Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0724/23.4BELRA
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
II - Na ausência total de alegação relativamente a esses requisitos a revista não pode ser admitida.
Nº Convencional:JSTA000P31910
Nº do Documento:SA2202402070724/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 724/23.4BELRA


1. RELATÓRIO
1.1 A acima identificada Recorrente, notificada do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 30 de Novembro de 2023 – que decidiu que o acórdão do mesmo Tribunal proferido em 13 de Setembro de 2023 (o qual negou provimento ao recurso por ela interposto da decisão por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria manteve a decisão de recusa da petição inicial) não enfermava da nulidade que lhe assacou a Recorrente e que não era admissível a reclamação para a conferência –, apresentou requerimento dizendo que «dele vem, ao abrigo das disposições conjugadas, entre outras, dos arts.147.º, n.º 1, e 142.º, n.º 3, al. d) do CPTA, [i]nterpor recurso ordinário de revista para o Supremo Tribunal Administrativo».
1.2 Com esse requerimento juntou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:
«1ª) Notificada de douto Acórdão proferido pelo TCAS, veio a ora recorrente primeiramente arguir a respetiva nulidade e, seguidamente, apresentar Reclamação para a Conferência, sobre os quais incidiu o Aresto aqui recorrido, tudo aqui dado por integralmente reproduzido.
Sucede que,
2ª) Se ao Tribunal recorrido incumbia pronunciar-se sobre o teor da nulidade arguida,
3ª) Já o mesmo não poderia suceder, salvo o devido respeito, quanto à parte da matéria da Reclamação para a Conferência,
A partir do momento em que o Tribunal recorrido decidiu que tal Reclamação para a Conferência, por inadmissível, não deveria ser apreciada.
4ª) Por do preceituado nos números 1 e 2 do artigo 613.º do CPC decorrer que, com a prolação do Acórdão nos autos ficou esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa.
Acresce que,
5ª) Basicamente foi entendido, pelo Aresto recorrido, que não era admissível, in casu, a Reclamação para a Conferência, prevista no art. 652.º, n.º 4 do CPC, por aplicação do disposto na al. b) do n.º 5 do art. 652º, idem.
6ª) Ora, se esse foi o entendimento do Aresto aqui recorrido, aplicando o preceito citado por fim,
7ª) Impunha-se decisão distinta.
8ª) O mesmo é dizer,
Convolar o requerimento de Reclamação para a Conferência para Recurso de Revista,
9ª) Convidando o Venerando Relator a recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias (cfr. art.146.º, n.º 4 do CPTA).
9ª) Com efeito, se a recorrente errou no meio utilizado, o Juiz da causa (cfr. art.193.º, n.º 3 do CPC) corrige-o oficiosamente e manda proceder à tramitação própria do recurso.
10º) Ao indeferir tal convolação, que ainda era possível, o Venerando Relator (e, consequentemente, o douto Aresto recorrido) violou os princípios do Inquisitório, da Gestão Processual e da Adequação (cfr. arts. 6.º e 547.º do CPC),
11ª) Bem como os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efetiva, contido no art. 20.º da CRP».
1.3 A Recorrida não contra-alegou.
1.4 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, tendo verificado a tempestividade do recurso e a legitimidade da Recorrente, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo
1.5 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de que a revista não deve ser admitida. Isto, após enunciar os termos do recurso e os requisitos de admissibilidade da revista, com a seguinte fundamentação:
«[…] Nas presentes alegações de recurso vem defender que o tribunal ad quem deveria ter convolado o requerimento de reclamação para a conferência para recurso de revista, convidando a recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 4 do CPTA.
[…] O recurso de revista não constitui mais um grau de recurso que o legislador tenha posto à disposição das partes, sendo apenas admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for necessária para uma melhor aplicação do direito.
[…] Cabendo ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista.
[…] Ora, a recorrente não formula qualquer questão que pretenda ser apreciada, nem invoca qualquer dos requisitos de admissibilidade do recurso de revista expressamente previstos no artigo 285.º do CPPT».
1.6 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, da admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.

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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. art. 285.º, n.º 1, do CPPT).
Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar naqueles precisos termos.
2.1.2 Como a jurisprudência tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável).
2.2 O CASO SUB JUDICE
No caso, lidas as alegações de recurso, verificámos que a Recorrente não se desincumbiu do ónus de alegar e demonstrar a verificação dos requisitos de admissibilidade da revista, o que nem sequer ensaiou, pois nas alegações e respectivas conclusões não vislumbrámos tentativa alguma nesse sentido.
Concluímos, pois e em consonância com o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, que a Recorrente, não atentando na natureza excepcional do recurso de revista, negligenciou o esforço que se lhe exigia para se desonerar do ónus de alegação e demonstração de que se verificavam os requisitos legais de admissibilidade enunciados no n.º 1 do art. 285.º do CPPT.
Ora, como deixámos já dito, em ordem à admissão do recurso de revista excepcional de revista, que não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, a lei não se basta com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo ainda verificar-se uma das circunstâncias de que o legislador faz depender este recurso excepcional – a relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso seja claramente necessário para uma melhor aplicação do direito –, cumprindo ao recorrente a respectiva alegação, o que não sucede no caso.
Tanto basta para que o recurso não seja admitido.
2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPTT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
II - Na ausência total de alegação relativamente a esses requisitos a revista não pode ser admitida.
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3. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.
Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 7 de Fevereiro de 2024. - Francisco Rothes (relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia.