Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01499/12
Data do Acordão:01/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:GARANTIA
ISENÇÃO
Sumário:Para que possa ser deferida a dispensa de prestação de garantia nos termos do artº 52º, nº 4 da Lei Geral Tributária é necessário que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos, sendo que, em qualquer um dos casos, a lei ainda impõe que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e acrescido e que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado.
Nº Convencional:JSTA00068062
Nº do Documento:SA22013012301499
Data de Entrada:12/27/2012
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - GARANTIA
Legislação Nacional:LGT98 ART52 N4
CPPTRIB99 ART170 N4
CCIV66 ART9 N2
Referência a Doutrina:LEITE DE CAMPOS BENJAMIM RODRIGUES JORGE DE SOUSA LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 4ED PAG427
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO III PAG2333
LIMA GUERREIRO LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 2001 PAG243
VALENTE TORRÃO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO PAG713
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 – Vem A……., SA, interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 31 de Outubro de 2012, exarada a fls. 445/460, decisão esta que julgou parcialmente improcedente a reclamação deduzida do despacho proferido em 21 de Junho de 2012, pelo Chefe do Serviços de Finanças de Ilhavo, na parte em que indeferiu pedido de dispensa de prestação de garantia, no entendimento de que o recorrente não cumpriu o ónus de alegar/provar a verificação dos requisitos de que depende a dispensa da prestação de garantia, nomeadamente o requisito consistente no facto de não ter sido por sua culpa que se verificou a insuficiência ou inexistência de bens para pagamento da dívida exequenda e acrescido.

Terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A) — Na douta sentença recorrida foi julgado improcedente o pedido de dispensa de garantia, em virtude de nada ter sido alegado nem provado “quanto ao facto de a insuficiência de bens não lhe ser imputável, centrando toda a sua reclamação no prejuízo irreparável.”
B ) — A recorrente discorda da douta sentença recorrida, na parte em que não foi deferida a dispensa de garantia, na medida em entende que foi efectuada uma errada interpretação e aplicação da parte final do nº 4 do artigo 52° da LGT, na parte relativa ao texto “desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”,
C ) — Com efeito, os casos previstos no nº 4 do artigo 52º da LGT para a dispensa de garantia são dois: o primeiro é o prejuízo irreparável e o segundo é a manifesta falta de meios económicos.
D ) — A questão da insuficiência ou inexistência de bens e a respectiva alegação e prova só fazem sentido para os casos em que a dispensa de garantia se fundamenta na falta de meios económicos.
E ) - Aliás, exigir que para a concessão de dispensa de garantia para os casos de prejuízo irreparável se alegue e prove a insuficiência ou inexistência de bens não faz qualquer sentido nem terá cabimento no próprio fundamento.
F ) — Na verdade, o prejuízo irreparável constitui por si mesmo fundamento autónomo e independente para a dispensa de garantia relativamente à falta de meios económicos, sendo que ocorrendo aquele haverá lugar à concessão da dispensa de garantia.
G ) - A douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do nº 4 do artigo 52° da LGT.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta recorrida, anulando-se o despacho de indeferimento de dispensa de garantia, quanto à parte não abrangida pelos bens penhorados, proferido em 21 de Junho de 2012, pelo Ex. mo Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo.

