Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02509/20.0BEPRT
Data do Acordão:09/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO PARA PRÁTICA DE ACTO DEVIDO
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do presente recurso de revista, visto nele se discutirem questões que envolvem a aplicação de quadro normativo que possui um campo de aplicação muito vasto, repetível em inúmeras outras situações, que envolve alguma complexidade e com incidência direta em inúmeras atividades, possuindo evidentes repercussões no domínio urbanístico nas competências das autarquias locais e nos direitos e garantias dos particulares.
Nº Convencional:JSTA000P28148
Nº do Documento:SA12021090902509/20
Data de Entrada:08/09/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE VILA DO CONDE
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. MUNICÍPIO DE VILA DO CONDE [doravante R.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 18.06.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 1303/1348 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que concedeu provimento ao recurso que havia deduzido A…………, Lda. [doravante A.] na intimação judicial para a prática de ato legalmente devido pela mesma instaurada, nos termos do art. 112.º do DL n.º 555/99 [RJUE] [considerando este na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17.09] e que revogou a decisão de 02.03.2021, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/PRT] [cfr. fls. 1240/1255], julgando parcialmente procedente o pedido formulado e intimando o «Presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde, a cumprir o dever de decisão que sob si impende, fixando … para o efeito o prazo de 30 dias seguidos, e em 10 % do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento, a sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do dever legal de emanar o ato legalmente devido».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 1854/1865] na relevância jurídica de questão que reputa como de importância fundamental e, bem assim, para efeitos de «uma melhor aplicação do direito», fundada no erro de julgamento, dada a incorreta interpretação e aplicação, mormente do disposto no art. 112.º, n.º 1, do RJUE em articulação com os arts. 72.º, n.º 2, e 11.º, n.º 2, al. a), do RJUE.

3. A A. devidamente notificada produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 1885/1902], nelas pugnando, desde logo, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/PRT considerou que «tendo sido, entretanto, emitido o ato que se encontrava omitido e não estando em causa qualquer pedido de anulação do mesmo - o que de resto não seria processualmente admissível face ao meio processual em causa -, torna-se … totalmente inútil o pedido …» e, por isso, concluiu «pela impossibilidade da presente lide, considerando … extinta a instância», decisão essa que veio a ser revogada pelo TCA/N, que julgou parcialmente a pretensão e intimou o presidente da edilidade nos termos supra reproduzidos, entendendo que «[n]ão ocorre … inutilidade da lide [e muito menos a sua impossibilidade], porque, concretamente, nunca o Requerido apreciou o pedido da Requerente, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 72.º do RJUE, com os documentos contidos no anterior procedimento de licenciamento», pelo que «[n]ão podemos assim acompanhar o Tribunal a quo quando refere que a inércia do Requerido foi ultrapassada através da emissão do ofício n.º 6378/2020, em 30 de dezembro de 2020, pois que não é qualquer decisão tomada, que não aprecie concretamente o pedido efetuado pela Requerente, que tem a valia de poder ser tida e considerada como cumprindo o dever de decisão», tanto mais que o «que está constante desse ofício enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito, e como tal, não pode ter-se como juridicamente relevante».

7. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

8. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

9. E a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

10. Mostra-se inequívoco que a questão decidenda, em torno da definição e delimitação do âmbito do meio processual contencioso em presença e daquilo que no mesmo são os efetivos poderes de controlo e de pronúncia do tribunal quanto aos atos emitidos em sede de procedimento de licenciamento de operações urbanísticas, em especial a articulação dos arts. 11.º, 72.º e 112.º do RJUE no quadro dos princípios enformadores do nosso ordenamento jurídico no plano constitucional e do contencioso administrativo urbanístico, goza de relevância jurídica fundamental, porquanto a mesma envolve complexidade jurídica, indiciada, desde logo, pelos juízos diametralmente divergentes das instâncias, assumindo carácter paradigmático e exemplar, dado que dotada de capacidade de expansão da controvérsia, de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos e para outras situações futuras indeterminadas, com incidência direta em inúmeras atividades económicas e evidentes repercussões no domínio urbanístico, nos direitos e garantias dos particulares e dos poderes do órgão municipal no âmbito do procedimento de licenciamento.

11. Daí que ponderadas as críticas acometidas à solução acolhida no acórdão recorrido e cientes de que esta, envolvendo matéria dotada de relevância e de complexidade, não está, prima facie, imune à dúvida, impõe-se que o juízo impugnado seja objeto de devida reponderação por este Supremo por forma a, assim, serem dissipadas as dúvidas que aquele juízo aporta.

12. Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 09 de setembro de 2021
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, a Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa e o Conselheiro José Augusto de Araújo Veloso] Carlos Luís Medeiros de Carvalho