Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0910/11.0BEBRG-A 0723/18
Data do Acordão:02/27/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24266
Nº do Documento:SA2201902270910/11
Data de Entrada:09/05/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A………… intentou, no Tribunal Administrativo de Braga, o incidente de anulação de venda da fração autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao 2.º andar direito do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 3608, da freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Viana do Castelo, efetuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2311199601007114, contra o executado B………….
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 21/02/2012 (fls. 64/77), julgou “… procedente a pretensão da Requerente, julgando verificada a nulidade do processo de execução fiscal, por falta de citação da Requerente e, em consequência” anulou “a venda da fração autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao 2.º andar direito do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 3608, da freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Viana do Castelo, efectuada a 13.05.2011, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2311199601007114, e apensos”.
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1.3. Dessa decisão recorreu a Fazenda Pública para este Supremo Tribunal que, por acórdão de 05/02/2015 (fls.130/148), concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e, em substituição do tribunal recorrido, julgou improcedente o incidente de anulação da venda nos termos referidos.
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1.4. A requerente da anulação da venda veio, fls. 4 e seguintes, interpor recurso extraordinário de revisão, para este Supremo Tribunal que, por despacho de 13/07/2016 (fls.42/53), se declarou “incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso de revisão da sentença, cabendo tal competência ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, para o qual a recorrente poderá requerer a remessa dos autos (art. 18.º do CPPT).”.
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1.5. O TAF de Braga, por sentença de 13/12/2017 (fls.104/106), negou provimento ao recurso extraordinário de revisão.
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1.6. É dessa decisão que a recorrente vem interpor o presente recurso terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1- Face aos elementos constantes dos autos, impunha-se decisão inversa, ou seja, a admissão do recurso extraordinário de revisão, seguindo-se a fase rescisória em que se procede à ressuscitação da instância (expurgada da falsidade que a inquinou) em que se produziu o caso julgado e se julga a mesma acção, mantendo-se intocáveis a causa de pedir, o pedido, os sujeitos e o valor da causa.
2- A Recorrente interpõe recurso extraordinário de revisão, alegando em suma, ter sido proferida uma decisão pelo Supremo Tribunal Administrativo, que seria certamente outra caso conhecesse a informação que a Recorrente obteve mais tarde.
3- Entendeu o STA que no caso concreto a omissão da citação não tem como consequência a nulidade da venda do imóvel, referindo, “Com efeito, deverá entender-se, como sublinha Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento Tributário anotado, 6ª edição, Vol. IV, pág. 186, que esta falta de citação não importa a anulação das vendas, adjudicações, remissões ou pagamentos já efectuados, das quais o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário, sem prejuízo do direito da pessoa que deveria ter sido citada ser indemnizado pelo exequente ou outro credor pago em vez dela, segundo as regras do enriquecimento sem causa, e também sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos gerais que possa recair sobre a pessoa a quem seja imputável a falta de citação.” (…) (negrito e sublinhado nosso)
4- Após consulta do processo de execução fiscal, junto da Requerida, verificou-se que a Requerida agiu de má-fé ao apresentar as suas alegações junto do STA, uma vez que se constatou que foi a própria Requerida quem anulou a referida venda, ou se se preferir a deu sem efeito, uma vez que o proponente não depositara o preço e em consequência não lhe tinha sido adjudicado o imóvel.
5- Face a esta informação, a recorrente interpôs pois o recurso extraordinário de revisão.
6- E isto porque, em sua opinião deveria pois a Requerida ter dado conhecimento ao STA, que não havia qualquer terceiro prejudicado, pois a venda foi por ela anulada, ou dada sem efeito, por falta de depósito do preço.
7- Se estes factos tivessem sido do conhecimento do STA, como deveriam ter sido, a sua douta decisão poderia ter sido outra, e sê-lo-ia certamente.
8- Estamos perante uma decisão de um tribunal superior - STA - tomada com base em determinados pressupostos, quando, na realidade, existiam já factos concretos que seriam determinantes para aquela decisão!
9- O STA como supra se expôs, não mantém a decisão da primeira instância de anulação da venda, porquanto existe um terceiro prejudicado.
