Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0124/15
Data do Acordão:04/29/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
RECURSO
APENSAÇÃO
Sumário:I - A Fazenda Pública tem legitimidade para interpor recurso do despacho judicial que determinou a apensação de diversos processos de impugnação de decisões administrativas de aplicação de coima proferidas em autos de contra-ordenação por a identidade do infractor ser a mesma em todas elas;
II - No momento em que a impugnação da decisão administrativa que aplicou uma sanção relativa a uma infracção como a dos autos dá entrada em Tribunal, conjuntamente com outras respeitantes ao mesmo infractor, ou quando relativamente a esse infractor já se encontrem pendentes nesse Tribunal processos por infracções idênticas, o juiz deve ordenar a apensação de processos, assim cumprindo a regra estabelecida no art. 25º do Código de Processo Penal;
III - Na fase judicial, a apensação deve ser ordenada no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho (cfr. art. 64º do RGCO e 82º do RGIT).
Nº Convencional:JSTA000P18920
Nº do Documento:SA2201504290124
Data de Entrada:02/03/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre do despacho que, proferido em 17/11/2014 no processo nº 1143/14.9BEPNF-A do TAF de Penafiel [recurso de decisão de aplicação de coima por falta de pagamento de taxa de portagem pela utilização em 17/2/2013, de identificado troço da auto-estrada (A4) no veículo matrícula ………-UX], admitiu liminarmente este recurso, bem como três outros recursos também interpostos pela mesma recorrente e tendo por objecto questões de idêntica natureza, e determinando, em seguida, a respectiva apensação a este processo nº 1143/14.9BEPNF-A.

1.2. Alega e termina com a formulação das conclusões seguintes:
A. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que admitiu liminarmente o recurso apresentado pela arguida, o qual se circunscreve à questão de direito da decisão de apensação, determinada pela Meritíssima Juíza a quo, de todos os processos de recurso de contra-ordenação que lhe foram distribuídos, do mesmo recorrente, o que resultou na apensação de 3 processos de contra-ordenação aos presentes autos.
B. Para assim decidir, considerou o Tribunal a quo, que “resulta da consulta do sistema informático que, me foram distribuídos outros processos de recurso de contra-ordenação instaurados por esta mesma recorrente”, determinando consequentemente, a apensação de 3 processos a estes autos.
C. Quanto à legitimidade da Fazenda Pública para interpor o presente recurso, importa ter em conta que, com a proposta de Lei n.º 496/2012, de 10 de Outubro de 2012, de aprovação do Orçamento do Estado para 2013, foi alterada a redacção do art. 83º do RGIT, passando o representante da Fazenda Pública, por força do nº 1 da referida norma, a ter legitimidade para interpor recurso da decisão proferida pelo tribunal, ampliando-se, deste modo, a sua possibilidade de intervenção no processo de contra-ordenação, que antes se limitava à produção de prova, nos termos do art. 81º, nº 2 do RGIT.
D. Deste modo, e tendo em conta a unidade do sistema jurídico e a aplicação subsidiária do RGCO neste âmbito, por força do art. 3º, alínea b) do RGIT, com a alteração legislativa ocorrida, a Fazenda Pública tem também legitimidade para recorrer nos recursos de processos de contra-ordenação tributária, ao abrigo do nº 2 do art. 73º do RGCO.
E. Observa-se de perto, quanto a esta questão, o douto entendimento dos Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos em “Regime Geral das Infracções Tributárias anotado”, 4ª edição, 2010, em anotação ao art. 83º, página 562 e seguintes, que se transcreve:
Porém, em matéria de direito sancionatório, não será compreensível que não exista também uma válvula de segurança do sistema de alçadas que permita assegurar a realização da justiça pelo menos em casos em que se esteja perante uma manifesta violação do direito, sendo esta possibilidade uma exigência do direito de defesa constitucionalmente consagrado.
Por isso, deve-se concluir que será aplicável subsidiariamente o preceituado no nº 2 do art. 73º do RGCO.”
