Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0286/02.6BTCBR 0828/16
Data do Acordão:01/22/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
PRAZO
Sumário:O prazo para executar o julgado, fixado no artigo 170º, nº 2, do CPTA terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o artigo 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268º, nº 4, da Constituição.
Nº Convencional:JSTA000P25428
Nº do Documento:SA2202001220286/02
Data de Entrada:07/06/2016
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A…………, melhor identificada nos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Coimbra, que julgou verificada a exceção de caducidade de direito acção e consequentemente absolveu a executada da instância.

Apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a) A sentença recorrida julgou a questão da caducidade do direito da recorrente de pedir a execução do julgado ao tribunal tributário competente, a que alude o art.º 170.º, nº 2, do CPTA em termos contrários à jurisprudência uniforme do STA (Acs. proferidos nos Procs. n.ºs 1317/12, de 15 de Maio de 2013, 02169/14, de 12 de Fevereiro de 2015, e 73/09, de 17 de Junho de 2015) e à doutrina que citou do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Volume, Áreas Editora, 2011, págs 529 e 530), sem contrariar a bondade dos seus fundamentos e abonando-se num mero jogo formal de remissões legais, construído sem a ponderação da axiologia e da teleologia dos preceitos legais relevantes;
b) A tese da sentença recorrida assenta numa errada interpretação dos artºs 100.º da LGT, 146.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, 160.º, n.º 1 e 170.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA e no desconhecimento do estipulado no art.º 205.º n.º 3 da CRP;
c) Ao contrário do defendido na sentença recorrida, não existe qualquer oposição de sentido normativo entre o prescrito no art.º 100.º da LGT e o estipulado no art.º 146.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, pois aquele preceito limita-se a instituir a obrigação da administração de proceder à “imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.., nos termos e condições previstos na lei” abrindo, deste modo, a porta à aplicação do regime constante do art.º 146.º, n.º 1 e 2, do CPPT, no que tange à definição do dies a quo do prazo de execução espontânea do julgado por parte da administração e, decorrentemente, do cômputo do prazo estabelecido no art.º 170.º, n.º 2, do CPTA para o pedido de execução judicial do julgado no tribunal tributário competente;
d) A expressão indeterminada ou vaga “imediata e plena reconstituição... nos termos e condições previstos na lei”, constante do art.º 100.º da LGT — ao contrário do suposto pela sentença recorrida — não demanda necessariamente que tenha de ser entendida como afastando completamente a possibilidade de interposição de algum tempo e da exigência de alguns termos legais, como, aliás, o permite o artº 205º, n.º 3, da CRP;
e) A aplicação, no contencioso tributário, de regras próprias no processo de execução dos julgados colhe fundamento constitucional no art.º 205.º, n.º 3, da CRP;
f) As regras constantes do artº 170.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA apenas têm aplicação no contencioso tributário por mor da remissão prevista nos art.ºs 146.º n.ºs 1 e 2, e 2.º, alíneas a) e c), do CPPT;
g) Nestes termos, a norma constante do artº 146.º, n.º 2, do CPPT quanto à definição do momento em que se inicia o prazo de execução espontânea do julgado para a administração prevalece sobre o disposto no artº 170.º, n.º 1, do CPTA salvo no que respeita à definição do quantum do prazo de execução espontânea;