10- Ora, este terceiro não existia! Não foi depositado o preço! A AT anulou a venda, ou, noutra expressão, dá a mesma sem efeito, por falta de depósito do preço por parte daquele terceiro.
11- E a Recorrente sabia deste facto! E podia e devia ter dado dele conhecimento ao processo!
12- É a AT quem conduz todo o P.E.F.!
13- E, salvo melhor opinião, não podemos pretender onerar à Recorrente, e a esta em especial até por não ser de nacionalidade portuguesa, a obrigação de estar sempre em alerta relativamente aos actos da AT.
14- Dadas as suas funções, é a AT quem tem o dever de exercer a suas funções sem “atropelar” os direitos dos cidadãos.
15- Como organismo do Estado, espera-se da AT um comportamento que não viole os direitos dos cidadãos.
16- Entendeu também o tribunal “a quo” que o documento junto pela Recorrente não é suficiente para destruir a prova feita.
17- Entendemos que também aqui andou mal o tribunal “a quo”.
18- Em sede de alegações de recurso junto do Supremo Tribunal Administrativo, adiante STA, a Fazenda Pública alegou, em suma, que a referida venda executiva não poderia ser anulada, ainda que verificada a omissão da citação, na medida em que a Fazenda Pública não foi a exclusiva beneficiária do preço da venda, porque não foi a compradora, adjudicatária do imóvel, prejudicando assim terceiros.
19- Após consulta do processo de execução fiscal, junto da Requerida, verificou-se que foi a própria Requerida quem anulou a referida venda, uma vez que o proponente não depositara o preço e em consequência não lhe tinha sido adjudicado o imóvel. (Cfr. doc. junto ao requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão).
20- Assim, o documento junto, que faz parte integrante do processo de execução fiscal em causa, é em nosso entender documento bastante para destruição da prova feita.
21- Ou pelo menos deveria ser considerado bastante para suscitar dúvidas, que facilmente se esclareciam pela análise do P.E.F.
22- Não há duvidas que a decisão do STA de 05/02/2015 assentou em pressupostos que não correspondem aos que de facto existiam.
23- Entendeu o STA naquela sua decisão que a omissão da citação não tinha como consequência a nulidade da venda do imóvel, porquanto existia um terceiro prejudicado. Isto no pressuposto que existia, como existia de facto um proponente.
24- Por sua vez, em sede de alegações de recurso junto do STA, a Fazenda Pública alegou, em suma, que a referida venda executiva não poderia ser anulada, ainda que verificada a omissão da citação, na medida em que a Fazenda Pública não foi a exclusiva beneficiária do preço da venda, porque não foi a compradora/adjudicatária do imóvel, prejudicando assim terceiros.
25- E é precisamente isso que se depreende do documento junto pela Recorrente aquando da interposição do recurso extraordinário de revisão.
26- E por isso se conclui que se assiste deste modo a uma clara violação dos direitos, liberdades e garantias da Recorrente, consagradas constitucionalmente.
27- A interpretação sustentada viola o art.º 20.º da Constituição, produz injustiça relativa e viola o dever de os tribunais assegurarem a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, consignado no art.º 202.º n.º 2 da Constituição.
28- Inconstitucionalidade essa que expressamente se invoca para todos os legais efeitos.
NESTES TERMOS,
e no mais de direito aplicáveis que Va. Exªs melhor e doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, em conformidade com o exposto, sendo proferida decisão que admita o recurso extraordinário de revisão interposto.
Como é de inteira JUSTIÇA!».
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1.7. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.8. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«1. OBJETO.
Decisão do TAF de Braga, que indefere pedido de revisão do acórdão do STA, de 05/02/2015, no entendimento de que não se verifica fundamento legal para o efeito.
2. DA INCOMPETÊNCIA DO STA EM RAZÃO DA HIERARQUIA.
A nosso ver, ressalvado melhor juízo, o presente recurso não tem por fundamento, exclusivamente, matéria de direito.
