Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01433/17
Data do Acordão:07/04/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:PRESCRIÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:Só pode conhecer-se da prescrição da obrigação tributária, em impugnação judicial, incidentalmente, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, se o processo disponibilizar, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários.
Nº Convencional:JSTA000P23496
Nº do Documento:SA22018070401433
Data de Entrada:12/14/2017
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
*
1.1. A……………….., impugnou judicialmente, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, o ato de indeferimento que recaiu na reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), referente à aquisição do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Gulpilhares sob o artigo 2419, no valor de 29.250,00 €, peticionando a anulação desta liquidação.
*
1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 12/09/2017 (fls.65/68), julgou improcedente a impugnação judicial.
*
1.3. É dessa decisão que a recorrente interpõe o presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, terminando as alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«i. em tempo e sede próprios a recorrente apresentou junto do tribunal recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 43º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, impugnação judicial,
ii. onde pugnou pela anulação da liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de bens imóveis, por verificação da prescrição, face ao disposto no nº 1 do artigo 48º da LGT e nº 1 do artigo 40º do CIMT,
iii. a sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
“A) Em 24/02/2006 a ora impugnante [aqui recorrente] adquiriu para revenda o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Gulpilhares sob o artigo 2149 tendo a referida transmissão beneficiado da isenção de IMT, nos termos do artº 7º do Código do IMT- cfr., fls. 25 a 27 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido”,
B) Em 16/05/2014, a ora impugnante [aqui recorrente] foi notificada pelo serviço de finanças de Vila Nova de Gaia 2 para, no prazo de 30 dias, efetuar o pagamento do IMT no valor de €29 250,00, em virtude da caducidade da isenção de que beneficiou na aquisição mencionada na alínea antecedente. cfr. fls. 12 a 16 do procedimento de reclamação graciosa (PRG) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido”
iv. a realidade factual subjacente e relevante nesta sede é, em síntese, a seguinte:
iv. a. imposto em causa: IMT,
iv. b. facto tributário ocorrido em 24/02/2006 (aquisição de imóvel com benefício prevista no artigo 7º da CIMT),
iv. c. 16/05/2014 – data da notificação da liquidação do imposto por alegada caducidade da benefício,
iv. d. em sede impugnatória sustentou a recorrente a prescrição da dívida tributária, face ao disposto no n.º 1 do artigo 48º da Lei Geral Tributária (doravante LGT) e nº 1 do artigo 40º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante CIMT).
v. sendo o IMT um imposto instantâneo ou de obrigação única, a prescrição a que se reportam os nºs 1 do artigo 40º do CIMT e artigo 48º da LGT é de oito anos “contados [...] a partir da data em que o facto tributário ocorreu […],
vi. releva assim para efeitos prescricionais a data da facto tributário, no caso concreto a aquisição do imóvel com benefício de isenção de IMT, verificada em 24/02/2006,
vii. a jurisprudência das instâncias de que é exemplo o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário no Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2013 vai no sentido de que: “o prazo de prescrição conta-se salvo o disposto em lei especial, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (nº 1 do artigo 48º da LGT).
