Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0113/17.0BCLSB 0296/18 |
Data do Acordão: | 04/04/2019 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | MARIA BENEDITA URBANO |
Descritores: | RECURSO DE DECISÃO ARBITRAL TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS RECORRIBILIDADE |
Sumário: | No âmbito específico da arbitragem administrativa, e tendo em conta o actual quadro normativo que lhe é aplicável, é possível recorrer-se das decisões arbitrais para os tribunais estaduais na medida em que as partes não tenham renunciado a essa possibilidade. |
Nº Convencional: | JSTA000P24414 |
Nº do Documento: | SA1201904040113/17 |
Data de Entrada: | 05/09/2018 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | MJ |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório
1. A…………. e B…………., devidamente identificados nos autos, peticionaram a constituição de tribunal arbitral, intentando o correspondente processo arbitral no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) contra o Ministério da Justiça (MJ), requerendo o reconhecimento do seu direito a receber o suplemento de risco a que se reporta o artigo 99.º do DL n.º 295-A/90, de 21.09 (alterado pelo DL n.º 302/98, de 07.10, e mantido em vigor pelos artigos 91.º e 161.º, n.º 3, do DL n.º 275-A/2000, de 09.11) em montante igual ao auferido pelos especialistas adjuntos de telecomunicações da Directoria do Sul e DIC’s de Aveiro e Guarda, desde 01.12.07 e 20.04.09 até 31.10.15, acrescido de juros de mora à taxa legal. 2. O CAAD, por sentença arbitral de 07.03.16, absolveu o demandado da instância, em virtude de ter dado por verificada a “excepção dilatória de caso julgado por identidade com a decisão arbitral proferida no processo n.º 66/2015-A, nos termos do artigo 89.º, n.º 4, alínea l), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos” (cfr. fl. 191).
3. A………….. e B…………., inconformados com a decisão do CAAD, recorreram para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), o qual, por acórdão de 19.12.17, decidiu rejeitar o recurso jurisdicional. 4. Uma vez mais inconformados, desta feita com a decisão do TCAS, os AA. interpuseram o presente recurso jurisdicional de revista, tendo, para o efeito apresentado alegações, que concluíram do seguinte modo (cfr. fls. 93-4): “a) O conhecimento da presente questão impõe-se para a melhor aplicação do direito, já que a decisão judicial impugnada não tomou, sequer em consideração o disposto no artigo 6.º da LAV; b) Nos termos do artigo 6.º da LAV “Todas as referências feitas na presente lei ao estipulado na convenção de arbitragem ou ao acordo entre as partes abrangem não apenas o que as partes aí regulem directamente, mas também o disposto em regulamentos de arbitragem para os quais as partes hajam remetido.” c) E, segundo o artigo 27.º do Regulamento do CAAD, “Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os recursos que caberiam da sentença proferida pelos tribunais de 1.ª instância.” d) De onde resulta que, o regulamento do CAAD ao qual ambas as partes aderiram é parte da convenção de arbitragem; e) E que, nos termos desta, e não tendo as partes renunciado ao recursos jurisdicional das decisões de arbitragem é seu direito recorrerem; f) Pelo que, ao decidir como decidiu, violou o acórdão impugnado o artigo 6.º da LAV e o artigos 2.º, n.º 1, 27.º e 39.º do Regulamento do CAAD; Termos em que, deve o presente recurso ser admitido, sendo provido, revogando-se o acórdão impugnado e substituindo-se por outro que ordene o conhecimento do recurso”.
