência resulta o seguinte:
«Uma torre eólica constitui uma realidade imobiliária que se enquadra no conceito de prédio para efeitos de tributação em IMI, uma vez que se trata de uma "instalação dotada de autonomia económica em relação ao prédio onde se encontra implantada, embora situada em fracção de território que constitui parte integrante de património diverso", com carácter de permanência e assente no mesmo local por período superior a um ano (n. ºs 1, 2 e 3 do art.º 2.º do CIMI), sendo classificada como prédio urbano, nos termos do n. º 4 do mesmo Código, atendendo a sua natureza, nos termos do art.º 6º do CIMI, é qualificada como prédio urbano tipo outros, tudo como melhor consta do entendimento sancionado na circular n.º 8/2013. Em face do acima exposto é nosso entendimento que a torre eólica se enquadra no conceito de prédio previsto no CIMI, pelo que deverá ser inscrita na matriz. Assim, a pretensão da reclamante [Impugnante] no sentido da não inscrição do prédio na matriz predial urbana da freguesia de Salto, deste concelho, sob o artigo P-896, não deverá ser merecedora de deferimento», - doc. 10 da PI

13. Após exercício de audiência prévia, no dia 14 de Março de 2014, por ofício n.º 450, a Impugnante tomou conhecimento da decisão de indeferimento da reclamação apresentada nos termos do artigo 130.º, n.º 3, alínea b), do CIMI, no âmbito da qual a Administração Tributária mantém o entendimento sustentado no projecto de decisão, recusando suprimir da matriz predial urbana o alegado prédio em referência – doc. 12 da PI.

14. Esta acção deu entrada em 16/4/2014 - cfr. fls. 1 do processo físico;

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Questões objecto de recurso:
1- Rectificação dos erros materiais constantes da matéria de facto provada;
2- nulidade por omissão da notificação das partes para produzirem por escrito as suas alegações de direito, artigo 120.º do CPPT;
3- do erro de julgamento por subsunção do aerogerador em referência no conceito de prédio previsto no artigo 2.º do CIMI;
1. Rectificação dos erros materiais constantes da matéria de facto provada
Por estarem em causa meros lapsos de escrita evidenciados na sentença, mostram-se os mesmos corrigidos, ao abrigo do disposto no art.º 614.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável, por força do disposto no art.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário, no sentido propugnado pela recorrente, em conformidade com os documentos juntos aos autos, na indicação da matéria de facto provada, constante deste acórdão,

2. nulidade por omissão da notificação das partes para produzirem por escrito as suas alegações de direito, artigo 120.º do CPPT

Invoca a Recorrente a nulidade da sentença por omissão da notificação para alegações, prevista no artigo 120.° do CPPT, com o entendimento de que, verificada ela, nos deparamos com a preterição do exercício do contraditório e, daí, a violação do disposto no artigo 3.°, n.° 3, do CPC. Contrariamente ao entendido pelo Magistrado do Ministério Público no seu parecer, a sentença não enferma de nulidade por omissão da notificação a que se refere o art.º 120.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, desde logo por não ser essa uma das possíveis nulidades de que possa enfermar a sentença, que se mostram mencionadas no art.º 125.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Mas também se não trata de uma nulidade praticada no processo que possa determinar a anulação de processado que haja de arrastar consigo a sentença proferida depois de praticada a omissão.
No caso concreto não há qualquer omissão de notificação das partes para alegações, pois, junta a posição do Magistrado do Ministério Público, estando em causa, como se verifica estar, apenas matéria de direito, ao abrigo do disposto no art.º 113.º do Código de Processo e Procedimento Tributário podia tomar-se de imediato conhecimento do pedido.
A notificação para alegações é um trâmite processual que se segue à fase de produção de prova, apenas quando esta tiver lugar, o que aqui não ocorre.
Improcede, pois, este fundamento de recurso.


