Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02133/14.7BELRS 0382/17
Data do Acordão:07/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:PRINCIPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE
RETROACTIVIDADE DA LEI FISCAL
PRINCIPIO DA TUTELA DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA
Sumário:Tendo a Contribuição sobre o Sector Bancário natureza jurídica de contribuição financeira, não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico, por violação dos princípios constitucionais da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que também a respectiva autoliquidação, ainda que referente aos anos de 2012 e 2013, não enferma de ilegalidade por alegada violação desses mesmos princípios.
Nº Convencional:JSTA000P24818
Nº do Documento:SA22019071102133/14
Data de Entrada:03/29/2017
Recorrente:BANCO A... SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Banco A…………, SA, com os demais sinais dos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal, da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os actos de autoliquidação contribuição extraordinária sobre o sector bancário (CESB) aplicada aos exercícios de 2012 e 2013, no valor de € 22.643.509,46.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1.° A douta sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pelo ora Recorrente relativa aos atos de autoliquidação CESB 2012 e 2013;
2.° Considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito na qualificação do tributo como contribuição financeira;
3.° A evolução de regime jurídico de tributação sectorial da Banca em Portugal foi a seguinte: em 2011 e 2012 vigorou no nosso ordenamento um regime extraordinário de tributação do sector bancário, a CESB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais; em 2013 e 2014, vigoraram em paralelo dois regimes distintos de contribuições sobre o sector bancário: (i) a CESB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais tal como previsto na lei orçamental, e (ii) as contribuições para o Fundo de Resolução (iniciais, periódicas e especiais), àquele efetiva e diretamente destinadas; a partir de 2015, inclusive, vigoram em paralelo três regimes de contribuições sobre o sector bancário: (i) a CESB, cuja afetação de receita foram as despesas estaduais gerais tal como previsto na lei orçamental, (ii) as contribuições para o Fundo de Resolução (iniciais, periódicas e especiais), àquele efetiva e diretamente destinadas, e (iii) as contribuições comunitárias cobradas pelo Fundo de Resolução;
4° Sustenta o Recorrente que apenas as contribuições para o Fundo de Resolução (contribuições dos participantes, iniciais, periódicas e especiais) e as contribuições comunitárias (ex ante e ex post), pela sua estrutura, pressuposto e desígnio, são verdadeiras contribuições, não assim a CESB;
5º De acordo com o Tribunal a quo, a criação do Fundo de Resolução e a afetação de receitas a esta entidade assumiria uma relevância determinante para a qualificação do tributo como contribuição; contudo, no que concerne a CESB 2012, inexistindo qualquer afetação da correspondente receita, revela-se erróneo aludir à posterior existência do Fundo de Resolução;
6.º No que concerne a CESB 2013 inexistiu uma afetação a priori da correspondente receita ao Fundo de Resolução;
7.º O artigo 153.°-F do RGICSF foi então derrogado pela Lei do Orçamento do Estado para 2013, que destinou a receita do imposto às despesas estaduais gerais;
8.º Por outro lado, a transferência prevista na Lei n.º 75-A/2014, após a aplicação de uma medida de resolução, é irrelevante para efeitos da qualificação jurídica do tributo pois aquela transferência de receita, quando já há muito estava extinta a obrigação tributária, não é passível de desvirtuar a posteriori a natureza do imposto CESB 2013;
9.º No âmbito da caracterização da natureza do tributo, também não releva a finalidade alegada pelo legislador de prevenção de riscos sistémicos;
10.º Não se pode concluir por um perfil preventivo do tributo pela simples circunstância da incidência objetiva da CESB sobre o passivo pois a atividade bancária consiste, por natureza e definição, na receção de depósitos do público para a concessão de crédito, o que significa que a assunção de passivos é-lhe intrínseca;
11.º O regime da CESB prevê uma incidência objetiva sobre o passivo de toda a espécie em balanço, não operando distinções em relação ao tipo de passivo e não atendendo ao perfil de risco das instituições de crédito, diferentemente das demais contribuições setoriais;
12.º A base de incidência residual do tributo — instrumentos financeiros derivados — tão-pouco traduz uma dissuasão de comportamento avesso ao risco porquanto os instrumentos financeiros derivados têm, muito frequentemente, uma função de cobertura do risco e não especulativa e o facto de a lei desatender à função do instrumento (diferentemente da base de incidência da contribuição comunitária) revela a ausência, também aqui, de desígnio dissuasivo de comportamentos;
13.° O desígnio primordial da CESB é o financeiro e não a prevenção de comportamentos, desde logo porque o imposto extraordinário, avulso e temporário aqui em causa, sempre foi exógeno (aplicado a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que o sujeito passivo possa adequar a sua atuação);
14.° Porém, mesmo que os fins da extrafiscalidade estivessem de facto presentes na CESB, tal natureza pigouviana do imposto mais reforçaria a correspondente natureza fiscal, e não a natureza de contribuição;
15.° Assente que para a CESB 2012 e CESB 2013, aquando da sua génese, é indiferente em absoluto o Fundo de Resolução, então apenas resta o teste da “estrutura” do tributo para aferir da natureza unilateral ou bilateral da CESB;
16.° Não é possível identificar na CESB a contraprestação de uma prestação pública específica porquanto: (i) a intervenção estatal para resgate de um banco, na era pré-resolução, não é juridicamente uma prestação que se possa dizer, com certeza, segura, e (ii) a estrutura do tributo, no caso particular da CESB 2012 e 2013, não reflete uma comparticipação nos potenciais encargos estatais com uma futura intervenção pública no sector bancário;
17.° Diferentemente das posteriores contribuições para o Fundo de Resolução ou diferentemente das contribuições comunitárias, não existe na CESB qualquer pretensão de onerar em função de uma prestação pública específica, não existe qualquer pretensão de onerar em função do risco;
18.° Em suma, desassociando a CESB daquilo que lhe não está associado (a criação e funções do Fundo de Resolução), como se impõe que se faça em termos jurídicos, não pode senão concluir-se que não é contrapartida de nenhuma prestação pública específica, mas antes se qualifica como imposto (tal como classificada pelo legislador orçamental);
19.° No que concerne a violação da proibição da retroatividade da lei fiscal, o Tribunal recorrido identificou, em erro de julgamento de direito, um facto tributário «em formação», no início da vigência da lei agravadora, quando, na realidade, os factos tributários aqui em causa estão totalmente formados antes da lei nova.
