Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:06597/13.8BCLSB
Data do Acordão:04/26/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRAZO
ACTIVO IMOBILIZADO
EMPRESA
VIA PÚBLICA
Sumário:I - Por determinação dos artigos 7º nº 1 e 10º da Lei 1-A/2020, de 19/3, e 8º e 10º da Lei 16/2020, de 29/5, os prazos legais, designadamente de recurso jurisdicional, estiveram suspensos entre 09.03.2020 e 02.06.2020, inclusive, reiniciando a sua contagem em 03.06.2020 pelo que o recurso foi tempestivamente interposto.
II - O activo imobilizado da empresa é o conjunto de bens que revestem um carácter de permanência, ou seja, os bens que a empresa pretende manter por mais do que um exercício económico, sendo por esse prisma que o Plano Oficial de Contabilidade (P.O.C. aprovado pelo Dec. Lei 410/89, de 21/11, diploma aplicável ao caso "sub judice"), classificava o activo imobilizado de acordo com a sua natureza - imobilizações financeiras, corpóreas e incorpóreas. Tais elementos caracterizam-se pela sua aptidão para contribuírem para as operações do ente empresarial em causa durante um determinado período de tempo, sendo que, com algumas excepções, essa aptidão vai decrescendo ao longo da sua vida útil.
III - A vida útil de um elemento do activo imobilizado é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor - cfr.artº.3, nº.1, do dec.reg.2/90, de 12/1.10 pelo que se afigura necessário reconhecer ao nível dos custos dos diversos exercícios em que decorre a vida útil dos bens do activo imobilizado a expressão monetária da mencionada depreciação. E o método de imputação aos resultados dos exercícios contabilísticos anuais do custo de aquisição dos bens do activo imobilizado denomina-se por reintegração ou amortização, o qual deve ser elaborado de forma racional e sistemática, devendo estruturar-se em estrita observância do princípio contabilístico do balanceamento dos custos com proveitos.
IV - O regime geral das reintegrações e amortizações dos elementos do activo imobilizado ao tempo dos factos (1992) era o estabelecido nos artºs.27 e seg., do C.I.R.C., face ao qual, independentemente da correcta classificação contabilística e fiscal dos custos em questão (vias de comunicação adjacente ao empreendimento "..."), tais custos não podem ser considerados como fazendo parte do corpóreo ou incorpóreo da empresa, pois as infra-estruturas construídas pela impugnante/recorrida constituem parte integrante do domínio público, não sendo, nem podendo vir a ser, sua propriedade, nem sendo por ela utilizadas para a prossecução dos fins para que a sociedade foi criada, em termos de disponibilidade e afectação objectiva da sua própria actividade, assim não se vislumbrando base factual e legal para a afirmação, da Fazenda Pública, de que tais custos representam um acréscimo do próprio edifício.
V - Assim, curando-se nestes autos dos encargos de a Recorrente teve de suportar, nos termos do disposto no artigo 17º nº 4 do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12/1) "… devem,…, ser consideradas como custos, em partes iguais, em mais do que um exercício, as despesas ou encargos de projecção económica plurianual, sendo aquela repartição feita durante um período mínimo de três anos...".
VI - Como as infra-estruturas em apreço fazem parte do domínio público, devem, ser contabilizadas no activo imobilizado corpóreo da autarquia - de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL) (cfr. Decreto-Lei nº 54-A/99, de 22 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 162/99, de 14 de Setembro), sendo inconcebível que as mesmas integrem, simultaneamente, o activo imobilizado corpóreo de duas entidades diferentes – uma pública e uma privada. Até porque o POCAL tem regras próprias para valorimetria de imobilizações de bens do activo imobilizado das autarquias obtidos a título gratuito – como é o caso (Cfr. Ponto 4.1.4 do Decreto-Lei nº 54-A/99).