Na delimitação da competência do STA em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 635.°/4 do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida (CPPT, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, 1 volume, páginas 223/225, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
O recurso não tem exclusivamente por fundamento matéria de direito se nas respectivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (acórdão do STA, de 2009.12.16-P.0738/09, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
São juízos de facto as ilações que o tribunal retira da factualidade apurada que não envolvem a interpretação de regras jurídicas ou a aplicação da sensibilidade jurídica do julgador.
Não devem considerar-se como invocação de matéria de facto as referências a peças constantes do processo, uma vez que todas as ocorrências processuais são do conhecimento oficioso (acórdão do STA, de 2001.06.20-P. 26033, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Ora, resulta das conclusões 4.ª, 10.ª e 19.ª, que a recorrente sustenta que a AT anulou ou deu sem efeito a venda, factualidade que não resulta provada nos autos, nomeadamente no documento junto e que fundamenta o pedido de revisão.
Com a alegação de tal factualidade pretende a recorrente tirar evidentes consequências jurídicas, no sentido de, alegadamente, demonstrar que a exequente teria sido a única beneficiada com a venda, e, como tal, não haveria obstáculo legal à anulação da venda, atento o estatuído no artigo 786.º/6 do CPC.
Assim sendo, como nos parece que é, o STA é, pois, incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, sendo competente para o efeito o TCAN.
Os recorrentes poderão requerer, querendo, a remessa do processo ao tribunal competente, nos termos do estatuído no artigo 18.º/2 do CPPT.
3. FUNDAMENTAÇÃO.
Se, eventualmente, se entender que o STA é competente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, então, em nosso entendimento, não merece provimento.
A recorrente fundamenta o presente recurso de revisão na alegada existência de documento que, só por si, é suficiente para modificar a decisão a seu favor (artigos 293.°/2 do CPPT e 696.°/3 do CPC).
Ora, como bem sustenta a decisão recorrida, o alegado documento, consubstanciado em certidão, emitida em 16/06/2015, contém, uma “Informação” de 10/12/2014 e um “Despacho” de 11/12/2014, que incidiram sobre um requerimento apresentado pelo adquirente do imóvel.
Trata-se assim, de documentos existentes à data da prolação do acórdão do STA (05/02/2015), não estando demonstrado, para além de qualquer dúvida razoável, que não tivesse podido socorrer-se dos mesmos.
Efetivamente, a recorrente, apenas refere que tomou conhecimento dos mesmos após consulta do processo de execução fiscal, não precisando a data em que fez a consulta ao PEF, e caso esta tenha sido feita perto da data da emissão de certidão da certidão, não indica as razões da consulta ter ocorrido só em tal data.
Por outro lado como resulta da simples leitura da certidão é manifesto que a mesma não faz prova de que a AT anulou a venda ou deu a mesma sem efeito por falta de pagamento do preço por parte do adquirente.
Conclui-se, assim, que não se verifica o requisito da suficiência do documento apresentado, pois que o mesmo, só por si não infirma os fundamentos da decisão revidenda.
De qualquer modo, como, também, se refere na sentença recorrida, a ter sido dada sem efeito a venda em causa e ter sido efetivada nova venda, sempre existiria um terceiro, adquirente da 2.ª venda, que seria prejudicado, o que, sempre obstaria à sua anulação, nos termos do disposto no artigo 786.º/6 do CPC.
4. CONCLUSÃO.
Deve ser julgada por verificada a exceção de incompetência do STA, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, ou caso assim não se entenda, deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida na ordem jurídica.».
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1.9. Por despacho do relator (fls. 224) foi a recorrente notificada do parecer do Ministério Público, quanto à questão prévia ali suscitada, para se pronunciar, querendo tendo solicitado (fls. 126) a remessa do processo ao Tribunal Central Administrativo Norte.
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1.10. Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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2. A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«A…………, contribuinte n.° ………, m.i. nos autos, interpôs, no S.T.A., por requerimento de 22/07/2015, Recurso extraordinário de revisão, peticionando que o mesmo “...seja julgado procedente, revogando-se a sentença e em consequência ser ordenada a citação da Recorrente nos termos do art° 239.º n.º 1 e 190.º do CPPT e anulação de todos os actos praticados nos autos por ausência de citação e de notificação desses mesmos actos à Recorrente.».
