Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 03155/16.9BELRS |
Data do Acordão: | 09/16/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ GOMES CORREIA |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO NULIDADE INSUPRÍVEL |
Sumário: | I - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT] tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa. II - A apreciação dos termos concisos e sumários em que deve ser efectuada essa descrição sumária dos factos pode ser encarada de forma mais ou menos exigente, até porque estamos perante decisões em que essa descrição é feita em aplicações informáticas com campos formatados, mas esse entendimento tem como limite o direito do arguido a exercer a sua defesa. III - No caso em apreço, valha embora a arguida tenha relacionado a infracção imputada com as correcções e alterações decorrentes da apresentação da declaração de substituição de IRC, não resulta minimamente claro na decisão de aplicação de coima qual foi a forma de apuramento do montante ali consignado e que alegadamente devia ter sido entregue até 15/12/2013 e em que termos essa falta pode ser censurada à arguida, o que configura insuficiência na descrição sumária dos factos. IV - Donde que, sendo fundamental que a descrição dos factos e a indicação das normas punitivas devia permitir à arguida tomar conhecimento da conduta que lhe foi reprovada e ao abrigo de que norma lhe foi imputada a contra-ordenação, de modo a assegurar-lhe a possibilidade do exercício efectivo do seu direito de defesa, em face da matéria de facto apurada nos autos, tem de concluir-se que no caso vertente tal não foi respeitado, o que configura a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do artigo 79º do RGIT. |
Nº Convencional: | JSTA000P26365 |
Nº do Documento: | SA22020091603155/16 |
Data de Entrada: | 10/03/2018 |
Recorrente: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A.......... LDª |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. – Relatório A FAZENDA PÚBLICA, com os sinais dos autos, recorreu para este STA da decisão do TT de Lisboa da decisão que julgou o Recurso de contra-ordenação procedente, interposto pela arguida A………… Ldª., declarando nula a decisão da Administração Tributária que aplicou a coima no processo de contra-ordenação n.º 325520150600003926 à arguida A………….. Ldª., pela prática das infracções p. e p. nos artigos 104.º n.º1, al. a) do CIRC, e 114.º, n.º 2, 5 al. f), e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT, no montante total de 8.234,10€, acrescido de custas de €76,50, bem como, e em consequência anulou os termos subsequentes do referido processo de contra-ordenação, formulando as seguintes conclusões: “A) Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou o Recurso de contraordenação procedente, declarando nula a decisão da Administração Tributária que aplicou a coima no processo de contra-ordenação n.º 325520150600003926 à arguida A………………. Ldª., pela prática das infracções p. e p. nos artigos 104.º n.º1, al. a) do CIRC, e 114.º, n.º 2, 5 al.f), e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT, no montante total de 8.234,10€, acrescido de custas de €76,50, bem como, e em consequência anulou os termos subsequentes do referido processo de contra-ordenação. B) O Ilustre Tribunal “a quo” considerou nula a decisão da aplicação da coima, fundamentando a sua decisão nas circunstâncias de a decisão que aplicou a coima, na descrição sumária dos factos, não ter explanado as razões da aplicação da coima, concluindo que “… resulta de modo evidente que não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima, o requisito da “descrição sumária dos factos” a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, enfermando aquela decisão de nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.º 1 do seu artigo 63.º C) No entendimento da Representação da Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e sempre salvo melhor entendimento, a decisão de aplicação da coima em questão encontra-se devida e suficientemente fundamentada, de facto e de direito, contendo em si a descrição dos factos, de forma sucinta mas explícita, bem como a indicação das normas violadas e punitivas, tal como exige a al. b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT. D) Tal como resulta da factualidade tida por assente na decisão ora em crise, a decisão de aplicação da coima menciona a descrição sumária dos factos de forma concreta e determinada, indicam-se depois as normas legais infringidas e as normas que punem tais factos. E) Como ficou sublinhado no Acórdão do STA de 6 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 269/09, sendo certo que «as exigências legais da fundamentação da decisão que aplica uma coima previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 79.