Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0619/18
Data do Acordão:09/19/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23591
Nº do Documento:SA2201809190619
Data de Entrada:06/19/2018
Recorrente:DIRECTOR GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem a Autoridade Tributária e Aduaneira recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, nos presentes autos de intimação para um comportamento, julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide e condenou a Fazenda Pública em custas.
O recurso é circunscrito à decisão condenatória da Fazenda Pública em custas.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.°, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira em custas.

B. Sucede que, salvo outro e melhor entendimento, a condenação da Ré em custas, configura um manifesto erro de direito, porquanto a interpretação que o douto Tribunal a quo faz da norma que regula a repartição de custas, art.º 536.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT, atribuindo a responsabilidade pelas mesmas à AT, colide com o efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário e com o facto das questões referentes à tramitação dos recursos e dos seus efeitos, deverem ser decididas nos próprios autos de processo e não num processo distinto, como é a intimação para um comportamento.

C. Mais considera a douta decisão a quo, que a inutilidade superveniente é imputável à AT, porque proferiu uma decisão administrativa e que seria esta que teria destituído de qualquer efeito útil o processo de intimação para um comportamento, o que configura um manifesto erro de direito, uma vez que a AT não deu causa à necessidade do ora recorrido interpor uma acção para intimação para um comportamento, limitando-se a actuar em conformidade com o princípio da legalidade, assegurando a eventual possibilidade de caducidade do direito à liquidação de impostos.

D. Assim, o Requerente, o ora recorrido interpôs, nos termos do art.º 146.°-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), recurso da decisão de acesso a informação bancária prevista no art.º 63º-B, n.º 1, alínea c), da LGT, processo que correu termos no TAF de Braga com o número 1452/17.5BEBRG, o qual foi julgado, totalmente improcedente, e em consequência, manteve a decisão da Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, com todas as legais (consequências).

E. Na pendência desta acção dirigiu à AT dois requerimentos um em 12/10/2017 e outro em 30/10/2017, requerendo a sustação das diligências bancárias, sendo inequívoco que a lei determina no art.° 63º-B da LGT que o recurso da decisão de acesso a informação bancária tem efeito meramente devolutivo.

F. Resultando o efeito do recurso de um processo judicial, não poderia a AT no âmbito de um procedimento, decidir não cumprir a lei, ou seja, a suposta "omissão" da AT, mais não é do que o cumprimento do dever de não decidir que sobre esta impende e não do incumprimento de um dever de resposta.

G. Pelo que, visando a intimação para um comportamento que origina este recurso suster o acesso da informação bancária, se o Requerente, ora recorrido considerava, que em concreto o efeito meramente devolutivo, lhe causaria um prejuízo irreparável, deveria ter lançado mão de uma medida cautelar de suspensão de eficácia, nos termos previstos nos arts. 112.° e 120.° do CPTA, mas não o fez, não sendo a acção de intimação para um comportamento o meio mais eficaz para alcançar a tutela judicial efectiva que pretende.

H. Sendo evidente, tal como reconhece a douta decisão objecto de recurso que: "o Autor pretendia obter uma resposta, por parte da Administração Tributária, quanto aos requerimentos apresentados, em 12.10.2017 e em 30.10.2017, nos quais manifestou o seu inconformismo com o efeito devolutivo do recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário e a utilização efectuada dos mesmos", devendo todas as questões jurídicas concernentes à tramitação do recurso e dos seus efeitos que ser dirimidas nos próprios autos e não em processo distinto, assim não existia nenhum sustentáculo legal que permitisse à AT aguardar o .. desfecho da presente lide", como equaciona a decisão do Tribunal a quo, sob pena de caducidade do direito à liquidação.

I. Pelo que a aferição da responsabilidade das custas da inutilidade superveniente da lide só poderia ser efectuada, avaliando o preenchimento dos requisitos para a propositura de uma acção de intimação para um comportamento, face à inexistência de um direito à determinação da sustação do procedimento sem ser no âmbito dos autos de um processo em curso.