h) A divergência de regime constante do CPPT, relativamente ao do CPTA, funda-se nas particularidades que a execução das sentenças proferidas pelos tribunais tributários podem ter e no princípio da praticabilidade pois a correcta execução do julgado exige, por regra, o acesso material ao processo para verificação dos actos concretos nele praticados que relevem para a aquela correcta execução (montante dos pagamentos efectuados, montante dos créditos penhorados, datas das suas efectivações, etc., sendo essa diferença constitucionalmente permitida (artº 205º, nº 3, da CRP);
i) Mas mesmo que se sustente — o que apenas se admite a título académico — que exista qualquer oposição de sentido normativo entre o disposto no artº 100.º da LGT e 146.º, n.º 2, do CPPT, com reflexo na definição do prazo para o interessado pedir a respectiva execução ao tribunal competente ao abrigo do disposto no art.º 170.º, nº 2, do CPTA aqui aplicável por mor do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPPT, sempre a questão deverá ser resolvida pela prevalência do disposto no artº 146.º n.º 2, do CPPT por se tratar de disposição especial posterior (DL n.º 433/89, de 26/10) em relação àquela da LGT (DL nº 398/98, de 17/12) — lex posterior derrogat legem anteriorum — artº 7º do C. Civil — e esta não gozar de primazia constitucional de aplicação (ambas gozam de igual hierarquia normativa constitucional, de decretos-leis emitidos a coberto de leis parlamentares de autorização legislativa (Lei n.º 41/98, de 4/8 e Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro);
j) Ao contrário do entendimento sufragado pela sentença recorrida, o prazo para a execução espontânea da decisão judicial que obriga, como efeito necessário subsequente à restituição dos vencimentos e reembolsos de imposto penhorados à recorrente, apenas se inicia com a remessa do processo de oposição, onde foi tramitado o recurso para o TCAN, para o órgão de execução local, o Serviço de Repartição de Finanças, e a notificação dessa remessa à recorrente, nos termos do artº 146.º n.º 2, do CPPT;
l) A notificação à recorrente dessa remessa, para efeitos de determinação do seu prazo para pedir a execução judicial do julgado no tribunal competente ao abrigo do disposto no art.º 170,º n.º 2, do CPTA, é exigida constitucionalmente para que se lhe possam ser atribuídos efeitos jurídicos externos ou eficácia externa (art.º 268.º n.º 3, da CRP), na medida em que sem essa notificação o acto apenas produz efeitos para a administração para quem o processo haja sido remetido, pois só esta dela tem conhecimento;
k) Constando do probatório que essa remessa do processo ao Serviço de Finanças de Coimbra 2 não foi notificada à recorrente, torna-se imperioso concluir que não se poderá considerar ter-se sequer iniciado o prazo estabelecido no art° 170.º nº 2 do CPTA para a recorrente intentar o pedido de execução da sentença no tribunal competente, dado o seu início se situar no termo do prazo de execução espontânea da sentença exequenda e o interessado desconhecer inteiramente o momento em que esse prazo de 30 dias se iniciou;
m) Todavia, para a administração, esse prazo de execução espontânea deve ter-se como já esgotado, mas ainda não iniciado, para a recorrente, o prazo de intentar a acção de execução do julgado, no tribunal competente, ao abrigo do artº 170.º nº 2, do CPTA;
n) Nas circunstâncias de facto concretas, constantes do probatório, a declaração da excepção da caducidade do direito da recorrente a poder pedir a execução da sentença anulatória nos tribunais tributários é manifestamente ilegítima, constituindo abuso de direito, nos termos do artº 334°do C. Civil;
