Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0303/08
Data do Acordão:07/02/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:JUROS DE MORA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
TAXA DE JUROS
Sumário:I - Os juros moratórios a favor do contribuinte não incidem sobre os juros indemnizatórios.
II - A taxa dos juros moratórios a favor do contribuinte é a taxa de juros legal de 4% ao ano.
Nº Convencional:JSTA00065120
Nº do Documento:SA2200807020303
Data de Entrada:04/10/2008
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS.
Recusa Aplicação:LGT98 ART102 N2 ART43 N3 ART100 ART102 ART35 N8 N10.
DL 73/99 DE 1999/03/16 ART3 N1.
CCIV66 ART560 ART212.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1220/06 DE 2007/03/07.; AC STA PROC1041/03 DE 2004/10/20.; AC STA PROC839/07 DE 2008/01/31.; AC STA PROC465/07 DE 2008/01/16.; AC STAPLENO PROC1095/05 DE 2007/10/24.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED V1 PAG482.
LIMA GUERREIRO LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA PAG420-421.
CASALTA NABAIS O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS PAG185-187.
CORREIA DAS NEVES MANUAL DOS JUROS ESTUDO JURÍDICO DE UTILIDADE PRÁTICA 3ED PAG18-19 PAG23.
Aditamento:
Texto Integral: O Director-Geral dos Impostos vem, nos presentes autos de execução de julgados, em que é requerente “A..., Lda”, interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, na parte em que decidiu condenar a Direcção-Geral dos Impostos ao pagamento de juros de mora contados sobre o valor do imposto pago no montante de 72.155.290$00 (€ 359.909,07) e dos juros indemnizatórios desde 13-09-2003 até à data da emissão da nota de crédito.
1.2. Em alegação, a entidade recorrente formula as seguintes conclusões.
A. A douta sentença ora recorrida, ao condenar a D.G.C.I. ao pagamento de juros de mora contados sobre o valor do imposto pago no montante de 72.155.290$00 (€ 359.909,07) e dos juros indemnizatórios desde 13-09-2003 até à data da emissão da nota de crédito, salvo o devido respeito, fez errada interpretação e aplicação do Direito ao caso;
B. Ora, tanto os juros indemnizatórios como os juros de mora visam ressarcir o contribuinte da indisponibilidade do montante da prestação tributária que se veio a apurar ter-lhe sido cobrada indevidamente;
C. Motivo porque, sendo certo que o art.° 100.° da LGT, impõe a imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, o qual compreende o pagamento de juros indemnizatórios.
D. Sendo, igualmente certo que o art.° 102.° da LGT, como norma especial sobre a execução de sentenças, deve prevalecer sobre a norma do art. 100.°, quando a decisão a executar é uma decisão judicial pois este último preceito assume a matéria de uma norma geral sobre a execução de decisões favoráveis ao sujeito passivo;
E. Assim, e na senda do referido no seu Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, pelo Ilustre Conselheiro Dr. Jorge Lopes de Sousa, entendemos que o art° 102.°, n.° 2 da LGT, só terá aplicação integral nos casos em existe que obrigação de restituir o imposto cobrado, mas que, apesar de haver anulação de acto de liquidação não há lugar a pagamento de juros indemnizatórios, por a anulação não ser baseada em erro imputável aos serviços, o que não se verifica in casu;
F. Ao ter decidido como o fez, a douta sentença ora recorrida, salvo o devido respeito, fez errada interpretação e aplicação do direito ao caso, em violação dos preceitos supra referidos;
G. Salvo o devido respeito, também não pode a F. P. conformar-se com a taxa de juros moratórios de 1% ao mês que a douta sentença ora sob recurso decidiu ser a aplicável;
H. É que embora não seja expressamente referido pelo douto Tribunal “a quo”, essa taxa só pode ser a prevista nos artºs 44.° n.° 3 da LGT e 3.° do Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de Março;
I. Não determinando expressamente a Lei Geral Tributária qual a taxa de juros de mora a favor do sujeito passivo, e reportando-se a taxa de juros prevista nos art. os 44° n° 3 da LGT e 3° do DL n.° 73/99, de 16 de Março, apenas aos juros moratórios a favor da Fazenda Pública, em virtude da violação da obrigação principal do dever fundamental de pagar impostos, não pode a mesma ser a taxa aplicável ao cálculo dos juros de mora a favor do sujeito passivo.