20.° No caso vertente, o facto tributário - facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência da taxa e que determina o nascimento da obrigação tributária — é a assunção/manutenção dos passivos e instrumentos financeiros derivados, num determinado período, e, ao contrário do que se refere na sentença recorrida, a aprovação das contas não forma parte do facto tributário, não assume, de acordo com o previsto no regime da CESB, o relevo jurídico de fazer eclodir a obrigação tributária;
21.° As normas sob sindicância prescrevem um agravamento tributário incidindo sobre passivos e instrumentos financeiros, aplicando-se a tais factos ocorridos antes do início da respetiva vigência, ao abranger exercício económico já encerrado;
22.° A técnica legislativa de prorrogação de vigência equivale, em tudo, criação inovatória de um tributo de natureza retroativa, ou a um agravamento de taxa retroativo, uma vez que tal prorrogação ocorre numa data em que já havia cessado a vigência do normativo anterior e na qual já se produziram os factos tributários que a prorrogação do regime visa atingir;
23.° São materialmente inconstitucionais, por violação do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, normativo do artigo 182.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro e o do artigo 252.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, por conjugadamente com a norma do artigo 3.º do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, ao determinarem a incidência sobre exercício anual encerrado antes de 1.01.2012 e 1.01.2013, respetivamente (sobre os passivos e instrumentos financeiros detidos nesse período), imporem a tributação de factos integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor;
24.° Mesmo que assim não se entendesse, sempre seriam atentatórios do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica, corolário do princípio de Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP;
25.° Desde logo, o tributo não obedece ao propósito de prevenção de riscos sistémicos pelo que nunca poderia apelar-se a um tal fito como sendo o interesse constitucional prevalecente e justificador da retroatividade,
26.° Por outro lado, atendendo à existência de alternativas viáveis do mesmo tipo e que permitiam obter a mesma receita sem infringir a Constituição, designadamente a consideração do período de referência subsequente à entrada em vigor da nova lei, deveria ter concluído o Tribunal a quo que as disposições sindicadas não passam o teste da necessidade;
27.° No que concerne a violação do princípio da legalidade, considerou o Tribunal recorrido que os referidos normativos não violam o princípio da legalidade fiscal consagrado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165º, n.º 1, alínea i), da CRP;
28.° O Tribunal a quo assenta a sua conclusão no pressuposto de que a CESB tem a natureza de contribuição financeira e, como tal, não estava sujeita a uma reserva integral de lei;
29.° Discorda o Recorrente de tal entendimento, desde logo, por considerar que, enquanto o legislador não aprovar o regime geral das contribuições financeiras, elas deverão seguir o regime jurídico dos impostos, quando o sujeito passivo não aufira um benefício individualizado;
30.° Em todo o caso, não assiste razão ao Tribunal recorrido atendendo a que o tributo e análise tem a natureza de imposto, como tal sujeito à reserva integral de lei;
31.° Cumpre notar que a regulamentação da Portaria não se limita a densificar os conceitos da base objetiva do imposto, alterando-a;
32.° Acresce que não existe nenhuma justificação atendível constitucionalmente na situação dos autos para a não fixação da taxa, para além da falta dos «critérios de decisão normativa a ter em conta na fixação efectiva da taxa do imposto» (cf. Acórdão n.º 70/2004 do Tribunal Constitucional), no fim do, os critérios reveladores da justificação legítima para a não fixação imediata da taxa;
33.° São, pois, materialmente inconstitucionais os normativos dos artigos 3º, 4.º e 8.º do regime da contribuição sobre o sector bancário, na medida em que os mesmos não definem, como se impõe na lei constitucional, todos os aspetos essenciais do imposto, designadamente a incidência objetiva do imposto e a taxa, como também são organicamente inconstitucionais os normativos dos artigos 4.º e 5.º da Portaria n.º 121/2011, na medida em que o primeiro inova sobre a base de incidência objetiva de um imposto e o segundo fixa arbitrariamente a taxa do imposto;
34.° A respeito da violação do princípio da igualdade, entendeu o Tribunal a quo que à CESB, porque se trata de verdadeira contribuição, regida pelo princípio da equivalência, não tem porque aplicar-se o princípio da capacidade contributiva enquanto critério uniforme de tributação;