J. Assim, se todas as eventuais questões jurídicas atinentes à tramitação dos recursos e dos seus efeitos só pode ser efectuada nos próprios autos de processo e não em processo distinto, a responsabilidade pela não sustação das diligências, com todas as suas legais consequências só pode ser imputada a quem não utilizou correctamente os meios processuais, no caso sub judice, ao ora recorrido.

K. Sendo inequívoco que a lei, no art.° 63.°-B da LGT determina que o recurso da decisão de acesso a informações e documentos bancários tem sempre efeito meramente devolutivo, e tendo o ora recorrido lançado mão dos meios próprios para reagir contra a decisão da Exma. Directora-Geral que permitiu a consulta e utilização dos dados bancários, se a AT tivesse, como propõe a douta decisão objecto de recurso "aguardado o desfecho da presente lide", estaria em causa, face ao efeito atribuído ao recurso a própria caducidade do direito à liquidação do imposto.

L. A AT não deu causa à necessidade do ora recorrente de interpor uma acção para intimação para um comportamento, uma vez que não se configura qualquer omissão por parte da Administração Tributária susceptível de lesar direito ou interesse em matéria tributária.

M. Na verdade se o Tribunal considera que "Face à decisão proferida pela Administração Tributária, tornou-se desnecessária uma decisão jurisdicional nos termos da qual se intime a mesma a pronunciar-se nos termos pretendidos pelo recorrente, porquanto o procedimento de derrogação do sigilo bancário já não pode ser sustado, designadamente, através da inibição do acesso e da utilização dos documentos bancários", fez um errado julgamento, uma vez que dá como assente a idoneidade da intimação para um comportamento para obter o efeito de sustar o acesso e a utilização aos/dos documentos bancários, e condenar a AT na responsabilidade pelas custas.

N. E ao fazê-lo, não apresenta qualquer fundamentação jurídica para o efeito, dá esta interpretação como assente, concluindo que: "Uma pronúncia do Tribunal nos termos referidos estaria destituída de qualquer efeito útil. O desenrolar da presente intimação, no sentido do seu conhecimento de mérito, apontaria para o proferimento de uma decisão que seria inócua, ou indiferente, em termos de nela modificar a situação posta em juízo", incorrendo em manifesto erro de julgamento.

O. Esta inutilidade assente na falta de efeito útil para o processo de intimação não ocorre por facto imputável à AT, mas sim pela circunstância de o ora recorrido não ter requerido, nos autos de processo próprio, a sustação do efeito meramente devolutivo atribuído ao procedimento de derrogação do sigilo bancário.

P. Devendo o efeito do recurso ser discutido no âmbito do processo, em que por determinação legal, neste caso, o mesmo é atribuído, atendendo a sua consagração jurídica a uma clara e efectiva ponderação de interesses, que não pode ser discutida pela AT no âmbito do exercício das suas funções, como determina o artº 266.º da CRP, e o princípio da separação de poderes previsto no art.º 111.º da lei fundamental.

Q. E se assim é, a extinção da instância não tem na sua génese a actuação da Autoridade Tributária, pois esta interpretação colide frontalmente, sem qualquer fundamentação legal que a sustente, com o efeito meramente devolutivo atribuído pelo art.° 63.º-B n.º 5 da LGT, e afastaria a análise da tramitação dos recursos e dos seus efeitos, dos próprios autos do processo em que devem ser dirimidas, para um processo distinto.

R. Foi o comportamento processual do ora recorrido, que deu causa à acção, pelo que lhe deve ser atribuída a responsabilidade pelas custas, de acordo com o disposto no art.º 536.º, n. 3 do CPC.

S. Tendo o tribunal a quo decretado a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, inexistindo qualquer fundamento legal que permitisse à AT suster as diligências em curso, atento o carácter meramente devolutivo atribuído ao recurso e ao risco de caducidade do direito de liquidação de imposto, a responsabilidade pelas custas só pode ser atribuída a quem deu causa à acção, neste caso ao ora recorrido, incorrendo em erro a douta decisão objecto de recurso, quando conclui que "a responsabilidade pelas custas corre exclusivamente por conta da requerida".

T. Tanto mais assim é que não foi praticado qualquer acto, que nos termos do art.º 536.º n.º 4 do CPC possa configurar uma "satisfação voluntária (...) da pretensão do autor ou requerente", imputando por esta via a responsabilidade pelas custas ao réu.