O termo inicial de contagem do prazo da obrigação tributária em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de Sisa (arts. nº 11 nº 3, 16º nº 1 CIMSISD e 48º nº 1 da LGT) reporta à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção.”,
viii. a prescrição em causa poderia ter sido conhecida oficiosamente também em processo de impugnação judicial,
ixi. uma vez que face à matéria de facto dada como provada, decorre que entre o facto tributário (24/02/2006) e notificação da liquidação de IMT (16/05/2014) estão decorridos mais de oito anos,
x. a tal conhecimento se não opõe a doutrina consolidada e pacífica que dimana das instâncias, com particular destaque da que se recolhe, exemplificativamente, dos arestos desse Venerando Tribunal, de 19/01/2011, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Miranda de Pacheco, no âmbito do processo nº 0726/10 do acórdão de 19/11/2014 relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Ascensão Lopes, no âmbito do processo nº 0536/14, e do acórdão de 02/12/2015, relatado pela Exma. Senhora Conselheira Ana Paula Lobo, no âmbito do processo nº 01364/14, a que acresce ainda o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15/05/2014, relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador Pedro Marchão Marques, no âmbito do processo nº 07252/13,
xi. em todas as decisões sinalizadas é clara a posição de das mesmas se recorta e que se reconduz ao seguinte:
“- a prescrição é de conhecimento oficioso mesmo em sede de impugnação tendo em vista a eventual inutilidade superveniente da lide, no pressuposto de que os autos forneçam os dados necessários para o efeito e ainda não tenha transitado em julgado decisão final sobre o objecto da causa”,
“- apesar de a prescrição da dívida resultante do acto tributário de liquidação não constituir vício invalidante desse acto (e por isso não servir de fundamento à respectiva impugnação) não há obstáculo a que, incidentalmente, a prescrição possa ser apreciada (posto que do processo constem todos os elementos para tanto pertinentes) para efeito de se determinar se aquela ocorreu e constitui causa de inutilidade da lide impugnatória”
xii. em sentido convergente com a jurisprudência, vai de igual modo a doutrina, louvando-nos no ensinamento do Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ao afirmar:
“[…] deverá entender-se que a prescrição poderá ser conhecida oficiosamente, em processo de impugnação judicial, como pressuposto da questão da utilidade ou não do prosseguimento da lide, de que o tribunal deva conhecer oficiosamente, desde que possua os elementos necessários.
Diferente poderá ser a solução no que concerne à admissibilidade de invocação de prescrição como fundamento autónomo de impugnação judicial.
No entanto, a nível incidental, podendo o tribunal conhecer de qualquer causa de extinção da instância, não haverá obstáculo processual a que tenha em conta a prescrição na apreciação que deve fazer sobre a manutenção da utilidade da lide”
xiii. no caso subjacente, os factos dados como provados na sentença, facto tributário e notificação para liquidação do imposto, ocorridos respectivamente em 24/02/2006 e 16/05/2014, consubstanciam os dados necessários para se aferir da prescrição,
xiv. sendo irrelevante para o seu conhecimento saber-se se tal facto foi o único invocado como fundamento da impugnação judicial, uma vez que,
xv. a questão que é objecto do presente recurso é saber-se se invocada a prescrição da dívida tributária isolada ou conjuntamente com quaisquer outros fundamentos, em sede de impugnação judicial, o tribunal deve dela conhecer por verificação da inutilidade superveniente da lide,
xvi. verificada a prescrição da dívida provinda da liquidação de IMT aqui em apreço, tornar-se-ia inútil o conhecimento e apreciação da legalidade da liquidação que lhe subjaz,
xvii. competindo ao tribunal recorrido a declaração da extinção da instância de conformidade ao estatuído na alínea e) do artigo 277º do Código de Processo Civil, ex vi alínea e) do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário,
xviii. em jeito conclusivo e louvando-nos, novamente nos ensinamentos do Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa:
“[...] a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide pode ocorrer em qualquer processo, se se concluir que está definitivamente definida em qualquer sentido a relação jurídica subjacente”.
xix. ao decidir como decidiu o tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 40º nº 1 do CIMT, 48º nº 1 da LGT, e alínea e) do artigo 277º do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
TERMOS EM QUE,
Da modéstia de quanto fica, e do muito que Doutamente será suprido por V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso, deverá ser revogada sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na sequência da qual deverá ser anulada a liquidação de IMT em causa nos presentes autos por prescrição, assim se fazendo, uma vez mais, a costumada JUSTIÇA.».
*
1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.