F. Quanto à subida imediata do presente recurso, entende a Fazenda Pública que, no regime previsto no art. 84º, do RGIT, complementado pelo RGCO, não é possível a execução das coimas e sanções acessórias antes do trânsito em julgado ou de se ter tornado definitiva a decisão administrativa que as aplicar, sendo esta a única interpretação que assegura a constitucionalidade material deste art. 84º, do RGIT, nos casos em que o recurso é interposto de decisão condenatória, assim não sendo necessário a prestação de garantia para que o mesmo recurso goze de efeito suspensivo da decisão recorrida - conforme se doutrinou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15-11-2011, processo nº 04847/11; e na esteira do entendimento dos Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos em “Regime Geral das Infracções Tributárias anotado”, 4ª edição, 2010, em anotação ao art. 84º, página 582 e seguintes.
G. Neste sentido, não deverá ser considerada exequível para efeitos de decisão de instauração de processo de execução fiscal, a decisão judicial proferida nestes autos que decidiu apensar todos os recursos de contra-ordenações do mesmo recorrente, face à pendência do presente recurso, sob pena de se afectar o efeito útil do mesmo.
H. Especificando o que para aqui releva, quanto à apensação de vários processos de contra-ordenação e por forma a evitar neste âmbito a formação de caso julgado parcial, entende a Fazenda Pública, salvo melhor opinião, que não pode proceder o argumento expendido no douto despacho a quo, não se conformando a Fazenda Pública com o mesmo e considerando que tal despacho padece de erro de direito, urgindo assim, a promoção da uniformização da jurisprudência face ao inerente perigo de repetição e desigualdade na aplicação entre os diversos tribunais tributários de 1ª instância, tudo nos termos do disposto no art. 83º do RGIT, em conformidade como art. 73º, nº 2 do RGCO, aplicável por força da alínea b) do art. 3º do RGIT - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07/11/2012, proc. 0704/12; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17/01/2007, proc. 01124/06.
I. A decisão subjacente ao douto despacho a quo, de apensação dos 3 processos de contra-ordenação distribuídos à Meritíssima Juíza a quo, aos presentes autos, tem unicamente em conta, quanto ao elemento de conexão existente entre os mesmos, a identidade do arguido.
J. No caso de processos de contra-ordenação tributários, é aplicável o RGIT e subsidiariamente o RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que contém norma específica no seu art. 3º, alínea b), sendo que não existe nestes diplomas, norma legal que preveja a apensação de processos de contra-ordenação.
K. O artigo 36º do RGCO, aplicável subsidiariamente ao RGIT, prevê a “competência por conexão” em caso de concurso efectivo de contra-ordenações.
L. Neste âmbito importa observar o entendimento do Ilustre Juiz do TEDH Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2011, em anotação ao art. 36º, p. 128: “O critério do artigo 36º só opera relativamente aos processos que se encontrem na fase administrativa (…) Na fase judicial, a conexão rege-se pelo disposto nos artigos 24º e seguintes do CPP.”
M. Assim, por força do disposto no art. 41º do RGCO, quanto à unidade e apensação de processos, terá de se recorrer aos preceitos reguladores do processo criminal, ou seja, às normas do Código de Processo Penal (CPP).
N. Perscrutado o referido diploma legal, temos que, quanto aos casos de conexão inerentes à apensação de processos, as situações são exclusivamente as previstas no seu art. 24º.
O. As infracções por falta de pagamento de taxas de portagens, como as dos presentes autos e dos autos ora apensados, não são cometidas através da mesma acção, na mesma ocasião ou lugar, não sendo também umas causa ou efeito das outras, nem se destinando umas a continuar ou a ocultar as outras, não sendo praticadas por vários agentes em comparticipação, não se verificando igualmente qualquer outra das condições aí taxativamente previstas - Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12/12/2013, proc. nº 07056/13.
P. Quanto à conexão subjectiva que sustentou a opção da Meritíssima Juiz a quo, salvaguardando-se que o art. 25º do Código de Processo Penal, limita-se a ampliar o critério de conexão subjectivo determinado no art. 24º, a todos os crimes cometidos na área de uma mesma comarca, da competência de diferentes tribunais dessa área, mas não prescinde, salvo melhor opinião, dos critérios de conexão processual subjectiva do art. 24º, sob pena de essa taxatividade perder toda a razão de ser, e se permitir mais, quando os crimes são do conhecimento de dois ou mais tribunais, com sede na mesma comarca, do que quando a apreciação da ocorrência de mais do que um crime cometido pelo mesmo agente é da competência do mesmo tribunal.