U. Se o douto Tribunal considera a inutilidade da lide, porque uma pronúncia seria destituída de qualquer efeito útil, só pode extinguir a instância imputando a responsabilidade pelas custas a quem deu causa à acção.

V. Assim e atendendo a que o ora recorrido não poderia obter no processo de intimação para um comportamento a satisfação da sua pretensão, inexiste fundamento legal que possa apoiar uma censura à actuação da AT, sob a forma de responsabilidade pelas custas, uma vez que toda a sua actividade decorreu ao abrigo do princípio da legalidade.

W. A AT não deu dado causa à necessidade de interposição dos autos de intimação para um comportamento, não lhe podendo ser imputável, ao contrário da interpretação que faz a douta decisão do tribunal a quo, a responsabilidade pelas custas, uma vez que não impendia sobre si nenhum dever de decisão, limitando-se a agir em conformidade com o efeito legal atribuído ao recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário.

X. Assim, a responsabilidade por custas decorrente da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, deve ser, atribuída ao Autor, o ora recorrido, nos termos do art.° 536 nº 3 do CPC, padecendo de erro de direito a douta decisão do tribunal a quo.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu fundamentado parecer no sentido do provimento do recurso, concluindo que «há que aplicar a regra prevista no segmento inicial da norma do nº 3 do artigo 536º do CPC, no sentido de que neste caso "a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente", ou seja, do aqui recorrido, pois no caso concreto a tutela visada com a utilização deste meio processual - sustação do procedimento de derrogação do sigilo bancário - ficaria previsivelmente esvaziada pela tramitação normal do procedimento, sendo assim de imputar ao Autor ou Requerente o risco da escolha deste meio processual».

4 – Com relevância para a decisão, foram dados como provados os seguintes factos:

A) Ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI201602908, de 21.11.2016, e OI201700552, de 07.03.2017, decorreu uma acção inspectiva, a A…………, ora Requerente, referente aos anos de 2013 e 2014 e a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) - cfr. Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 323 a 338 do processo n.º 1452/17.5BEBRG, de que o signatário também é titular;
B) A acção inspectiva aludida na alínea anterior teve como objectivo o controlo da existência de manifestações de fortuna - cfr. Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 323 a 338 do processo n.1452/17.5BEBRG. de que o signatário também é titular;
C) A 04/07/2017 a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu a seguinte decisão:
"DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos constantes da Informação da Divisão de Inspecção Tributária III da Direcção de Finanças de Braga, prestada no âmbito das Ordens de Serviço n.s OI201602908 e OI201700552, bem como com os pareceres e despacho nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 63º-B da LGT, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo nº 4 do mesmo preceito legal, autorizo que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo A…………, com o número de identificação fiscal ………, com referência ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2014.
Devolva-se o processo à Direcção de Finanças de Braga para efeitos de prosseguir o levantamento do segredo bancário" - cf. fls. 82 verso do processo n.1452/17.5BEBRG, de que o signatário também é titular;

D) A 27.07.2017, o Requerente apresentou, Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, recurso da decisão referida na alínea precedente, o que deu origem ao processo n.º 1452/17.5BEBRG - cfr. comprovativo da entrega do documento a fls. 2 do processo n.º 1452/17.5BEBRG, de que o signatário também é titular;
E) A 20.11.2017, deu entrada, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a petição inicial da presente intimação - cfr. comprovativo da entrega do documento a fls. 3 dos autos;
F) A 24.11.2017, foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária relativo à acção inspectiva mencionada em A), do qual se extrai, em suma, o seguinte:
"(...).
1- CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA
(...).
11- OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPETIVA (...).

De referir que a informação efectuada no âmbito do pedido de derrogação do sigilo bancário enviado à Senhora Directora Geral da AT, foi elaborada antes da rectificação contabilística da B………… do balancete da empresa o qual foi entregue nesta DF no dia 2017-01-07, balancete este em que se encontra o registo do valor contratado, entre o SP e a empresa na conta 26 - accionistas/sócios, situação não reflectida no SAFT inicialmente apresentado. Contudo, como referido anteriormente, da análise do novo extracto desta conta, mais concretamente do registo contabilístico na empresa constata-se que o valor emprestado no mês de janeiro de 145.000,00€ pela B…………, valor este que de acordo com o SP foi utilizado no pagamento parcial do valor em dívida relativo à aquisição do segundo imóvel (adquirido em dezembro de 2013), se encontra totalmente amortizado.