*
1.5. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«A recorrente, A………………., LDA, vem sindicar a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 65/68, em 12/09/2017, que julgou improcedente impugnação judicial deduzida contra o ato de indeferimento de reclamação graciosa, por sua vez deduzido contra o ato de liquidação de IMT relativo ao artigo 2419 da freguesia de Gulpilhares, no entendimento de que apenas foi invocado como fundamento da pretensão a prescrição, que, apenas, é fundamento de oposição judicial e não de impugnação judicial.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 99.º do CPPT, podem servir de fundamento à impugnação judicial, nomeadamente, a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários; a incompetência: a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida e a preterição de outras formalidades essenciais.
Por força do disposto no artigo 204.º do CPPT, são fundamentos de oposição judicial os que ali são, taxativamente, enunciados, nomeadamente a prescrição da dívida exequenda.
Não obstante a prescrição não constituir fundamento de impugnação judicial é admissível conhecer da mesma em sede de impugnação, a título incidental, desde que dos autos constem todos os elementos necessários à sua apreciação, tendo em vista a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (entre outros, acórdão do STA, de 19/11/2014-P. 0536/14, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt).
Ora, no caso em apreciação a recorrente deduziu impugnação da liquidação de IMT de 2006, em 28/10/2014, invocando como único fundamento a prescrição da dívida relativa a tal tributo, que conforme sustenta a própria recorrente teria ocorrido em 24/02/2014, nos termos do artigo 40.º do CIMT, portanto, ainda antes da instauração da presente impugnação judicial.
O pedido formulado nos autos, de anulação do ato tributário sindicado, é compatível com o meio processual utilizado, pelo que invocando a recorrente como único fundamento de impugnação a prescrição da dívida que, como se viu, só constitui fundamento de oposição judicial, a decisão recorrida não poderia senão julgar improcedente a impugnação judicial, como aconteceu, sendo, absolutamente, ilógica e desprovida de sentido a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Note-se que a recorrente poderá, em sede de eventual execução fiscal suscitar, a todo o tempo, a prescrição da dívida exequenda, questão que é de conhecimento oficioso, com faculdade de reclamação judicial para o tribunal tributário da decisão da AT que indefira a pretensão.
A sentença recorrida, a nosso ver, não merece censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»
*
1.6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
*
2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A) Em 24/02/2006, a ora lmpugnante adquiriu para revenda o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Gulpilhares sob o artigo 2419, tendo a referida transmissão beneficiado da isenção de IMT, nos termos do art.º 7.º do Código do IMT – cfr. fls. 25 a 27 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido.
B) Em 16/05/2014, a ora lmpugnante foi notificada pelo serviço de finanças de Vila Nova de Gaia 2 para, no prazo de 30 dias, efetuar o pagamento do IMT no valor de € 29 250,00, em virtude da caducidade da isenção de que beneficiou na aquisição mencionada na alínea antecedente – cfr. fls. 12 a 16 do procedimento de reclamação graciosa (PRG) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) Em 23/09/2014, a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação de IMT mencionada na alínea antecedente, pedindo o reconhecimento da prescrição da obrigação tributária – cfr. fls. 2 a 11 do PRG apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
D) Em 08/10/2014, foi indeferida a reclamação graciosa mencionada na alínea antecedente, tendo a referida decisão sido notificada à Reclamante em 13/10/2014 – cfr. fls. 25 a 30 do PRG apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
E) A presente impugnação foi intentada em 28/10/2014 – cfr. fls. 4 a 15 do processo físico.».
*
3.1. A sentença recorrida concluiu pela improcedência da impugnação acrescentando que a impugnante pode sempre requerer, na execução fiscal, a todo o tempo, que seja declarada a prescrição da obrigação tributária, cabendo reclamação judicial, nos termos do art.º 276º do CPPT, de uma eventual decisão de indeferimento dessa pretensão.
Referiu a mesma sentença que, nos presentes autos, o pedido de anulação da liquidação de IMT baseia-se, apenas, numa alegada prescrição da obrigação tributária.