Não houve contra-alegações.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
O recorrente à margem identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Tributário de Aveiro, de 31 de Outubro de 2012, exarada a fls. 445/460.
A sentença recorrida julgou improcedente a reclamação deduzida do despacho proferido em 21 de Junho de 2012, pelo Chefe do SLF de Ílhavo, na parte em que indeferiu pedido de dispensa de prestação de garantia, no entendimento de que o recorrente não cumpriu o ónus de alegar/provar a verificação dos requisitos de que depende a dispensa da prestação de garantia, mais precisamente o requisito consistente no facto de não ter sido por sua culpa que se verificou a insuficiência ou inexistência de bens para pagamento da dívida exequenda e acrescido.
O recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 468/469, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.°/3 e 685.°-A/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais.
Não houve contra-alegações.
A nosso ver o recurso não merece provimento.
Nos termos do estatuído no artigo 52.°/4 da LGT a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
«A responsabilidade do executado, prevista na parte final do número 4, deve entender-se em termos de dissipação dos bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores e não mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens».
Ao contrário da tese sustentado pela recorrente, como resulta do teor do artigo 52.°/4 da LGT, para que possa ser deferida a dispensa de prestação de garantia é necessário que se verifiquem três requisitos, cumulativamente, embora dois deles comportem alternativas.
Assim é necessário:
1.Que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e acrescido;
2.Que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado;
3.Que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos.
E ao executado que pretende a dispensa da prestação de garantia que incumbe o ónus da prova dos pressupostos de que depende tal dispensa, designadamente de que não foi por culpa sua que se verificou a situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e acrescido2.
Ora, como bem acentua a sentença recorrida, a recorrente não alegou/provou o referido requisito.
A norma do artigo 52.°/4 da LGT é clara ao estatuir que, quer nos casos de prejuízo irreparável, quer no caso de manifesta falta de meios económicos, a inexistência/ insuficiência de bens não pode ser da responsabilidade do executado.
A sentença recorrida é, assim, de manter.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»

2 – Com dispensa de vistos dada a natureza urgente do recurso, vêm os autos à conferência.

3 – Objecto do recurso
Face às conclusões das alegações verifica-se que o recurso tem por fundamento exclusivo matéria de direito, sendo que a questão a decidir consiste em saber se padece de erro de julgamento a sentença recorrida ao considerar que, pese embora a reclamante e ora recorrente tenha logrado provar que a prestação de garantia lhe causava prejuízo irreparável, sendo manifesta a sua falta de meios económicos, se lhe impunha também alegar e provar que a insuficiência de bens não era da sua responsabilidade.

4- Fundamentação de facto
Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:

