Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0676/02
Data do Acordão:10/23/2002
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:IRC.
COMPROPRIEDADE.
SOCIEDADE IRREGULAR.
Sumário:Enquanto que na situação de compropriedade os interessados se limitam a usufruir dos frutos propiciados pelo património comum, com o espírito do proprietário singular na situação de sociedade, ainda que irregular, existe uma actividade comum exercida pelos sócios, visando a criação de uma utilidade nova, orientada para a obtenção de lucro.
Nº Convencional:JSTA00058245
Nº do Documento:SA2200210230676
Data de Entrada:04/17/2002
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC88 ART2 N1 B N2 ART3 N1 A.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
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1. A... e outros recorrem do acórdão que, no Tribunal Central Administrativo, negando provimento ao recurso, confirmou a sentença que havia julgado improcedente a impugnação de IRC relativa ao ano de 1989 e, por isso, manteve a respectiva liquidação.
Alegou formulando o seguinte quadro conclusivo:
A) - Os RR. reafirmam, na íntegra o conteúdo da Impugnação Judicial inicial, bem como o alegado em sede do recurso intentado no Tribunal Central Administrativo, de cuja decisão ora se recorre;
B) - Está em causa, no essencial, a reacção contra a presunção de que os RR. configuravam uma situação de “sociedade irregular”, e não de mera compropriedade, já que, alegadamente, a aquisição do prédio misto em causa e o seu posterior loteamento teria como objectivo o “lucro”;
C) – Por outro lado, os RR. também não se podiam conformar com facto da alienação onerosa dos lotes de terreno ter sido objecto de apreciação inicial à luz do Código do Imposto de Mais-Valias e, não obstante isso, vir a ser, posteriormente, tributada em Contribuição Industrial / IRC, como foi o caso da liquidação impugnada;
D) – Os RR. nunca se constituíram como “sociedade irregular”, não tendo sido invocado, pela Administração tributária, qualquer facto que, objectivamente, pudesse sustentar tal presunção;
K) – Os RR. adquiriram o terreno em causa para construírem 4 moradias para habitação própria e foi a Câmara Municipal das Caldas da Rainha quem os “forçou”, por razões de interesse público, a promover o loteamento urbano;
F) – Nem sequer está demonstrado, ou é evidente, que os RR. tenham obtido quaisquer ganhos com a operação em causa, dada a importância das cedências com que foram onerados e dos demais encargos que tiveram que suportar;
G) – Releva, de facto, para o conceito de sociedade, designadamente, quando o mesmo é confrontado com o da compropriedade, a intenção manifestada pelos interessados em desenvolver uma determinada actividade visando a obtenção de lucros; e
H) – Porque, comprovadamente, não foi essa a conduta dos RR., a liquidação de IRC objecto de Impugnação é ILEGAL, porque assenta numa evidente ERRÓNEA Qualificação DOS FACTOS TRIBUTÁRIOS em causa, de acordo com o Artº 120º, alínea a), do CPT;
I) - Posto isto, torna-se relevante apreciar a realidade tributária em causa na consideração de que o terreno em causa era um terreno para construção;
J) – Assim, os ganhos provenientes da alienação dos lotes resultantes do mesmo, deverão ser enquadrados nas regras estabelecidas no Artº 1º, n.º 1 e ) 1º, do CIMV, em conjugação com o regime transitório estabelecido no Art.º 5º, n.º 1, do decreto-lei n.º 442-A/88, de 30/11;
L) – Assim, não se pode ignorar que, já anteriormente e em relação aos lotes vendidos em 1988, a Repartição de Finanças das Caldas da Rainha tinha reconhecido a existência do pagamento do encargo de mais-valias, considerando os ganhos produzidos como não sujeitos a Imposto de Mais-Valias, por parte dos RR,
M) – Nestes termos, não podendo concluir-se pela existência de uma sociedade, os ganhos provenientes da venda dos lotes de terreno, designadamente, em 1989, têm que ser tributados no âmbito do IRS;
N) – Assim, face à regra transitória contida no referido Art.º 5º, n.º 1, do DL n.º 442-A/88, de 310/11, é fundamental saber qual o regime aplicável aos ganhos auferidos com a venda dos referidos lotes, no caso da mesma ser tratada no âmbito do Imposto de Mais-Valias;