o) Este instituto jurídico, conquanto previsto no Código Civil, deve considerar-se aplicável no domínio das relações jurídico-tributárias e do exercício dos direitos que delas emergem, por o mesmo constituir uma expressão e concretização dos princípios constitucionais da justiça material e da proporcionalidade, ínsitos no princípio material do Estado de direito democrático, consagrado no artº 2.º CRP;
p) A caducidade do direito, do lado da administração, funda-se no princípio da segurança jurídica, que demanda que ela não deva estar na contingência de ter de cumprir sem dependência de qualquer prazo, e, do lado do particular, na sua atitude abstractamente censurável de inércia de exercer o direito de execução judicial do julgado e de, através dele, obter a protecção jurídica do seu direito de propriedade, inércia essa cujo juízo de existência exige o conhecimento do momento a partir do qual pode exercer o seu direito de execução;
q) Importando a caducidade do direito em causa uma depauperação do património da recorrente, efectuada por via coerciva e sem que a obrigação a cumprir tenha qualquer carácter de sanção, decorre dos princípios constitucionais da justiça material e da proporcionalidade, ínsitos no princípio material do Estado de direito democrático consagrado no artº 2 º da CRP, que não possa ser declarado extinto o direito do particular quando a sua não execução não lhe possa ser imputada a título de desinteresse, mormente por desconhecer o momento em que o prazo de caducidade se inicia;
s) A alegação da caducidade, num caso como este em que a administração se recusou a cumprir espontaneamente o julgado e sem que haja notificado a recorrente da data da entrada do processo no Serviço a partir da qual se iniciava o prazo de execução espontânea, e, com o termo e após o mesmo, o prazo para pedir judicialmente a execução nos termos do artº 170.º, n.º 2, do CPTA atenta manifestamente contra os princípios da boa fé e os bons costumes a cujo cumprimento a administração está constitucionalmente obrigada (artº 266.º n.º 2, da CRP);
t) O facto de a recorrente ter interpelado, o respectivo Serviço de Finanças, todos os meses, a contar do momento do trânsito em julgado da decisão administrativa que declarou extinta por prescrição a dívida exequenda, sem que tivesse sucesso, para efectuar o pagamento do devido, constante do ponto 13 do probatório, só demonstra o interesse da recorrente na execução do julgado e não o contrário, como ajuizou a sentença recorrida.
Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado provido e, consequentemente, revogada a sentença recorrida com as legais consequências.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu, a fls. 299 e seguintes, parecer no sentido do provimento do recurso considerando, em síntese, que enquanto o nº 2 do artigo 146º do CPPT não for harmonizado com o regime do CPTA, não pode o interessado ser lesado com interpretações corretivas, pelo que o prazo de execução espontânea para efeitos de contagem do prazo de requerimento de execução de julgado apenas se inicia com o conhecimento por parte do exequente de que o processo foi remetido ao serviço competente para execução do julgado.
Mais argumenta que, resultando dos autos que a remessa ao serviço de finanças do processo de oposição em que a exequente obteve vencimento não foi comunicada à exequente - cfr. alínea 12 do probatório -, nem tendo sido apurados outros elementos que permitam concluir que a referida remessa chegou ao conhecimento da exequente, haverá de se concluir que o prazo de requerer a execução de julgado não chegou a iniciar-se.
E conclui que à data em que a acção foi apresentada o prazo de requerimento de execução do julgado não tinha sequer iniciado, pelo que a ação deve considerar-se tempestiva.

