Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01526/15
Data do Acordão:09/14/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
RESOLUÇÃO DE CONTRATO
CONTRATO PROMESSA
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário:I - A resolução de um contrato produz a destruição da relação contratual com efeitos que são, em princípio, retroactivos, gerando, concomitantemente, na esfera jurídica das partes as obrigações necessárias à restituição de cada um dos contraentes ao status quo ante.
II - O direito de retenção, que visa garantir o crédito decorrente do incumprimento do contrato promessa de compra e venda, não constitui fundamento para deduzir embargos de terceiro, mas apenas confere ao retentor o direito de reclamar o seu crédito no processo de execução, a fim de ser pago pelo produto da venda no âmbito desse processo, a par dos demais credores, tendo em conta o privilégio creditório que lhe é conferido por aquele direito de retenção.
Nº Convencional:JSTA000P20888
Nº do Documento:SA22016091401526
Data de Entrada:11/23/2015
Recorrente:A......
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedentes os embargos de terceiro que deduziu contra o acto de penhora das fracções autónomas designadas pelas letras “.......” e “.........” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na freguesia de ………….., registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº 01149/210498, levada a efeito no âmbito da execução fiscal nº 3204200040142963 e apensos, instaurada no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-2 contra a sociedade B…………, Lda.
1.1. Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida fundamentou a sua decisão de improcedência dos embargos de terceiro na conclusão de que “não se pode, pois, concluir, (...) estarmos perante situação de posse merecedora da tutela judicial solicitada. Não podendo proceder os embargos deduzidos contra os atos de penhora das identificadas frações”.

2. Do estatuído no art. 237º, nº 1, do CPTT resulta que a procedência dos embargos depende de o direito do embargante ser incompatível com a realização ou o âmbito da diligência e de ele dever prevalecer sobre o direito do exequente.

3. Apesar do entendimento jurisprudencial, espelhado na sentença recorrida, de que o promitente-comprador, após obter a traditio da coisa, apenas frui, em regra de um gozo, autorizado pelo promitente-vendedor, sendo portanto, um mero detentor precário, praticando apenas meros atos materiais dessa posse, tal regra não exclui que os promitentes-compradores tenham o direito de embargar a penhora efetuada na execução - neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.04.2002, 10.02.2010 e ainda o de 27.10.2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

4. Na verdade, podemos claramente inferir que a posse conferida pela traditio da coisa para o promitente-comprador será, em regra, meramente precária, havendo no entanto casos em que se possa concluir ter atuado de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade e, dessa forma, configurada uma verdadeira situação possessória, como acontece no caso sub judice.

5. Na verdade, a aqui embargante preenche todos os requisitos supra enunciados uma vez que pagou integralmente o preço das ditas frações no momento da celebração do contrato prometido com a correspondente entrega das chaves, o que lhe permitiu a sua imediata ocupação, tendo assim assumido a posse das frações prometidas vender desde então de forma continua e reiterada, à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem qualquer oposição.

6. Tendo, aliás, procedido ao pagamento de todas as despesas de condomínio relativas àquelas frações e até publicitado junto de terceiros a sua intenção de arrendar as referidas fracções, comportando-se e sendo reconhecida por todos como dona e possuidora daquelas frações.

7. Assim sendo, é inquestionável que a posse assim adquirida é ofendida pela penhora embargada, que é com ela incompatível, pelo que deviam os embargos ter procedido e aquela sido levantada.

8. O Tribunal a quo entendeu ainda que “o direito de retenção não é ofendido por penhora em processo executivo, sendo, pelo contrário, o caminho para a reclamação do crédito respetivo no desenvolvimento desse processo, a graduar oportunamente em vista do respetivo pagamento”.

9. O direito de retenção destina-se a garantir o crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor e, sendo o contrato-promessa um contrato de prestação de facto, o crédito resultante do incumprimento que se visa garantir com o direito de retenção abrange, em primeira linha, o cumprimento em espécie, ou seja, a celebração do contrato definitivo.

10. Pelo que, a Embargante goza de direito de retenção dos imóveis em apreço, podendo, também por isso, deduzir os presentes embargos de terceiro.