O) – Porque, sem margem para qualquer dúvida, os lotes de terreno não estariam sujeitos a Imposto de Mais-Valias, também não estão sujeitos a IRS porque a aquisição data de 1974 e
P) – Porque foi a própria Repartição de Finanças quem decidiu o reconhecimento dessa não sujeição, por estar amplamente verificada a regra de exclusão de incidência contida no Art.º 1º, n.º 1, do CIMV;
Q) – Razão porque, por outro lado, a liquidação efectuada ao arrepio desta realidade tem que ser considerada ILEGAL, porque assenta numa evidente ERRÓNEA Qualificação DOS FACTOS TRIBUTÁRIOS em causa, de acordo com o Art.º 120º, alínea a), do CPT;
R) – Por outro lado, o montante dos encargos de mais-valias suportados pelos RR., devem constituir um factor de ponderação fundamental, quanto mais não seja no plano da Justiça e da Equidade Tributária;
S) – E a sua inequívoca consideração pela entidade competente – a Repartição de Finanças das Caldas da Rainha – como razão de exclusão da sujeição ao Imposto de Mais-Valias, constitui um facto tributário relevante;
T) – E relevante porque determinante, como se viu, para o enquadramento jurídico a dar à tributação dos ganhos provenientes do lotes alienados posteriormente a Janeiro de 1989,
U) – De onde decorre que a alienação dos lotes ocorrida em 1989, por se tratar de lotes que não estariam sujeitos a Imposto de Mais-Valias, também não estão sujeitos IRS, de acordo com o, já citado, Art.º 5º, n.º 1, do DL n.º 422-A/88, de 30/11.
O EMMP entende que o recurso não merece provimento pois que:
Os recorrentes nunca referiram que o loteamento em causa se destinava à construção de quatro habitações familiares (cfr. fls. 83 e seguintes) como não o venderam no estado em que o adquiriram nem se limitaram a fruir os seus rendimentos pois que sempre disseram e pretenderam a constituição, no terreno em causa, de vinte e seis lotes, assim o valorizando e posteriormente o venderem pelo que toda esta actividade, desenvolvida ao longo de alguns anos, é reveladora da existência de uma sociedade irregular, nos termos do art.º 36º 2 do C. S. Comerciais.
Como os lotes de terreno em causa foram vendidos no ano de 1989 estavam sujeitos a IRC uma vez que não existe no CIRC norma idêntica à do art.º 1º 1 do CIMV igualmente não existindo, no diploma preambular que aprovou o CIRC, norma idêntica à constante do art.º 5º do Dec. Lei preambular do CIRS.
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2. O acórdão recorrido fixou o seguinte quadro factual:
1. Por escritura pública lavrada no 2º Cartório Notarial de Caldas da Rainha, em 18 de Janeiro de 1974, ... e outros declararam vender aos aqui impugnantes, que declararam comprar, pela quantia de 1.500.000$00, o prédio «Misto composto de um terreno de semeadura com casas de habitação, destinado a construção, no sitio do Bairro ..., denominado "..., ...ou ", freguesia das Caldas da Rainha (...), com a área total de 19.000 m2 (...)» (fls. 68-71).
2. O prédio encontrava-se descrito na respectiva Conservatória como «(...) terreno de semeadura, destinado a construção e casas de habitação (fls. 73-74).
3. Em 27-07-79, os. impugnantes dirigiram ao Presidente da Câmara Municipal de Caldas da Rainha um requerimento solicitando autorização para levar a efeito, no prédio acima descrito, uma urbanização, de acordo com o anteprojecto que então apresentaram em anexo (fls. 75 e ss.).
4. Aquela Câmara Municipal aprovou, em reunião de 13 de Janeiro de 1986, o loteamento urbano do prédio supra, tendo o seu Presidente, em 20 de Maio de 1986, passado o respectivo alvará com o n.º 1-A/86 (fls. 24 e ss. e 83 e ss.).
5. A realização do loteamento ficou sujeita às seguintes prescrições: "É autorizada a constituição de vinte e seis lotes de terreno, numerados de um a vinte e seis (...)".
"Para integração no domínio privado do Município são cedidas as parcelas: Lotes nas 10 e 26 e as Parcelas designadas pelos n.ºs 1 e 2".
”Para integração no domínio público do Município são cedidas todas as obras de infra-estruturas as quais ocupam uma área de terreno com 9.356,5 m2" (fls. 29 e fls. 88).