Verifica-se assim que, tendo o SP pago ao longo de 2014, a totalidade do empréstimo que contraiu junto da B…………, encontra-se por justificar a origem dos montantes mensais que o SP utilizou para durante o ano de 2014 pagar os 145.000,00€ à empresa. Logo a situação exposta relativa ao ano de 2014 que consta no pedido efectuado à Senhora Directora Geral da AT mantém-se.

Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT) e do nº 2 do artigo 146.º-B do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), notificou-se o SP da decisão favorável proferida pela Senhora Directora Geral, ao pedido de derrogação do sigilo bancário, tendo o SP interposto recurso que apresentou no Tribunal Tributário de 1ª instância da área do seu domicílio fiscal da decisão.
De referir que estamos em face de um recurso judicial com efeito meramente devolutivo, conforme disposto no nº 5 do artº 63º-B da LGT.

"Mediante a decisão favorável para a derrogação de sigilo bancário, foi pedido ao Banco de Portugal a identificação das instituições de crédito e/ou sociedades financeiras sob a sua supervisão, assim como as contas bancárias de que é titular e cotitular o SP e consequentemente solicitaram-se os extractos bancários à Caixa Geral de Depósitos (CGD), ao Novo Banco, ao Banco BPI e ao Banco Comercial Português (MILLENNIUM BCP).

Tendo em conta os elementos recebidos das várias entidades (Instituições bancárias) acima identificadas, constatou-se que, nas contas bancárias em que o SP é titular, ocorreram inúmeras entradas de dinheiro, através de depósitos em numerário, cheques e transferências bancárias, bem como diversos pagamentos que suscitam dúvidas sobre a origem e destino dos mesmos, respectivamente.
Assim, em 2017-09-26, através do nosso ofício n.º 532.7647 notificou-se o sujeito passivo para que, nos termos do art.º 87º, nº 1, alínea d) e f) e 89º-A nºs 3 e 5 ambos da LGT, justificasse a origem dos rendimentos em causa e os consumos efectuados nos anos em análise (ANEXO D).

De acordo com o solicitado pelo SP foi aceite a prorrogação do prazo para apresentação da resposta, tendo sido concedido o prazo mais 15 dias do definido na notificação (ANEXO D), decorrido o prazo não apresentou documentos nem esclarecimentos para justificação dos valores expostos pelo que confirma-se que os incrementos patrimoniais/despesa ou consumos efectuada (os), nos anos de 2013 e 2014, é de valor superior a 100.000,00€, divergindo esses consumos/acréscimos patrimoniais dos rendimentos declarados, nos termos da legislação antes citada.
"Mediante a decisão favorável para a derrogação de sigilo bancário, foi pedido ao Banco de Portugal a identificação das instituições de crédito e/ou sociedades financeiras sob a sua supervisão, assim como as contas bancárias de que é titular e cotitular o SP e consequentemente solicitaram-se os extractos bancários à Caixa Geral de Depósitos (CGD), ao Novo Banco, ao Banco BPI e ao Banco Comercial Português (MILLENNIUM BCP).

Tendo em conta os elementos recebidos das várias entidades (Instituições bancárias) acima identificadas, constatou-se que, nas contas bancárias em que o SP é titular, ocorreram inúmeras entradas de dinheiro, através de depósitos em numerário, cheques e transferências bancárias, bem como diversos pagamentos que suscitam dúvidas sobre a origem e destino dos mesmos, respectivamente.
(….) Da análise pormenorizada aos movimentos realizados nas várias contas identificadas em quadros subsequentes - quadro 2013 e quadro 2014 -, verificou-se existir alguns movimentos entre as contas do próprio sujeito passivo.