3- do erro de julgamento por subsunção do aerogerador em referência no conceito de prédio previsto no artigo 2.º do CIMI

A principal questão suscitada nestes autos é o erro de julgamento na aplicação do direito por errada subsunção do direito aos factos dirigido a definir se e em que medida o aerogerador/torre eólica modelo E-82 deve ser considerado prédio nos termos do artigo 2.º do Código do IMI.
A mesma questão relativa à susceptibilidade de cada aerogerador, como pretende a recorrente, integrar o conceito de prédio para efeito de tributação em sede de IMI foi já apreciada em 15-03-2017, no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 0140/15, em que interviemos como adjunta, no sentido que merece o nosso inteiro assentimento, sem que neste processo se vislumbrem argumentos diversos, ali não consideramos, e, que de algum modo nos possam fazer divergir do entendimento ali expresso, que, por isso, aqui reafirmamos inteiramente e, passamos a citar:
«(…) o conceito fiscal de “prédio”, para efeitos de incidência do IMI, afasta-se da noção civilística contida no art.º 204º do Código Civil, corporizando um conceito mais amplo, «porquanto prevê a existência de um elemento de natureza física (o território, o qual deve ser autónomo e ter um carácter de permanência); um elemento de natureza jurídica (resultante da necessidade do prédio fazer parte do património de uma pessoa física ou jurídica) e um elemento de natureza económica (traduzido na exigência de possuir um valor económico em circunstâncias normais), sendo «que só com a confluência dos três elementos podemos qualificar determinada realidade como prédio para efeitos de enquadramento em sede de IMI».
Entendimento que se mostra correto, na medida em que o art.º 2º do CIMI define o conceito de prédio do seguinte modo:
«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.».
Temos, assim, que para efeitos deste imposto, “prédio” é toda a fracção de território (elemento físico), abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência, que faça parte do património de pessoa singular ou coletiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico).
Posto isto, e vista a importância vital do elemento de natureza económica, traduzido na necessidade de a fracção de território em causa possuir, por si só, valor económico para poder ser qualificado como “prédio” para efeitos de incidência objectiva de IMI, a problemática reside, desde logo, em saber se, à luz desta norma, um “parque eólico” pode ser classificado como “prédio” nos termos e para os efeitos da inscrição na matriz predial e consequente avaliação e tributação neste imposto municipal sobre o património imobiliário.
O que passa, necessariamente, por saber o que é um parque eólico.
Da leitura de obras técnicas da especialidade (Cfr., entre outras, a dissertação de mestrado de YESMARY CAROLINA DA SILVA GOUVEIA, no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa - Área Departamental de Engenharia Civil, intitulado “Construção de um Parque Eólico Industrial” e bibliografia aí citada.) decorre, de forma clara, que o objetivo final de um parque eólico consiste no aproveitamento da velocidade do vento para a produção de energia elétrica, sendo que, para que tal aconteça, é necessário que o parque seja constituído por alguns elementos essenciais, nomeadamente por um conjunto de aerogeradores que são interligados por cabos de média tensão e cabos de comunicação ligados a uma subestação e a um edifício de comando, que se liga a uma (habitualmente aérea) rede elétrica de transporte.
Deste modo, um parque eólico é constituído por um conjunto obrigatório e interligado de bens, equipamentos e infraestruturas – aerogeradores (Cada um composto por uma sapata de betão ou “fundação”, uma estrutura metálica ou “torre”, uma nacelle, um rotor, e três pás.), postos de transformação, edifícios de comando e de subestação, rede elétrica de cabos subterrâneos com ligação entre os aerogeradores e o edifício de comando/subestação e, no caso de existência de várias subestações, linhas elétricas de ligação destas, bem como caminhos de acesso - tudo com vista a converter a energia cinética do vento em energia elétrica e a injectá-la no sistema eléctrico de potência, sendo que os grandes parques eólicos exigem a construção de várias subestações e de linhas de transmissão para a conexão ao sistema elétrico de potência, sendo esta injeção ou conexão ao sistema elétrico um dos principais parâmetros de um parque eólico.