6. Por escritura pública celebrada em 20 de Maio de 1986, os impugnantes fizeram doação pura e simples (sic) à Câmara Municipal de Caldas da Rainha dos seguintes bens (a destacar do prédio atrás referido) :
«Lote número dez, com a área de cento e noventa e seis metros quadrados (...), ao qual atribuem o valor de um milhão e quinhentos mil escudos».
«Lote número vinte e seis, com a área de cento e noventa e seis metros quadrados (...), ao qual atribuem o valor de um milhão e quinhentos mil escudos».
«Parcela de terreno designada pôr número UM, com a área de cinco mil setecentos e doze metros quadrados (...), à qual atribuem o valor de trezentos mil escudos».
«Parcela de terreno designada por número DOIS, com a área de cento e noventa e dois metros quadrados (...), à qual atribuem o valor de cinquenta mil escudos».
«Todas as obras de infra-estruturas, incluindo arruamentos, passeios e terrenos destinados à construção da futura via circular (...), com a área de nove mil trezentos e cinquenta e seis, vírgula, cinco metros quadrados» (fls. 95-97).
7. Em 21-01-88 e 22-01-88, os impugnantes apresentaram na RF de Caldas da Rainha a dec. modelo 1 - art. 18º do Código do Imposto de Mais - Valias -relativamente à transmissão onerosa dos lotes 11 e 12, respectivamente, à firma "... - Construtores Civis, L.da." (fls.:. 48 e 53).
8. Em 13-09-88, os impugnantes apresentaram naquela repartição a mesma declaração, agora referente à transmissão onerosa dos lotes 13, 14, 15 e 16 à firma “...” (fls. 32, 36, 40 e 44).
9. Por despachos de 14-12-88 e de 22-03-88, o chefe da dita repartição, considerando, além do mais, o descrito em 2.6. e o disposto no ofício - circular n.º D-4/85, de 31-10, da DGCI, sobre a delimitação negativa da incidência do imposto de mais-valias, ordenou o arquivamento dos processos que ali tinham sido instaurados em face da entrega daquelas declarações (fls. 34 e v.º, 38 e v.º, 42 e v.º, 46 e v.º, 50-v.º, 51, 56 e v.º).
10. Além das transmissões referidas em 2.7. e 2.8., os impugnantes procederam também à transmissão onerosa dos seguintes lotes com referência aos anos que se indicam:
– – – – - ano de 1989 – - lotes 9, 20, 21 e 22.
– – – – - ano de 1990 -- lotes I, 2, 3, 4, 5 e 8.
– – – – - ano de 1991 – - lotes 17, 18 e 19 (fls.66-67).
11. Com a urbanização mencionada em 2.3., os impugnantes suportaram custos de, pelo menos, 6.319.940$00 (does. fls. 101-116).
12. Na sequência duma visita efectuada pelos serviços de fiscalização à firma “..., S.A.”, com sede em Caldas da Rainha, os mesmos serviços procederam a uma acção de fiscalização do que designaram por sociedade irregular constituída pelos impugnantes (informação de fls. 62).
13. Elaborado o relatório (informação) na sequência dessa acção de fiscalização, aí se propôs, com recurso aos métodos indiciários, e no que agora importa, relativamente ao ano de 1989, o montante de 2.289.600$00 como lucro tributável da referida “sociedade irregular”, tendo-se procedido ao preenchimento dos modelos de correcção (fls. 62-67).
14. Posteriormente, em 30-11-94, veio a Direcção de Serviços do IRC, nos termos do art. 70º, al. b), do respectivo Código, a emitir a nota de liquidação referente ao IRC, ano de 1989, no montante de 835.704$00, sendo os juros compensatórios no valor de 747.841$00 (fls. 20).
15. Da liquidação foram os impugnantes notificados em 20-12-94, tendo eles procedido ao pagamento do imposto e dos juros, no total de 1.583.545$00, em 16-01-95 (fls. 21 e 22).
16. A impugnação foi apresentada em 16-02-95 (cfr. nota de registo de entrada de fls.3).
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3. O acórdão recorrido do TCA (cfr. fls. 218) negou provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão proferida no tribunal tributário de 1ª instância que julgou a impugnação improcedente, nos termos dos artºs 713º 5, 749º e 762º 1 do C.P.Civil.