35.° Entende o Impugnante que, face ao carácter meramente financeiro da CESB, a qual visa aumentar a carga tributária do sector para, alegadamente, nivelá-la com a dos demais contribuintes, encerra arbítrio aplicar este adicional de imposto de acordo com um critério distinto do aplicável aos demais contribuintes e não coincidente com o da capacidade contributiva;
36.° Como refere o Tribunal Constitucional, não pode uma determinada norma colher legitimidade e justificação na proclamação do objetivo de reforma do sistema e, simultaneamente, configurar-se como uma medida extraordinária e de vigência transitória (cf. Acórdão n.º 862/2013, de 19 de dezembro de 2013);
37.° A igualdade na distribuição dos sacrifícios exigiria, no entender do Recorrente, que os impostos extraordinários, os adicionais, as derramas ou sobretaxas especiais, se aplicassem a todos de acordo com a capacidade contributiva;
38.º A CESB, desrespeitando a generalidade e o critério da capacidade contributiva ao qual todos os impostos devem obedecer, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade fiscal resultante do artigo 13.º da CRP;
39.° Por último, ainda que se classificasse a CESB como uma verdadeira contribuição, no que não se concede, sempre esta incorreria em violação do princípio da equivalência;
40.° Sendo verdadeira contribuição, impunha-se que houvesse uma relação entre o tributo e a prestação estadual provável, designadamente modulando a carga tributária em função dos maiores ou menores riscos tal como sucede nas demais figuras tributárias específicas do sector bancário;
41.° A CESB é o único tributo, dos específicos do sector bancário, que não atende à proporção/rácio de capital próprio das instituições de crédito, à respetiva situação de solvabilidade;
42.° Diversamente do que entendeu o Tribunal a quo, a CESB de 2012 e 2013, que é a que está em análise nos presentes autos de impugnação de autoliquidação, não foi criada para capitalizar um Fundo de Resolução; a CESB é o único tributo, dos específicos do sector bancário, que não foi criada em acompanhamento de um regime de resolução bancária e com o fito de capitalizar um Fundo de Resolução;
43.º Assim, tem-se por afetado o princípio da equivalência por desproporcionalidade stricto sensu quando o legislador opta por um tributo extraordinário, não prospetivo, descomprometido com qualquer modulação em função do perfil de risco, sem afetação prévia da receita à prossecução de uma finalidade específica, tendo presente que era perfeitamente possível conformar de outra forma a contribuição de modo mais respeitador da “equivalência prestação/contraprestação” e o legislador disso tinha plena consciência;
44.° Em face do exposto, não poderá deixar de se considerar que a CESB 2012 e a CESB os normativos dos artigos 182.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro e artigo 252.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, conjugadamente com os normativos dos artigos 2.º, 3º e 4.º do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010 - violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, padecendo por isso de inconstitucionalidade material;
45.° Deste modo, não pode a decisão recorrida manter-se, devendo ser revogada e substituída por decisão de procedência integral da impugnação, com o consequente reembolsado do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRC;»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer a fls. 264 e seguintes, com o seguinte teor:
«Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra autoliquidações da Contribuição sobre o sector bancário no montante global de € 22 643 509,46 (anos 2012 e 2013)
FUNDAMENTAÇÃO
Questões decidendas:
1. Natureza do tributo designado por Contribuição sobre o sector bancário (art.141° Lei n° 55-A/2010, 31 dezembro)
2. Violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal (art.103° n°3 CRP)
3. Violação do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica (art.2° CRP)
4. Violação do princípio da legalidade fiscal (arts. 103º n°2 e 165° n°1 al. i) CRP)
5. Violação do princípio da igualdade e do princípio da equivalência (art. 13° CRP)
Primeira questão decidenda (natureza do tributo designado por Contribuição para o sector bancário — art. 141° Lei n° 55-A/2010, 31 dezembro)
A solução da questão deve ponderar as características específicas do tributo sob análise e a sua subsunção aos conceitos normativos das figuras do imposto e da contribuição financeira, densificados pelos contributos da jurisprudência e da doutrina.