11. Aliás, o Tribunal da Relação do Porto, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, defende que «hoje em dia, estes embargos deixaram de ser um meio processual possessório, que não se destina somente a defender a posse dos embargantes, ofendidos por qualquer acto ordenado judicialmente, pois que se destinam também a defender qualquer direito deles incompatível com a realização de diligência ordenada judicialmente. Assim, o retentor legal da fração pode usar os meios possessórios em relação à coisa retida e traditada, quando se está perante um caso em que ela pode exigir o cumprimento contratual em espécie. Hoje pois a posse não é já exclusiva pedra toque para aferir da viabilidade dos embargos de terceiro» — cfr. Ac TRPorto de 26/10/2006 e Ac STJ de 20/01/1999.

12. O Supremo Tribunal de Justiça esclarece ainda que mesmo sendo admissível e defensável que o retentor não possa impedir a penhora e venda da coisa retida, devendo entrar na graduação de créditos que sobre ele se faça, quando está em jogo tão só um crédito monetário e/ou indemnizatório já não é admissível que o retentor não possa reter a coisa (com todas as consequências) quando ela se destina a garantir uma prestação de facto que tem por objecto (ainda que mediato) a própria coisa.

13. Em suma, a Embargante goza de tutela possessória merecedora da tutela judicial solicitada sobre o imóvel penhorado, não só porque dele é possuidora, mas também porque é titular do direito de retenção sobre ele enquanto garantia do seu direito à execução específica, razão pela qual pode embargar de terceiro.

Nestes termos, deve o presente recurso interposto pela requerente ser julgado procedente, por provado, e consequentemente, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo JUSTIÇA!

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.


1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do STA emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:

«[…] da factualidade apurada, nomeadamente da instauração da acção de resolução dos contratos de compra e venda resulta que a recorrente não tem a posse jurídica, por ausência de animus possidendi, dos imóveis penhorados, mas apenas, a posse precária.
Constitui jurisprudência pacífica do STA que a outorga de contrato promessa de compra e venda, com tradição da coisa, só por si, não transfere a posse para o comprador (acórdãos de 2001.10.17-P. 025713, de 2010.0210-P. 0117/09 e de 2010.10.27- P. 0453/10, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).
A recorrente goza, sim, do direito de retenção sobre as fracções objecto de penhora, nos termos do disposto no artigo 755.º/1/f) do CC.
O referido direito real de garantia confere ao seu titular o direito de ser pago sobre os demais credores, mas já não o direito a deduzir embargos de terceiro. (acórdão do STA, de 2015.06.25-P. 0765/16, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
A não se entender assim, ficariam lesados os direitos dos demais credores já que a possibilidade de o credor com direito de retenção se opor e inviabilizar a efectivação da penhora se traduziria em colocar na disponibilidade daquele a realização coerciva de créditos dos outros credores sobretudo no caso em que o valor da coisa imóvel objecto do direito de retenção fosse muito superior ao do crédito garantido e correspondesse ao único ou principal valor do património do devedor.
Termos em que deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.».


1.4.Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.


2. Na sentença recorrida julgou-se como provada a seguinte matéria de facto:
1. No Processo de Execução Fiscal nº 3204200040142963 e Aps., em que é executada a sociedade B………, LDA., NIPC …………., foi efetuada em 02/05/2007 a penhora dos seguintes imóveis:

- da fração autónoma letra “…….” (correspondente a habitação do rés-do-chão ……….., do ……….) do prédio sito na Freguesia de …………, constituído em propriedade horizontal, registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº 01149/210498 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3092 daquela Freguesia de …………., penhora que se mostra registada na Conservatória do Registo Predial pela Ap. 90/040507 a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 177.027,06 €;

- da fração autónoma letra “……..” (correspondente a habitação do 1º andar …………., do ……….) do mesmo prédio (sito na Freguesia de …………, constituído em propriedade horizontal, registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº 01149/210498 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3092 daquela Freguesia de …………), penhora que se mostra registada na Conservatória do Registo Predial pela Ap. 91/040507 a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de 44.237,50 € - (cfr. Informação de fls. 4.5, e Certidão da Conservatória constante de fls. 32-33);

2. Por despacho de 04/11/2008 do Chefe do Serviço de Finanças foram marcadas as vendas das identificadas frações “……..” e “………” para o dia 15/12/2008, tendo a publicitação das vendas sido efetuada por afixação de edital nos identificados imóveis e na Junta de Freguesia de ………… bem como por anúncio no Jornal de Notícias nos dias 15/11/2008 e 16/11/2008 - (cfr. Informação de fls. 4-5, fls. 18-20 e 79-80 dos autos);

3. A Petição Inicial dos presentes autos de Embargos de Terceiro foi apresentada no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2 em 03/12/2008 - (cfr. fls. 81 e Informação de fls. 4-5 dos autos);