A Recorrente começa por descrever as vicissitudes que antecederam a tomada de conhecimento da venda do imóvel (acção de separação judicial de bens, venda do imóvel, irregularidades da citação), tecendo ainda considerações no que concerne à prescrição da dívida exequenda e à falta de gerência do seu cônjuge na sociedade devedora originária.
Alega, em seguida, que apresentou incidente de anulação de venda (processo que correu termos neste T.A.F sob o n.º 910/11.0BEBRG), que foi julgado procedente por sentença proferida em 21/02/2012, sentença que veio a ser revogada por Acórdão do S.T.A de 05/02/2015 que, embora reconhecendo existir falta de citação, concluiu que tal não importava a anulação da venda, uma vez que existia um terceiro que ficaria prejudicado com a anulação: decidindo, assim, julgar improcedente o incidente de anulação da venda.
Invoca, como fundamento para o presente Recurso, que, após consulta do P.E.F., verificou que a própria A.T. tinha anulado a venda, o que, no seu entendimento, determinaria uma decisão diferente por parte do S.T.A, uma vez que, tendo a venda sido anulada pela própria AT., não existia qualquer terceiro que fosse prejudicado com a anulação.
Mais acusa a AT./Fazenda Pública de ter agido com má-fé, por não ter dado conhecimento dessa situação ao S.T.A, nas alegações que apresentou em sede do recurso interposto da sentença, conduzindo o S.T.A. a tomar uma decisão com base em pressupostos errados.
Na parte final do seu requerimento, afirma que a A.T. efectuou ainda uma nova venda sem a citar e sem a notificar nem da anulação da anterior venda e nem da nova venda.
Juntou aos autos o(s) documento(s) que consta(m) de fls. 13 a 18 , documento(s) que, de acordo com a Recorrente fundamenta(m) o presente Recurso, uma vez que comprova(m) que “…foi a própria Requerida quem anulou a referida venda, uma vez que o proponente não depositara o preço e em consequência não lhe tinha sido adjudicado o imóvel.”.
Interposto o presente Recurso, o S.T.A proferiu decisão em 13/07/2016 (fls. 42 a 53), declarando-se incompetente, em razão da hierarquia, para dele conhecer e atribuindo a competência a este Tribunal.
A Fazenda Pública apresentou resposta a fls. 75 e ss, pugnando pela improcedência do Recurso, por entender que o documento junto pela Recorrente não preenche os requisitos do n.º 2 do artigo 293.º do C.P.P.T. por não ser suficiente para a destruição da prova feita, uma vez que dele não se extrai que a venda tenha sido anulada pela A.T..
Notificada da resposta, a Recorrente pronunciou-se a fls. 83 e ss.
Dada vista ao Ministério Público, emitiu o parecer ínsito a fls. 90 aderindo à posição da Fazenda Pública.
Cumpre analisar e decidir.
Ao contrário do recurso ordinário, que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, o recurso extraordinário de revisão visa a alteração de uma decisão já transitada, pelo que só é admissível em situações limite de tal modo graves que a subsistência da decisão em causa seja susceptível de abalar clamorosamente o princípio da justiça material.
Este tipo de recurso encontra-se previsto, no contencioso tributário, no artigo 293.º do C.P.P.T. (“Revisão da sentença”), que no seu n.º 2 dispõe o seguinte:
“Apenas é admitida a revisão em caso de...documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita, …”.
Ora, no caso concreto, a Recorrente refere que o fundamento para o Recurso é o que consta da alínea c) do artigo 696.º do C.P.C. que estabelece que “A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando: … c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.”; fundamento esse que corresponde, no essencial, à situação prevista no n.º 2 do artigo 293.º do C.P.P.T..
Assim, importa dilucidar se o(s) documento(s) em que se fundamenta o presente Recurso preenche(m) ou não os requisitos legalmente exigidos, ou seja, se:
- é um documento novo, ou seja, se o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque existindo, a Recorrente não pôde socorrer-se dele; e se
- é um documento suficiente, ou seja, se esse documento destrói a prova feita.