Q. O elemento subjectivo por si só não sustenta a conexão de processos, impondo a lei a verificação de algum dos elementos taxativos do art. 24º do CPP.
R. E nesse pressuposto, só o funcionamento da conexão permite a apensação de processos, nos termos do nº 1 do artigo 29º do mesmo diploma legal, que tem em vista a economia processual e uniformidade de julgamento, mas impõe-se que se verifiquem, desde logo, os elementos objectivos de conexão tipificados na lei, o que não ocorre in casu.
S. No caso em apreço, os processos apensados correspondem ao levantamento de vários autos de notícia, autónomos entre si, face aos restantes, que deram lugar a diversos e independentes processos de contra-ordenação, aos quais, por decisão de condenação, foi aplicada a coima respectiva, ainda não transitada em julgado.
T. Sucede que, os 4 processos de contra-ordenação em apreço, não foram apensados pela autoridade tributária, mantendo autonomia entre si.
U. Com todo o respeito que nos merece a fundamentação expendida pelo douto Tribunal a quo, entende a Fazenda Pública que a apensação dos processos determinada pela Meritíssima Juíza a quo, não tem sustentação legal, pelo que não poderá a decisão do tribunal de 1ª instância versar numa única sentença sobre os 4 recursos dos processos de contra-ordenação.
V. Pelo que, concluímos ser ilegal a apensação de processos por despacho do douto Tribunal a quo.
W. Entende a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que é muito, que o douto despacho enferma de erro na aplicação do direito, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis, mais concretamente as que regem a unicidade e apensação de processos, mormente os artigos 24º, 25º, 28º e 29º do CPP, aplicáveis por força do art. 41º do RGCO, norma esta por sua vez aplicável ao abrigo do disposto na alínea b) do art. 3º do RGIT, atendendo a que estão em causa recursos de processos de contra-ordenação tributária.
Termina pedindo o provimento do recurso e que, em consequência, seja revogada a decisão recorrida.

1.3. Respondeu o Ministério Público no TAF de Penafiel, concluindo nos termos seguintes:
1ª. - Excepção feita às questões prévias da legitimidade e efeito da interposição do presente recurso, não assiste razão ao/à recorrente/R., nem os argumentos pelo/a mesmo/a aduzidos poderiam fundamentar a revogação da/o douta/o decisão/despacho posta/o em crise, a/o qual não merece reparo, pois que não enferma do alegado "erro na aplicação do direito," (sic), nem aliás de qualquer outro e não faz "errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis," (sic), designadamente das "que regem a unicidade e apensação de processos, mormente os artigos 24° 25°, 28° e 29° do CPP, aplicáveis por força do art. 41° ao RGCO" (sic).
2ª. - Relativamente às questões prévias, da legitimidade, mormente na vertente da admissibilidade do presente recurso, atentos os invocados fundamentos legais (n°. 1, do art. 83° do RGIT e art. 73°, n° 2 do RGIMOS, aplicável ex vi al. b) do art. 3° daquele RGIT), além de o/a R. deter legitimidade como invoca, também se nos afigura admissível a interposição do presente recurso para melhoria da aplicação do direito e tendo em vista, sobretudo, a promoção da uniformidade da jurisprudência; e da requerida e judicialmente determinada subida imediata, visto o objecto do presente recurso e o prescrito no n° 1, do art. 407° do CPP, subsidiariamente aplicável nos termos do disposto no art. 41° daquele RGIMOS, julga-se adequado o fixado regime de subida.
3ª. - A argumentação do/a R. baseia-se no, se não errado, pelo menos infundamentado pressuposto de que "A decisão subjacente o douto despacho a quo, de apensação de 3 processos de contra-ordenação .../... aos presentes autos, tem unicamente em conta, quanto ao elemento de conexão existente entre os mesmos, a identidade do arguido." (sic conclusão I).
4ª. - Sendo inegável a identidade do/a arguido/a/recorrente em todos os processos de contra-ordenação e subsequentes recursos apresentados em causa e constituindo embora esta, nos termos que de seguida melhor se exporão, fundamento bastante e suficiente para a determinada apensação dos referidos 3 (três) processos ao presente, inquestionável é todavia também, que da/o douta/o decisão/despacho sub judice não consta que tenha sido tal fundamento o único para decidir a determinada respectiva apensação.
