Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01000/13
Data do Acordão:11/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
INTEMPESTIVIDADE
Sumário:Havendo erro na forma de processo, haverá que ordenar a “convolação” do meio processual inadequado em meio processual adequado quando a tal não obste, como no caso dos autos, a intempestividade da petição de impugnação para ser apreciada como oposição à execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P18181
Nº do Documento:SA22014110501000
Data de Entrada:06/03/2013
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………, SA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 22 de Março de 2013, que, na impugnação judicial por si deduzida na sequência de ter sido citada no âmbito da execução fiscal n.º 030120110050257, instaurada para cobrança coerciva de dívidas relativas a cotizações e contribuições à Segurança Social relativas ao período compreendido entre Setembro de 2003 e Outubro de 2004, julgou verificado erro na forma do processo, insusceptível de convolação no meio apropriado por intempestividade, absolvendo o réu da instância.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I – A Recorrente pretende discutir a (i)legalidade da liquidação oficiosa de contribuições de Segurança Social que lhe foi notificada aquando da citação no âmbito do processo de execução n.º 0301201100502057 e apensos;
II – A sentença recorrida deve ser revogada, porquanto fez uma aplicação errada do Direito ao caso da Recorrente, o que a impede de discutir a questão de fundo, ou seja, a (i)legalidade da liquidação de contribuições e quotizações de Segurança Social impugnada, devendo os autos descer à primeira instância para que seja discutido o mérito da causa;
III – O Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de Julho, dispõe que a liquidação oficiosa de contribuições de Segurança Social é efectuada imediatamente, sem necessidade de formalidades de liquidação prévias, dispondo antes, no seu art. 9.º, n.º 1, que “o processo executivo para a cobrança das contribuições do regime geral de previdência terá por base certidão extraída”, razão pela qual esta apenas é notificada ao contribuinte aquando da citação em processo de execução;
IV – As certidões de dívida, nos termos do n.º 2 do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de Fevereiro, indicam “(…) nome e domicílio do devedor, proveniência da dívida e indicação, por extenso, do seu montante, da data a partir da qual são devidos juros de mora e da importância sobre que incidem, com a discriminação dos valores retidos na fonte, se for o caso”, pelo que contêm em si a liquidação da receita parafiscal alegadamente em dívida;
V – Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa, op.cit., em sede de contribuições de Segurança Social, “o acto de liquidação consistirá no acto de extracção de certidão confirmativa da existência de dívida, já que há aqui um acto jurídico de aplicação de uma norma tributária material, praticado, por uma autoridade administrativa, com força executiva”;
VI – Por conseguinte, a extracção de certidões de dívida de contribuições de Segurança Social consiste, materialmente, numa liquidação de tributos, nos termos da alínea b) do art. 44.º do CPPT, acto esse notificado aos contribuintes através da citação em processo de execução;
VII – Por conseguinte, é inquestionável que nos encontramos perante uma liquidação de tributos, nos termos da alínea b) do art. 44.º do CPPT, pelo que é a mesma impugnável nos termos da alínea a) do art. 97.º do CPPT, sendo, aliás, o entendimento deste Supremo Tribunal, proferido no Douto Acórdão de 7 de dezembro de 2004, no processo n.º 0749/04, nos termos do qual se conclui que “se diversamente a Segurança Social praticou o acto tributário da liquidação caso em que o mesmo deveria ser objecto de impugnação. Ocorrendo esta situação será a impugnação o meio adequado para questionar a legalidade do acto tributário respectivo”;
VIII – E liquidação essa que é notificada através da citação em processo de execução;
IX – Assim, demonstra-se que mal andou a Sentença recorrida, pois embora reconheça que “a extracção de certidão de dívida pode, efectivamente, ser equiparada a acto de liquidação, constituindo fundamento de oposição nos termos do art. 204º, nº 1, al. h) do CPPT”, erroneamente entende que à Recorrente, “não foi assegurado o meio de impugnação judicial”;