Que a prescrição não constitui fundamento de impugnação judicial da liquidação, por este processo visar apreciar a legalidade do ato de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação.
Que vem entendendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores que a prescrição pode fundamentar a inutilidade superveniente da lide impugnatória, uma vez que decorrido o prazo de prescrição o impugnante deixa de ter interesse na anulação do ato de liquidação, pois, mesmo sem esta anulação, não poderá ser obrigado a pagar coercivamente a quantia que é objeto do ato impugnado.
Que na impugnação judicial a prescrição é apreciada apenas para aferir se a instância (impugnatória) deve prosseguir ou se deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide.
Que a prescrição da obrigação tributária não constitui causa de pedir do pedido de anulação da liquidação que lhe deu origem e que apenas pode ser conhecida em sede de impugnação judicial, incidentalmente, como causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (e não como motivo de anulação da liquidação).
Que a impugnação judicial não pode ter como único fundamento a prescrição, que só pode ser incidentalmente apreciada para se determinar se existe interesse em conhecer das causas de invalidade apontadas (na impugnação) ao ato de liquidação.
Que só é possível apreciar a prescrição, para efeitos de julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide impugnatória, se tiver sido alegado algum fundamento válido de impugnação pois que não faria qualquer sentido que, logo na petição com que se inicia a instância, a impugnante invocasse, como único fundamento da ação, uma causa extintiva da instância.
Que considerando que o pedido de anulação da liquidação de IMT se baseia, única e exclusivamente, na prescrição da obrigação tributária e tendo em conta que esta não pode ser invocada como fundamento autónomo de impugnação, por não se prestar a servir de fundamento à pretensão anulatória do ato de liquidação, está a presente ação votada ao insucesso.
*
3.2. A sentença recorrida julgou, em síntese, improcedente a impugnação no entendimento de que o pedido de anulação da liquidação de IMT se baseia, única e exclusivamente, na prescrição da obrigação tributária que não pode ser invocada como fundamento autónomo de impugnação, por não poder servir de fundamento à pretensão anulatória do ato de liquidação.
Acrescentou, ainda, a sentença recorrida que a impugnante pode sempre requerer, na execução fiscal, a todo o tempo, que seja declarada a prescrição da obrigação tributária, cabendo reclamação judicial, nos termos do art.º 276º do CPPT, de uma eventual decisão de indeferimento dessa pretensão.
*
3.3. A questão controvertida nos presentes autos consiste em determinar se a prescrição invocada pela recorrente podia ter sido conhecida, oficiosamente, também em processo de impugnação judicial, uma vez que face à matéria de facto dada como provada, decorre que entre a data do facto tributário, ocorrido em 24/02/2006 e notificação da liquidação de IMT, ocorrida em 16/05/2014, terão decorrido mais de oito anos, face ao disposto no nº 1 do artigo 48º da LGT e nº 1 do artigo 40º do CIMT.
Continua a recorrente a defender que a prescrição poderia ter sido conhecida oficiosamente, também em processo de impugnação judicial, uma vez que entre o facto tributário e a notificação da liquidação de IMT teriam decorrido mais de oito anos.
*
3.4. A sentença recorrida, que julgou improcedente a impugnação, é de confirmar pois que o pedido de anulação da liquidação de IMT se baseia, única e exclusivamente, na prescrição da obrigação tributária que não pode ser invocada como fundamento autónomo de impugnação, por não poder servir de fundamento à pretensão anulatória do ato de liquidação, já que a prescrição enquadra eventual fundamento de oposição à execução, tal como resulta dos artigos 99º e 204º 1 d) do CPPT.
Acompanha-se, por isso, a sentença recorrida quando afirma que a impugnante pode sempre requerer, na execução fiscal, a todo o tempo, que seja declarada a prescrição da obrigação tributária, cabendo reclamação judicial, nos termos do art.º 276º do CPPT, de uma eventual decisão de indeferimento dessa pretensão.