5ª. - Sendo facto que apenas discorre e argumenta o/a R. com base em tal pressuposto e tendo ainda em conta a suficiência do pressuposto em causa, não cabe aqui cuidar dos demais (eventuais) fundamentos da decidida apensação, que sempre extravasariam o objecto do interposto recurso, delimitado, nos termos legais, pelas conclusões do/a R..
6ª. - O/A R. apresenta interpretação, absolutamente inovadora mas, salvo melhor entendimento, inaceitável, do disposto nos citados preceitos legais do CPP, mormente no respectivo art. 25°.
7ª. - Pretende o/a R. que "quanto aos casos de conexão inerentes à apensação de processos, as situações são exclusivamente as previstas no seu art. 24” (sic conclusão N.) e "Quanto à conexão subjectiva .../... que o art. 25° do Código de Processo Penal, limita-se a ampliar o critério de conexão subjectivo determinado no art. 24°, .../..." (sic conclusão P.).
8ª. - Porém, ao contrário do que, aparentemente defende o/a R., o art. 25° do CPP dispõe quanto à conexão de processos, não só da competência de tribunais com sede na mesma comarca mas, desde logo, naturalmente, também do mesmo tribunal, prescrevendo a conexão subjectiva, sendo indiscutível, face ao respectivo teor que, independentemente da existência, ou não, de conexão objectiva nos termos previstos nas diversas alíneas do n° 1 do art. 24°, há conexão, quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes (neste contexto, várias contra-ordenações), cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca e logo, por maioria de razão, também do mesmo tribunal.
9ª. - A própria letra do art. 25° afasta a interpretação pugnada pelo/a R. de que o mesmo apenas "amplia" "o critério de conexão subjectivo determinado no art. 24º” (sic).
10ª. - A expressão “Para além dos casos previstos no artigo anterior” constante do art. 25° em análise significa inequivocamente que aos casos previstos no artigo anterior, se acrescentam/adicionam/aditam/juntam outros, não se reportando por conseguinte, manifestamente, apenas aos mesmos casos quando o respectivo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca.
11ª. - A conclusão do/a R. - "O elemento subjectivo por si só não sustenta a conexão de processos, impondo a lei a verificação de algum dos elementos taxativos no art. 24º do CPP." (cfr. conclusão Q.) -, resulta, além de indemonstrada, inaceitável face à letra e espírito da lei.
12ª. - Sendo embora a economia processual e a uniformidade de julgados os critérios que presidem à conexão de processos, sendo certo que, no ao último concretamente concerne, a ausência de apensação pode implicar decisões contrárias quanto à mesma situação, em última instância, o princípio que subjaz à conexão/apensação, é o do direito ao devido processo legal que constitui direito fundamental consagrado na DUDH (cfr. art. 8°), que se concretiza, entre outros, nos princípios da justiça material, da equidade e do direito de defesa, constitucionalmente consagrados (cfr. art.s 20°, 32°, n° 10 e 202°, n° 2 da CRP).
13ª. - A não determinação de apensação dos processos, quando (como no caso) entre os mesmos se verificar qualquer das situações de conexão previstas na lei, (de conexão objectiva ou subjectiva, portanto e no caso então, pelo menos subjectiva), e não se verificando as excepções legalmente previstas para a separação de processos (cfr. art. 30° do CPP) - aplicáveis mutatis mutandis para a manutenção da autonomia de processos conexos entre si - constitui ilegalidade, por errada aplicação do direito, mormente, do citado/analisado pelo/a R., art. 25° do CPP.
14ª. - Pretendendo o R. ".../... que não poderá a decisão do tribunal de 1ª instância versar numa única sentença sobre os 4 recursos dos processos de contra-ordenação." (sic parte final da conclusão U.), contrapõe-se que não só pode como aliás deve, sob pena de ilegalidade por violação das prescrições dos art.s 25° e 29° do CPP.
15ª. - Concluindo a final o/a R. "ser ilegal a apensação de processos por despacho do douto Tribunal a quo" (sic conclusão V), conclui ao contrário o MP que, verificando-se como inquestionavelmente se verifica no caso, conexão subjectiva, ilegal seria não determinar a apensação.