O documento - que consta de fls. 13 a 18 - consiste numa “Certidão” das fls. 458 e 474 a 476 do P.E.F. n.º 2321200001014536, emitida a pedido da Recorrente, pelo Serviço de Finanças de Ponte de Lima, em 16/06/2015.
Ora, tais fls. do P.E.F. correspondem a uma “Informação” de 10/12/2014 e a um “Despacho” de 11/12/2014 que incidiram sobre um requerimento apresentado por C………… (adquirente na venda), que pretendia a restituição do valor depositado, por falta de interesse.
Com tal(ais) documento(s) procura a Recorrente demonstrar que a própria A.T. procedeu à anulação da venda, deixando de existir terceiros afectados pela anulação.
Vejamos, então, se o(s) documento(s) junto(s) cumprem cumulativamente os requisitos da novidade e da suficiência.
Conforme referido, as fls. do P.E.F. que constam da “Certidão” correspondem a uma “Informação” de 10/12/2014 e a um “Despacho” de 11/12/2014 que incidiram sobre um requerimento apresentado pelo adquirente; sendo, por isso, documentos que já existiam na data de prolação do Acórdão pelo S.T.A. (05/02/2015), sendo também duvidoso considerar que a Recorrente não pôde, até essa data, recorrer-se dos mesmos.
De facto, a Recorrente apenas refere que tomou conhecimento de tais documentos “...após consulta do processo de execução fiscal…”, não referindo a data em que fez essa consulta - terá sido em data próxima ao pedido de emissão da “Certidão”? - e se assim foi, também não refere o motivo pelo qual só decidiu efectuar a consulta em tal data.
Contudo, mesmo que se considere que a “Certidão” e respectivas fls. do P.E.F. consubstanciam documentos novos, sempre se dirá que o outro requisito não se encontra preenchido pois tais documentos não são suficientes para destruir a prova feita (na terminologia usada no artigo 293.º do C.P.P.T.) ou sequer para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida/Recorrente (na terminologia usada no artigo 696.º do C.P.C.).
De facto, basta atentar no teor dos documentos para se concluir que não estamos perante qualquer acto de anulação de venda pela AT.
Trata-se tão só de:
- uma “Informação” que aprecia um requerimento apresentado pelo adquirente do imóvel que solicitava a devolução do valor depositado por perda de interesse, expondo-se nessa “Informação” os procedimentos que o Serviço de Finanças devia adoptar e propondo-se mesmo o indeferimento do requerido;
- e de um “Despacho” de concordância com a “Informação”.
Assim, e ao contrário do defendido pela Recorrente, o(s) documento(s) que juntou não provam “…que foi a própria Requerida quem anulou a referida venda...”, não provam que “...não havia um terceiro prejudicado com a anulação da...venda” e também não provam que “...a A prosseguiu os autos e fez uma nova venda.”.
Não se verifica, assim, o requisito da suficiência pois o teor do(s) documento(s) apresentado(s) não infirma, por si só, os fundamentos da decisão revidenda (Acórdão do S.T.A de 05/02/2015); pelo que o presente Recurso terá forçosamente de improceder.
Como nota final importa ainda referir que, mesmo que quedasse demonstrada a anulação da primeira venda pela AT e a realização de uma segunda venda sem citação da Recorrente, tais factos conduziriam a uma decisão cuja conclusão seria exactamente a mesma que consta da decisão revidenda, pois não se podia considerar que a Exequente era a exclusiva beneficiária da venda, uma vez que existiria um terceiro (o adquirente do imóvel na segunda venda) que seria prejudicado em caso de anulação da venda, pelo que, tal como se decidiu no Acórdão do S.T.A, aplicar-se-ia o disposto no n.º 6 do artigo 786.º do C.P.C. (anterior n.º 11 do artigo 864.º), não se anulando a venda.
Face a todo o exposto, e sem necessidade de mais considerações, improcede o presente Recurso.».
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3.1. A primeira questão a apreciar é a da suscitada, pelo MP, incompetência do STA, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso e competência do TCAN.