J. Pelo que na ausência de norma legal que determine a aplicação de outra taxa, os juros de mora a favor do sujeito passivo só podem ser contados à taxa legal de 4% ao ano, prevista no art. 559º n° 1 do CC, aplicando-se o disposto no n° 10 do art. 35.° ex vi n.° 4 do art. 43.°, ambos da LGT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento judicial, requer-se a V. Exas. que o presente recurso seja julgado procedente por provado, devendo a douta sentença ora recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que julgue não incidirem juros moratórios sobre o montante dos juros indemnizatórios, bem como que a taxa aplicável é a de 4% ao ano.
1.3. Não houve contra-alegação.
1.4. O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
Constitui Jurisprudência pacífica na secção o entendimento de que, em casos como os dos autos,
- os juros de mora a favor do contribuinte não podem incidir sobre os juros indemnizatórios (cfr. vg, os acs. de 7.3.07, r. 220/06.30; de 24.10.07, r. 1095/05 do (pleno) e de 31.1.08, r 839/07.30), e
- e, nesse caso, a taxa dos juros de mora é a fixada nos termos do artº 559 do CCivil (cfr., v.g., os acs. de 16.1.08, r. 465/07.30 e de 31.1.08, r. 839/07.30), para o caso de 4% ao ano.
Pela sua bondade esta, jurisprudência é de, manter.
Como assim, procedem os fundamentos do recurso que, por isso, merece provimento.
1.5. Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, as questões que aqui se colocam são as seguintes:
- saber se os juros moratórios a favor do contribuinte incidem, ou não, sobre os juros indemnizatórios;
- e saber a que taxa devem ser contabilizados os juros moratórios a favor do contribuinte.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
1. Por sentença de 23/10/2001 do extinto Tribunal Tributário de 1ª Instância de Setúbal foi julgada improcedente a impugnação judicial apresentada por A..., Lda., relativamente ao IRC do exercício de 1990 no montante de 81.180.805$00 (cfr. fls. 709/718 dos autos de impugnação em apenso).
2. O impugnante interpôs recurso jurisdicional junto do Tribunal Central Administrativo tendo, por douto Acórdão de 04/06/2002, sido concedido provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e anulada a liquidação impugnada (cfr. fls. 739/746 do apenso).
3. Inconformada a Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo por douto Acórdão de 09/04/2003 sido negado provimento ao recurso (cfr. fls. 769/771 do apenso).
4. Com referência à liquidação de IRC do exercício de 1990 com o n° 8310017563 foram efectuados ao abrigo do Decreto-Lei n° 225/94 de 5 de Setembro os seguintes pagamentos:
- Em 30/09/1996-------------614.226$00
- Em 29/10/1996-----------4.269.511$00
- Em 28/11/1996-----------4.269.511$00
- Em 30/12/1996 ----------4.269.511$00
- Em 29/01/1997 ----------4.269.511$00
- Em 28/02/1997 ----------4.269.511$00
- Em 27/03/1997 ----------4.269.511$00
- Em 28/04/1997 ----------4.269.511$00
- Em 26/05/1997 ----------4.269.511$00
- Em 27/06/1997-----------4.269.511$00
- Em 23/07/1997 ----------4.269.511$00
- Em 27/08/1997 ----------4.269.511$00
- Em 25/09/1997 ----------4.269.511$00
- Em 27/10/1997 ----------4.269.511$00
- Em 25/11/1997 ----------4.269.511$00
- Em 29/12/1997-----------4.269.511$00
- Em 29/06/1998 ----------7.498.399$00,
No montante total de 72.155.290$00 (€ 359.909,07) (como consta de fls. 2 conjugado com o teor dos documentos de fls. 6/23).
5. A..., Lda., apresentou em 30/01/1997 junto da 2ª Repartição de Finanças de Loulé o requerimento de adesão ao regime de regularização de dívidas previsto no Decreto-Lei n° 124/96 de 10 de Agosto (cfr. fls. 49/57).
6. Em 11/07/2003 o impugnante dirigiu à Repartição de Finanças de Loulé o pedido de devolução das quantias pagas e juros tendo esse pedido sido recepcionado a 14/07/2003 (cfr. fls. 91/93 dos presentes autos).