1. Em 22/12/2009, o Serviço de Finanças de Ílhavo instaurou o processo de execução fiscal n° 0108200901039717 contra a executada A......, S.A./...... — fls. 1 (PEF) e 261 dos autos.
2. Este Processo de Execução Fiscal visava a cobrança coerciva de € 284 250, 95, devidos a título de IRC de 2005 — cfr. certidão de dívida de fls. 2 do Processo de Execução Fiscal identificado em 1.
3. A executada foi citada para a execução em 26.01.2010 — cfr. fls. 3 do Processo de Execução Fiscal id. em 1.;
4. Em 29.01.2010 a executada requereu, junto do Serviço de Finanças de Ílhavo, ser informada qual o valor da garantia a prestar, de forma a suspender os presentes autos de execução até trânsito em julgado da Impugnação judicial ou Reclamação Graciosa que venha a instaurar (uma vez que o prazo para o efeito ainda se encontrava em curso) — cfr. fls. 7 e 8;
5. Em 12/02/2010, a executada requereu a rectificação do valor da garantia para o montante de € 365 564,06, atendendo a que tinha sido notificada para apresentar garantia no valor de € 485 120,72, sendo o valor da dívida exequenda de € 284 250,95, a que acrescia o valor dos juros de mora de € 7 200,30 e o valor das custas estimado em € 1 000,00. Mais requereu a suspensão dos autos de execução até ao trânsito em julgado da reclamação graciosa ou da impugnação judicial, consoante a que terminasse em último lugar — fls. 15 a 18.
6. Com o requerimento supra identificado em 5, juntou listagem dos bens que compõem o seu imobilizado, os quais nomeou à penhora assim visando garantir a quantia exequenda — cfr. fls. 19 e seguintes do Processo de Execução Fiscal id. em 1 e “ Termo de Juntada” de fls. 88.
7. O Valor de € 365 564,06 foi aceite para a garantia a prestar, tendo sido elaborado em 17/02/2010 Auto de Penhora, contendo os bens da relação apresentada, cujo valor indicado e constante do imobilizado é de € 3 875 767,87 — cf. Informação de fls. 88, item 5)
8. Por Requerimento de 11 de Maio 2012, a executada requereu nos Serviços de Finanças de Ílhavo autorização para prestação de garantia mediante a penhora do activo imobilizado identificado pelo valor de € 3 876 837,64 ou, fosse autorizada a dispensa de garantia quanto ao valor que não seja garantido pelas garantias identificadas — fls. 159 a 177.
9. Por ofício n° 3743 de 22/06/2012, foi a executada notificada do teor integral do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de 21/06/2012, do seguinte teor:
(...) Vista a informação supra e a petição que antecede na qual a executada vem aos autos reagir ao meu despacho proferido a fls. 157 referindo:
1°- Não concordar com o valor atribuído pelos Serviços de Inspecção Tributária aos bens que já se encontram penhorados no âmbito de outro processo de execução fiscal e que lhe estão a servir como garantia, pelo que deveria ser autorizado a prestação de garantia idónea mediante a penhora dos mesmos bens, pelo valor de € 3.676.837,64
2°- Caso assim não se entenda, seja a executada autorizada da dispensa de garantia quanto ao valor que não fique garantido pela penhora acima referida.
Assim cumpre apreciar e decidir
A-QUANTO À ACEITAÇÃO COMO GARANTIA DA PENHORA JÁ EFECTUADA DOS BENS DO ACTIVO IMOBILIZADO
Relativamente a esta questão importa começar por esclarecer o seguinte:
- Que os bens que a executada pretende que a Administração Tributária aceite como garantia idónea com vista à suspensão da presente execução, são precisamente os mesmos que se encontram já penhorados no processo executivo n° 01082009010S9989 e a servir-lhe de garantia cujo valor foi calculado em € 2.921 823,86.
- Que aos referidos bens foi atribuído à data de 30/12/2011, pelos Serviços de Inspecção Tributária, o valor contabilístico de € 2.217.697,57 fundamentado em informação prestada para o efeito, valor este que como é manifesto nem sequer se mostra suficiente para garantir o processo anteriormente indicado, quanto mais para de forma idónea garantir ainda este, cujo valor foi fixado em € 364.314,06. Resultando então deste facto que a presente penhora efectuada neste processo para efeitos de garantia e suspensão da execução, não tem qualquer relevância ou significado em suma, é como se não existisse.
Através do oficio circulado n° 60.076 de 2010/07/29 da Direcção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários foram divulgadas instruções com vista a uniformizar os procedimentos e as práticas dos Serviços da Autoridade Tributária à face da lei vigente em matéria de prestação de garantias em execução fiscal.
