Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0721/12
Data do Acordão:09/13/2012
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PAIS BORGES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário: I - Nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, “excepcionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
II - Não se justifica, à luz da apontada disposição legal, a admissão de revista excepcional de um acórdão do TCA que confirmou a procedência de uma acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, intentada ao abrigo dos arts. 9º e segs. da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, com a redacção introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, e em que a controvérsia se reconduz à questão do ónus da prova do requisito da ligação efectiva à comunidade nacional, e a saber se os factos provados são ou não impeditivos de uma ligação efectiva à comunidade nacional por parte da recorrente, matéria cuja reapreciação está vedada ao tribunal de revista, nos termos do nº 4 do art. 150º do CPTA.
Nº Convencional:JSTA000P14524
Nº do Documento:SA1201209130721
Data de Entrada:06/27/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

( Relatório )

A………, identificada nos autos, interpôs neste Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Sul de 22.03.2012 (fls. 327 e segs.), pelo qual foi integralmente confirmada sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, intentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 9º e segs. da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, com a redacção introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, ordenando, em consequência, o arquivamento do respectivo processo de registo pendente na Conservatória dos Registos Centrais.

Na sua extensa alegação, invoca em abono da admissibilidade da revista, e no que aqui estritamente releva, que a decisão recorrida – pela interpretação ilegal e inconstitucional que faz da Lei da Nacionalidade, aplicando a norma do art. 9º numa redacção que já não está em vigor –, tem um impacto social extraordinário, na medida em que implica a rejeição na comunidade portuguesa de milhões de estrangeiros a quem a lei reconhece um direito à nacionalidade, assim ofendendo o direito constitucional à cidadania.
Alega ainda que a Lei Orgânica nº 2/2006 e o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa aprovado pelo DL nº 237-A/2006 procederam a uma inversão do ónus da prova, na medida em que já não exigem que o requerente faça prova da sua ligação efectiva à comunidade nacional, tendo tal ónus passado para o autor da oposição (neste caso, o MºPº), que os factos dados como provados não são impeditivos de uma ligação efectiva à comunidade nacional, e que tais factos não permitem fundamentar um juízo de indesejabilidade da integração do requerente na comunidade nacional.
O recorrido Ministério Público alega que o recurso não deve ser admitido por não reunir qualquer dos pressupostos exigidos pelo art. 150º, nº 1 do CPTA, uma vez que não se verifica, in casu, qualquer erro manifesto que imponha a alteração da decisão, acrescentando que as questões suscitadas não envolvem especial complexidade ou relevância social justificativas da admissão da revista excepcional, para além de que se reportam a matéria de facto que está fora do âmbito de apreciação do tribunal de revista.


( Fundamentação )

O art. 150º n° 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, “excepcionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
A jurisprudência do STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s 92/VIII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.
Deste modo, a intervenção do STA só se justificará em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se generalizar este recurso de revista, o que não deixaria de se mostrar desconforme com os aludidos fins tidos em vista pelo legislador.

O Supremo Tribunal Administrativo tem interpretado a norma do art. 150º como exigindo que, em relação à questão objecto de recurso de revista, seja possível entrever, “ainda que reflexamente, a existência de interesses comunitários especialmente relevantes” (Ac. de 19.06.2008 – Proc. nº 490/08), ou ainda que a mesma se relacione com “matéria particularmente complexa do ponto de vista jurídico” (Ac. de 14.04.2010 – Rec. 209/10) ou “particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário” (Acs. de 26.06.2008 – Procs. nº 535/08 e nº 505/08), exigindo ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas.
Noutros termos, particularmente impressivos, tem-se entendido que a relevância jurídica ou social “afere-se em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular” (Acs. de 26.06.2008 e de 02.07.2008 – Procs. nºs 515/08 e 173/2008, respectivamente).
Na concretização dos conceitos relativamente indeterminados que a lei estabelece como orientação para a filtragem dos recursos de revista a admitir excepcionalmente, a aludida jurisprudência do STA tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental exigida pelo artigo 150º nº 1 do CPTA se verifica, designadamente, quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, bem como nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social ou da controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
A admissão da revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente, e segundo a referida jurisprudência, quando, em face das características do caso concreto, ele revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

Na situação sub judice, entendemos que não se justifica a admissão da revista.

Como resulta da matéria de facto, a recorrente nasceu no Brasil e tem nacionalidade brasileira.
Contraiu casamento com um cidadão natural de S. Paulo, Brasil, mas com nacionalidade portuguesa, do qual tem dois filhos de nacionalidade portuguesa.
A recorrente, o marido e os filhos nasceram todos no Brasil e sempre ali residiram.

O pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa formulado pela recorrente tem como fundamento o facto de ser casada com cidadão português e de ter dois filhos de nacionalidade portuguesa, invocando ter ligação efectiva à comunidade portuguesa.

E foi na sequência deste requerimento, e do consequente processo de registo instaurado na Conservatória dos Registos Centrais, que o Ministério Público intentou a respectiva acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 9º e segs. da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, com a redacção introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril.

A 1ª instância julgou procedente esta acção de oposição, por ausência de quaisquer elementos que demonstrem a existência de uma “ligação efectiva à comunidade portuguesa por parte da recorrente”, ordenando o arquivamento do processo de registo pendente na Conservatória dos Registos Centrais.

Decisão que veio a ser confirmada pelo acórdão recorrido.

A recorrente veio sustentar, na alegação de recurso para este STA, e no que estritamente releva para o juízo de admissibilidade da revista, que:
· a decisão recorrida – pela interpretação ilegal e inconstitucional que faz da Lei da Nacionalidade, aplicando a norma do art. 9º numa redacção que já não está em vigor –, tem um impacto social extraordinário, na medida em que implica a rejeição na comunidade portuguesa de milhões de estrangeiros a quem a lei reconhece um direito à nacionalidade, assim ofendendo o direito constitucional à cidadania;
· ao invés do entendido pelo tribunal a quo, a Lei Orgânica nº 2/2006 e o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa aprovado pelo DL nº 237-A/2006 já não exigem que o requerente faça prova da sua ligação efectiva à comunidade nacional, tendo tal ónus passado para o autor da oposição;
· os factos dados como provados não são impeditivos de uma ligação efectiva à comunidade nacional, e não permitem fundamentar um juízo de indesejabilidade da integração do requerente na comunidade nacional.

Ora, e no que concerne à alegação de que o acórdão recorrido tenha ignorado as alterações introduzidas à Lei da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, não se visiona que essa questão se coloque, atendendo a que o acórdão recorrido se lhe refere expressamente na fundamentação da decisão proferida.
Na verdade, o acórdão impugnado salientou expressamente que as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2006 não vieram alterar substancialmente o regime de aquisição da nacionalidade, designadamente no que concerne ao requisito da ligação efectiva à comunidade nacional, que continua a estar previsto, apenas deixando de se exigir a sua “comprovação pelo interessado” (redacção inicial do art. 9º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro), mas prescrevendo aquele mesmo preceito, na actual redacção introduzida pela citada Lei nº 2/2006, que constitui “fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional“, requisito igualmente previsto no art. 56º, nº 2 do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL nº 237-A/2006 14 de Dezembro.

Nesta conformidade, e perante a matéria de facto considerada provada – cuja reapreciação está vedada ao tribunal de revista – o acórdão recorrido, confirmando o julgado de 1ª instância, entendeu ter ficado demonstrado nos autos o fundamento fáctico invocado pelo Autor na p.i., ou seja, a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional por parte da ora recorrente.
Afirma o acórdão, a tal propósito:
Ora, da documentação disponível nos autos suporte das declarações prestadas aquando da formalização do pedido, afigura-se inexistirem de todo elementos denotadores de um real, inequívoco e enraizado enquadramento pessoal familiar, social económico e cultural da Ré relativamente a Portugal. Com efeito, não obstante ter casado com um Português, no Brasil e ter dois filhos, também estes nascidos no Brasil, com nacionalidade portuguesa, nunca residiu em Portugal. Ao invés, sempre teve residência no Brasil onde se presume, atento todo o seu trajecto de vida demonstrado, interiorizou todos os conceitos e valores, aculturou-se segundo as tradições e costumes da sociedade brasileira, nesta cresceu e desenvolve toda a sua vida familiar, social, cultural e profissional.

A pronúncia emitida, à luz da factualidade provada (factos e juízos sobre factos) que, como se disse, se impõe ao tribunal de revista, acolhe uma das soluções plausíveis da questão jurídica em litígio, sendo certo que também se não visiona na apreciação feita pelo tribunal recorrido qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável que imponha a admissão da revista como “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

( Decisão )

Com os fundamentos expostos, por não se verificarem os pressupostos exigidos pelo art. 150º, nº 1 do CPTA, acordam em não admitir a revista.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13 de Setembro de 2012. – Luís Pais Borges (relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho - Rosendo Dias José.