7. Em 12/01/2004 foi apresentada a presente petição (cfr. fls. 1).
2.2. Dispõe o artigo 102.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária que no “caso de a sentença implicar a restituição do tributo já pago, serão devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea”.
Trata-se de uma inovação – antes dela não se encontravam previstos juros moratórios a favor do contribuinte – que surgiu desamparada no ordenamento fiscal: por uma banda, a Lei Geral Tributária não fixou expressamente a taxa destes juros moratórios a favor do sujeito passivo; por outra, numa perspectiva meramente dogmática, o legislador continuou a classificar como indemnizatórios juros que, em rigor, criada a espécie dos juros moratórios a favor do sujeito passivo, como tal seriam de classificar – cfr. as alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 43.º deste diploma legal onde o legislador determina expressamente serem fonte de juros indemnizatórios situações em que a Administração Tributária se constitui em mora.
Por outro lado, a previsão do dito artigo 102.º, n.º 2, (“casos de a sentença implicar a restituição do tributo já pago”), “aparentemente, estaria também abrangida no artigo 100.º [do mesmo diploma legal] em que se refere que há lugar a juros indemnizatórios a partir do termo do prazo de execução da decisão nos casos de procedência de impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo”.
Cfr. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. I, Áreas Editora, 5.ª Edição, 2006, p. 482, nota 9.
É que, no ponto, o artigo 102.º, n.º 2, utiliza o conceito “sentença” e o 100.º “impugnação judicial”, dois conceitos que significam a mesma realidade processual.
Assim, literalmente interpretados, aqueles dois incisos normativos apontariam para a obrigação da Administração Tributária pagar ao sujeito passivo, a partir do termo do prazo da execução da decisão e relativamente ao mesmo período temporal, juros indemnizatórios e juros moratórios relativos à mesma dívida tributária, nos casos em que uma decisão anule, ainda que parcialmente, um acto de liquidação.
Contudo, tal conclusão carece de respaldo, desde logo se se atentar à ratio destes juros.
Com efeito, os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios perseguem a mesma finalidade: os indemnizatórios destinam-se “a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária” e os moratórios visam “reparar prejuízos presumivelmente sofridos [pelo sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente”.
Estas duas espécies de juros têm, pois, a mesma função, “correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário, recte, da prestação tributária.
Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes – num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento -, sempre está presente uma obrigação indemnizatória derivada da produção de determinados danos ou prejuízos provocados por aquela indisponibilidade”.
Cfr. o acórdão do STA de 7 de Março de 2007, processo n.º 01220/06.
Juros indemnizatórios e juros moratórios a favor do contribuinte são, portanto, duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função.
Ora, uma vez que as duas espécies de juros se fundam numa obrigação indemnizatória que pretende ressarcir idênticos prejuízos, eles não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo.
Cfr. o acórdão citado e Jorge de Sousa, ob. cit., p. 336.
Daí que se deva entender o dito artigo 102.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária como uma “norma especial sobre a execução de sentenças”, ou seja, um “artigo que completa o disposto no artigo 100.º”, devendo aquela prevalecer sobre esta “quando a decisão a executar é uma decisão judicial”.
Cfr. Jorge de Sousa, ob. cit., e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, p. 420, nota 4.
Consequentemente, nos casos em que sejam simultaneamente aplicáveis aqueles dois artigos, há que interpretar correctivamente o artigo 100.º: em virtude da liquidação ilegal, são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórios nos termos do artigo 102.º, n.º 2.
Cfr. Lima Guerreiro, ob. cit., pp. 420-421.
Por outro lado, são de diferente natureza as dívidas que geram juros indemnizatórios e as dívidas que são fonte de juros compensatórios: no primeiro caso, pretende-se compensar o contribuinte por um desapossamento ilegal – artigo 43.º da Lei Geral Tributária -, sendo indiferente que o devedor seja o Estado ou um particular; e, no segundo, visa-se reparar o dano sofrido pela Administração Tributária que, por facto imputável ao sujeito passivo, se viu privada, nomeadamente através do atraso da liquidação, de dispor de uma receita que lhe era devida - cfr. artigo 35.º do mesmo diploma. Daí que, quando se torna possível a realização da liquidação, os juros compensatórios sejam conjuntamente liquidados com a dívida de imposto, na qual se integram – n.º 8 deste último normativo.