Reafirma-se que a prescrição não pode constituir fundamento autónomo de impugnação podendo, contudo, ser conhecida a título incidental, em processo de impugnação.
É certo que a prescrição pode fundamentar a inutilidade superveniente da lide impugnatória pois que, decorrido o prazo de prescrição, o impugnante deixa de ter interesse na anulação do ato de liquidação já que, mesmo sem esta anulação, não poderá o impugnante ser obrigado a pagar coercivamente a quantia exequenda que resultou do ato impugnado.
De todo o modo na impugnação judicial a prescrição é apreciada apenas para aferir se a instância impugnatória deve prosseguir ou se deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide.
É que a prescrição da obrigação tributária não constitui causa de pedir do pedido de anulação da liquidação que lhe deu origem e apenas pode ser conhecida, em impugnação judicial, incidentalmente, como causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e não como fundamento de anulação da liquidação.
O processo de impugnação judicial da liquidação visa apreciar a legalidade do ato de liquidação e a prescrição não tem a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação resultante do ato de liquidação.
Concorda-se, por isso, com a sentença recorrida quando afirma que a impugnação judicial não pode ter como único fundamento a prescrição, que só pode ser incidentalmente apreciada para se determinar se existe interesse em conhecer das causas de invalidade apontadas, na impugnação, ao ato de liquidação pelo que só é possível apreciar a prescrição, para efeitos de julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide impugnatória, se tiver sido alegado algum fundamento válido de impugnação pois que não faria qualquer sentido que, logo na petição com que se inicia a instância, a impugnante invocasse, como único fundamento da ação, uma causa extintiva da instância.
Conclui-se, nos termos expostos, que a prescrição da obrigação tributária não pode ser invocada como fundamento autónomo de impugnação, por não enquadrar fundamento anulatório do ato de liquidação.
*
3.5. O recorrente acompanha este entendimento quando afirma nas conclusões 10ª e 11ª que o conhecimento da prescrição é de conhecimento oficioso mesmo em sede de impugnação tendo em vista a eventual inutilidade superveniente da lide, no pressuposto de que os autos forneçam os dados necessários para o efeito e ainda não tenha transitado em julgado decisão final sobre o objeto da causa, apesar de a prescrição da dívida resultante do ato tributário de liquidação não constituir vício invalidante desse ato, e por isso não servir de fundamento à respetiva impugnação, não havendo obstáculo a que, incidentalmente, a prescrição possa ser apreciada, posto que do processo constem todos os elementos para tanto pertinentes, para efeito de se determinar se aquela ocorreu e constitui causa de inutilidade da lide impugnatória.
E no mesmo sentido se pronuncia a doutrina referida na conclusão 12ª quando transcreve Jorge Lopes de Sousa que afirma o seguinte:
“[…] deverá entender-se que a prescrição poderá ser conhecida oficiosamente, em processo de impugnação judicial, como pressuposto da questão da utilidade ou não do prosseguimento da lide, de que o tribunal deva conhecer oficiosamente, desde que possua os elementos necessários.
Diferente poderá ser a solução no que concerne à admissibilidade de invocação de prescrição como fundamento autónomo de impugnação judicial.
No entanto, a nível incidental, podendo o tribunal conhecer de qualquer causa de extinção da instância, não haverá obstáculo processual a que tenha em conta a prescrição na apreciação que deve fazer sobre a manutenção da utilidade da lide”.