O imposto define-se como prestação pecuniária unilateral, imposta coactivamente pelo Estado ou por uma entidade pública, sem carácter sancionatório, visando a obtenção de receitas para a satisfação de necessidades públicas; tem como pressuposto a capacidade contributiva, revelada através do rendimento, da sua utilização ou do património (art.4° n°1 LGT)
As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam colectivamente de uma actividade administrativa (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa anotada 1 vol., pag.1095, 4ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma situação de bilateralidade genérica.
Preenchem este requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa actividade se pretendem atingir (…).
(Acórdão Plenário do Tribunal Constitucional n° 539/2015; com construção teórica semelhante Sérgio Vasques Manual de Direito Fiscal Almedina 2014 p223)
A comunicação da Comissão Europeia ao Conselho Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Banco Central Europeu- Fundos de resolução de crises nos bancos [COM 2010] transmitiu as conclusões extraídas da Cimeira do G-20 de Pittsburgh, de setembro 2009 e do Conselho do ECOFIN,18 maio 2010, nos seguintes termos:
“A Comissão apoia a criação de fundos de resolução de crises ex ante, financiados por uma taxa sobre os bancos (...),que facilitem a resolução de crises nos bancos em dificuldades, de forma que evitem o contágio e que permitam a liquidação de um banco de forma ordeira e num prazo que evite a venda urgente dos activos («princípio da previdência»).
(...) A função dos fundos de resolução será contribuir para o financiamento da resolução ordeira das dificuldades em que se encontra uma entidade financeira.
Devem estar disponíveis para a resolução dos problemas dos bancos, independentemente da sua dimensão e do seu grau de interligação”
Nesta sequência o relatório do Orçamento de Estado para o ano 2011 refere a “criação de uma contribuição para o sector bancário na linha daquelas que foram já introduzidas noutros Estados Membros [da União Europeia], com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social.”
O regime da contribuição para o sector bancário (CSB) consta do art. 141° Lei nº 55-A/2010, 31 dezembro (Lei OGE 2011), tendo sido prorrogado com a Lei n° 64-B/2011, 30 dezembro (Lei OGE 2012) e com a Lei n° 66-B/2012, 31 dezembro (Lei OGE 2013).
A sua regulamentação consta da Portaria n° 121/2011, 30 março alterada pela Portaria n° 77/2012, 16 março.
O DL n° 31-A/2012, 10 fevereiro introduziu alterações no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) e procedeu à criação de um Fundo de Resolução com o objectivo de prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal, constituindo uma das suas fontes de receitas a Contribuição para o sector financeiro (art.153°-B e 153°-F n°1 al. a) RGJCSF).
A CSB não se destina à satisfação de necessidades genéricas de financiamento do Estado; antes à prevenção de riscos sistémicos no sector bancário, resultantes de imparidades excessivas reveladas nos balanços das instituições do sector que, pondo em causa o seu regular funcionamento, afectem a imprescindível relação de confiança com os clientes.
O tributo sob análise dirige-se a um grupo homogéneo de destinatários constituindo a compensação de uma eventual intervenção do Fundo de Resolução na capitalização de qualquer instituição do sector em dificuldades financeiras, da qual todas as instituições do sector serão beneficiárias, por via da eliminação ou minoração de qualquer risco sistémico.
Em consequência a natureza de contribuição financeira surge claramente afirmada, sendo de recusar a tese da recorrente segundo a qual o tributo em causa tem a natureza de imposto.
Segunda questão decidenda: violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal (art.103° n°3 CRP)
Para a solução da questão é relevante a distinção entre retroactividade própria ou autêntica e retroactividade inautêntica.
A primeira traduz-se na aplicação da lei nova a factos tributários verificados antes do início da sua vigência; a segunda consiste na aplicação da lei nova a factos tributários duradouros, em curso quando a lei nova inicia a sua vigência.
Em jurisprudência consolidada o Tribunal Constitucional tem interpretado o princípio com o sentido de que:
- a proibição constitucional apenas abrange a retroactividade autêntica, sendo os casos de retroactividade inautêntica tutelados à luz do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático — art.2° CRP
- o princípio constitucional aplica-se apenas aos impostos, com exclusão das outras figuras tributárias (taxas e contribuições financeiras); para estas, mesmo perante uma situação de retroactividade autêntica, a apreciação da conformidade constitucional das normas deverá ter como parâmetro o princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica (acórdãos Tribunal Constitucional nºs 287/90, 30 outubro 1990; 128/2009, 12 março 2009; 399/10, 27 outubro 2010 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
No caso concreto as normas que constitui o fundamento jurídico da liquidação da CSB não estão inquinadas de inconstitucionalidade, por violação da proibição da retroactividade autêntica, se considerarmos que;
- a CSB foi criada pelo art.141° Lei n° 55-A/2010, 31 dezembro (Lei OGE 2011), com início de vigência em 1 janeiro 2011, tendo o seu regime jurídico sido sucessivamente prorrogado nos anos 2012 e 2013 pela Lei OGE 2012 (art.182° Lei n° 64-B/2011, 30 dezembro) e pela Lei OGE 2013 (Lei n° 66-B/2012, 31 dezembro)
- os factos tributários correspondentes às CSB dos anos 2012 e 2013 são constituídos pelos passivos apurados e aprovados pelo sujeito passivo (deduzidos dos fundos próprios de base (Tier 1) dos complementares (Tier 2) e dos depósitos abrangidos do Fundo de Garantia de Depósitos) no próprio ano em que é devida a contribuição (art. 3° do regime da CSB constante do art.141° Lei n° 55-A/2010, 31 dezembro; art.6° Portaria n°121/2011, 30 março;
- em consequência o facto tributário só fica inscrito na ordem jurídica com a aprovação do passivo (embora respeitando ao ano económico anterior ao ano da aprovação);
- os factos tributários assim configurados verificaram-se após o início da vigência do regime da CSB, em 1 janeiro 2011.