X – Uma vez que, sendo a Recorrente notificada da liquidação oficiosa de contribuições e quotizações de Segurança Social aquando da citação em processo de execução, nos termos do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de Julho, caso se admitisse o entendimento da sentença recorrida o contribuinte encontrar-se-ia sempre impossibilitado de discutir a (i)legalidade da liquidação em sede de Impugnação Judicial;
XI – Assim, viola a Sentença recorrida o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 97.º e na alínea a) do art. 99.º, ambos do CPPT, ao impedir a Recorrente de discutir a (i)legalidade da liquidação oficiosa de contribuições de Segurança Social, porquanto se demonstrou que nos encontramos perante uma liquidação de tributos impugnável, violando ainda o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, que determina o acesso ao Direito e a tutela jurisdicional efectiva de todas as pessoas (singulares ou colectivas);
XII – Acresce que, ao impedir a Recorrente de discutir a (i)legalidade da liquidação oficiosa de contribuições de Segurança Social em sede de Impugnação Judicial, porque “a forma processual correcta seria a de oposição”, faz a Sentença recorrida uma errada interpretação do disposto na alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, pois a lei assegura meio de impugnação – a Impugnação Judicial – pelo que, viola, igualmente, o disposto nesta disposição legal;
XIII – Sendo o acto de liquidação notificado aos contribuintes, nos termos do Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de Julho, através de citação em processo de execução, e que este acto de liquidação é impugnável, nos termos da alínea a) do art. 99.º do CPPT, a contagem do prazo para interposição da correspondente Impugnação Judicial, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT, inicia-se a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”;
XIV – Ou seja, após o terminus do prazo de 30 dias para efectuar o pagamento voluntário, nos termos do n.º 2 do art. 85.º do CPPT;
XV – Aliás, sendo a liquidação de contribuições de segurança Social notificada através do processo de execução, outro prazo para pagamento voluntário não poderá ser considerado, que não aquele prazo de 30 dias;
XVI – Assim, mal andou a Sentença recorrida quando assumiu que ”encontrando-se a dívida em execução fiscal, não se poderia iniciar a contagem do prazo a partir do término do pagamento voluntário pois este já se tinha esgotado”;
XVII – Pois o prazo para pagamento voluntário, como se demonstrou, é precisamente o prazo de 30 dias para pagamento, nos termos do n.º 2 do art. 85.º do CPPT.
XVIII – Conclui-se, assim que a Sentença recorrida fez errada aplicação do Direito ao caso sub judice, violando o disposto no n.º 2 do art. 85.º, na alínea a) do n.º 1 do art. 97.º, na alínea a) do art. 99.º, na alínea a) do n.º 1 do art. 102.º e na alínea h) do n.º 1 do art. 204.º, todos do CPPT, pelo que deve ser revogada, devendo os autos descer à primeira instância para que seja discutido o mérito da causa.
Termos em que, sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas excelências, Venerandos Juízes Conselheiros do supremo Tribunal Administrativo, deverá ser admitido o recurso com todas as consequências legais, designadamente, a revogação da Sentença recorrida, ordenando-se que os autos baixem à primeira instância para audiência de julgamento decidindo-se o mérito da causa,
Assim se fazendo JUSTIÇA!

2 - Contra-alegou a entidade recorrida, nos termos de fls. 464 a 482 dos autos, concluindo no sentido de que deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, confirmando-se integralmente a douta decisão recorrida.

3 - O Ministério Público emitiu parecer nos seguintes termos:
No presente caso está em causa qual o meio adequado para discutir a (i)legalidade da liquidação oficiosa de contribuições à Segurança Social e em que termos é de contar o respectivo prazo, sendo a respectiva liquidação notificada através do processo de execução.
Com o Dec.-Lei n.º 511/76, de 3/7, a cobrança coerciva das dívidas à Segurança Social passou a ser feita “imediatamente através do processo executivo”, sendo extraída certidão das folhas de ordenado ou salários que são remetidas ao tribunal competente para a execução – arts. 2º nº 1 e 9º do referido diploma, regime que foi mantido em diplomas posteriores.
Este constitui, pois, o acto de liquidação, não sendo necessário que haja antes um acto administrativo formal a fixar a prestação contributiva.