4 – Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

5 – No Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foram dados como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:
1) Com base nas certidões de dívida de fls. 78 a 113 da oposição n.º 68/2002, que se dão por integralmente reproduzidas, foram instauradas contra "B…………, Ida" a execução fiscal n.º 3050- 95/101731.4 e apensos, para cobrança coerciva da quantia de 352 915,62€, proveniente de contribuições para a Segurança Social relativas aos períodos de 12/92, 07/94 a 11/94, 01/95, 07/96 a 12/96, coimas fiscais dos anos de 1998, 1999 e 2000, selos e custas dos anos de 1993, 1994, 1995 e 1996, IRC dos anos de 1993, 1994, 1995 e 1996 e 1997, IVA dos anos de 1993, 1994, 1995, 1996 e juros compensatórios dos períodos tributários 03T/93, 06T/93, 09T/93, 12T/93, 01T/94, 02T/94, 03T/94, 04T/94, 01T/95, 02T/95, 03T/95, 04T/95, 01T/96, 02T/96, 03T/96 e 04T/96.
2) Por despacho de fls. 126 da oposição aludida no ponto anterior, que igualmente se dá por reproduzido na sua íntegra, as execuções fiscais também ali identificadas foram revertidas contra, entre outros, a aqui exequente.
3) A aqui exequente e os outros revertidos deduziram oposição à execução fiscal referida em 1), conforme p.i. de fls. 2 a 6 do processo n.º 68/2002, que também se dá por reproduzida.
4) Entre 20 de maio de 2004 e 20 de dezembro de 2012, no processo de execução fiscal n.º 3050 199501017314 e apensos, a Entidade Requerida efetuou penhoras mensais do vencimento da Exequente, junto do ........., num valor total de 33.607,00€ - cf. documento a fls. 21 dos autos.
5) Em 15 de maio de 2007 foi proferida sentença no âmbito do processo de oposição n.º 68/2002, na qual se pretendia na qual se decidiu «(...) Como vimos, os oponentes demonstraram nunca ter gerido de facto a executada.
O probatório mostra, com efeito, que a sua entrada como sócios e, por inerência gerentes da sociedade da executada, não passou de uma encenação, da responsabilidade do pai deles, tendo sido este quem sempre geriu, de facto, a executada, não lhe convindo porém, assumir tal gerência, formalmente, atenta a sua qualidade de funcionário público.
Assim sendo, não são os oponentes responsáveis pelas dívidas da executada, quer as resultantes de coimas, para as quais vale, como doutamente refere o MP, o regime do artigo 7.º-A do RJIFNA, quer as restantes, regidas pelo disposto no art.º 13.º do CPT, como também ele assinala.
Deste jeito, com mérito, deve a oposição proceder — art. 204.º 1. b) do CPPT.
Termos em que, julgando a oposição procedente, se determina a extinção da execução contra os oponentes» (...) — cf. Sentença proferida a fls. 262 a 264 do processo de oposição n.º 68/2002, que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
6) Por despacho proferido em 02 de outubro de 2013, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3050 1999501017314 e apensos, o Chefe de Finanças de Coimbra 2, considerou «estarem reunidas as condições para a prescrição, pelo que nos termos do artigo 175.º do C. P. P. T., reconheço tal prescrição» - cf. despacho a fls. 22 e 23 dos autos e 532 dos autos de oposição n.º 68/2002, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
7) A sentença referida em 5) foi objeto de recurso pela Fazenda Pública para o TCA Norte que, pelo douto Acórdão de 31 outubro de 2013, entendeu que «(...) Resulta, assim, do exposto, a inutilidade superveniente da lide de oposição e, consequentemente, a extinção da instância — artigo 287.º, alínea e) do Código de Processo Civil, aplicável por força dos artigos 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e da Lei Geral Tributária [actual artigo 277.º, alínea e), do CPC] - o que se determinará seguidamente. Conclui-se, assim, que ocorre factualidade geradora da inutilidade superveniente da lide, determinativa da extinção da presente instância de recurso, ficando prejudicado, por inútil, o conhecimento das questões alegadas pela Recorrente. Decidindo, pelos fundamentos expostos, declara-se extinta a instância de recurso» - cf. Decisão do TCA Norte, proferida no Recurso n.º 68/02, a fls. 535 a 537 dos autos de oposição n.º 68/2002 apenso, que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
8) Em 20 de novembro de 2013 o Acórdão identificado em 6) supra foi notificado ao Ministério Público e remetido ao Mandatário da Exequente e à Direção de Finanças do Porto — cf. fls. 938, 939 e 940 dos autos de oposição n.º 68/2002.
9) Por ofício n.º 68, datado de 21 de janeiro de 2014, este Tribunal remeteu ao Chefe do 2.º Serviço de Finanças de Coimbra, a título definitivo, os autos de oposição n.º 68/2002, por se encontrarem findos — cf. fls. 946 dos autos de oposição n.º 68/2002.
10) Em 24 de janeiro de 2014 o ofício identificado no ponto anterior foi recebido pelo Serviço de Finanças de Coimbra 2 — cf. carimbo aposto no canto superior direito, constante da antepenúltima folha dos autos de oposição n.º 68/2002 apenso.
11) A Exequente intentou, em juízo, os presentes autos de processo de execução em 22 de maio de 2015 - cf. comprovativo de entrega de documento, a fls. 2.
12) A devolução do processo ao Serviço de Finanças de Coimbra 2 referida no ponto 9) do probatório supra, não foi notificada à Exequente — facto admitido por acordo.
13) A Exequente solicitou ao Serviço de Finanças a devolução das quantias penhoradas e interpelou-os para efetuarem o pagamento, todos os meses, desde o trânsito em julgado da decisão identificada no ponto 6) do probatório até ao presente, não tendo obtido qualquer sucesso - cf. confissão constante dos artigos 14.º a 16.º da p.i..

