Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01682/17.0BESNT
Data do Acordão:11/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:ACIDENTE DE SERVIÇO
REPARAÇÃO
LESÃO CORPORAL
AGRAVAMENTO DE LESÕES
INTERVENÇÃO CIRÚRGICA
Sumário:Estando-se em presença de pedido de reabertura do processo de sanidade em decorrência de alegado agravamento de lesão emergente do acidente em serviço de que o sinistrado/requerente foi vítima, deduzido no prazo de 10 anos contado da alta, e no qual se reclama como resposta, no imediato, uma reparação em espécie [submissão a cirurgia] que não contende ou diz respeito à revisão da incapacidade permanente do sinistrado e decorrente perda da capacidade de ganho, o requerimento do sinistrado deverá ser dirigido e deduzido junto da respetiva entidade empregadora [cfr. arts. 04.º, 05.º, 20.º, 21.º e 24.º, todos do DL n.º 503/99], sobre quem impende e a quem incumbe essa responsabilidade prestacional, uma vez tomada decisão pela junta médica da ADSE.
Nº Convencional:JSTA000P23867
Nº do Documento:SA12018112201682/17
Data de Entrada:09/03/2018
Recorrente:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A…………, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [doravante «TAF/S»] a presente ação administrativa urgente contra o “MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA” [abreviada e doravante «MAI»], peticionando a anulação do despacho do Comandante Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, de 11.10.2017, que indeferiu o seu pedido de reabertura do processo de sanidade n.º 2012LSB00160SAN, por recidiva, e a condenação da entidade demandada à prática do ato devido, consubstanciado na reabertura do referido processo, reconhecendo para o efeito a existência de nexo de causalidade entre a situação clínica presente do autor e o acidente em serviço que ocorreu em 16.03.2012.

2. O «TAF/S», por decisão de 09.02.2018 [inserta a fls. 386 a 399 dos autos - paginação «SITAF» tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], veio a julgar procedente a presente ação, tendo condenado o R. «a submeter o autor a junta médica para efeitos de reconhecimento da sua situação clínica como recidiva, agravamento ou recaída e, se for o caso, determinar a reabertura do processo de sanidade».

3. Inconformado, o R. interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul [«TCA/S»], o qual, por acórdão de 14.06.2018 [cfr. fls. 436 a 457], negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o R., de novo inconformado com o acórdão proferido pelo «TCA/S» veio interpor o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 464 e segs.]:
«
A. Na presente ação, como em outras possíveis ações que venham a ser interpostas com o mesmo fundamento, está-se, perante a questão de saber a quem compete nos termos do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro, no caso de incapacidade permanente reconhecida, o pagamento das prestações que sejam devidas ao sinistrado seja em espécie ou sejam em dinheiro e a reabertura do processo em caso de agravamento, recidiva ou recaída.
B. Tal questão, pela sua controvérsia e eventual futura expansão reveste-se de importância fundamental pela sua relevância jurídica e clara necessidade de melhor aplicação do direito, motivo pelo qual se justifica, salvo melhor opinião, uma reapreciação excecional por esse Venerando Tribunal, de acordo com o art. 150.º, n.º 1, do CPTA.
C. O Acórdão, ora recorrido, entendeu ser de manter a sentença recorrida do TAF de Sintra, que transcreveu parcialmente, por considerar ser correta a asserção referida nesta, considerando, que cabe à entidade empregadora para efeitos do regime jurídico dos acidentes em serviço na Administração Pública, em casos de alta médica e reconhecida incapacidade permanente pela Caixa Geral de Aposentações (CGA) - com pagamento do capital de remição da pensão a que tinha direito - submeter o sinistrado a junta médica para efeito de recidiva e conceder todas e quaisquer prestações que sejam devidas ao sinistrado, sejam em espécie ou sejam em dinheiro.
D. Em sentido contrário já decidiu o Venerando Tribunal Central Administrativo do Norte, Acórdão do Processo n.º 00431/13.6BECBR, de 06.03.2015, e Acórdão do Processo n.º 03453/15.9BEBRG, de 28.04.2017.
E. O Tribunal a quo errou ao julgar e decidir que da norma do art. 5.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro, não resulta que a Caixa Geral de Aposentações é responsável por todas e quaisquer prestações que sejam devidas ao sinistrado em caso de incapacidade permanente ou morte, considerando, de outro modo, apenas responsável pelas prestações em dinheiro previstas nas alíneas b) a g) do n.º 4, do Decreto-lei;
F. Da solução normativa plasmada nos art. 5º, n.º 3, conjugado, com o art. 34.º, n.ºs 1 e 4, é de concluir que o legislador criou expressamente um regime específico nos casos de incapacidade permanente ou morte, excecionando e atribuindo, nessas situações, competência para a avaliação e a reparação à CGA;
G. Como entidade responsável, compete-lhe, todas e quaisquer prestações que sejam devidas ao sinistrado, sejam em espécie ou sejam em dinheiro, nos termos do art. 4.º, do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro e do art. 23.º, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, em casos de incapacidade permanente ou morte;
H. O direito à reparação dos danos sofridos na sequência de recidiva, agravamento ou recaída (acidente de serviço onde já lhe foi atribuída uma compensação monetária pela CGA e uma incapacidade permanente) o procedimento legal a adotar, contrário ao decidido, deve ser o da revisão da incapacidade, nos termos e para os efeitos do art. 40.º, n.ºs 1 e 2, e não, o da reabertura do processo de acidente, ou melhor dito, a submissão a junta médica, nos termos e para os efeitos do art. 24.º, n.ºs 1 e 2, todos do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro, pelo serviço ou organismo da Administração Pública que pertença o trabalhador;
I. O Acórdão recorrido, mantendo a sentença de 1ª instância incorreu em vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do artigo 5.º, 24.º e 40.º, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro …».
Termina pugnando pela procedência do recurso e revogação do acórdão recorrido, julgando-se totalmente improcedente a pretensão.