Terceira questão decidenda: violação do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica (art.2° CRP)
Em jurisprudência consolidada o Tribunal Constitucional tem afirmado que, fora do âmbito dos impostos, a retroactividade de outros tributos apenas deve ser recusada em caso de violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos contribuintes, resultante da aplicação cumulativa dos seguintes critérios:
a) introdução na ordem jurídica de normas que produzam uma mutação que, razoavelmente, os seus destinatários não possam prever;
b) alteração da ordem jurídica ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes sobre os interesses particulares afectados (acórdão Tribunal Constitucional n°135/2012, 7.03.2012)
No caso concreto os pressupostos exigíveis não se verificam, se considerarmos que:
a) a CSB não foi classificada como tributo extraordinário pelo legislador quando da sua criação, contrariamente à tese da recorrente; (art.141° Lei n° 55-A/2010, 31 dezembro - Lei OGE 2011),
b) a Comunicação da Comissão Europeia de 2010 - Fundos de resolução de crises nos bancos, dirigida ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Banco Europeu (da qual os sujeitos passivos da CSB tiveram conhecimento, na qualidade de instituições de créditos integrantes do sistema bancário europeu), expressamente apoiava a criação de fundos de resolução de crises ex ante, financiados por uma taxa sobre os bancos que prosseguisse dois objectivos:
«i) mobilização dos montantes necessários, em função da natureza da sua utilização (ou seja, da probabilidade e custo da resolução);
ii) fazê-lo de forma que incentive um comportamento adequado, reduzindo o risco de que seja necessário recorrer aos mecanismos de resolução de crises.
Os parâmetros principais são essencialmente três: a contribuição terá por base os passivos da instituição, os seus activos e os seus lucros»
Quarta questão decidenda: violação do princípio da legalidade fiscal (arts.103° n°2 e 165° n°1 al i) CRP)
Assumindo a natureza de contribuição financeira (pelos motivos enunciados na solução da primeira questão) a CSB não está sujeita a reserva de lei formal, expressa na imperatividade de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo, com credencial parlamentar (arts.165° n°1 al. i) e 198° n°1 al. b) CRP)
A ausência de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras não é impeditiva da aprovação pelo Governo de contribuições financeiras individualizadas, sem prejuízo de a Assembleia da República poder revogar, alterar ou suspender os respectivos diplomas (acórdãos Tribunal Constitucional nºs 70/2014, 20 março 2014; 365/2008, 2 julho 2008; 539/2015, 20 outubro 2015-Plenário)
No caso concreto o regime jurídico da CSB (RCSB) foi criado por lei da Assembleia da República (art.141° Lei n° 55-A/2010, 31 dezembro -Lei OGE 2011), dela constando a incidência subjectiva e objectiva e as margens de variação das taxas aplicáveis a cada uma das componentes da base de incidência objectiva (arts.2°, 3 e 4°)
A Portaria n° 121/2011, 30 março limitou-se à densificação das características essenciais do regime jurídico (base de incidência, taxas, regras de liquidação, de cobrança e de pagamento), cumprindo a missão regulamentar prescrita no próprio regime jurídico da CSB constante da Lei da Assembleia da República (art.8° RCSB)
Neste contexto
- as normas constantes dos arts 3°, 4° e 8° do RCSB não enfermam de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade fiscal (arts.103° n°2 CRP);
- os arts. 4° e 5° da Portaria n° 121/2011, 30 março não enfermam de inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da reserva de lei formal (art.165° n°1 al i) CRP)
Quinta questão decidenda: violação do princípio da igualdade e do princípio da equivalência (art.13° CRP)
O princípio da igualdade aplicado ao domínio tributário declina-se na sua dupla vertente:
- igualdade perante a lei fiscal, no sentido da inexistência de qualquer discriminação dos cidadãos face às leis fiscais;
- igualdade tributária ou igualdade de sacrifícios, expressa em igualdade horizontal (significando que os titulares das mesmas formas de riquezas devem ser tributados em termos iguais) e em igualdade vertical (significando que o sacrifício dos encargos fiscais deve ser repartido em função dos rendimentos de cada um)
A observância do princípio da igualdade tributária traduz-se num resultado positivo do teste de adequação das normas tributárias aos critérios da capacidade contributiva e da equivalência.