Neste sentido se pronunciou o acórdão deste STA de 09-11-2016, rec. 01118/15, com o qual estamos em total sintonia e no qual se escreveu o seguinte:
“A Recorrente sustenta que deve declarar-se prescrita a obrigação tributária e, consequentemente, julgar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Antes do mais, cumpre relembrar que, porque estamos em sede de impugnação judicial, a prescrição da obrigação tributária nunca poderá constituir causa de pedir do pedido de anulação da liquidação, mas apenas poderá ser conhecida, incidentalmente, como motivo de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide: no caso de a obrigação tributária não estar ainda solvida e de ser inquestionável o decurso do prazo da respectiva prescrição, a AT, ainda que a impugnação seja julgada improcedente, não poderá instaurar execução com vista à cobrança da dívida correspondente, bem como deverá oficiosamente declarar extinta a execução (cfr. art. 175.º do CPPT), caso esta tenha já sido instaurada. Assim, apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, a jurisprudência tem vindo a admitir que pode ser apreciada nessa sede, mesmo oficiosamente, como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, alínea e), do CPC (Neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 23 a 25.).
Cumpre também ter presente que a prescrição da obrigação tributária em sede de impugnação judicial apenas deve ser conhecida, como causa da eventual inutilidade superveniente da lide, nos casos em que do processo constem (não havendo de diligenciar nesse sentido, pois não se trata de questão a apreciar em impugnação judicial) todos os elementos que permitam uma decisão segura quanto àquela questão, designadamente, quando do processo constem os elementos que permitam atender a possíveis causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos (Ibidem.).
Tendo presente esta doutrina, logo somos levados à conclusão de que os elementos constantes do processo não permitem concluir seguramente pela prescrição das obrigações tributárias correspondentes às liquidações impugnadas, pois nada nos permite afirmar que, para além da impugnação judicial não tenham ocorrido outros factos susceptíveis de interromper ou de suspender o prazo da prescrição. Note-se que até à revogação do n.º 2 do art. 49.º da LGT, pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a lei relevava cada uma das diversas causas de interrupção que se fossem sucedendo, sendo que apenas desde 1 de Janeiro de 2007 – data da entrada em vigor daquele diploma – deixou de o fazer e passou a dizer que «a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar».
Em todo o caso, sempre se poderá dizer, acompanhando o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, que a tese da Recorrente – que assenta no pressuposto de que a paragem do processo de impugnação judicial por mais de um ano e por motivo que não lhe é imputável tem como consequência a “degradação” (Na expressão que veio a ser acolhida pela jurisprudência para significar a passagem do efeito interruptivo a efeito suspensivo por motivo da paragem do processo por mais de um ano por motivo não imputável ao sujeito passivo. Para maior desenvolvimento JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., págs. 57 e segs.) do efeito interruptivo em efeito suspensivo – despreza uma circunstância que lhe retira todo o apoio: a revogação do n.º 2 do art. 49.º da LGT (Que dispunha: «A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação».), pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), ressalvando apenas os casos em que, nessa data, tivesse já decorrido período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (arts. 90.º e 91.º).
Ora, em 1 de Janeiro de 2007, data em que entrou em vigor a referida Lei n.º 53-A/2006 (cfr. art. 163.º), a presente impugnação judicial ainda não tinha sofrido paragem por período superior a um ano por motivo não imputável à Impugnante – sendo que ela mesma situa o início dessa paragem em 4 de Junho de 2010 (cfr. conclusões de recurso com os n.ºs 3 e 6), motivo por que o efeito interruptivo decorrente da instauração deste processo não cessou, nem cessará até ao trânsito em julgado da decisão judicial que lhe puser termo.
Note-se, finalmente, que se realmente se verificou a prescrição da obrigação tributária, nada obsta a que a questão seja conhecida em sede própria (a execução), oficiosamente ou a requerimento da ora Recorrente que, enquanto não pagar, aí poderá suscitar a questão a todo o tempo.
Não há, pois, que declarar a inutilidade superveniente da lide com fundamento na prescrição da obrigação tributária correspondente à liquidação impugnada.”
De tudo o exposto resulta que é de confirmar a sentença recorrida.
*
Só pode conhecer-se da prescrição da obrigação tributária, em impugnação judicial, incidentalmente, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, se o processo disponibilizar, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários.
*
4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 4 de julho de 2018. – António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Aragão Seia.