5. O A., aqui recorrido, devidamente notificado não contra-alegou [cfr. fls. 484 e segs.].

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 21.09.2018, veio a ser admitido o recurso [cfr. fls. 492/495].

7. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 146.º, n.º 1, e 147.º, n.º 2, do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, emitiu parecer «no sentido da improcedência do recurso» [cfr. fls. 501/505], pronúncia essa que objeto de contraditório não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 507 e segs.].

8. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.º 1, do CPTA, o processo foi submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.




DAS QUESTÕES A DECIDIR

9. Constitui objeto de apreciação nesta sede o invocado erro de julgamento apontado pelo R., aqui recorrente, ao decidido pelo «TCA/S», porquanto este ao haver mantido o juízo do «TAF/S» fê-lo com incorreta interpretação e aplicação, nomeadamente, do disposto nos arts. 05.º, 24.º e 40.º, do DL n.º 503/99, de 20.11 [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
10. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) O A. é agente da Polícia de Segurança Pública [acordo].
II) No dia 16.03.2012, o A. sofreu um acidente, cuja participação deu origem ao processo de sanidade n.º NUP2012LSB00160SAN [documento de fls. 01 e 02 do processo administrativo apenso].
III) Por despacho do Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública [PSP], de 29.05.2012, o acidente sofrido pelo A. em 16.03.2012 foi qualificado como acidente de serviço [documento de fls. 02 a 05 do processo administrativo apenso].
IV) A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações [CGA] fixou ao A. uma incapacidade permanente parcial, com a desvalorização de 10% [documento de fls. 269 do processo administrativo apenso].
V) Por decisão de 31.03.2017, da Direção da CGA, foi fixada ao A. uma pensão anual vitalícia de 962,99 €, a que corresponde uma pensão mensal de 68,79 € e o capital de remição de 16.059,78 € [documento de fls. 277 do processo administrativo apenso].
VI) Em 21.09.2017, o A. requereu ao Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP a reabertura do processo de sanidade n.º NUP2012LSB00160SAN, referindo apresentar «agravamento significativo da lesão a que respeitam os presentes autos de acidente em serviço» [documento de fls. 281 do processo administrativo apenso].
VII) Em anexo ao requerimento, foi junto relatório médico, elaborado pelo Dr. ………… do «Hospital CUF Descobertas», onde consta o seguinte diagnóstico: «Lesão ostecondral côndilo femoral interno com gonalgia interna permanente no contexto de agravamento após cirurgia em 20/3» [documento n.º 02 junto com a petição inicial].
VIII) No mesmo relatório médico, consta a seguinte proposta cirúrgica: «Cirurgia artroscópica + cirurgia aberta (…)» [documento n.º 02 junto com a petição inicial].
IX) Por despacho do Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, de 11.10.2017, o pedido de reabertura do processo de sanidade apresentado pelo autor foi indeferido [documento n.º 01 junto com a petição inicial].
X) O despacho referido em IX) tem o seguinte teor:
«
1. No âmbito do processo de sanidade em epígrafe, por acidente sofrido pelo em 16.03.2012, e já qualificado como acidente de trabalho, vem o Agente – A…………, requerente, da Divisão da ……… deste Comando, em requerimento de 21.09.2017, requer a reabertura do citado processo, com a alegação de a lesão resultante do citado acidente apresentar agravamento significativo e precisar de o combater com cirurgia e tratamento, sob pena de se tornar irreversível.
2. No mesmo requerimento alega ter apresentado pedido idêntico em 11.08.2017, tendo obtido como resposta de que deveria dirigir o pedido ao Presidente da Caixa Geral de Aposentações (CGA), sendo que, tendo-se deslocado àquela entidade, foi ali informado de que todos os encargos da cirurgia deveriam ser suportados pela PSP, visto tratar-se do agravamento de uma lesão emergente de acidente em serviço, e, só após a realização da cirurgia é que a PSP remeteria o processo à CGA para avaliação e alteração da IPP.