Acompanha-se o MP quando afirma que, na delimitação da competência do STA em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efetuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, nos termos do artigo 635.° 4 do CPC, o recorrente pede a alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida.
Acompanha-se, ainda, quando afirma que o recurso não tem exclusivamente por fundamento matéria de direito se nas respetivas conclusões se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
Acompanha-se, também, quando afirma que são juízos de facto as ilações que o tribunal retira da factualidade apurada que não envolvem a interpretação de regras jurídicas ou a aplicação da sensibilidade jurídica do julgador.
Por último acompanha-se quando afirma que não devem considerar-se como invocação de matéria de facto as referências a peças constantes do processo, uma vez que todas as ocorrências processuais são do conhecimento oficioso (acórdão do STA, de 2001.06.20-P. 26033).
É certo que, nas conclusões 4.ª, 10.ª e 19.ª, afirma a recorrente que a AT anulou ou deu sem efeito a venda e é, ainda, certo que parece que tal factualidade não resulta provada nos autos.
Contudo aquelas afirmações extrai-as a recorrente do documento que juntou para fundamentar o pedido de revisão e que é uma certidão de parte do PEF.
E de tal documento, assim interpretado pela recorrente, não pode resultar mais do que aquilo que do mesmo consta.
Apesar de a recorrente afirmar que, após consulta do P.E.F., verificou que a própria A.T. tinha anulado a venda, o que, no seu entendimento, determinaria uma decisão diferente por parte do S.T.A, uma vez que, tendo a venda sido anulada pela própria AT., não existia qualquer terceiro que fosse prejudicado com a anulação.
De todo o modo tal afirmada anulação da venda não resulta minimamente demonstrada em tal documento.
Igualmente não resulta, contrariamente ao que a recorrente afirma, que a A.T. efetuou ainda uma nova venda, sem a citar e sem a notificar nem da anulação da anterior venda e nem da nova venda.
Daí que se possa afirmar, perante o documento de fls. 13 a 18, que não ocorreu anulação da anterior venda nem nova venda.

É certo que deste documento resulta que foi apresentado, por C…………, um requerimento solicitando a devolução do valor depositado (1/3 do valor da venda) relativamente à aquisição do imóvel em venda executiva, por ter sido esta venda objeto de pedido de anulação por parte da ora recorrente.
Resulta, ainda, do mesmo documento que a AT entendeu que a “alegada perda de interesse por parte do adquirente na venda executiva (desistência) não consubstancia motivo legalmente válido para a anulação da venda” e que quanto à questão de o adquirente não ter efetuado o pagamento da parte restante do preço no prazo que lhe foi concedido estamos perante uma situação de proponente faltoso, a que se aplicam as sanções previstas legalmente.
Indeferiu a AT o requerido e determinou o prosseguimento do PEF “por uma das vias legalmente previstas para a situação em falta de depósito a que se refere o artigo 825º do CPC”.
Como se escreveu no acórdão deste STA de 20-06-2001, proc. 26033, que se acompanha, os atos processuais e os juízos efetuados sobre eles não constituem factos do mundo real cujo conhecimento esteja subtraído à competência do STA, enquanto tribunal que apenas conhece de direito, nos processos inicialmente julgados pelos tribunais tributários de 1ª instância, mas antes atos do próprio tribunal ou praticados perante ele e de que deve tomar conhecimento.
Pode, por isso, este STA apreciar o documento mencionado.
Acresce que de tal documento não resulta que a AT anulou nem deu sem efeito a venda.
Podemos, ainda, concluir que não invoca a recorrente matéria de facto.
Com efeito as referências a tal documento que a recorrente juntou aos presentes autos e que é uma peça processual, constante do PEF, não integram matéria de facto pelo que nos encontramos perante ocorrências processuais que, por isso, são de conhecimento oficioso.
Não se verifica, por isso, a suscitada incompetência em razão da hierarquia pelo que o STA é competente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso.