Assim, os juros de mora – a favor da Fazenda Pública -, sendo devidos, vão incidir também, nesta medida, sobre os juros compensatórios, à taxa de 1% ao mês ou fracção – cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março (determina a taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado e outras entidades públicas).
Ou seja: se o sujeito passivo não cumprir a obrigação tributária no prazo de pagamento voluntário, passam a ser devidos juros de mora a favor da Fazenda Pública que são calculados sobre a dívida de imposto na qual, nos termos do artigo 35.º, n.º 8, da Lei Geral Tributária, se integram os juros compensatórios (que eventualmente sejam devidos).
Naturalmente, não há, para os juros indemnizatórios, disposição legal semelhante àquele n.º 8 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária. Sendo juros devidos a favor do contribuinte, em virtude de uma liquidação e subsequente desapossamento ilegais, não podem ser integrados numa dívida de imposto.
Do mesmo modo, devido à sua natureza, não podem tais juros moratórios - a favor da Fazenda Pública - incidir sobre juros indemnizatórios a favor do contribuinte.
E também não é possível, nos preditos termos, que os juros de mora – a favor do contribuinte – incidam sobre os juros indemnizatórios, em face da sua idêntica função.
Aliás, tal função reparadora, ainda que atinente a factos geradores distintos, como se viu, é concretizada, nas duas espécies de juros, através da mesma taxa.
Com efeito, a Lei Geral Tributária não determina qual é a taxa dos juros moratórios a favor do sujeito passivo e o sistema fiscal prevê apenas duas taxas de juro: a taxa de juros legal de 4% ao ano, prevista na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril; e a taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado e outras entidades públicas que é de 1% ao mês ou fracção, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março.
Esta taxa mais elevada que a devida nas restantes espécies de juros justifica-se pelo facto de estar em causa a violação da obrigação principal do “dever fundamental” de pagar impostos. Ao não cumprir a obrigação tributária no prazo de cumprimento voluntário, num momento em que a liquidação já foi efectuada e o montante em dívida é já certo, líquido e exigível, o contribuinte impede o Estado Fiscal de Direito de actuar, uma vez que este não pode “dar (realizar prestações sociais), sem antes receber (cobrar impostos)” – Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, Colecção Teses, 1998, pp. 185-187.
Ora, bem se vê que esta taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado, dada a sua natureza especial, só se aplica aos juros moratórios a favor da Fazenda Pública, que não do contribuinte, em virtude da predita violação da obrigação principal do dever fundamental de pagar impostos.
Pelo que a taxa dos juros moratórios a favor do sujeito passivo só pode ser a taxa de juros legal de 4% ao ano, uma vez que não há outra prevista no ordenamento.
Cfr., mutatis mutandis, o acórdão do STA de 20 de Outubro de 2004, processo n.º 01041/03, em que se decidiu que, “na vigência do Código de Processo Tributário, os juros indemnizatórios devidos na sequência de impugnação judicial que anulou o acto de liquidação, no qual ocorreu erro imputável aos serviços, devem ser contados à taxa do artigo 559.º do Código Civil, já que o artigo 24.º do CPT nem estabelece essa taxa, nem, quanto a ela, remete para as leis tributárias”.
Taxa de 4% que, dada a natureza das dívidas envolvidas, nos preditos termos, é também aplicável aos juros compensatórios (como determina expressamente o artigo 35.º, n.º 10, da Lei Geral Tributária) e aos juros indemnizatórios (por força da remissão expressa do artigo 43.º, n.º 4, do mesmo diploma legal).
Por fim, o artigo 560.º do Código Civil proíbe, por regra, o anatocismo.
Há, todavia, três situações em que o anatocismo é permitido, sendo que, em princípio, “só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano” – n.º 2 do dito artigo 560.º.
Assim, “para que os juros vencidos produzam juros [I] é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, [II] a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização” – n.º 1.
Contudo, [III] estas restrições “não são aplicáveis (…) se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio” – n.º 3.
Ora, no domínio do direito fiscal vigora o princípio da legalidade, maxime o princípio da tipicidade, o que veda à administração tributária a possibilidade de convencionar o anatocismo após o vencimento dos juros ou efectuar a dita notificação judicial, uma vez que estas hipóteses não se encontram previstas nas leis tributárias.