Em face do requerido cumpre decidir.
3. O referido acidente, ocorrido em 16.03.2012, por despacho de 29.05.2012 foi qualificado como acidente de trabalho.
4. Posteriormente, a Caixa Geral de Aposentações fixou a IPP atribuída pela JSS em 10%, com a consequente atribuição da correspondente prestação/compensação pecuniária - capital de remissão de acordo com esse grau de incapacidade.
À data do acidente vigorava, e vigora ainda, o Dec.-Lei n.º 503/99, de 20.11., cujo art. 40.º, sob a epígrafe, “Revisão da incapacidade e das prestações”, estabelece:
1 - Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do trabalhador proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou de aplicação de prótese ou ortótese, as prestações da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações poderão ser revistas e, em consequência, aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2 - As prestações podem ser revistas por iniciativa da Caixa Geral de Aposentações ou mediante requerimento do interessado, fundamentado em parecer médico.
3 - A revisão pode ser efetuada no prazo de 10 anos contado da data da fixação das prestações:
a) Uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos;
b) Uma vez por ano, nos anos subsequentes.
4 - No caso de doença profissional de carácter evolutivo, a revisão pode ser requerida a todo o tempo, exceto nos dois primeiros anos, em que só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.
5 - A verificação da modificação da capacidade geral de ganho é da competência da correspondente junta médica prevista no artigo 38.º
6 - A não comparência injustificada do sinistrado ou doente a exame da junta médica referida no número anterior determina a suspensão das prestações devidas nos termos do presente diploma a partir do dia 1 do mês seguinte ao da primeira falta e até à submissão do interessado a novo exame, que deverá realizar-se no prazo máximo de 30 dias consecutivos a contar da não comparência”.
5. Portanto, nos termos do n.º 1 do citado normativo legal, em caso de agravamento da lesão, "as prestações da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações poderão ser revistas e, em consequência, aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada".
6. Daí que, na sequência do aludido requerimento de 11.08.2017, tivesse o requerente sido notificado de que, de harmonia com o aludido dispositivo legal, deveria dirigir pedido de revisão ao Presidente da CGA, na sequência do que, veio novamente requerer a reabertura do processo.
7. Acrescente-se que na O.S. n.º 188 do COMETLIS, de 02.10.2017, foi publicado esclarecimento relacionado com a reabertura de processos de sanidade e dos pedidos de revisão da IPP atribuída pela CGA, na sequência de Parecer sobre o assunto emanado da Direção de Serviços e Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Administrativa do MAI, que mereceu despacho de concordância de S.ª Ex.ª a MAl de 1.07.2017.
8. Assim, no uso da competência conferida pelo Despacho n.º 04/GDN/2017, de 09.02.2017, publicado na O.S. n.º 07, I Parte B, da DNPSP de 20.02.2017, indefiro o pedido de reabertura do processo de sanidade, devendo o requerente, querendo, requerer ao Presidente da Caixa Geral de Aposentações a revisão da IPP atribuída, tal como consta no supracitado esclarecimento publicado em O.S..
9. Notifique-se …» [documento n.º 01 junto com a petição inicial].
XI) Em 09.11.2017, foi elaborado relatório médico, pelo Dr. ………… do «Hospital CUF Descobertas», onde consta o seguinte diagnóstico:
«Sequela de osteocondrite dissecante do côndilo femoral interno do joelho direito submetida a 3 intervenções cirúrgicas a última em 5/11/2013 (microfraturas + alectomia externa da rotula).
Agravamento do quadro clínico desde abril 2017» [documento n.º 03 junto com a petição inicial].
XII) No mesmo relatório médico, consta a seguinte proposta cirúrgica:
«Mosaicoplastia por via aberta do côndilo femoral interno que deve realizar com brevidade para evitar danos e sequelas» [documento n.º 03 junto com a petição inicial].

«*»

DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões objeto da presente revista.

11. Convocando o quadro normativo a atender na análise da situação objeto de discussão e presente que a mesma se mostra disciplinada pelo regime inserto no DL n.º 503/99 o qual contém o regime jurídico relativo ao infortúnio do trabalho ocorrido ao serviço de entidades empregadoras públicas [cfr. n.ºs I) a III) da matéria de facto apurada, em conjugação com os arts. 01.º e 02.º, n.º 1, do referido DL, e 03.º, do DL n.º 243/2015, de 19.10 (diploma que aprova o estatuto profissional do pessoal com funções policiais da PSP)], temos que uma vez ocorrido um acidente em serviço o mesmo deve ser objeto de participação [cfr. arts. 08.º e 09.º, do DL n.º 503/99 - diploma a que se reportarão as ulteriores citações sem expressa menção em contrário] e de ulterior reconhecimento como tal através de decisão de qualificação [cfr. art. 07.º, do mesmo DL].

12. Tal qualificação confere ao trabalhador sinistrado o direito, independentemente do respetivo tempo de serviço, à reparação, em espécie [cfr. arts. 04.º, n.º 3, 10.º a 14.º] e em dinheiro [cfr. art. 04.º, n.º 4, 15.º a 18.º], dos danos resultantes do acidente em serviço, extraindo-se do seu art. 05.º, sob a epígrafe de “responsabilidade pela reparação”, que «[o] empregador ou entidade empregadora é responsável pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais previsto neste diploma» [n.º 1], que «[o] serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional é responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles emergentes, nos termos previstos no presente diploma» [n.º 2], e que «[n]os casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma» [n.º 3].

12. Prevê-se no art. 20.º, relativo à “alta” e no que para os autos releva, que «[q]uando o trabalhador for considerado clinicamente curado ou as lesões ou a doença se apresentarem insuscetíveis de modificação com terapêutica adequada, o médico assistente ou a junta médica prevista no artigo 21.º, conforme os casos, dar-lhe-á alta, formalizada no boletim de acompanhamento médico, devendo o trabalhador apresentar-se ao serviço no 1.º dia útil seguinte, exceto se lhe tiver sido reconhecida uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou para todo e qualquer trabalho, caso em que se consideram justificadas as faltas dadas até à realização da junta médica da Caixa Geral de Aposentações» [n.º 1], que «[a]pós a alta, se for reconhecido ao acidentado uma incapacidade permanente ou se a incapacidade temporária tiver durado mais de 36 meses, seguidos ou interpolados, a entidade empregadora deve comunicar o facto à Caixa Geral de Aposentações, que o submeterá a exame da respetiva junta médica para efeitos de confirmação ou de verificação de eventual incapacidade permanente resultante do acidente e de avaliação do respetivo grau de desvalorização» [n.º 5], e que «[n]o caso de não ter sido reconhecida ao acidentado uma incapacidade permanente e este não se conformar com tal decisão, pode requerer à Caixa Geral de Aposentações, no prazo de 90 dias consecutivos após a alta, a realização de junta médica, para os fins previstos no número anterior» [n.º 6], decorrendo do art. 21.º [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 33/2018, de 15.05 - alteração que apenas produziu efeitos desde 01.01.2018], respeitante à “junta médica”, que «[a] A verificação e confirmação da incapacidade temporária, a atribuição da alta ou a sua revisão, previstas nos artigos 19.º e 20.º, (…) competem a uma junta médica composta por dois médicos da ADSE, um dos quais preside, e um médico da escolha do sinistrado» [n.º 1], que «[c]ompete à entidade empregadora ao serviço da qual ocorreu o acidente requerer à ADSE a realização do exame da junta médica e suportar os respetivos encargos, incluindo os relativos à eventual participação do médico indicado pelo sinistrado» [n.º 4], sendo que «[a]s decisões da junta médica são notificadas ao sinistrado e à respetiva entidade empregadora» [n.º 7].