Neste caso, não pode ser utilizado autonomamente o processo de impugnação judicial, e não é de aplicar o previsto no art. 102.º do CPPT, nem de contar o respectivo prazo após o prazo de pagamento voluntário que se encontra previsto no art. 85.º n.º 2 do CPPT.
Com efeito, a dita certidão só é extraída por o contribuinte não ter efectuado o pagamento das contribuições devidas no prazo legal, assegurando a oposição o meio adequado a impugnar a legalidade da liquidação que foi efectuada, segundo se encontra previsto no art. 204.º n.º 1 al. h) do CPPT, meio em que é de exercer a impugnação (CPPT Anotado e Comentado, do cons. Jorge Lopes de Sousa, na 6.ª ed. 2011, áreas Ed., vol. IV, p. 496 e 497 e acs. do STA de 7-12-04, 23-09-09 e 14-6-13, proferidos nos processos n.ºs 749/04, 436/09 e 443/12).
Acresce que, tendo a impugnação sido apresentada para além do prazo previsto no art. 203.º do CPPT para a oposição, e sendo que a mesma assegura o adequado para impugnar, não é já possível determinar a convolação, tendo sido pelo seu decurso que se inviabilizou a sua apreciação, pelo que não parece daí resultar a violação do art. 20.º da CRP.
Concluindo, mais quer parecer que o recurso é de improceder.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, se verifica erro na forma de processo adoptada, insusceptível de convolação na forma de processo adequada em razão da intempestividade da apresentação da impugnação para ser apreciada como oposição à execução fiscal.

5 – Matéria de facto:
A decisão recorrida fixou como pertinente para a apreciação da questão prévia do erro na forma de processo usada os seguintes factos:
1. A impugnante foi citada para a execução a 18 de Julho de 2011;
2. A presente acção deu entrada a 15 de Novembro de 2011;

6 – Apreciando.
6.1 Do erro na forma de processo
A decisão recorrida, a fls. 398 a 402 dos autos, absolveu o réu da instância, por uso de meio processual impróprio e impossibilidade subsequente de operar a apropriada convolação, atenta a extemporaneidade verificada, na impugnação deduzida pela ora recorrente na sequência de ter sido citada no âmbito da execução fiscal n.º 030120110050252, instaurada para pagamento de dividas de cotizações e contribuições à Segurança Social do período compreendido entre Setembro de 2003 e Outubro de 2004.
Fundamentou-se o decidido nos seguintes termos (fls. 401/402 dos autos):
«A extracção de certidão de dívida pode, efectivamente, ser equiparada a acto de liquidação, constituindo fundamento de oposição nos termos do art. 204.º, n.º 1, al. h), do CPPT.// Mas isso apenas quando ao contribuinte não foi assegurado o meio de impugnação judicial.// No caso vertente, a impugnante alega que teve conhecimento da mesma aquando da citação, pelo que a forma processual correcta seria a de oposição, a deduzir no prazo previsto no art. 203º do CPPT.//Ao instaurar o processo de impugnação judicial em vez de se socorrer do processo de oposição à execução fiscal, há erro na forma do processo, sendo admitido a “convolação” da impugnação judicial em oposição desde que não seja manifesta a improcedência ou extemporaneidade desta, além da idoneidade da respectiva petição para o efeito.//Conforme confessa no art. 81º, do articulado de fls. 371 a 391, a impugnante foi citada para a execução a 18 de Julho de 2011 e a presente acção deu entrada a 15 de Novembro de 2011, ou seja há muito já tinha decorrido o prazo de 30 (trinta) dias previsto no já referido art. 203.º do CPPT.// Tal como defendeu a D.ª Magistrada do Ministério Público, no seu douto parecer, ter-se-á de entender carecido de fundamento/suporte legal a pretensão da impugnante de que se aplique ao caso o prazo previsto no art. 102, n.º 1, al. a) do CPPT, uma vez que, encontrando-se a dívida em execução fiscal, não se poderia iniciar a contagem do prazo a partir do término do pagamento voluntário pois este já se tinha esgotado. // Cumpre, portanto, determinar a absolvição do R. da instância, por uso de meio processual impróprio e impossibilidade subsequente de operar a convolação atenta a extemporaneidade verificada. (…)».