6. Do objecto do recurso
A questão a decidir reconduz-se a saber se incorreu em erro de julgamento, nomeadamente por violação do disposto nos artigos 100.º da LGT, 146.º, nº 1 e 2 do CPPT e 160.º, nº 1, 170º, nº 1 e 2 do CPTA, a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou verificada a exceção de caducidade do direito de acção com a consequente absolvição da executada da instância, no entendimento de que o prazo de propositura da ação de execução de julgado se conta a partir do termo final do prazo de execução espontânea do julgado por parte da administração tributária, a aferir em função das normas do CPTA.

6.1 Na sentença recorrida deu-se como assente que no âmbito de execução fiscal revertida contra a exequente/recorrente foram penhoradas importâncias no valor global de € 33.607,00 euros, objecto de desconto da sua remuneração, e que tendo sido deduzida por esta oposição à execução, a mesma foi julgada procedente, por decisão comunicada às partes em 20/11/2013 e que transitou em julgado.
Igualmente se deu como provado que o processo de oposição foi remetido ao serviço de finanças em 21/01/2014, mas essa remessa não foi notificada à exequente.
Para se decidir pela procedência da excepção de caducidade do direito de acção considerou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que a decisão que pôs termo ao processo de oposição à execução fiscal transitou em julgado em 06/12/2013. E ponderando que a Administração Tributária tinha o prazo de 30 dias, a contar daquela data, para cumprir voluntariamente o julgado, e a exequente o prazo de 6 meses, a contar do termo final do prazo da AT, para propositura da ação de execução de julgado, concluiu a decisão recorrida que à data da apresentação da ação — 22/05/2015 — já se mostravam largamente excedidos aqueles prazos.
Mais considerou o tribunal “a quo” que tendo a exequente, após o trânsito em julgado da oposição à execução fiscal, interpelado o serviço de finanças, por diversas vezes, para a restituição dos montantes pecuniários peticionados, tinha conhecimento que “a sentença estava em condições de ser executada”.

6.2 Não conformada com o assim decidido alega a Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da lei, designadamente do disposto nos artigos 100º da LGT, 146º, nº 1 e 2, do CPPT, e 160º, nº 1, 170º, nº 1 e 2, do CPTA.
Em síntese sustenta que o disposto no artigo 146º, nº 2, do CPPT, se sobrepõe ao disposto no artigo 170º, nº 1, do CPTA, no que ao termo inicial do prazo de propositura da ação respeita. Entende, assim, que o prazo apenas se inicia com a remessa do processo de oposição para o serviço de finanças e a sua notificação ao exequente e aqui Recorrente.
E conclui que, estando assente que essa notificação nunca foi feita, esse prazo não chegou a iniciar-se.