4. Pelos contratos-promessa de compra e venda datados de 06/11/1997 (juntos sob Docs, nº 1, nº 2, nº 3 e nº 4 com a Petição Inicial, a fls. 91-107 dos autos) e subsequentes aditamentos datados de 14/02/2001 (juntos sob Docs. nº 5, nº 6, nº e nº 8 com a Petição Inicial, a fls. 109-120 dos autos) a sociedade B…………, LDA., NIPC 501 768 351, prometeu vender e a aqui Embargante A………… prometeu comprar, entre outras, as identificadas frações autónomas letras “…….” e “…….” do prédio sito na Freguesia de …………, constituído em propriedade horizontal registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº 01149/210498 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3092 daquela Freguesia de ……….. - (cfr. Docs. nº 1, nº 2, nº 3 e nº 4 com a Petição Inicial, a fls. 91-107 dos autos e Docs. nº 5, nº 6, nº 7 e nº 8 com a Petição Inicial, a fls. 109-120 dos autos);

5. Nos termos estipulados na Cláusula Segunda dos aditamentos aos contratos promessa (juntos sob Docs. Nº 5, nº 6, nº 7 e nº 8 com a Petição Inicial, a fls. 109-120 dos autos) a celebração da escritura pública de compra-e-venda deveria ser efetuada até 15/01/2005, sendo a marcação da escritura da competência da promitente vendedora, e constituindo a não celebração da escritura de compra e venda até àquela data incumprimento definitivo do contrato sem necessidade de interpelação adicional - (cfr. Docs. nº 5, nº 6, nº 7 e nº 8 com a Petição Inicial, a fls. 109-120 dos autos);

6. Na Cláusula Terceira dos aditamentos aos contratos promessa (juntos sob Docs. nº 5, nº 6, nº 7 e nº 8 com a Petição Inicial, a fls. 109-120 dos autos) consignou-se que à data daqueles aditamentos (14/02/2001) a sociedade promitente vendedora entrega à promitente compradora as chaves das frações prometidas, permitindo a sua imediata ocupação - (cfr. Docs. nº 5, nº 6, nº 7 e nº 8 com a Petição Inicial, a fls. 109-120 dos autos);

7. Nos termos vertidos nos contratos-promessa de compra e venda datados de 06/11/1997 (sob Docs. nº 1, nº 2, nº 3 e nº 4 com a Petição Inicial, a fls. 91-107 dos autos), e que não foi objeto de alteração nos correspetivos aditamentos (de 14/02/2001), o preço de venda de cada uma daquelas frações foi estipulado em 13.000.000$00 (64.843,72 €), que ali foi declarado como integralmente pago e de que foi dada quitação naqueles contratos-promessa - (cfr. Docs. Nº 1, nº2, nº3 e nº4 com a Petição Inicial, a fls. 91-107 dos autos e Docs. nº 6, nº 7 e nº 8 com a Petição Inicial, a fls. 109-120 dos autos);

8. A aqui Embargante pagou à Administração do condomínio as quotas das identificadas frações “……..” e “………” referentes aos meses de Setembro a Dezembro de 2001, 1º trimestre de 2002, 4º trimestre de 2002, 1º trimestre de 2003, 4º trimestre de 2003, 1º trimestre de 2004, 3º trimestre de 2004, 4º trimestre de 2004, 1º trimestre de 2005, 2º trimestre de 2005, 4º trimestre de 2005, 1º trimestre de 2006, 4º trimestre de 2006, 1º trimestre de 2007, 3º trimestre de 2007, 1º trimestre de 2008, 3º trimestre de 2008, 1º trimestre de 2009, 4º trimestre de 2009, 1º trimestre de 2010, 3º trimestre de 2010, 4º trimestre de 2010 e 1º trimestre de 2011 - (cfr. Docs. juntos a fls. 155-177 dos autos);

9. No ano de 2005 a aqui Embargante intentou junto do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia contra a sociedade executada B………, LDA., e a CAIXA ECONÓMICA C…………, ação que correu termos sob o 9961/05.2TBVNG visando a resolução de quatro (4) contratos promessa de compra e venda, entre os quais os respeitantes às identificadas frações “……..” e “………”, a condenação da sociedade B……….., LDA. a pagar-lhe a quantia global de 518.749,84 € correspondente ao dobro das quantias pagas a título de sinal e o reconhecimento do seu direito de retenção sobre os imóveis objeto daqueles contratos promessa para garantia do pagamento da quantia peticionada, ação que foi julgada procedente por sentença de 26/01/2007 (junta sob Doc. nº 6 com a Petição Inicial, a fls. 122 ss. dos autos) que transitou em julgado em 16/10/2007 sem que dela tenha sido interposto recurso (cfr. certidão de fls. 123 dos autos) - (cfr. fls. 108, fls. 121 e fls. 122-130 dos autos).