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3.2. A ora recorrente interpôs, no S.T.A., por requerimento de 22/07/2015, recurso extraordinário de revisão, peticionando que se revogue a sentença e que seja ordenada a sua citação nos termos do artigo 239.º n.º 1 e 190.º do CPPT e que sejam anulados todos os atos praticados nos autos por ausência de citação e de notificação desses mesmos atos à recorrente.
Sustenta que apresentou incidente de anulação de venda (processo que correu termos neste T.A.F sob o n.º 910/11.0BEBRG), que foi julgado procedente por sentença proferida em 21/02/2012, sentença que veio a ser revogada por Acórdão do S.T.A de 05/02/2015 que, embora reconhecendo existir falta de citação, concluiu que tal não importava a anulação da venda, uma vez que existia um terceiro que ficaria prejudicado com a anulação.
Invocou, como fundamento do presente recurso, que, após consulta do P.E.F., verificou que a própria A.T. tinha anulado a venda, o que, no seu entendimento, determinaria uma decisão diferente por parte do S.T.A, uma vez que, tendo a venda sido anulada pela própria AT, não existia qualquer terceiro que fosse prejudicado com a anulação.
A sentença agora em recurso julgou improcedente o presente recurso extraordinário de revisão.
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3.3. Com o recurso extraordinário de revisão pretende-se alterar uma decisão já transitada pelo que bem se entende que só é admissível em situações de tal modo graves que a subsistência da decisão seja suscetível de abalar o princípio da justiça material.
Daí que o artigo 293.º do C.P.P.T., revisão da sentença, estabeleça no n.º 2 o seguinte:
“Apenas é admitida a revisão em caso de...documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita, …”.
É a recorrente que sustenta que o fundamento para o recurso é o constante da alínea c) do artigo 696.º do C.P.C..
Estabelece este preceito legal que “a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: … c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.”.
Este fundamento é semelhante ao constante do n.º 2 do artigo 293.º do C.P.P.T. que exige que se esteja perante “documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita”.
Importaria, por isso, que se averiguasse, tal como se afirmou na sentença recorrida, se o documento apresentado e que constitui parte do PEF, é um documento novo ou seja se o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque existindo, a recorrente não pôde socorrer-se dele e, ainda, se é um documento suficiente para destruir a prova feita no processo.
O referido documento é uma certidão emitida a pedido da recorrente, em 16/06/2015 e corresponde a uma informação de 10/12/2014 e a um despacho de 11/12/2014 que incidiu sobre um requerimento apresentado por C…………, adquirente na venda, que pretendia a restituição do valor depositado, por falta de interesse.
Com este documento pretende a recorrente demonstrar que a própria A.T. procedeu à anulação da venda pelo que não existiriam terceiros afetados pela anulação.
Ainda que se entendesse que tal documento era novo não poderia deixar de se concluir, como se escreveu na sentença recorrida, que não estamos perante qualquer ato de anulação de venda pela AT pois que se trata apenas de uma informação que aprecia um requerimento apresentado pelo adquirente do imóvel que solicitava a devolução do valor depositado por perda de interesse, expondo-se nessa informação os procedimentos que o Serviço de Finanças devia adotar e propondo-se mesmo o indeferimento do requerido e de um despacho concordante com tal informação.
E tal documento não prova que a AT anulou a venda e que prosseguiram os autos e que se fez uma nova venda.
Daí que se acompanhe a sentença recorrida quando afirma que não se verifica o requisito da suficiência pois o teor do documento apresentado não infirma, por si só, os fundamentos do acórdão do S.T.A de 05/02/2015 pelo que o presente improcede.

Acresce que, conforme refere o MP, estamos perante documentos existentes à data da prolação do acórdão do STA referido, de 05/02/2015, não estando demonstrado, para além de qualquer dúvida razoável, que não tivesse podido a recorrente socorrer-se dos mesmos pois que apenas refere que tomou conhecimento dos mesmos após consulta do processo de execução fiscal, não precisando a data em que fez a consulta ao PEF e caso esta tivesse sido feita perto da data da emissão de certidão da certidão, não indica as razões da consulta ter ocorrido só em tal data.
Entende-se, por isso, que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida.
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4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 27 de fevereiro de 2019. – António Pimpão (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.