A sentença, que o acórdão recorrido confirmou, entendeu que os impugnantes não eram meros co-proprietários do prédio, como defendiam pois que os mesmos, perante os factos provados, haviam constituído, entre si, uma sociedade irregular.
E é esta, conforme sustenta o EMMP, a questão fulcral que importa apreciar e que se prende com saber se entre os recorrentes existiu uma sociedade irregular ou antes uma situação de compropriedade.
Será perante a matéria factual assente e que este STA, como tribunal de revista não pode reapreciar, já que está em recurso acórdão do TCA, cfr. art.º 21º 4, 32º 1 b) e 41º 1 b) do ETAF, que a solução, para a questão objecto dos presentes autos, tem de ser encontrada.
Nesta perspectiva não pode deixar de se considerar assente a conclusão factual que a sentença proferida em 1ª instância e o acórdão recorrido que a confirmou afirmaram de que a aquisição do prédio misto em causa e o seu posterior loteamento teve como objectivo o “lucro” pois que neles se escreveu que “no caso em apreço, os impugnantes não se limitaram a colher os rendimentos do prédio (por exemplo: agricultando-o ou dando-o de arrendamento), mantendo a estrutura que possuía quando lhes foi transmitido. Pelo contrário, desenvolveram nele uma actividade (aqui se compreendendo todo o dispêndio de tempo e energias com o aspecto burocrático, nomeadamente contactos com organismos oficiais, execução das obras, etc.) que conduziu, necessariamente, à criação de algo de novo – a constituição de uma urbanização com 26 lotes. Na execução desta actividade, obviamente que suportaram custos, de resto comprovados, e, naturalmente, obtiveram lucros.”
E a afirmação desta factualidade que se encontra assente é reveladora da indicada intenção societária que, porque não assumiu os termos da lei, não poderá deixar de ser considerada irregular.
Concorda-se, por isso, com a sentença proferida no tribunal tributário de 1ª instância, que acompanha a vasta doutrina que identifica, quando a mesma afirma que os traços que distinguem as situações de compropriedade e de sociedade são os que vêm esta como algo de dinâmico, onde existe uma actividade comum exercida pelos sócios, visando a criação de uma utilidade nova, orientada para a obtenção de lucro, contrariamente ao que ocorre na compropriedade em que os consortes se limitam a usufruir dos simples frutos propiciados pelo património comum, com o mesmo espírito em que se move o proprietário singular.
E nos presentes autos, perante a matéria de facto fixada e que, como já anteriormente se referiu este STA não pode alterar, não se encontra assente que os recorrente, como sustentam, nas alegações do presente recurso, adquiriram o terreno em causa para construírem 4 moradias para habitação própria e que foi a Câmara Municipal das Caldas da Rainha quem os “forçou”, por razões de interesse público, a promover o loteamento urbano.
E perante a matéria factual assente é de concluir que a indicada sociedade irregular estava sujeita à liquidação do IRC impugnado.
Com efeito este incide, cfr. art.º 1º do respectivo código, sobre os rendimentos obtidos, no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos.
E a sociedade irregular é sujeito passivo de IRC, nos termos do art. 2º, nº1, al. b), e nº2, encontrando-se a base de incidência estabelecida no art. 3º, nº1, al. a), do citado Código.
Acompanha-se ainda a sentença proferida em primeira instância quando na mesma se afirma que o acto tributário que é objecto da presente impugnação é a liquidação de IRC, ano de 1989, tornando-se desnecessária qualquer pronúncia sobre a sujeição ou não da situação decorrente dos presentes autos a contribuição industrial ou a imposto de mais-valias e da sujeição ou não pelos recorrentes a encargos de mais-valias que, igualmente, nos termos anteriormente referidos nem sequer se encontram dados como provados nos presentes autos.
Igual argumentação é válida quanto à não sujeição das indicadas vendas a IRS pois que nos presentes autos apenas vem questionada a liquidação de IRC sendo certo que o que foi vendido pelos recorrentes não foi o bem que antes haviam adquirido mas antes os lotes de terreno em que aquele foi transformado.
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4. Termos e que se acorda em negar provimento ao presente recurso.
Custas pelos recorrentes fixando-se em 50% a procuradoria.
Lisboa, 23 de Outubro de 2002.
António Pimpão – Relator – Mendes Pimentel – Vitor Meira