13. Resulta, ainda, do art. 24.º, relativo à “recidiva, agravamento e recaída” [conceitos definidos nas als. o) a q) do n.º 1 do art. 03.º] que «[n]o caso de o trabalhador se considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contado da alta, deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica referida no artigo 21.º, fundamentado em parecer médico» [n.º 1] e que «[o] reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída pela junta médica determina a reabertura do processo, que seguirá, com as necessárias adaptações, os trâmites previstos para o acidente e confere ao trabalhador o direito à reparação prevista no artigo 4.º» [n.º 2].

14. Deriva, por seu turno e no que se mostra de interesse para o litígio, do art. 34.º, sob a epígrafe de “incapacidade permanente ou morte”, que «[s]e do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral» [n.º 1] e que «[a]s pensões e outras prestações previstas no n.º 1 são atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações, regulando-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição» [n.º 4], constituindo uma competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações [CGA] a «confirmação e a graduação da incapacidade permanente» [cfr. art. 38.º].

15. Por força do disposto neste preceito em conjugação com a definição de «regime geral» inserta na al. a) do n.º 1 do art. 03.º e remissão para «o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da Lei n.º 100/97 (…), e legislação complementar», remissão essa que, hoje, terá de ser feita para a Lei n.º 98/2009, de 04.09 [diploma que veio revogar aquele antecedente quadro normativo - cfr. art. 186.º], temos que importa ainda ter em consideração, mormente, o disposto nos arts. 23.º, 25.º e 47.º daquela Lei.

16. Assim, preceitua-se no art. 23.º da referida Lei que o «direito à reparação compreende as seguintes prestações: a) Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa; b) Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei», concretizando-se, por um lado, as «prestações em espécie» no art. 25.º do mesmo diploma, as quais compreendem «a) A assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo todos os elementos de diagnóstico e de tratamento que forem necessários, bem como as visitas domiciliárias; b) A assistência medicamentosa e farmacêutica; c) Os cuidados de enfermagem; d) A hospitalização e os tratamentos termais; e) A hospedagem; f) Os transportes para observação, tratamento ou comparência a atos judiciais; g) O fornecimento de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, bem como a sua renovação e reparação; h) Os serviços de reabilitação e reintegração profissional e social, incluindo a adaptação do posto do trabalho; i) Os serviços de reabilitação médica ou funcional para a vida ativa; j) Apoio psicoterapêutico, sempre que necessário, à família do sinistrado»; e, por outro lado, as «prestações em dinheiro» insertas no seu art. 47.º, e que abarcam «a) A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho; b) A pensão provisória; c) A indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho; d) O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente; e) O subsídio por morte; f) O subsídio por despesas de funeral; g) A pensão por morte; h) A prestação suplementar para assistência de terceira pessoa; i) O subsídio para readaptação de habitação; j) O subsídio para a frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional necessárias e adequadas à reintegração do sinistrado no mercado de trabalho».