O princípio da igualdade, tendo como corolário no domínio dos impostos o princípio da capacidade contributiva, declina-se no domínio das taxas e contribuições financeiras como princípio da equivalência
Aplicado às contribuições financeiras este princípio significa que deve haver uma relação de equivalência entre a prestação da entidade pública e o valor do benefício obtido ou do custo provocado pelos sujeitos passivos destas figuras tributárias; equivalência não sinalagmática, na medida em que as contribuições financeiras respeitam, a feixes de prestações de que apenas podemos presumir provocadas ou aproveitadas por certos grupos de contribuintes (acórdão Plenário do Tribunal Constitucional n°539/2015, 20 outubro 2015).
A análise do caso concreto, à luz das antecedentes considerações teóricas, compreende a enunciação das seguintes premissas, de cuja conjugação claramente resulta que os elementos essenciais da CSB observam o princípio da equivalência:
1ª a CSB atinge igualmente todas as instituições de crédito do sector bancário a operar em Portugal, independentemente de a sua sede principal e efectiva se situar em território português (art. 2° RCSB; art.2° Portaria n° 121/2011, 30 março) — universalidade da lei
2 a modulação da carga tributária em função dos maiores ou menores riscos sistémicos provocados pela actuação dos sujeitos passivos, expressão da observância de um critério de proporcionalidade na construção da estrutura sinalagmática, está presente no desenho da base de incidência objectiva do tributo: incidindo a CSB sobre o valor do passivo apurado e aprovado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados é indiscutível que, embora a taxa não seja progressiva, o valor da contribuição a pagar por cada sujeito passivo é directamente proporcional à intensidade do risco sistémico que a sua actuação pode provocar, directamente associada à dimensão do passivo e, consequencialmente, à dimensão da lesão resultante do eventual incumprimento das suas responsabilidades para com terceiros, depositantes ou titulares de produtos financeiros emitidos ou garantidos pelas instituições de crédito (art.4° Portaria n° 121/201, 30 março)
Neste contexto as normas que definem a incidência subjectiva e objectiva e as taxas da CSB, constantes do RCSB (art.141° Lei n° 55-A/2010, 31 dezembro — Lei OGE 2001) não violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade (art.13° CRP).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada»

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – No Tribunal Tributário de Lisboa foram dados como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:
«1) A impugnante é uma instituição de crédito (facto não controvertido).
2) A impugnante apresentou, junto dos serviços da administração tributária (AT), a 27.06.2012, declaração modelo 26, na sequência da qual procedeu à autoliquidação da contribuição sobre o setor bancário, relativa ao ano de 2012, no valor de 11.841.593,99 Eur. (cfr. fls. 83 e 84, do processo administrativo — reclamação graciosa).
3) O valor referido em 2) foi pago a 29.06.2012 (cfr. fls. 941 do processo administrativo — reclamação graciosa).
4) A impugnante apresentou, junto dos serviços da AT, a 21.06.2013, declaração modelo 26, na sequência da qual procedeu à autoliquidação da contribuição sobre o setor bancário, relativa ao ano de 2013, no valor de 10.801.915,47 Eur. (cfr. fls. 86 e 87, do processo administrativo — reclamação graciosa).
5) O valor referido em 4) foi pago a 27.06.2013 (cfr. fls. 96, do processo administrativo — reclamação graciosa).
6) Através de documento escrito, remetido, via correio postal registado, aos serviços da AT, a 27.06.2014, a impugnante apresentou reclamação graciosa das autoliquidações referidas em 2) e 4) (cfr. documentos juntos de fls. 4 a 100, do processo administrativo — reclamação graciosa).
7) Na sequência do referido em 6), foi autuado o procedimento de reclamação graciosa n.º 3085201404006020 (cfr. fls. 3, do processo administrativo — reclamação graciosa).
8) No âmbito do procedimento mencionado em 7) foi elaborada, na divisão de gestão e assistência tributária da unidade dos grandes contribuintes, informação, datada de 24.07.2014, no sentido da improcedência da reclamação graciosa referida em 6), constando da mesma designadamente o seguinte:
“…
§ V. DA ANÁLISE DO MÉRITO DO PEDIDO
15. Compulsado o teor da petição Inicial apresentada pela Contribuinte, ora Reclamante, e considerando que nos autos estão em causa dirimir se o ato tributário a sindicar enferma ou não dos vícios de ilegalidade que lhe são apontados, somos então a aferir da bondade dos argumentos nesta sede trazidos ao nosso conhecimento. Isto pari passu com o itinerário percorrido pela apresentante.
Dito isto,
§ VI. Do cálculo de Imposto
§ V.I.I. Da Contribuição Sobre o Setor Bancário
§ V.I.I.I. Dos argumentos da Reclamante
16. Em primeiro lugar, a Contribuinte, ora Reclamante, argumenta que a Contribuição sobre o Sector Bancário que motu proprio «autoliquidou é ilegal, por inconstitucional da norma que a prevê, por violação do princípio constitucional da não retroatividade dos tributos, contemplado no art.° 103° da Constituição da República Portuguesa e por violação dos princípios da equivalência é da capacidade contributiva, estes por sua vez previstos no art° 13°, também da nossa Lei Fundamental.