Em suma, um parque eólico é uma fracção de território (terrestre ou marítimo) organizado e estruturado com variados e interligados elementos constituintes e partes componentes – onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo (no mínimo cinco), um ou mais edifícios onde se localizam a(s) subestação(ões) e o centro de operação e manutenção – com ligação ao solo e com carácter de permanência, sendo todo esse conjunto de bens e equipamentos imprescindível à atividade económica em questão: atividade de transformação da energia eólica em energia elétrica, sua injeção no sistema elétrico de potência e consequente venda desta eletricidade à rede elétrica de acordo com a tarifa regulada em Portugal para o sector eólico em geral.
O que significa que cada um desses elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não pode, de per si, ser considerado um prédio urbano (“outros”), na medida em que não constitui uma parte economicamente independente, isto é, não tem aptidão suficiente para, por si só, desenvolver a aludida atividade económica (A mesma razão leva a que não possam ser considerados como “prédios” (nem a AT ousa considerá-los como tal) os diversos elementos e estruturas que integram um estádio de futebol (as balizas, as bancadas, a estrutura coberta, os balneários, etc.) ou que integram um campo de golfe (o green, o tee, o fairway, os obstáculos, o edifício de atendimento, etc.), já que cada um dessas estruturas e elementos, que se encontram interligados e conexionados com vista ao mesmo objetivo e finalidade económica, não possuem autonomia económica em relação à fração de território ocupada, pese embora seja incontroverso que tanto o estádio de futebol como o campo de golfe constituem, à luz do mencionado preceito do CIMI, prédios urbanos para efeitos de incidência objetiva de IMI.)
Por conseguinte, e em suma, caracterizando-se como elementos ad integrandum domum, sem autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte, fica afastada a possibilidade de classificar como “prédios” autónomos cada um dos diversos elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico, não só porque o seu destino normal não é diferente de todo o prédio, como, também, porque não é possível avaliá-los separadamente, na medida em que não são partes economicamente independentes.
(…).
Pelo que à míngua do terceiro pressuposto, não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõe o parque eólico (porque individualmente nenhum deles é, por si só, em circunstâncias normais, idóneo para produzir e injectar a energia na rede pública), mas apenas em relação a este (o parque eólico), na sua unidade, atenta a sua finalidade.».
Assiste, pois, razão à impugnante, ora recorrente, quando advoga que os elementos constitutivos de um parque eólico (os aerogeradores, os elementos de ligação, a estação de comando e a subestação) não se subsumem à figura de “prédio” de acordo com a definição constante no CIMI, atenta a falta de valor económico próprio.»
Contrariamente ao entendimento da Administração Tributária de que cada aerogerador (torre eólica) deve ser considerado como realidade distinta e que, mesmo que assim não se entenda, o desiderato da idoneidade para produção e injecção da energia na rede pública é insuficiente, por si só, para afirmar que um aerogerador não tem qualquer valor económico próprio, a falência do referido valor económico de cada aerogerador para produzir a energia eólica faz com que ele não possa ter mais que o valor dos materiais que o compõem e se reduza a uma mera coisa, insusceptível de tributação em sede de IMI.
Inexistindo a referida falta de autonomia económica, não é aceitável a inscrição desta realidade física na matriz predial como um prédio urbano, o que determina, por ilegal, a anulação da decisão de indeferimento da reclamação da matriz.
Fica, pois, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas neste recurso.
A sentença recorrida fez uma inadequada interpretação dos dispositivos legais aplicáveis à situação sub judice incorrendo no erro de julgamento que lhe vinha apontado, a determinar a sua revogação.

Dispensa de remanescente:
Tendo em conta que a principal questão jurídica em apreço nestes autos foi já amplamente debatida noutros processos, o que permite a decisão por mera remissão, ao abrigo do disposto no art.º 26.º e 6.º, n.º 7 do RCP releva a especial e concreta simplicidade da questão, no momento actual, pelo que se dispensam as partes de pagamento do remanescente.


Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento aos recursos, e revogar as decisões recorridas, determinando a anulação da inscrição na matriz dos aerogeradores, e a devolução do valor da taxa de justiça paga em excesso.
Custas pela recorrida que não suportará nesta instância a taxa de justiça visto não ter contra-alegado.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).


Lisboa, 10 de Janeiro de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Ascensão Lopes.