17. E retomando o DL em referência do mesmo se extrai que a CGA é responsável, para além do pagamento das indemnizações e pensões correspondentes à redução da capacidade de ganho, pelo pagamento ainda de prestações por incapacidade respeitantes aos subsídios por assistência de terceira pessoa [cfr. art. 35.º, n.º 1], para readaptação de habitação [cfr. art. 35.º, n.º 3] e por situações de elevada incapacidade permanente [cfr. art. 37.º].

18. Por fim, estipula-se no art. 40.º que «[q]uando se verifique modificação da capacidade de ganho do trabalhador proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou de aplicação de prótese ou ortótese, as prestações da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações poderão ser revistas e, em consequência, aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada» [n.º 1], que «[a]s prestações podem ser revistas por iniciativa da Caixa Geral de Aposentações ou mediante requerimento do interessado, fundamentado em parecer médico» [n.º 2], e que «[a] revisão pode ser efetuada no prazo de 10 anos contado da data da fixação das prestações: a) Uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos; b) Uma vez por ano, nos anos subsequentes» [n.º 3], sendo que «[a] verificação da modificação da capacidade geral de ganho é da competência da correspondente junta médica prevista no artigo 38.º» [n.º 5].

19. Deriva do cotejo e da análise ao regime acabado de reproduzir parcialmente que a responsabilidade da CGA ocorre, por um lado, tão-só se do acidente em serviço resultar morte ou incapacidade permanente do sinistrado e mostra-se, quanto à situação de incapacidade, reconduzida apenas à reparação daquilo que correspondem os danos da mesma derivados e reparados em dinheiro, mormente, a indemnização em capital ou pensão vitalícia, os subsídios por assistência a uma terceira pessoa, para readaptação de habitação, e por elevada incapacidade permanente [cfr. arts. 04.º, n.º 4, als. b), c), d) e e), 05.º, n.º 3, 16.º, 17.º, 34.º a 38.º, e arts. 03.º e 14.º do DL n.º 131/2012, de 25.06 (diploma que contém a orgânica da CGA)], não se abrangendo nessa sua responsabilidade aquilo que correspondem às prestações sob a forma de reparação «em espécie» [i) prestações de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa e quaisquer outras, incluindo tratamentos termais, fisioterapia e o fornecimento de próteses e ortóteses; ii) transporte e estada; iii) com readaptação, reclassificação e reconversão profissional] a cargo do serviço/organismo da Administração pública [cfr., nomeadamente, os arts. 04.º, n.º 2, 05.º, n.º 2, 10.º, 11.º, 13.º e 14.º].

20. Por outro lado, e ainda para as situações de incapacidade permanente, tal responsabilidade encontra-se condicionada à submissão e controlo por parte da junta médica da CGA, a quem cabe verificar e graduar aquela incapacidade [cfr. arts. 34.º e 38.º], presente que essa intervenção e responsabilização surge apenas na sequência de comunicação que é feita à CGA pela entidade empregadora por, no momento da alta do sinistrado, haver sido constada uma situação de incapacidade permanente [cfr. arts. 20.º, n.º 5], ou seja, o procedimento que decorre perante a CGA apenas tem lugar após decurso e observação dos trâmites do procedimento havido junto do serviço-organismo/entidade empregadora e da junta médica da ADSE de harmonia com o previsto nos arts. 20.º e 21.º.

21. Já perante situações de agravamento, recidiva ou recaída que não envolvam, logo à partida, uma modificação da capacidade de ganho, porquanto, alegada a ocorrência de uma dessas situações sem uma tal consequência, o trabalhador sinistrado, que já tinha tido alta, terá, então, de apresentar na entidade empregadora um requerimento dirigido à mesma, respeitado o prazo de 10 anos, peticionando a sua submissão de novo a junta médica da ADSE [cfr. arts. 21.º e 24.º] para que esta se pronuncie sobre a alegada situação e evolução desfavorável havida e da decisão se retirem as devidas consequências, nomeadamente, em termos reparatórios [cfr. arts. 04.º e 24.º, n.º 2].