16ª. - Não se verificando o invocado erro na aplicação do direito, nem aliás qualquer outro, bem ao contrário, mostrando-se a determinada apensação válida e legal, o douto despacho recorrido deve ser confirmado/mantido.
Termina pedindo a confirmação do julgado recorrido.

1.4. A Meritíssima Juíza sustentou o decidido (cfr. despacho de fls. 111 dos autos).

1.5. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emite Parecer nos termos seguintes:
«Recorre a Fazenda Pública do despacho do TAF de Penafiel de 17.11.2014, na parte em que determinou a apensação de processos de contra-ordenação.
No essencial, sustenta a Fazenda Pública a sua legitimidade para interpor o presente recurso, a possibilidade de recorrer da decisão em causa, o efeito suspensivo do recurso e, quanto à questão de fundo, a ilegalidade da apensação determinada.
Vejamos:
1. Quanto ao recurso interposto
Face à actual redacção do n° 1 do art. 83° do RGIT não oferece qualquer dúvida que o representante da Fazenda Pública tem legitimidade para recorrer, em matéria de contra-ordenações, das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância, salvo quando valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e não for aplicada sanção acessória.
Já será questionável que o possa fazer a coberto do disposto no n° 2 do art. 73° do RGCO desde logo porque esse preceito parece restringir essa possibilidade aos recursos das sentenças excluindo o seu uso em outras situações, inclusivamente nos casos de recursos de despachos proferidos nos termos do art. 64° do mesmo normativo, como resulta do simples confronto daquele n° 2 com os n.ºs. 1 e 3 do mesmo preceito.
Considera-se, no entanto, numa óptica de conformidade constitucional e tendo em conta a unidade do sistema jurídico e a já falada alteração do n° 1 do art. 83° do RGIT, que em casos como o dos autos se deve ter por legalmente admissível a interposição de recurso.
É certo, como decorre do texto legal, que a aceitação deste recurso, que fundamentalmente funciona como válvula de segurança do sistema de alçadas, só tem lugar quando o mesmo se mostre manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, sendo que a utilização do advérbio "manifestamente" claramente aponta para excepcionalidade desse recurso. Na verdade, como se ponderou no douto Acórdão deste Supremo Tribunal de 25.03.2009 - Rec. n° 0106/09, com referência ao n° 2 do art. 73° do RGCO, «[o] objectivo desta disposição, ao prever a possibilidade de aceitação de recursos nos casos em eles são manifestamente necessários para melhoria da aplicação do direito, não é viabilizar a correcção de decisões que optem por uma determinada corrente jurisprudencial, mas sim permitir a emenda de erros jurisprudencialmente inadmissíveis, que estejam à margem de qualquer corrente jurisprudencial».
Porém, não obstante não se tenha por juridicamente aberrante ou jurisprudencialmente inadmissível a decisão que determinou a apensação de processos, a verdade é que, como se assinala no despacho que admitiu o recurso, não é pacífica a questão da apensação de processos de contra-ordenação, sendo por demais evidente a existência de alguma indefinição sobre a matéria que a jurisprudência parece espelhar e que mais se terá acentuado com a alteração do art. 25° do RGIT, operada pela Lei n° 55-A/2010, de 31 de Dez..
Entende-se, neste contexto, que se impõe a intervenção deste Supremo Tribunal, em ordem à melhoria da aplicação do direito e à promoção da uniformidade da jurisprudência.
De resto, como se refere no despacho que admitiu o recurso, a fls. 92 e 93, “com a apensação dos processos o valor das coimas ultrapassa o valor de € 1.250,01.”
Agiu bem, pois, a Mma. Juíza a quo ao admitir o presente recurso, não merecendo reparo o efeito que lhe foi fixado, face às normas citadas (cfr., quanto a este aspecto, Jorge Lopes de Sousa/Manuel Simas Santos, RGIT Anotado, 2ª edição, pág. 528).
2. Quanto à questão de fundo.
É inquestionável que a alteração da norma relativa à punição do concurso de contra-ordenações, operada pela Lei n° 55-A/2010, de 31 de Dez., reduziu em muito a utilidade ou necessidade da apensação de processos de contra-ordenação pois, com essa alteração, a regra passou a ser a do cúmulo material das sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso, substituindo a regra da sanção única, em cúmulo jurídico, que vigorou em 2009 e 2010.