17. Depois, em segunda instância, alude ainda a uma pretensa inconstitucionalidade orgânica das normas legais que introduziram e regulamentam a própria Contribuição Sobre o Setor Bancário, afirmando que a incidência e a respetiva taxa foram fixadas tão somente por portaria, em violação do princípio da reserva de lei previsto no artº 165.º da Constituição da República Portuguesa.
§ V.I I.II. Da apreciação de mérito
(…)
20. Sobre matéria em análise, a nova “contribuição” criada pelo art.° 141.º da Lei nº 55-A/2010, de 30 de março cuja regulamentação foi introduzida pela Portaria n° 121/2011, de 30 de março, refira-se sucintamente que a criação desta taxa teve na sua origem vários aspectos discutidos na Cimeira de Pittsburgh, de setembro de 2009, e no Conselho ECOFIN, de 18 de maio de 2010, nos quais se afirmou que deveria ser esse setor a pagar os encargos que ele próprio gera, através da criação de um imposto sobre bancos, -
Aliás,
21. Alguns Estados, como por exemplo, a Alemanha e a Suécia, decidiram que as receitas provenientes deste tributo seriam afetas a fundos de Resolução de Crises Administrativa geridos por organismos executivos Independentes.
Neste sentido,
22. Com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal exigido ao setor financeiro e, bem assim de eliminar ou diminuir os riscos sistémicos que lhe estão por sua vez associados, o próprio Orçamento de Estado para o ano 2011, art.º 141.° da respetiva Lei, criou a denominada “Contribuição Sobre o Setor Bancário”, cujo regime legal se encontra complementado de acordo com o preceituado na Portaria n° 121/2011, de 30 de março.
Contudo;
23. De acordo com as alegações proferidas pela Contribuinte, ora Reclamante, recorde-se, é invocado que o ato tributário praticado, está ferido de ilegalidade em razão da sua pretensa inconstitucionalidade invocada em vários sentidos.
Porém,
24. Não lhe assiste qualquer razão.
Com efeito,
25. Interessa, por isso, para além do principio da não retroatividade da lei fiscal, trazer aqui à colação, por um lado, o disposto n.º 2 do art.º 103° da Constituição da República Portuguesa, o qual consagra expressamente que (...) os impostos são criados por lei que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, e, por outro a alínea i) do n.º 1 do art.º 165°, igualmente da nossa Lei Fundamental, o qual, por sua vez, estabelece que “(...) é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre (...) a criação de impostos e sistema fiscal”, mais, .segundo o n°2 do mesmo artigo, “leis de autorização legislativa devem definir .o objeto, o sentido, a extensão a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada”.
Ora,
26. Quanto à alegada violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, vertido no art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa, não vislumbramos como, atento o momento da verificação do facto tributário, se possa arrazoar invocando um pretenso dissídio com tal postulado constitucional.
27. Por sua vez, no que concerne à invocada Inconstitucionalidade material e orgânica, não se pode olvidar que, numa primeira linha, cabe ao aplicador de leis expressamente reportadas a determinados factos, analisar os caracteres de tais leis, a sua natureza e fundamento, e o seu enquadramento na ordem geral da política financeira, expressa ou implicitamente revelada nas manifestações do Governo ou da Assembleia da República, concluir sobre a alteração ou não de determinada legislação e a sua conformidade.
28. Na verdade, é a lei, no seu mais amplo sentido (compreendendo as leis parlamentares, os decretos- leis, os decretos-regulamentares, as portarias e os despachos normativos), que constitui o meio formal de expressão das normas jurídicas.
Pelo que,
29. É de manual que a adoção de um ou de outro tipo de forma legal varia e depende do grau do interesse do objeto disciplinado ou consagrado pela norma ou do grau e gravidade do seu efeito perante as pessoas por elas afetadas ou perante a própria sociedade em que elas próprias se integram.
Destarte,
30. Através de uma adequada ponderação dos interesses em causa, e atendendo que a própria Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade, somos de parecer que, em nossa opinião, face ao que até aqui foi dito não subsistem razões atendíveis para os termos e efeitos de anulação do ato tributário ora colocado em crise pela Contribuinte, ora Reclamante.
§VI. DA CONCLUSÃO
Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja indeferido em conformidade com o teor do “quadro-síntese” desde logo melhor identificado no Introito desta nossa-informação, com todas as consequências legais.
...” (cfr. fls. 90 a 97, dos autos, e fls. 102 a 109, do processo administrativo — reclamação graciosa).
9) Sobre a informação referida em 8) foi proferido, a 28.07.2014, despacho de concordância e para efeitos de notificação da impugnante para exercício do direito de audição (cfr. Fls. 90 a 97, dos autos, e fls. 102 a 109, do processo administrativo — reclamação graciosa).