º como requisitos dessa decisão têm como finalidade principal assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, corolário da imposição constitucional de que nos processos contra-ordenacionais seja assegurado o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP)]. F) Esta exigência deve considerar-se satisfeita quando as indicações contidas na decisão, embora sumárias, sejam seguramente suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos, devendo ser aferida à face do direito constitucional a uma fundamentação expressa e aceitável dos actos da Administração que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 3, da CRP), o que se reconduz a que a referida descrição deverá conter os elementos necessários para afastar quaisquer dúvidas fundadas do arguido sobre todos os pontos do acto que o afecta». G) Pese embora os termos sucintos da decisão de aplicação da coima, é manifesto que a mesma contém uma descrição sumária dos factos de forma a possibilitar à arguida o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, com perfeito conhecimento dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram, e em termos bastantes para que se considere como adequadamente cumprido o requisito a que alude a al. b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas). H) E, conforme melhor se pode aferir através da leitura do requerimento inicial de recurso das contra-ordenações em questão, a Recorrente percebeu cabalmente o conteúdo da decisão proferida pela Administração Tributária, exercendo plenamente o seu direito de defesa – tanto na fase administrativa como na jurisdicional. Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!” Não foi deduzida resposta. O EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente devendo, em consequência, manter-se a decisão recorrida pelas razões doutamente aduzidas e a que infra se fará alusão. * 2. - FUNDAMENTAÇÃO:2.1. Dos Factos Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório: A) Em 28.02.2015 foi levantado à Recorrente o Auto de Notícia de fls. 2 dos autos, com o seguinte teor: B) Com base no auto de notícia mencionado na alínea antecedente foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa-10 o processo de contra-ordenação nº 32552015060000039260; (Cf. fls. 5 dos autos) C) Em 01.03.2015 a arguida foi notificada para o exercício do direito de defesa, tendo sido fixada a moldura contra ordenacional, entre o mínimo de €8.056,85 e o máximo de €26.856,19; (Cf. fls. 5 dos autos) D) Em 16.10.2013, por ação de inspeção em curso a arguida foi notificada por correio eletrónico, na pessoa de …………, do esclarecimento da Inspetora Tributária, dando conta de que, em relação ao exercício de 2010, haveria uma correção do montante de €180.780,80 e a matéria coletável declarada de -€25.876,98 passava para €154.903,80; (Cf. doc. 1 junto com a petição de recuso) E) Em 15.11.2015 a ora arguida, em face da correção identificada procedeu à entrega de declarações de substituição Modelo 22 de IRC, relativas aos exercícios de 2010, 2011 e 2012; (Cf. doc. 2, 3 e 4 juntos com a petição de recuso) F) Em 31.07.2013, 30.09.2013 e 15.12.2013 a ora arguida efetuou os três pagamentos por conta nos montantes respetivos de €3.811,00, €3.811,00 e€30.988,00, sendo os dois primeiros relativamente à primitiva Modelo-22 de IRC do exercício de 2012 e o terceiro em face do imposto apurado por correção inspetiva na declaração de substituição; (Cf. doc. 5 a 7 junto com a petição de recuso) G) Da liquidação de IRC referente ao exercício de 2013, n.º 2014.2310031344, resultou um imposto a pagar no montante de €4.730,92; (Cf. doc. 8 junto com a petição de recuso) H) Em 21.03.2015 o Diretor de Finanças de Lisboa, por Delegação de competências, proferiu Decisão de Fixação da Coima com ao seguinte teor: (Cfr. Fls. 6 e 7 dos autos) I) A petição de recurso deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-10, em 28.04.2015 cf. Data aposta no carimbo da primeira folha, a fls. 14; * Factos não provados Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão. * Motivação. A convicção do tribunal formou-se com base na prova documental que se encontra juntos aos autos, referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram. *
2.2.- Motivação de Direito A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao anular a decisão administrativa de aplicação da coima com fundamento na verificação da nulidade insuprível prevista no art. 63.º, n.ºs 1, alínea d) e 3, do RGIT, por violação da exigência da «descrição sumária dos factos», por falta da indicação dos limites da moldura sancionatória abstractamente aplicável, que considera integrar-se na exigência de indicação das normas punitivas, e por falta de indicação «dos elementos que contribuíram para a […] fixação» da coima, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 79.º do mesmo Regime. Quanto à «descrição sumária dos factos» imposta pela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT e, bem assim, os demais requisitos da decisão de aplicação da coima elencados nesse número «devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517). Por isso, essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem.), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa]. Pronunciando-se sobre a descrição sumária dos factos na decisão administrativa, expendeu GERMANO MARQUES DA SILVA, em intervenção no Centro de Estudos Judiciários: «em resposta à questão de «qual o limite para a descrição sumária dos factos enquanto garantia de defesa» a minha resposta é também sumária: deve descrever o facto nos seus elementos essenciais para que o destinatário possa saber o que lhe é imputado e de que é que tem de se defender sem necessidade de consultar outros elementos em posse da administração» (Cfr. Contra-ordenações Tributárias 2016 [Em linha], Centro de Estudos Judiciários, 2016, pág. 20, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_contraordenacoes_t_2016.pdf.). * 3. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida. Sem custas (inexistência de norma legal que preveja a condenação da entidade recorrente em custas). * Lisboa, 16 de Setembro de 2020 - José Gomes Correia (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro. |