Contudo, salvo melhor entendimento, a economia processual e a uniformidade de julgamento, permitindo o apuramento das hipóteses de infracções de natureza continuada e uma avaliação mais consistente da medida da culpa do eventual infractor, são razões que amplamente justificam a apensação dos processos de contra-ordenação.
A apensação, em matéria de direito sancionatório, é sobretudo determinada pela conexão existente entre os processos a apensar.
Sendo o RGIT omisso quanto a esta temática haverá que recorrer ao RGCO, ex vi do seu art. 3°, al. b).
Sucede que o RGCO também omite quanto à matéria em causa havendo, por isso, que recorrer às normas do CPP, ex vi do art. 41° do RGCO.
Os casos de conexão são aqueles a que aludem os arts. 24° e 25°, ambos do CPP, dispondo o art. 29° do CPP que em caso de conexão é organizado um só processo e que se tiverem sido instaurados processos distintos, logo que a conexão for reconhecida procede-se à apensação de todos àquele que respeitar ao ilícito determinante da competência por conexão [n.ºs. 1 e 2 do preceito).
A Recorrente sustenta a sua pretensão recursiva na não verificação dos critérios de conexão.
Alega, concretamente, "as infracções por falta de pagamento de portagens, como as dos presentes autos e dos autos ora apensados, não são cometidos através da mesma acção, na mesma ocasião ou lugar, não sendo também umas, causa ou efeito das outras, nem se destinando umas a continuar ou ocultar as outras, não sendo praticadas por vários agentes em comparticipação, (…)"- cfr. Conclusão O.
Alega ainda que "(...)os processos apensados correspondem ao levantamento de vários autos de notícia, autónomos entre si, face aos restantes, que deram lugar a diversos e independentes processos de contra-ordenação, aos quais, por decisão de condenação, foi aplicada a pena respectiva, ainda não transitada em julgado" - cfr. Conclusão S.
Alega também que, "(...), os 4 processos de contra-ordenação em apreço, não foram apensados pela autoridade tributária, mantendo autonomia entre si" - cfr. Conclusão T.
Ora, salvo melhor entendimento, limitando-se a Mma. Juíza a quo a determinar a apensação ao presente processo dos "outros processos de recurso de contra-ordenação", instaurados por esta mesma recorrente, que lhe foram distribuídos, carece o despacho recorrido de base factual bastante que permita apreciar e decidir o presente recurso.
Nesta conformidade, concedendo-se provimento ao recurso, sou de parecer que deverá ser determinada a baixa dos autos à 1ª instância para fixação da matéria de facto.»

1.6. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTOS
2. No que ora releva, o despacho recorrido (fls. 65 dos autos) tem o teor seguinte:
«Despacho:
Por ser legal, tempestivo e obedecer às exigências legais, admito liminarmente o recurso (arts. 63º, n° 1, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro e alterações posteriores (RGIMOS), 3°, alínea b) e 80°, n° 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
Sucede que, resulta da consulta do sistema informático que, me foram distribuídos outros processos de recurso de contraordenação instaurados por esta mesma recorrente.
Todos esses recursos são legais, tempestivos e obedecem às exigências legais.
Assim, admito liminarmente todos os recursos desta recorrente que me foram distribuídos, cf. arts. 63º, n° 1, do RGIMOS, 3°, alínea b) e 80°, n° 1, do RGIT e, determino a sua apensação a estes autos.
Junte cópia deste despacho a esses processos.
Notifique.
D.N.
Notifique a Fazenda Pública nos termos e para os efeitos do disposto no art. 81, nº 2, do RGIT.
Prazo: 10 (dez) dias.
D.N.»

3.1. A questão a decidir nos presentes autos reconduz-se, tão só, à de saber se o despacho recorrido enferma de erro na aplicação do direito ao ter determinado a apensação aos autos de três outros recursos de contra-ordenação tributários da mesma recorrente que haviam sido distribuídos à mesma juíza.
Com efeito, como bem alega o MP, as questões da legitimidade da Fazenda Pública para o presente recurso e o efeito deste não são questões controvertidas nos autos (cfr. resposta à motivação do recurso e despacho de admissão deste, a fls. 92/93, in fine, dos autos), pelo que sobre tais questões não há que emitir pronúncia.