Mas além desses movimentos entre contas, existem inúmeros movimentos, destacando-se as entradas totais nas várias contas, nos anos de 2013 e 2014, que perfazem o montante global de 457.692,51€ e 224.073,89 €, respectivamente.
(….)
Assim, procedeu-se ao apuramento do rendimento tributável corrigido de IRS, com recurso a métodos indirectos, no montante de 457.692,51€ em 2013 e 224.073,89€ em 2014, nos termos do artº 9.º nº 1, al. d) e nº 3 do CIRS e nº 5 do artº 89º-A da LGT (....)" - cfr. relatório de inspecção tributária, a fls. 323 a 338 do processo n.º 1452/17.5BEBRG, de que o signatário também é titular;

G) Sobre o Relatório de Inspecção Tributária identificado na alínea anterior recaiu despacho de concordância da Directora de Finanças de Braga, datado de 27.11.2017 - cfr. fls. 323 do processo n.º 1452/17.5BEBRG. de que o signatário também é titular;

H) Na sequência da elaboração do Relatório de Inspecção Tributária, foram efectuadas correcções com recurso a métodos indirectos, tendo-se apurado um rendimento tributável corrigido de IRS relativamente aos exercícios de 2013 e de 2014, respectivamente de € 457.692,51 e de € 224.073,89 - cf. relatório de inspecção tributária, a fls. 323 a 338 do processo n.º 1452/17.5BEBRG, de que o signatário também é titular;

I) O Recorrente apresentou recurso da decisão aludida na alínea anterior, o que deu origem ao processo nº 2683/17.3BEBRG, que corre termos na 3ª Unidade Orgânica deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga - cfr. consulta efectuada no sistema informático "SITAF".»


5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

6. Do objecto do recurso

6.1 A questão a decidir no presente recurso é a de saber se incorre em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, após declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, considerou a Fazenda Pública responsável pelas custas do processo, no entendimento de que a inutilidade da lide resultava de comportamento imputável à Administração Tributária, que era subsumível na previsão do segmento final do nº 3 e do nº 4 do artigo 536º do Código de Processo Civil.

O recurso circunscreve-se à questão da responsabilidade da Fazenda Pública nas custas do processo, em face da declaração da inutilidade superveniente da lide.

Como resulta dos autos o Recorrido lançou mão da "intimação para um comportamento" para obrigar a Administração Tributária a proferir decisão sobre dois requerimentos que por si foram apresentados e nos quais se peticionava a sustação do procedimento de derrogação do sigilo bancário até ser decidido o recurso que interpusera de decisão proferida nesse procedimento, nos termos do artigo 146º-B do CPPT.

Para se decidir pela inutilidade superveniente da lide considerou o tribunal "a quo" que a pretensão do Autor com a propositura da ação visava obstar à recolha e utilização dos elementos das suas contas bancárias, fim este que já não era possível alcançar, uma vez que na pendência da ação a Administração Tributária já tinha tido acesso a tais elementos e utilizado os mesmos na fixação da matéria tributável.

No caso concreto, o Tribunal constatou que a Administração Tributária, na pendência da acção, procedeu à fixação da matéria colectável por métodos indirectos, nos termos do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária (LGT) [alínea H) dos factos provados], servindo-se, para o efeito, da documentação bancária coligida através das diligências exercidas na sequência da decisão administrativa que autorizou a derrogação do sigilo bancário, que lhe precedeu [alíneas C), F) e G) dos factos provados], atento o efeito devolutivo do recurso apresentado, pelo Requerente, dessa decisão [alínea D) dos factos provados], nos termos do nº 5 do artigo 63.º-B da LGT.

No prosseguimento de tal discurso argumentativo concluiu-se na sentença recorrida que a pronúncia e decisão pretendidas pelo Requerente, por parte da Administração Tributária, quanto à sustação do procedimento de derrogação do sigilo bancário e, designadamente, quanto às diligências de intromissão nas suas contas bancárias se afigurava inútil, porquanto já fora praticada a decisão de fixação da matéria colectável, com recurso aos elementos bancários, entretanto, coligidos.

Em face de tal factualidade entendeu o tribunal "a quo" que, na génese da inutilidade superveniente da lide estaria a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira que proferiu a decisão da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, não tendo aguardado o desfecho da presente lide.