22. É que esse requerimento, estando-se em presença de situação de agravamento, recidiva, recaída que reclame como resposta, no imediato, de uma reparação em espécie ou em dinheiro que não contenda ou diga respeito à incapacidade permanente do sinistrado e decorrente perda da capacidade de ganho, deverá ser dirigido e deduzido junto da respetiva entidade empregadora [cfr. arts. 21.º e 24.º], sobre quem impende e a quem incumbe essa responsabilidade prestacional de harmonia com o supra exposto uma vez tomada decisão pela junta médica da ADSE.

23. Caso na decisão da junta médica da ADSE se venha a concluir, ainda, pela existência de uma modificação da capacidade de ganho do trabalhador sinistrado daí derivarão implicações e decorrências a serem objeto de juízo de revisão pela junta médica da CGA [cfr. arts. 21.º, 38.º e 40.º, n.ºs 1, 2, e 5].

24. Mas se este juízo de revisão da competência da CGA pode ter lugar oficiosamente, nomeadamente no contexto de informação que lhe seja transmitida no decurso do procedimento como o aludido nos pontos antecedentes, temos que o mesmo poderá ainda ter lugar na sequência de requerimento do interessado, requerimento esse fundamentado em parecer médico.

25. E, neste contexto, quando esteja em causa um pedido do interessado para a revisão da incapacidade que se mostra anteriormente fixada pela CGA [cfr. arts. 34.º e 38.º] e, em decorrência, da respetiva pensão/indemnização, pedido esse estribado em alegado agravamento, recidiva ou recaída que envolva uma modificação da sua capacidade de ganho, temos que o mesmo, fundamentado em parecer médico, deverá ser dirigido e deduzido diretamente junto da CGA, cabendo, então, à respetiva junta médica a sua análise e verificação [cfr. arts. 05.º, n.º 3, 38.º e 40.º, n.ºs 1, 2, e 5], como única entidade legalmente dotada de competência para a emissão de um tal juízo revisivo.

26. Presentes os considerandos antecedentes desenvolvidos à luz do quadro normativo convocado e a factualidade que resulta apurada entendemos não procederem as críticas que foram dirigidas pelo R., aqui recorrente, ao acórdão recorrido.

27. É certo que ao A. foi dada alta médica e reconhecida uma incapacidade permanente parcial [de 10%], bem como foi-lhe fixada uma pensão por decisão da CGA [cfr. n.ºs IV) e V) da factualidade apurada em conjugação com os arts. 04.º, n.º 4, 05.º, n.º 3, 20.º, 21.º, 34.º e 38.º, todos do DL n.º 503/99].

28. Ocorre que in casu estamos em face de um pedido dirigido e deduzido junto do Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP no qual o A., enquanto agente da PSP, o mesmo pretende a reabertura do seu processo de sanidade em decorrência de alegado agravamento de lesão emergente do acidente em serviço de que o mesmo foi vítima, dado carecer de «o combater com cirurgia e tratamento, sob pena de se tornar irreversível» como é reconhecido e se extrai do despacho de indeferimento que sobre o mesmo recaiu [cfr. n.ºs VI), VII), VIII), IX), X), XI) e XII) da factualidade apurada].

29. Ora perante uma pretensão com aquele objeto e finalidade o requerimento a veicular um tal pedido deveria ter sido dirigido e deduzido, como o foi e corretamente, perante o Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, já que isso resulta imposto, de harmonia com o entendimento atrás explicitado, do regime normativo extraído dos arts. 04.º, 05.º, 20.º, 21.º, e 24.º, todos do DL em referência.

30. É perante aquele ente que a pretensão deveria ser deduzida, impendendo sobre a junta médica da ADSE a competência e o dever de apreciação de situação de alegado agravamento já que ocorrido no prazo de 10 anos contado da alta, recaindo sobre aquele mesmo ente a reparação da lesão e dos danos em questão se essa vier a ser a conclusão firmada pela referida junta médica.

31. Não se mostram, pois, infringidos pelo acórdão recorrido os normativos convocados pelo R., aqui recorrente, termos em que soçobra totalmente a motivação pelo mesmo expendida no presente recurso.


DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional sub specie, e, com a fundamentação antecedente, manter o acórdão recorrido.
Custas a cargo do R., recorrente. D.N..



Lisboa, 22 de novembro de 2018. - Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.