Refere o mencionado oficio que tanto o n° 2 do art° 52° da LGT como o n°4 do artigo 199° do CPPT exigem que a garantia seja idónea, sem no entanto definir o conceito de idoneidade, mas prevendo que ele deve ser interpretado em obediência ao interesse público da regular cobrança dos tributos.
Esclarece o referido ofício que os Serviços deverão dar preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez, entendendo-se por tal aquelas cujo valor monetário subjacente seria realizável de forma mais certa, directa e imediata em sede da respectiva execução.
E consequentemente, dar preferência à constituição de garantia bancária, caução, ou seguro caução.
Dispondo-se assim, uma ordem de preferência na constituição de garantias que começa pela garantia bancária, caução ou seguro-caução e, quando não seja possível a constituição das garantias referidas no n° 1 do artigo 199° do CPPT, deve dar-se preferência a constituição de garantias sobre bens imóveis, sob a forma de hipoteca voluntária.
Mais é dito nas referidas instruções que apenas em caso de absoluta impossibilidade de constituição de garantia bancária, caução, seguro-caução ou, secundariamente, de hipoteca, é que se deverá admitir a constituição de garantia sobre bens móveis.
Ou seja, a penhora de bens móveis assume um carácter secundário face às garantias anteriormente referidas.
Ora a avaliação do valor de bens do activo imobilizado terá obrigatoriamente que estar associada ao seu ano de aquisição e valor contabilístico actual, que conforme acima já foi indicado, ascende a € 2.217.679,57.
Deste modo e com os fundamentos referidos, indefiro o pedido, não autorizando que a penhora já efectuada dos sobreditos bens do activo Imobilizado, possa servir como garantia e suporte da suspensão da presente execução.
B-QUANTO À AUTORIZAÇÃO DA DISPENSA DE GARANTIA RELATIVAMENTE AO VALOR QUE NÃO SEJA GARANTIDO PELA PENHORA
No que respeita à isenção de prestação de garantia, tal possibilidade encontra-se prevista no n° 4 do art. 52° da LGT, desde que se verifiquem os seguintes pressupostos, sendo que o primeiro e o segundo são alternativos e o terceiro tem necessariamente que se verificar
• A prestação de garantia cause prejuízo irreparável, ou
• Manifesta falta de meios económicos revelada pala insuficiência de bens penhoráveis;
• Em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado;
O respectivo pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, por força do disposto no n° 3 do art° 170º do CPPT.
Ora, de acordo com as regras do ónus da prova previstas no art° 74° da LGT, o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da A T ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Assim, invocando a Reclamante que reúne os pressupostos para beneficiar da isenção de garantia, é à Reclamante que compete fazer prova da existência dos mesmos. Com vista a produzir esta prova, a Reclamante apresenta elementos destinados a demonstrar que a eventual penhora de créditos e contas bancárias impossibilitará a Reclamante de pagar as contribuições da Segurança Social, salários, fornecedores e retenções na fonte, impossibilitando, assim, a sua actividade.
Tais elementos são susceptíveis de fazer prova de um dos pressupostos constantes do referido n° 4 do art°. 52º da LGT— prejuízo irreparável com a prestação de garantia.
Acontece, porém, que a lei não se basta com este pressuposto, impondo que tenha que ser sempre demonstrada a falta de responsabilidade do devedor na insuficiência ou inexistência de bens.
Ora, quanto a este pressuposto nada é referido pela Reclamante que permita concluir pela sua verificação.
Com efeito, a Reclamante não apresenta qualquer explicação para a insuficiência de património, limitando-se a concretizar essa Insuficiência.
Acresce que, no que a este pressuposto diz respeito, o Órgão da execução fiscal está vinculado não só à lei, mas também às Instruções administrativas, mormente o Ofício - Circulado 60 077-DSGCT, de 2010/07/29.
Ora, tal Oficio contém um entendimento relativamente ao pressuposto da ‘não responsabilidade pela insuficiência de bens”, de que se deve entender verificado o pressuposto de que não é imputável ao executado a insuficiência ou ausência de bens do seu património, se ele demonstrar a existência de alguma causa de insuficiência ou inexistência de bens que não seja imputável de qualquer forma à sua conduta. Ora, a executada não logrou demonstrar esta causa pelo que, consequentemente, face às instruções em vigor, o pedido de Isenção de garantia terá que ser indeferido por não se encontrarem reunidas todas as condições e pressupostos necessários para aceitar quer os bens oferecidos, quer a dispensa requerida.
Notifique-se
Ílhavo, 21/06/2012(...)