10) Na sequência do referido em 9), foi elaborada, na divisão de gestão e assistência tributária da unidade dos grandes contribuintes, informação, datada de 28.08.2014, no sentido do indeferimento reclamação graciosa referida em 6) (cfr. fls. 100 a 102, dos autos, e fls. 110 a 114, do processo administrativo — reclamação graciosa).
11) Sobre a informação referida em ao) e após pareceres de concordância, foi proferido, a 01.09.2014, despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida em 6) (cfr. fls. 100 a 102, dos autos, e fls. 112 a 114, do processo administrativo — reclamação graciosa).»

6. Do objecto do recurso

O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls. e seguintes, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os actos de autoliquidação contribuição extraordinária sobre o sector bancário (CESB) aplicada aos exercícios de 2012 e 2013, no valor de € 22.643.509,46.

A decisão recorrida julgou improcedente a impugnação no entendimento de que a contribuição extraordinária sobre o sector bancário tem a natureza de contribuição financeira e, assim, não tem aplicação o regime constitucional invocado pela recorrente, pelo que também não ocorrem as invocadas inconstitucionalidades por violação dos princípios da não retroactividade da lei fiscal, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da legalidade fiscal, da igualdade e da equivalência nem, consequentemente, as invocadas invalidades dos actos impugnados.
Considera a Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento ao qualificar o tributo como contribuição financeira já que entende que se trata de um imposto (conclusões das alegações de recurso, arts. 1º a 18º)
Mais alega que o tribunal “a quo” errou ao não declarar a inconstitucionalidade do tributo, por violação da proibição da retroactividade da lei fiscal (arts. 19º a 23º) e bem assim dos princípios da tutela da confiança e da segurança jurídica (arts. 24º a 26º), da legalidade (arts. 27º a 33º) da igualdade (arts. 34º a 36º) e da equivalência (arts. 39º a 44º).

As questões objecto do recurso reconduzem-se, pois, a saber:
a) Se incorre em erro de julgamento a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, ao qualificar o tributo designado por Contribuição sobre o Sector Bancário (art.141° Lei n° 55-A/2010, 31 dezembro) contribuição financeira, defendendo a recorrente que se trata de um imposto

b) Se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que as normas que integram o regime jurídico da Contribuição sobre o Sector Bancário relativo aos anos de 2012 e 2013 não padecem de inconstitucionalidade por violação da proibição da retroactividade da lei fiscal e, bem assim, dos princípios da tutela da confiança e da segurança jurídica, da legalidade, da igualdade e da equivalência.

As questões nestes termos suscitadas são, até nas alegações de recurso, em tudo idênticas às que foram apreciadas e decididas neste Supremo Tribunal Administrativo por acórdão de 19.06.2019, no processo n.º 02340/13.0BELRS 0683/17, in www.dgsi.pt, proferido em recurso que foi objecto de julgamento ampliado ao abrigo do artº 148º do CPTA com vista a assegurar a uniformidade da jurisprudência.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe e se reitera, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, e para a qual se remete nos termos do artº 663º, nº 5 do Código de Processo Civil, tendo em conta a regra constante nº 3 do art. 8º do Cod.Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, dispensando-se a junção de cópia por tal aresto já se encontrar publicado in www.dgsi.pt.
Daí que se conclua, como ali decidido, que, tendo a Contribuição sobre o Sector Bancário natureza jurídica de contribuição financeira, não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico, por violação dos princípios constitucionais da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que também a respectiva autoliquidação, ainda que referente aos anos de 2012 e 2013, não enferma de ilegalidade por alegada violação desses mesmos princípios.
E isto, mesmo considerando que, no caso presente, estão em causa as Contribuições Sobre o Sector Bancário relativas aos anos de 2012 e 2013 e que a redacção relevante (a que estava em vigor à data dos factos) será a resultante quer das alterações introduzidas no art. 3º do RJCSB pelos arts. 182º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12 (OE para 2012) e art. 252º da Lei nº 66-B/2012, de 31/12 (OE para 2013), quer, ainda, no que concerne à Portaria nº 121/2011, de 30/03, das alterações posteriores introduzidas pela Portaria 77/2012, de 26/03, publicada na sequência da Lei nº 64-B/2011.
Impondo-se, pois, com a presente fundamentação, a confirmação da sentença, incluindo também na parte em que se decidiu pela improcedência da impugnação no respeitante ao pedido de juros indemnizatórios.

7. Da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que o valor da acção excede o montante de 275.000 Euros
Embora não se nos afigure verificado o requisito de “menor complexidade” a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP, ainda assim, porque se nos afigura que o montante da taxa de justiça devida é manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos presentes autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe e porque as questões suscitadas já tinham sido jurisdicionalmente apreciadas no acórdão para cuja fundamentação se remete, decide-se dispensar na totalidade o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

8. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando-se com esta fundamentação a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Lisboa, 11 de Julho de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.