E, por isso, concluiu que a inutilidade da lide resultava de comportamento imputável à Administração Tributária, que era subsumível na previsão do segmento final do nº 3 e do nº 4 do artigo 536º do Código de Processo Civil, sendo por isso a Fazenda Pública responsável pelo pagamento das custas do processo.

Não conformada com o assim decidido alega a recorrente que a sentença padece do vício de erro de julgamento, na parte impugnada, uma vez que a FP não deu causa à acção, nem por qualquer meio satisfez a pretensão da Autora e aqui recorrida, de modo a assacar-lhe a responsabilidade pelas custas, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 536º do CPC.

6.2 Ora tem razão a recorrente ao alegar que, por força do disposto na parte final do n.º 3 e do n.º 4 do artigo 536.º do CPC, não se pode considerar que a Fazenda Pública deu causa à acção.

De facto, de harmonia com a regra geral em matéria de custas, a decisão que julgar a causa condenará em custas a parte que a elas houver dado causa (n° 1 do artigo 527.° do CPC), ou seja, dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for (n° 2 do preceito).

Esta regra geral de responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respectiva proporção.

Sobre a repartição das custas nos casos de extinção por inutilidade ou impossibilidade superveniente dispõe o art. 536.º, n.º 3, do Código de Processo Civil: «Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas».

De acordo com este normativo, quando a instância se extinguir por impossibilidade ou inutilidade da lide, as custas ficam a cargo do autor, salvo se a inutilidade ou impossibilidade resultar de facto imputável ao réu, que nesse caso as pagará.

O disposto neste artigo é aplicável, independentemente da natureza do facto que determine a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide em causa.

Ora no caso subjudice resulta dos autos que a impossibilidade superveniente da lide não pode ser imputada à Fazenda Pública mas sim ao recorrido cuja actuação deu origem ao facto que a determinou.

Isto porque como bem nota o Exmº Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, o meio processual utilizado pelo Recorrido não era idóneo a atingir o fim visado, já que o efeito útil da procedência da "intimação" não obstaria ao prosseguimento das diligências no âmbito do prosseguimento de derrogação do sigilo bancário.

Com efeito não só não resulta comprovado nos autos que tenha sido atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto da decisão proferida naquele procedimento (alínea D) do probatório), sendo certo que a lei - nº 5 do art. 63º-B da LGT - lhe atribui efeito devolutivo, como a imposição à AT do cumprimento do dever de decisão - art. 56º, nº 1, da LGT - não teria por resultado certo a sua pronúncia favorável à pretensão manifestada pelo Autor e aqui recorrido.

Ou seja, ainda que o tribunal tenha concluído pela inutilidade superveniente da ação, por o fim visado pelo Autor não poder ser alcançado, esta inutilidade da lide não pode ser imputada aos factos entretanto praticados pela Administração Tributária, que são mera decorrência do procedimento iniciado e a que a "intimação" não tinha por aptidão pôr cobro.

Na verdade, a "inutilidade da lide imputável ao réu ou requerido" a que se refere o nº 3 do artigo 536º do CPC e fundamento da responsabilidade pelas custas pressupõe a ocorrência de um facto atribuído ao réu ou requerido que satisfaça a pretensão do Autor ou demandante - nº 4 do mesmo preceito - ou que vise obstaculizar que essa pretensão seja satisfeita, o que manifestamente não é o caso dos autos, pois no caso concreto, como esclarecidamente nota o Ministério Público, a tutela visada com a utilização deste meio processual - sustação do procedimento de derrogação do sigilo bancário - ficaria previsivelmente esvaziada pela tramitação normal do procedimento, sendo assim de imputar ao Autor ou Requerente o risco da escolha deste meio processual.
Por isso concluímos, sem necessidade de mais considerações, que não pode manter-se o decidido na sentença recorrida quanto à responsabilidade pelas custas, sendo de aplicar a regra prevista no segmento inicial da norma do nº 3 do artigo 536º do CPC, no sentido de que neste caso "a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente", ou seja, do aqui recorrido.

7. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida no segmento impugnado e julgando responsável pelas custas o Autor da acção e aqui recorrido, nos termos do segmento inicial do nº 3 do artº 536º do Código de Processo Civil.

Custas pelo recorrido, salvo quanto à taxa de justiça neste recurso, uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 19 de Setembro de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.