5. O recorrido MJ culminou as suas contra-alegações com as seguintes conclusões (cfr. fl. 104): “a) A presente revista não deve ser admitida, porquanto o invocado requisito – da sua necessidade para melhor aplicação do direito – não se mostra preenchido. b) O Acórdão recorrido respondeu à questão socorrendo-se da jurisprudência dos tribunais superiores e decidindo de acordo com a mesma. c) Ainda que a revista fosse admitida, o acórdão ora impugnado que rejeitou o recurso jurisdicional da decisão do CAAD, vai no sentido de tantos outros do mesmo tribunal, nomeadamente, do Ac. do TCA Sul, Proc. n.º 12659/15, de 04.10.2017, no qual não foi esquecido o artigo 6.º da LAV que o Recorrente ora invoca. d) O n.º 4 do artigo 39.º da Lei 63/2011 exige como condição de recorribilidade da decisão arbitral para o tribunal estadual competente, a existência duma expressa manifestação da vontade, de ambas as partes, quanto à possibilidade da sua admissibilidade. e) Assim, face da inexistência da indispensável expressa manifestação da vontade, de ambas as partes, quanto à possibilidade ou à admissibilidade de existência de recurso jurisdicional da decisão arbitral, o recurso jurisdicional deverá ser julgado improcedente. Nestes termos, e nos melhores de Direito, não deverá o presente recurso de revista ser admitido, por falta dos pressupostos legais, ou, caso assim não se entende, ser julgado improcedente e, consequentemente, confirmada a decisão recorrida”.
6. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 12.04.18 (fls. 113-4), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos: “(…) Esta formação já se confrontou com uma questão similar no rec. n.º 66/18; e, no acórdão que então proferiu (em 1/2/2018) disse o seguinte: “E convém referir que o acórdão «sub censura» corresponde ao que este STA decidiu em dois arestos proferidos em 20/6/2017 – nos processos ns.º 112/17 e 181/17. Todavia, tais acórdãos do STA emanaram dos mesmos três Juízes Conselheiros, pormenor que demonstra não haver ainda, sobre o assunto, uma jurisprudência consolidada neste Supremo. Ademais, a «quaestio juris» em presença oferece dificuldades nítidas, tendo até em conta o que se dispõe no art. 6º da LAV – onde a eficácia das cláusulas compromissórias é estendida ao conteúdo dos regulamentos de arbitragem. E a própria questão jurídica em apreço, pela sua vocação de repetibilidade, justifica uma reanálise pelo Supremo.” Ora, e não estando ainda decidido o rec. n.º 66/18, essa orientação de recebimento é de manter «in casu», pelas razões sobreditas. Nestes termos, acordam em admitir a revista”.
II – Fundamentação
1. De facto:
2) O R. contestou, apresentando defesa por impugnação, pugnando pela sua absolvição (cfr. fls. 4 e ss. dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido). 3) O CAAD, por decisão arbitral de 07.03.16, absolveu o demandado da instância “por verificação da excepção dilatória de caso julgado por identidade com a decisão arbitral proferida no processo n.º 66/2015-A, nos termos do artigo 89.º, n.º 4, alínea l), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos” (cfr. fls. 11-2 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido). 4) Os AA., inconformados com a decisão do CAAD, recorreram para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), o qual, por acórdão de 19.12.17, decidiu rejeitar o recurso jurisdicional (cfr. fls. 81-81v. dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
2. De direito: 2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelos ora recorrentes – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, relacionada com a possibilidade de recurso para os tribunais estaduais, in casu, para os TCAs, das decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD (centro de arbitragem permanente), possibilidade essa que os ora recorrentes defendem. Vejamos se lhes assiste razão. 2.2. Diga-se, antes de mais, que já é aplicável ao caso dos autos o Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA), que entrou em vigor em 01.09.15, e que se aplica, no tocante à arbitragem administrativa institucionalizada junto do CAAD (art. 1.º, n.º 1, do NRAA), às arbitragens iniciadas após a data da sua entrada em vigor (cfr. art. 30.º, n.os 1 e 2, do NRAA). No caso dos autos, a busca de solução jurídica para a (aparente ou não) contradição entre o n.º 4 do art. 39.º da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV – Lei n.º 63/2011, de 14.12) e o artigo 27.º do NRAA (em grande parte idêntico ao art. 26.º do anterior Regulamento de Arbitragem Administrativa – RAA) passa pela averiguação de qual seja a interpretação mais razoável a extrair, desde logo, da sua conjugação. Artigo 39.º da LAV (Direito aplicável, recurso à equidade; irrecorribilidade da decisão) “(…) 4 - A sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”. Artigo 27.º do NRAA (Execução e impugnação da decisão arbitral) “(…) 2 - Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os recursos que caberiam da sentença proferida pelos tribunais de 1.ª instância”. [negritos nossos]
Lisboa, 4 de Abril de 2019. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa. |