Assim, está totalmente vedada pela lei a possibilidade de os juros indemnizatórios serem fonte de novos juros.
E não se diga que os juros indemnizatórios não são verdadeiros juros.
À míngua de uma definição legal, a doutrina desenvolveu o conceito de juro enquadrando-o na figura dos frutos civis, uma vez que são produzidos periodicamente por uma coisa (a obrigação de capital), sem prejuízo da sua substância, em consequência de uma relação jurídica.
Cfr. o artigo 212.º do Código Civil, Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 10.ª edição, 2006, p. 749, Correia das Neves, Manual dos Juros – Estudo Jurídico de Utilidade Prática, Almedina, 3.ª Edição, 1989, p. 23, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1968, nota 1 ao artigo 559.º.
Concretizando a noção, Correia das Neves, ibidem, define juro “como um rendimento ou remuneração de uma obrigação de capital (previamente cedido ou devido a outro título), vencível pelo decurso do tempo, e que varia em função do valor do capital, da taxa (…) de remuneração e do tempo de privação”, considerando que a obrigação de juros também se encontra prevista na lei para casos em que “não há prévia cedência de um capital, mas simples não cumprimento oportuno de uma obrigação imposta legalmente, embora esta seja ainda uma obrigação de capital pecuniário” (pp. 18-19).
E, ainda nestes últimos casos, se trata, bem vistas as coisas, de uma remuneração de capital, uma vez que é o seu desapossamento que está em causa.
Ora, os juros indemnizatórios gozam destas características e não é pelo facto de terem uma função reparadora que a sua natureza se altera, até porque “rigorosamente, todo o juro é compensatório (do uso legítimo do dinheiro, do atraso da prestação ou de outro facto)” - cfr. Vaz Serra, “Obrigação de Juros e Mora do Devedor”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 55, pp. 111-112.
Não pode, pois, aceitar-se que os juros tenham outra natureza por terem uma função compensatória ou indemnizatória, uma vez que todas as espécies de juros partilham essa função e, se assim se entendesse, o regime do anatocismo seria absolutamente desprezível, já que não teria a que se aplicar (não haveria, então, “juros” sobre juros).
Finalmente, não se objecte, à tese exposta, com uma eventual inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, já que é diversa, como acima se acentuou, a natureza da dívida ao Estado para pagamento de impostos – cfr. Casalta Nabais, ob. cit. – e a da dívida daquele ao contribuinte, situável no plano de qualquer outro débito a este.
Em suma: os juros moratórios não podem incidir sobre os juros indemnizatórios.
Cf. tudo o que acaba de dizer-se, textualmente, no acórdão do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 24-10-2007, proferido no recurso n.º 1095/05, e que por inteiro subscrevemos. Aliás, já neste sentido, se havia pronunciado o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 7-3-2007, proferido no recurso n.º 1220/06; e, mais recentemente, seguiram a mesma senda os acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 31-1-2008, e de 16-1-2008, proferidos nos recursos n.º 839/07, e n.º 465/07.
Ora, no caso sub judicio, a sentença, na parte que vem recorrida, decretou o pagamento de «juros de mora contados sobre o valor do imposto pago e dos juros indemnizatórios desde 13/09/2003 até à data da emissão da nota de crédito à taxa legal de 1% ao mês».
Isto é, a sentença recorrida reconheceu ao contribuinte «juros de mora contados sobre o valor do imposto pago e dos juros indemnizatórios», ou seja, a sentença recorrida reconheceu ao contribuinte juros de mora, a incidirem, não só sobre o imposto pago, mas também sobre juros indemnizatórios; e reconheceu ao contribuinte os juros de mora à taxa de 1% ao mês.
Mas labora em erro em ambos os segmentos (incidência, e taxa) – pelo que, nesses pontos, deve ser revogada a sentença recorrida.
E, assim, havemos de concluir que os juros moratórios a favor do contribuinte não incidem sobre os juros indemnizatórios; e que a taxa dos juros moratórios a favor do contribuinte é a taxa de juros legal de 4% ao ano.
3. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, na parte aqui impugnada, determinando-se a execução do julgado nos termos expostos.
Sem custas.
Lisboa, 2 de Julho de 2008. – Jorge Lino (relator) – Brandão de Pinho – Pimenta do Vale.