Discorda do decidido a recorrente, alegando que pretende discutir a (i)legalidade da liquidação oficiosa de contribuições de Segurança Social que lhe foi notificada aquando da citação no âmbito do processo de execução n.º 0301201100502057 e apensos, para o qual a impugnação judicial é o meio processual próprio, imputando à sentença recorrida erro de julgamento por violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 97.º e na alínea a) do art. 99.º, ambos do CPPT, ao impedir a Recorrente de discutir a (i)legalidade da liquidação oficiosa de contribuições de Segurança Social, porquanto se demonstrou que nos encontramos perante uma liquidação de tributos impugnável, violando ainda o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, que determina o acesso ao Direito e a tutela jurisdicional efectiva de todas as pessoas (singulares ou colectivas), e bem assim da alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, mais alegando que sendo o acto de liquidação notificado aos contribuintes, nos termos do Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de Julho, através de citação em processo de execução, e que este acto de liquidação é impugnável, nos termos da alínea a) do art. 99.º do CPPT, a contagem do prazo para interposição da correspondente Impugnação Judicial, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT, inicia-se a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”, ou seja, após o terminus do prazo de 30 dias para efectuar o pagamento voluntário, nos termos do n.º 2 do art. 85.º do CPPT.
A entidade recorrida defende a manutenção do decidido e também o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer defende o não provimento do recurso.
Vejamos, pois.
A pretensão da recorrente de impugnar a liquidação oficiosa de contribuições e cotizações à Segurança Social – de que alegadamente só foi notificada através da citação em processo executivo –, em processo de impugnação autónomo (e não por via de oposição à execução fiscal com fundamento na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT), está votada ao insucesso, pois que, a ser verdade que o acto de liquidação apenas no momento da citação lhe foi notificado, o meio processual adequado para o sindicar seria, precisamente, como bem decidido, a oposição à execução fiscal deduzida com fundamento na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT (pois que, por falta de notificação anterior do acto de liquidação, a lei não lhe assegurou, antes dessa data, meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação).
Para tal era, porém, necessário que deduzisse em prazo – de prazo de 30 dias contados na citação (artigo 203.º, n.º 1, alínea a) do CPPT) –, o apropriado meio de defesa, caso em que lhe seria admitida a discussão da legalidade da liquidação na oposição deduzida, e sem que daí adviesse qualquer prejuízo para a sua defesa, pois que a oposição deduzida com este fundamento de uma impugnação se trata, afinal, embora sob a forma processual de oposição à execução fiscal.
Ao ter impugnado a liquidação na sequência da citação e contando o prazo para o efeito a partir daí (ou, como alega, do termo do prazo de 30 dias para pagamento voluntário, contado da citação, por aplicação do disposto no artigo n.º 2 do artigo 85.º do CPPT), incorreu em erro na forma do processo e impediu a convolação da impugnação deduzida na forma processual adequada, por manifesta extemporaneidade, como bem decidido.
O alegado prejuízo para a sua defesa, resulta, pois, tão somente, do facto de não ter reagido dentro do prazo de que dispunha para deduzir oposição contra a notificação da liquidação que alegadamente lhe foi feita apenas no momento da citação, não se vislumbrando como inconstitucional a interpretação segundo a qual se lhe impunha o uso da via processual da oposição à execução fiscal, em vez de impugnação autónoma, para sindicar a legalidade da liquidação oficiosa de contribuições e cotizações à Segurança Social.
Cumpre, finalmente, salientar que o Acórdão deste STA que a recorrente invoca nas suas alegações de recurso como apoiando a tese que aqui invoca – Acórdão deste STA proferido no recurso n.º 749/04 –, em lado algum afirma que o contribuinte que apenas seja notificado da liquidação aquando da citação para a execução possa deduzir impugnação autónoma ao invés de oposição à execução, antes manda indagar se houve notificação autónoma da liquidação, pois que sem se apurar se ela teve ou não lugar não é possível determinar se é a oposição ou a impugnação o meio processual adequado de reagir.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar o julgado recorrido.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 5 de Novembro 2014. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Casimiro Gonçalves.