10. A Reclamante não dispõe, nesta data, de reservas livres que lhe permitam constituir a contra garantia de uma garantia bancária para garantia do montante de € 364 314,06 - resulta da documentação junta nos autos e dos depoimentos das testemunhas B……. e C………
11. A Reclamante não tem conseguido, até à presente data, libertar mensalmente lucros que perfaçam o montante global de € 364 314,06 — Informação Empresarial Simplificada (lES) de fls. 164 a 172 e fls. 273 e ss. (balancetes 2011/2012)

5. Fundamentação de direito
No caso subjudice a sentença recorrida, depois de apreciar os pressupostos da idoneidade, adequação e proporcionalidade da garantia prestada, concluiu, quanto ao pedido de dispensa de garantia relativamente ao valor não garantido pela penhora, que a recorrente não cumpriu o ónus de alegar/provar a verificação dos requisitos de que depende a dispensa da prestação de garantia, nomeadamente o requisito consistente no facto de não ter sido por sua culpa que se verificou a insuficiência ou inexistência de bens para pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Inconformada com tal decisão a recorrente sustenta que o prejuízo irreparável constitui por si mesmo fundamento autónomo e independente para a dispensa de garantia relativamente à falta de meios económicos, sendo que ocorrendo aquele haverá lugar à concessão da dispensa de garantia.
Argumenta ainda que a questão da insuficiência ou inexistência de bens e a respectiva alegação e prova só fazem sentido para os casos em que a dispensa de garantia se fundamenta na falta de meios económicos.
Conclui que, nos casos de alegação de prejuízo irreparável, a exigência de alegação e prova a insuficiência ou inexistência de bens não faz qualquer sentido nem terá cabimento no próprio fundamento.

Vejamos, pois, se colhe esta interpretação.

5.1 Dos pressupostos legais para a concessão do pedido de dispensa de garantia.
A isenção da prestação de garantia está prevista no artº 52º, nº 4 da nossa Lei Geral Tributária, sendo que a forma de o executado a obter é regulada pelo artº 170º, nº 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Dispõe aquele normativo que «a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos (Sublinhado nosso.) a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado».

Infere-se, claramente do texto da lei, nomeadamente da expressão «desde que em qualquer dos casos» que a concessão da isenção de prestação de garantia tem, desde logo, como pressuposto, que se verifique uma situação de inexistência ou de insuficiência de bens pagamento da dívida exequenda e acrescido e que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado.
Por outro lado, é também requisito da concessão da isenção da garantia que a sua prestação cause prejuízo irreparável ao executado ou seja manifesta a sua falta de meios económicos revelada pela aludida insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido (Assim, Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, pag. 427 e Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. III, pag. 233. ).
A lei prevê assim a possibilidade de isenção da prestação de garantia nos casos de manifesta falta de meios económicos do executado.
E admite também a isenção quando a prestação de garantia cause ou possa causar ao executado prejuízo irreparável, circunstância que lhe incumbe provar.
O certo, porém, é que, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto, a norma do artigo 52.°/4 da LGT é clara ao estatuir que, quer nos casos de prejuízo irreparável, quer no caso de manifesta falta de meios económicos, a inexistência ou insuficiência de bens não pode ser da responsabilidade do executado.
Assim e para que possa ser deferida a dispensa de prestação de garantia é necessário que se verifiquem três requisitos, cumulativamente, embora dois deles comportem alternativas:
- que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e acrescido;
- que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado;
- que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos (Cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. III, pag. 233. ).

O que bem se compreende, pois não se justifica conceder a isenção da prestação de garantia a um executado que invoque prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos e que, por outro lado, tenha procedido, ele próprio, a uma prévia sonegação ou dissipação de bens com o intuito de diminuir as garantias dos credores.
Ou que se tenha colocado culposamente em situação de manifesta insuficiência económica para a prestação da garantia, caso em que ficará de igual modo, afastada a dispensa. (Ver neste sentido Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, ed. 2001, pag. 243 e João António Valente Torrão, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário, pag. 713.)
A intenção do legislador é, pois, bem patente na norma, sendo que utilização da expressão «desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado» não deixa margem para quaisquer dúvidas.
Em suma, a interpretação que a recorrente faz da norma do artº 52º, nº 4 da Lei Geral Tributária não tem qualquer apoio nas palavras da lei.
E como é sabido, e decorre do artº 9º, nº 2 do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.
Deste modo, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, conclui-se que improcede a argumentação da recorrente.
6- Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao presente recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2013. - Pedro Delgado (relator) - Ascensão Lopes - Valente Torrão.