6.3 Apreciando e decidindo.
Assiste razão à recorrente na sua argumentação.
Com efeito não acompanhamos o discurso fundamentador da sentença recorrida e entendemos que o prazo para executar o julgado, fixado no artigo 170º, nº 2, do CPTA terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o artigo 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268º, nº 4, da Constituição.
Vejamos, pois.
De acordo com o disposto no artigo 170.º do CPTA (na redacção anterior ao Decreto-lei 214-G/2015, de 2/10) a execução espontânea do julgado deve ser feita no prazo de 30 dias, caso a execução da sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária, sendo certo que tal prazo deve ser contado desde o trânsito em julgado da decisão anulatória (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, II volume, página 532, Jorge Lopes de Sousa).
Também de acordo com o disposto no nº 2 do mesmo normativo, na redacção aplicável, quando a Administração não dê execução à sentença no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo anterior, pode o interessado pedir a respectiva execução ao tribunal competente no prazo de seis meses.
Por outro lado resulta do artigo 146.º/2 do CPPT que “O prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer remessa no prazo de 8 dias após o trânsito em julgado”.
Na compatibilização destas normas, na parte relativa ao início da contagem do prazo de execução, há-de entender-se que o contribuinte não poderá ser prejudicado no seu direito de requerer a execução se o exercer dentro do prazo que resulta dos termos deste nº 2 do artº 146º do CPPT.
Como sublinha Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume II, pag. 530, «se se entender que o dever de execução se inicia com o trânsito em julgado e não com a remessa do processo, terminará mais cedo o prazo para a Administração Tributária executar espontaneamente o julgado, mas também terminará mais cedo o prazo para o contribuinte requerer a execução, que se conta a partir do termo do prazo de execução espontânea. Mas, por força do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático, o contribuinte não poderá ser prejudicado, vendo caducado um seu direito, pelo facto de observar o que resulta directamente da letra da lei, pelo que o requerimento de execução deverá ser considerado tempestivo desde que seja apresentado no prazo de seis meses a contar do termo do prazo de execução espontânea, contado a partir da remessa do processo à administração tributária.
(…) Por outro lado, determinando a remessa do processo à administração tributária indirectamente o início do prazo para o contribuinte requerer a execução de julgado, deverá entender-se que a preclusão do seu direito de requerer a execução só ocorrerá se lhe for efectuada notificação da data em que for efectuada a remessa, pois sem esse conhecimento o contribuinte não terá conhecimento da data em que terminará o prazo de execução espontânea, que é também aquela em que começa o prazo de que dispõe para requerer a execução do julgado.»

Assim, como vem sublinhando a jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário, se o interessado não for notificado da remessa do processo ao órgão competente para a execução, não se pode extinguir o direito daquele de promover a execução coerciva do julgado, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, estatuído no artigo 268.º/4 da CRP, a qual é posta em causa se o exequente for induzido em erro sobre o momento a partir do qual começa a correr o prazo para requerer a execução do julgado.
Neste sentido se pronunciaram os Acórdãos de 17/06/2009, Recurso n.º 073/09, de 15/05/2013, Recurso n.° 01317/12, de 12.02.2015, recurso 1169/14, e os mais recentes Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 28.11.2018, Recurso 76/05.4BECBR e de 27.02.2019, recurso 906/17.8BALSB.
Será, pois, pertinente referir também o que, sobre a questão, se decidiu no supra citado Acórdão do Pleno proferido no recurso 76/05.4BECBR, de 28.11.2018:
«Por força do disposto no n.º 1 do artigo 102.º da LGT e do n.º 1 do artigo 146.º Código do CPPT, a execução de sentenças dos tribunais tributários segue o regime previsto para a execução de sentenças dos tribunais administrativos, sendo que aos autos são aplicáveis as regras sobre a matéria constantes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pois que a petição de execução foi enviada ao tribunal em 3/6/2015 (cfr. fls 1 dos autos), ou seja, tem-se como instaurada em data posterior à da entrada em vigor daquele diploma (cfr. os arts. 5.º, n.º 4 e 7.º da Lei n.º 15/2002, de 22/2, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/2) com a redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 214-G/2015, de 2/10.
Nos termos do n.º 2 do artigo 176.º do CPTA (na redacção em vigor à data da interposição da acção de execução de julgados sub judice), o prazo para pedir ao tribunal a execução do julgado é de “seis meses” contados desde o termo do prazo para a execução espontânea do decidido, ou seja, nos termos dos números 1 e 3 do artigo 175.º do CPTA, três meses ou 30 dias, este último aplicável quando a execução de sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária.