3. As questões a apreciar no presente recurso jurisdicional são as de saber se, no caso vertente, a posse de imóvel, fundada na entrega operada no âmbito de contrato promessa de compra e venda, ou ainda o direito de retenção, reconhecido ao promitente comprador para garantia do computo indemnizatório derivado do incumprimento do contrato promessa, permitem ao promitente comprador/retentor deduzir embargos de terceiro contra a penhora desse imóvel.

A sentença recorrida respondeu negativamente a estas questões e julgou os embargos improcedentes, alinhando a seguinte fundamentação:


«… o embargante só pode usar com sucesso os embargos de terceiro (meio processual igualmente previsto e regulado no artigo 351º do CPC, a que corresponde o atual artigo 342º do novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013) caso se verifique a ofensa da posse ou outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da penhora (cfr. entre outros, Ac. De 12/01/2012, Proc. 0835/11, in, www.dgsi.pt/jsta). […]
A Embargante invoca a posse sobre as identificadas frações autónomas “…….” e “…….” penhoradas na execução fiscal, na decorrência dos contratos promessa que celebrou com a sociedade executada, que funda, como se extrai da Petição Inicial, quer na tradição das frações, com entrega das respetivas chaves, cujo preço pagou integralmente, quer na circunstância de ter direito de retenção sobre as mesmas, que se mostra reconhecido por sentença judicial.
Ora a posse constitui “o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” (cfr. artigo 1251º do CC).
Entendendo a doutrina que a posse além do corpus, ou atuação de quem materialmente detém a coisa, deverá ser acompanhada do animus, ou elemento psicológico, traduzindo-se aquele em atos materiais de detenção e fruição praticados sobre a coisa e este último na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos atos praticados.
Para que os embargos de terceiro possam proceder com fundamento na posse necessária se torna a existência daqueles dois elementos, pois só desse modo se pode afirmar a existência da posse. […]
Ora na situação dos autos a aqui Embargante munida de contrato-promessa de compra e venda relativamente às identificadas frações “……..” e “……..”, e perante o incumprimento do promitente vendedor na celebração do contrato de compra e venda (cuja celebração devia ter sido efetuada até 15/01/2005, nos termos estipulados na Cláusula Segunda dos aditamentos aos contratos promessa, juntos sob Docs. Nºs …) intentou no ano de 2005 junto do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia contra a sociedade executada B………., LDA., e a CAIXA ECONÓMICA C………. ação que correu termos sob o nº 9961/05.2TBVNG visando a resolução dos contratos promessa de compra e venda. Ação na qual peticionou ainda a condenação da sociedade B…………, LDA. a pagar-lhe o dobro das quantias pagas a título de sinal e o reconhecimento do seu direito de retenção sobre os imóveis objeto daqueles contratos promessa para garantia do pagamento da quantia peticionada. Ação que foi julgada procedente por sentença de 26/01/2007 (junta sob Doc. nº …) que transitou em julgado em 16/10/2007 sem que dela tenha sido interposto recurso (cfr. certidão de fls. 123 dos autos).
Temos assim que a Embargante, em vez de optar pela execução específica dos contratos-promessa, optou antes pela sua resolução com pagamento da indemnização devida (que fez corresponder ao dobro das quantias pagas a titulo de sinal, que nos termos declarados nos respetivos contratos, havia sido o preço integral de cada um das frações, de 13.000.000$00 cada, de que foi dada quitação naqueles contratos promessa). Faculdade que a lei naturalmente lhe confere. E foi o que foi decidido na sentença proferida em 26/01/2007 naquela ação (junta sob Doc. nº 6 com a Petição Inicial, a fls. 122 ss. dos autos).
Mostram-se, pois, resolvidos os contratos-promessa de compra e venda das identificadas frações, que haviam sido celebrados entre a aqui Embargante e a sociedade Executada no processo de execução fiscal. Como se encontravam também já à data em que as frações foram penhoradas na execução fiscal (02/05/2007).