3.2. Por outro lado, tendo o recurso sido interposto e admitido ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 73º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) – para melhoria da aplicação do direito ou promoção da uniformidade da jurisprudência -, entende este Supremo Tribunal (que tem conhecimento, por dever de ofício, que a questão que aqui vem colocada, e outras semelhantes, se colocam, e virão a colocar-se, em centenas ou milhares de processos que já se encontram pendentes nos TAFS e noutros que se encontram na fase procedimental administrativa) que se justifica a admissão do recurso com aquele fundamento, dada a necessidade premente de definir o direito aplicável a todas estas situações, sendo certo que nos vários Tribunais se tem decidido de forma diferente (cfr. neste mesmo sentido, os recentes acórdãos deste STA de 4/3/2015, proc. nº 1396/14, e de 11/3/2015, proc. nº 74/15).
Vejamos, pois,

3.3. A questão suscitada – saber se é ilegal a decisão de apensação aos autos de outros três recursos de contra-ordenação interpostos pela mesma recorrente e distribuídos à mesma sra. Juíza – é questão já por diversas vezes apreciada por esta Secção do STA (em recursos deduzidos contra decisões do mesmo teor da ora recorrida e em que as alegações são em tudo idênticas às do presente recurso), tendo obtido resposta com a qual inteiramente concordamos (e que, aliás, já subscrevemos), motivo por que ora nos limitaremos a reproduzir a fundamentação aduzida em tais arestos (referimo-nos aos supra citados acórdãos proferidos nos procs. nºs. 1396/14 e 74/15, bem como ao acórdão, também de 11/3/2015, proferido no proc. nº 1557/14 e ao acórdão de 8/4/2015, proc. nº 075/15).
Aí se afirma, além do mais:
«Dispõe o artigo 24º, sob a epígrafe “Casos de conexão”:
1 - Há conexão de processos quando:
a) O mesmo agente tiver cometido vários crimes através da mesma acção ou omissão;
b) O mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros;
c) O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação;
d) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; ou
e) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar.
2 - A conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento.
Por sua vez, dispõe o artigo 25º, sob a epígrafe “Conexão de processos da competência de tribunais com sede na mesma comarca”:
Para além dos casos previstos no artigo anterior, há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19.º e seguintes.
Com interesse, dispõe também o artigo 29.º, sob a epígrafe “Unidade e apensação dos processos”:
1 - Para todos os crimes determinantes de uma conexão, nos termos das disposições anteriores, organiza-se um só processo.
2 - Se tiverem já sido instaurados processos distintos, logo que a conexão for reconhecida procede-se à apensação de todos àquele que respeitar ao crime determinante da competência por conexão.
A competência por conexão encontra a sua razão justificativa, “…antes de tudo, (na) economia processual. Mas não só, pois a ela acrescem - quando não mesmo se sobrepõem - razões de boa administração da justiça penal (juntando processos conexos será provavelmente mais esgotante a produção probatória e respectiva cognição) e mesmo de prestígio das decisões judiciais (pois desaparecerá o perigo de uma pluralidade de decisões sobre infracções conexas se contradizerem materialmente).”, cfr. Jorge Figueiredo Dias, Direito processual Penal, primeiro volume, pág. 347. Também, no mesmo sentido, esclarece Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, págs. 193 e 194 que: “O princípio geral de que parte o CPP é o de que a cada crime corresponde um processo para o qual é competente o tribunal definido em função das regras da competência material, funcional e territorial.
A lei admite, porém, que a regra básica de que a cada crime corresponde um processo seja alterada, organizando-se um só processo para uma pluralidade de crimes, desde que entre eles exista uma ligação que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente. A esta ligação entre os crimes, que determina excepções à regra de que a cada crime corresponde um processo e às regras de competência material, funcional e territorial, definidas em função de um só crime, chama a lei conexão e consequentemente a denominada competência por conexão (epígrafe da secção III, cap. II, livro I) representa um desvio às regras normais da competência em razão da organização de um único processo para uma pluralidade de crimes ou da apensação de vários processos que hão-de ser apreciados e decididos conjuntamente.
A conexão de processos é determinada por conveniência da Justiça. Ou porque há entre os crimes uma tal ligação que se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou mais completo quando processados juntamente, evitando-se possíveis contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça ou porque o mesmo agente responde por vários crimes e é conveniente julgá-los a todos no mesmo processo até para mais fácil e melhor aplicação da punição do concurso de crimes (art. 77.º do CP)”.