Dispõe, contudo, a primeira parte do n.º 2 do artigo 146.º do CPPT que “o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução (…)”, no que parece pretender fixar um termo inicial para a execução espontânea de julgados diverso (e mais dilatado no tempo) daquele que decorre do artigo 100.º da LGT (e do n.º 2 do artigo 205.º da Constituição, diga-se).
Entende-se que esta norma é atendível para os estritos efeitos de contagem do prazo para requerer a execução do julgado, pois que constituindo lex scripta os interessados não deverão ser prejudicados em matéria de prazos para a utilização dos seus meios de defesa por confiarem no que dispõe a lei tributária.
Se, como dissemos, o prazo de 6 meses para requerer a execução de julgado se inicia após o termo do prazo legal para a execução espontânea do decidido, existindo norma tributária que estabelece que o prazo para essa execução espontânea se conta da remessa do processo ao órgão da administração tributária competente para a execução (havendo a faculdade do interessado, que não o dever, de requerer essa remessa), deve entender-se que a remessa do processo ao órgão da Administração tributária teria de ser oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal à interessada, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º do Código de Processo Civil, pois que o direito processual da parte à execução do julgado não depende de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação, antes decorre da lei, que fixa o seu termo inicial na dependência da prática de um acto do próprio Tribunal (a remessa do processo ao serviço de finanças).
Assim, e de acordo com o Acórdão deste Supremo Tribunal proferido a 15/05/2013 no processo nº 1317/12, “significa isto que o prazo para executar coercivamente o julgado, fixado no art. 176º, nº 2, do CPTA, reportando-se ao termo do prazo para a execução espontânea previsto no art. 175º do mesmo diploma legal, terá de ser determinado a partir da data da notificação da remessa do processo ao órgão da administração tributária, a que se refere o art. 146º, nº 2, do CPPT, de modo a garantir o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa”.
É também esta a posição da melhor doutrina.
Rui Duarte Morais in “Manual de Procedimento e Processo Tributário”, Almedina, 2016, pp. 333 e 334 explica que a fixação do prazo de seis meses “pode redundar num “prémio” à inércia da administração fiscal, pois os contribuintes, confiados no cumprimento espontâneo, ainda que tardio (que é a regra), poderão facilmente deixar caducar o seu direito à ação executiva”. Nesta medida, o Professor “não pode estar mais de acordo” com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, concluindo que “uma vez que [a notificação da remessa do processo], por regra não acontece, o sujeito passivo estará, na prática, sempre em tempo (sem prejuízo do decurso do prazo prescricional) de interpor a ação executiva” (fim de citação).»

Subscrevemos, no essencial, tal jurisprudência e respectiva fundamentação subjacente, inteiramente aplicável ao caso vertente, e, por isso, concluímos que não pode ser acolhido o entendimento vertido na sentença recorrida, que situou o início do prazo para a execução do julgado na data do trânsito em julgado da decisão.
Por isso, resultando dos autos que a remessa ao serviço de finanças do processo de oposição em que a exequente obteve vencimento não foi comunicada à exequente — cfr. alínea 12 do probatório -, nem tendo sido apurados outros elementos que permitam concluir que a referida remessa chegou ao conhecimento da exequente, temos que concluir que o prazo de requerer a execução de julgado não chegou a iniciar-se.
Ademais não se acompanha o tribunal “a quo”, quando conclui na sentença recorrida pela irrelevância da falta de tal comunicação, com o fundamento de que a Exequente ao obter a resposta dos Serviços de que “o processo se encontrava em análise”, ficou ciente de que a partir daquela altura a decisão judicial estava em condições de ser executada.
Com efeito, e como bem nota o Exmº Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, não se pode extrapolar de tal expressão, a que a exequente se refere no artigo 16 do articulado da petição inicial, que os Serviços se queriam referir que estavam a analisar o processo judicial de oposição que lhe havia sido remetido pelo tribunal. A expressão “processo” utilizada pela exequente (uma vez que não está documentada tal resposta) é utilizada de forma genérica e pode apenas ter como significado a referência ao procedimento iniciado com a interpelação apresentada pela exequente.
Daí que se conclua que à data em que a acção foi apresentada - 22 de Maio de 2015 — o prazo de requerimento de execução do julgado não tinha sequer iniciado, pelo que a acção deve considerar-se tempestiva.

Pelo que fica dito procedem todas as conclusões de recurso.

7. Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância a fim de o processo prosseguir os seus termos.

Custas pela Recorrida, ainda que sem taxa de justiça neste Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2020. – Pedro Delgado (relator) – Aragão Seia – Francisco Rothes.