Sendo que para garantia do recebimento da indemnização devida por incumprimento (definitivo) dos contratos-promessa fixada naquele processo judicial (correspondente ao dobro das quantias pagas a titulo de sinal, que nos termos declarados nos respetivos contratos, havia sido o preço integral de cada um das frações, de 13.000.000$00 cada, de que foi dada quitação naqueles contratos promessa), que constitui assim um crédito indemnizatório da aqui Embargante sobre a sociedade executada, foi-lhe reconhecido o direito de retenção sobre as frações em causa.
Ora perante este circunstancialismo, em tudo semelhante à situação vertida no Acórdão do STA de 10/02/2010, Proc. 1117/09, in, www.dgsi.pt/jsta, tem de concluir- se, como ali também se concluiu, que a promitente compradora (a aqui Embargante) não se comporta com animus possidenti, mas antes no exercício de um direito creditório, decorrente de um contrato-promessa incumprido e resolvido, mas sem intenção de agir como beneficiária de um direito real. Ou de outro modo, muito embora se possa concluir pela verificação do corpus inerente ao conceito de posse, exteriorizado na atuação material da embargante enquanto detentora das frações (sendo ela quem tem pago ao condomínio as respetivas quotas) não se pode concluir pela verificação do respetivo animus, enquanto elemento psicológico, enquanto intenção de se comportar como titular do direito real correspondente. […]
Descendo à situação dos autos é certo que se apura que foi consignado entre promitente compradora e promitente vendedora, à data dos aditamentos (14/02/2001), esta entregava àquela as chaves das frações prometidas, permitindo a sua imediata ocupação; como também que foi consignado que o preço de venda de cada uma daquelas frações (estipulado em 13.000.000$00) havia sido integralmente pago, do que foi dada quitação, como se apura ainda que a promitente compradora, aqui Embargante, pagou à Administração do condomínio quotas das identificadas frações.
Mas a Embargante perante a situação de incumprimento dos contratos promessa de compra e venda celebrados optou pela sua resolução, acompanhada de indemnização (correspondente ao dobro do preço pago). O que obteve através da sentença proferida em 26/01/2007 no Processo nº 9961/05.2TBVNG que intentou contra a sociedade promitente vendedora.
Não se pode, pois, concluir, à luz do que supra se expôs, estarmos perante situação de posse merecedora da tutela judicial solicitada. Não podendo proceder os embargos deduzidos contra os atos de penhora das identificadas frações.
Por outro lado, se bem que se apure que a aqui Embargante é titular de direito de retenção sobre as identificadas frações “……..” e “…….” (precisamente para garantia do crédito indemnizatório que detém sobre a sociedade executada fixado pela sentença proferida no referido Proc. nº 9961/05.2TBVNG), como é consensual, o direito de retenção não é ofendido por penhora em processo executivo (vide, nesse sentido, os Acórdãos do STA de 11/03/2009, Proc. 547/08 e de 10/02/2010, Proc. 1117/09, in, www.dgci.pt/jsta).
O direito de retenção (regulado nos artigos 754.º a 761.º do CC) é um direito real de garantia, pelo que seu titular goza de garantia real para os efeitos previstos no artigo 240º n.º 1 do CPPT (cfr. Acórdão do STA de 06/06/2012, Proc. 902/11).
Sendo que as garantias reais, como direitos reais que são, só existem nos casos previstos na lei, como se infere do disposto no artigo 1306º do CC, o que significa que o titular de um crédito que goze de direito de retenção sobre um determinado bem pode vir à execução fiscal em que tenha sido penhorado o bem sobre que recai esse direito reclamar o seu crédito.
Assim sendo, o direito de retenção não é ofendido por penhora em processo executivo, sendo, pelo contrário, o caminho para a reclamação do crédito respetivo no desenvolvimento desse processo, a graduar oportunamente em vista do respetivo pagamento (vide, Acórdãos do STA de 11/03/2009, Proc. 547/08 e de 10/02/2010, Proc. 1117/09, in, www.dgci.pt/jsta).
Aqui chegados, e por tudo o exposto, têm que julgar-se improcedentes os embargos de terceiro deduzidos. O que se decide.».

A Recorrente, todavia, sem pôr em causa os contornos factuais desenhados na sentença quanto à posse e direito de retenção que exerce sobre os imóveis penhorados, insiste que merece a tutela jurisdicional que peticionou através dos embargos de terceiro, e pugna pela revogação do julgado.

Vejamos.