No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, entre outros, no acórdão n.º 21/2012, datado de 12/01/2012: “A regra geral é a de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial. Contudo, tendo em vista objetivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como para prevenir a contradição de julgados, em certas situações previstas nos artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, a lei admite alterações a esta regra, permitindo a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes, exigindo-se, no entanto, que entre eles exista uma ligação (conexão) que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente”.
Portanto, a competência por conexão tem a sua razão de ser, essencialmente, na melhor realização da justiça, na conveniência da justiça e na economia processual.
Se é certo que, no caso concreto, tais razões não encontram guarida no disposto no artigo 24º, tal como bem refere a Fazenda Pública no seu recurso, não é menos certo que são acolhidas pelo disposto no artigo 25º, ou seja, pela conexão subjectiva, a identidade do infractor, que é o mesmo, e se encontra sujeito a ser julgado uma pluralidade de vezes por várias infracções.
E esta conexão pode, e deve, operar nas diversas fases procedimentais e processuais tendentes à apreciação e punição (ou absolvição) da infracção cometida pelo mesmo infractor.
Seja na fase administrativa, o que incumbe ao órgão da administração determinar, seja na fase judicial, o que incumbe ao juiz competente, o que, desde logo, é imposto pelo disposto no n.º 2 do artigo 24º, a conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento.
Portanto, encontrando-se o juiz, a quem compete o julgamento da impugnação da decisão administrativa que aplicou a sanção, perante uma multiplicidade de processos, em que o infractor é o mesmo, que lhe foram distribuídos a si, ou aos outros juízes do mesmo Tribunal, deve averiguar da possibilidade de ordenar a apensação de todos os processos àquele que for o determinante da competência por conexão, de modo a que realize um só julgamento.
Sendo certo que, o facto de não se ter ordenado a apensação de todos os processos na fase administrativa, face ao preceituado naquele artigo 24º, n.º 2, não impede que seja ordenada essa mesma apensação na fase judicial, cfr. artigo 29º, n.º 2, no despacho liminar ou em qualquer momento, antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho, cfr. artigo 64º do RGIMOS e 82º do RGIT.
Nesta medida, incumbe ao juiz a quem compete o julgamento das impugnações das decisões administrativas, apreciar da aplicabilidade do disposto naquele artigo 25º do CPP, configurando-se, assim, o reconhecimento da conexão de processos e a determinação da apensação dos mesmos como um dever e não como uma faculdade que é concedida ao juiz, tudo em vista da melhor realização da justiça e da economia de meios (encontra-se já pendente na Assembleia da República o Projecto de Lei 771/XII, que “Procede à oitava alteração da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, visando um regime sancionatório mais equitativo nas situações de incumprimento do pagamento de taxas de portagem em infraestruturas rodoviárias”, tendo em vista “…moderar e equilibrar o quadro sancionatório atual, tornando-o mais equitativo, sem prejuízo da eficácia inerente ao sistema de cobrança em vigor…”, abrangendo, quer os valores dos montantes das coimas, quer o modo de processamento e pagamento das diversas infracções quando o infractor é o mesmo, pretendendo-se a sua aplicação, também, “…aos processos de contraordenação instaurados que ainda não tenham transitado em julgado…”).»
Sufragando, como acima se disse, esta fundamentação e dado que nas alegações da recorrente também não se vislumbra o aporte de novos argumentos relevantes susceptíveis de afastarem ou infirmarem a referida interpretação jurisprudencial, haveremos de concluir, atendendo até ao disposto no nº 3 do art. 8º do CCivil, que a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe é imputado, isto é, por ter ordenado a apensação de todos os processos da mesma natureza, respeitantes ao mesmo infractor, sendo que, atendendo ao teor do próprio despacho recorrido, do qual consta que os outros processos de recurso distribuídos são interpostos pela mesma recorrente, e a que as partes não questionam que tais recursos respeitam, igualmente, a processos de contra-ordenação por falta de pagamento de portagens, não se vê que haja de ordenar-se a baixa dos autos à 1ª instância para fixação de matéria de facto nos termos invocados pelo MP.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 29 de Abril de 2015. - Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco RothesAragão Seia.