Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01709/05.8BEPRT
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PODERES DE COGNIÇÃO DO TRIBUNAL
Sumário:I - Tal como as sentenças de 1ª. Instância, os acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores podem ser objecto de arguição de nulidade. Além das nulidades previstas nas diferentes alíneas do artº.615, nº.1, do C.P.Civil, surgem-nos ainda duas situações decorrentes da colegialidade do Tribunal que profere o acórdão e que dão origem a nulidades específicas deste: o acórdão ser lavrado contra o vencido e, por outro lado, sem o necessário vencimento (cfr.artºs.666, nº.1, 667 e 685, do C.P.Civil).
II - Nos termos do preceituado no artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 ("ex vi" do artº.666, nº.1, e 685, do C.P.Civil), é nulo o acórdão, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que o acórdão padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal do acórdão, sujeitando-o ao risco de ser revogado, havendo recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação.
III - O Tribunal é livre de conhecer dos aspectos jurídicos da causa (indagação, interpretação e aplicação das regras de direito), com independência das razões invocadas pelas partes (cfr.artº.5, nº.3, do C.P.Civil).
IV - As conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.635 e 639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" artº.281, do C.P.P.Tributário). O acabado de aludir constitui doutrina que tem particular relacionamento com a matéria da delimitação objectiva do recurso.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P28033
Nº do Documento:SA22021071301709/05
Data de Entrada:06/25/2019
Recorrente:A………………, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA notificado do acórdão produzido por este Tribunal, datado de 3/02/2021 e constante a fls.503 a 516 do processo físico, deduziu incidente de nulidade de acórdão (cfr.fls.523 e seg. do processo físico), alegando, em síntese:
1-Que nos presentes autos a decisão de primeira instância, a qual foi revogada pelo acórdão cuja nulidade ora se pede, julgou improcedente a presente oposição, para tanto examinando o comportamento da sociedade oponente, a qual foi responsabilizada por impedir que as liquidações de I.V.A., em valor muito avultado e aqui em causa, tivessem sido concretizadas através da respectiva notificação;
2-Que no presente acórdão não se encontra a mínima referência a esta circunstância, central na decisão da 1ª. Instância;
3-Que não é aceitável revogar uma decisão anterior sem que se examine o seu fundamento principal, como é o presente caso;
4-Que ao não ser efectuada essa análise, os destinatários da decisão judicial não podem compreender qual a motivação que está na base da mesma;
5-Que a presente decisão viola o artº.205, nº.1, da C.R.P., normativo que impõe o dever de fundamentação das decisões judiciais;
6-Que a violação deste dever de especificação dos fundamentos de facto e de direito é cominada com a nulidade da decisão, como nos diz a artº.615, nº.1, al.b), do C.P.C., arguição de nulidade que formalmente agora se concretiza.
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Notificada do requerimento a suscitar o incidente sob exame, a sociedade recorrente apresentou petição na qual conclui pugnando pela total improcedência do mesmo (cfr. fls.538 a 545 do processo físico).
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina defendendo a improcedência do incidente suscitado (cfr.fls.550 e 551 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação (cfr.artºs.657, nº.4, 666, nº.2, e 685, todos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" artº.281, do C.P.P.Tributário).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613, nº.2, e 616, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.125, do C.P.P.Tributário).
Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
A possibilidade de dedução do incidente de nulidade da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12 (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.400/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/10/2011, rec. 497/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/06/2020, rec.952/18.4BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/11/2020, rec.194/09.0BEPNF; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.356 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª. Edição, 2017, Almedina, pág.325 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e seg.).
Tal como as sentenças de 1ª. Instância, os acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores podem ser objecto de arguição de nulidade. Além das nulidades previstas nas diferentes alíneas do artº.615, nº.1, do C.P.Civil, surgem-nos ainda duas situações decorrentes da colegialidade do Tribunal que profere o acórdão e que dão origem a nulidades específicas deste: o acórdão ser lavrado contra o vencido e, por outro lado, sem o necessário vencimento (cfr.artºs.666, nº.1, 667 e 685, do C.P.Civil; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/06/2020, rec.952/18.4BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/11/2020, rec.194/09.0BEPNF; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e 134; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.59 e seg.).
"In casu", a entidade requerente imputa o vício de falta de fundamentação ao acórdão objecto do presente incidente, nos termos do artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, para tanto, defendendo que nesta peça processual não se encontra a mínima referência à circunstância central na decisão da 1ª. Instância, ora revogada, a qual se consubstancia no comportamento da sociedade oponente, devendo ser responsabilizada por impedir que as liquidações de I.V.A., em valor muito avultado e aqui em causa, se tivessem tornado exigíveis através da respectiva notificação.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença/acórdão, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença/acórdão padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da mesma peça processual, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.871/10; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.357 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, do exame do acórdão constante a fls.503 a 516 do processo físico deve concluir-se que este Tribunal apenas se limitou a analisar e decidir o primeiro dos esteios da apelação( (recorde-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem" - artºs.635 e 639, do C.P.Civil).) estruturada pela sociedade recorrente (que a presunção de notificação das liquidações de I.V.A. e juros compensatórios que consubstanciam a dívida exequenda não podia operar, "in casu", por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais consagrados no artº.39, nº.5, do C.P.P.T., para o efeito), tendo concedido provimento ao recurso e revogando a sentença recorrida, mais julgando prejudicado o exame dos restantes esteios da apelação.
Mais, do exame do requerimento a suscitar este incidente deve concluir-se que a entidade requerente entendeu perfeitamente as razões da decisão proferida por este Tribunal e, nesta perspectiva, é nosso entendimento que o seu requerimento de arguição de nulidade não pode ser atendido, sendo ele motivado em falta de fundamentação da peça processual posta em causa, falta esta que tem de se revelar absoluta para poder desencadear a nulidade do acórdão, tudo conforme supra mencionado.
Quanto ao facto de este Supremo Tribunal Administrativo ter efectuado uma interpretação da factualidade provada diversa daquela que fizera o Tribunal de 1ª Instância, mais decidindo em sentido diverso daquele, deve recordar-se que nos encontramos face a uma questão de direito, sendo que o Tribunal é livre de conhecer dos aspectos jurídicos da causa (indagação, interpretação e aplicação das regras de direito), até com independência das razões invocadas pelas partes (cfr.artº.5, nº.3, do C.P.Civil).
Concluindo, não se vislumbra qualquer nulidade, devido a eventual falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, de que padeça o acórdão exarado nestes autos e constante de fls.503 a 516 do processo físico.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se totalmente improcedente o presente incidente de nulidade de acórdão, ao que se provirá na parte dispositiva.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em INDEFERIR A REQUERIDA NULIDADE DO ACÓRDÃO exarado a fls.503 a 516 do processo físico.
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Condena-se a requerente em custas pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça em três (3) U.C., atenta a sua complexidade (cfr.artº.7, nº.4, e Tabela II, do R.C.Processuais).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 13 de Julho de 2021

Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artº.15-A, do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exº.mos Senhores Conselheiros Adjuntos: Gustavo André Simões Lopes Courinha e Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.
Joaquim Manuel Charneca Condesso