Importa recordar que a resolução de um contrato produz a destruição da relação contratual com efeitos que são, em princípio, retroactivos, gerando, concomitantemente, na esfera jurídica das partes, as obrigações necessárias à restituição cada um dos contraentes ao status quo ante – cfr. artigos 433º, nº 1 e 434º, nº 1, do Código Civil. O que significa, em suma, que ante a resolução do contrato tudo se passa como se este não tivesse sido realizado.

Ora, é incontroverso que o contrato promessa que a Recorrente sustenta estar na base da sua posse foi resolvido, a seu pedido, por decisão judicial proferida em 26/01/2007, e, por conseguinte, em momento anterior à efectivação da penhora dos imóveis em causa, que ocorreu em 2/05/2007. E daqui decorre, desde logo, que à data da penhora a posse da Recorrente nem sequer tinha fundamento em qualquer cláusula ou compromisso imanente ao contrato promessa.

Em termos lineares, resolvido que foi o contrato promessa, competia à Recorrente a obrigação de repor o status quo ante, e, por conseguinte, devolver à promitente vendedora os imóveis que esta lhe entregara por causa da celebração daquele.

Razão, de resto, porque, naturalmente bem ciente dessa consequência da resolução do contrato, a Recorrente, em simultâneo com o pedido de resolução, formulou o pedido de que lhe fosse reconhecido o direito de retenção sobre os imóveis para garantia do crédito que, por via dessa mesma resolução, passou a deter sobre a promitente vendedora, e que consistia na pedida indemnização decorrente do incumprimento do contrato promessa. E, como decorre do probatório, o Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia deu igualmente provimento a estes pedidos, condenando a promitente vendedora no pagamento da peticionada indemnização e reconhecendo à Recorrente o direito de retenção sobre os ditos imóveis para garantia desse crédito.

Tal direito de retenção constitui um direito real de garantia, que, formalmente, apresenta conexões com a figura da excepção do não cumprimento, consignada no artigo 428º, nº 1, do Código Civil, como explicam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 754º, in Código Civil Anotado, I vol. 3ª ed., p. 742/743. Com efeito, este direito de retenção não visa garantir o gozo da coisa nem, tão-pouco, como afirma a Recorrente, garantir o direito à execução específica. De resto, é totalmente destituído de sentido aventar sequer a hipótese de execução específica de um contrato promessa que foi resolvido, visto que aquela pressupõe, pelo menos, a existência de um contrato em vigor.

Posto isto, é incontornável concluir que, à data da penhora, a Recorrente era, tão-somente, titular de um direito de retenção sobre os imóveis penhorados, e que esse direito lhe foi reconhecido judicialmente para garantia do seu crédito, consubstanciado na indemnização decorrente do incumprimento do contrato promessa.

Como assim, é em face deste direito de retenção que importa avaliar da pertinência dos embargos em causa.

Ora, tendo em conta que o direito de retenção não tem a natureza de um direito de gozo nem visa garantir um qualquer direito de gozo, tendo como única finalidade garantir o pagamento de um crédito, mormente pelo produto da venda da coisa retida, e que, nos termos do artigo 240º do CPPT, esse crédito pode ser reclamado no processo de execução, não se vê em que medida é que a penhora dos bens retidos nos termos expostos pode ofender qualquer posse ou direito da Recorrente.

E, assim sendo, torna-se claro que a situação vertente não tem enquadramento na previsão contida no artigo 237º, nº 1, do CPPT.

Com efeito, este Supremo Tribunal já se pronunciou por diversas vezes no sentido de que o direito de retenção, que visa garantir o crédito decorrente do incumprimento do contrato promessa de compra e venda, não constitui fundamento para deduzir embargos de terceiro, mas apenas confere ao retentor o direito de reclamar o seu crédito no processo de execução, a fim de ser pago pelo produto da venda no âmbito desse processo, a par dos demais credores, tendo em conta o privilégio creditório que lhe é conferido por aquele direito de retenção – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos pelo STA em 11/3/2009, no processo nº 547/08, em 10/2/2010, no processo nº 1117/09, em 15/4/2015, no processo nº 253/15, em 17/6/2015, no processo nº 492/15, e em 6/4/2016, no processo nº 351/15.

Deste modo, os embargos deduzidos pela Recorrente estão, inevitavelmente, votados ao insucesso, e, por conseguinte, a sentença que assim julgou não merece reparo e será, consequentemente, mantida na ordem jurídica.

Improcedem, pois, todas as conclusões das alegações do recurso.


4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14 de Setembro de 2016. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Aragão Seia.