Nº Convencional:JSTA00071718
Nº do Documento:SAP2023042606597/13
Data de Entrada:02/21/2022
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Meio Processual:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Objecto:ACÓRDÃO TCA SUL
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:IRC
Legislação Nacional:ARTIGOS 3, nº.1, do dec.reg.2/90, de 12/1.10, 27º E SS CIRC, 17º nº 4 do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12/1, Ponto 4.1.4 do Decreto-Lei nº 54-A/99, DE 22/02, Dec. Lei 410/89, de 21/11
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem interposto recurso de uniformização de jurisprudência por A..., SA, melhor sinalizada nos autos, nos termos do disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 05/03/2020, por ter manifestado contradição quanto à mesma questão fundamental de direito ao que foi perfilhado também no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no Processo n.º 08620/15, de 08.10.2015, que se invoca como fundamento, no que diz respeito à correcção de Esc. 148.720.279$00, decorrente da não aceitação como custo fiscal da amortização de encargos de natureza incorpórea correspondentes a obras realizadas como contrapartidas dadas à Câmara Municipal de Cascais e à Junta Autónoma das Estradas.

Inconformada, formulou a recorrente A..., SA, as seguintes conclusões:

Quanto à contradição sobre a mesma questão fundamental de Direito
1. Existe contradição entre o douto Acórdão recorrido e outros Acórdãos anteriormente proferidos também pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) sobre a mesma questão fundamental de Direito,
2. designadamente com o douto Acórdão do TCAS, Secção de CT, de 08.10.2015, proferido no Proc. nº 08620/15, transitado em julgado, in www.dgsi.pt – Acórdão fundamento (cfr. doc. ...).
3. Essa contradição reporta-se concretamente à correcção de Esc. 148.720.279$00, decorrente da não aceitação como custo fiscal da amortização de encargos de natureza incorpórea correspondentes a obras realizadas como contrapartidas dadas à Câmara Municipal de Cascais e à Junta Autónoma das Estradas.
Com efeito,
4. Quer no douto Acórdão recorrido (relativo ao IRC de 1992), quer no douto Acórdão fundamento (relativo ao IRC de 1993), estava em apreciação aquela mesmíssima questão fundamental de Direito - não aceitação como custo fiscal da amortização de encargos de natureza incorpórea correspondentes a obras realizadas como contrapartidas dadas à Câmara Municipal de Cascais e à Junta Autónoma das Estradas (cfr. doc. ...).
5. Aliás, a em ambos os casos o contribuinte é exactamente o mesmo – a Recorrente (cfr. doc. ...).
6. Sendo que aquela questão foi sempre a mesma ao longo de vários exercícios fiscais, desde o exercício de 1991, inclusive - as sucessivas correcções operadas pela AT aos exercícios de 1991 a 1996, inclusive, têm a sua origem em correcção operada ao exercício de 1991.
7. Com efeito, a AT entendeu originariamente, quanto ao exercício de 1991, que as imobilizações incorpóreas/encargos em questão - com obras realizadas pela Recorrente em virtude da entrada em funcionamento do empreendimento “...”, como contrapartida dada à Câmara Municipal de Cascais e à Junta Autónoma das Estradas -,
8. deveriam outrossim considerar-se como imobilizações corpóreas, na medida em que corresponderiam, segundo a mesma AT, a encargos com a construção de infraestruturas, acessos e vias de comunicação adjacentes ao dito empreendimento, traduzidas num acréscimo ao valor do próprio edifício.
9. Daí que, segundo a AT, a amortização de tais encargos deveria ser feita à taxa de 2% ao ano (amortização em 50 anos), enquanto imobilizações corpóreas (edifícios), e não às taxas de amortização utilizadas pela Recorrente, 18,18% (amortização em 5,5 anos), enquanto imobilizações incorpóreas.
10. Quanto a essa mesma correcção e exercício de 1991, foi proferida, em 08.05.2014, a douta Sentença aqui em anexo como doc. ..., transitada em julgado, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11. Essa Sentença, relativa à correcção em causa e ao exercício de 1991, julgou a respectiva Impugnação Judicial integralmente procedente e anulou a correcção em questão.
12. Não tendo a FP recorrido dessa douta Sentença.
13. Nos exercícios subsequentes (1992 a 1996, inclusive), designadamente nos exercícios aqui em causa (1992, no caso do douto Acórdão recorrido; 1993, no caso do douto Acórdão fundamento), a AT replicou a mesma correcção, nos seus precisos termos e fundamentos, de facto e de Direito,
14. reproduzindo ipsis verbis o texto dos relatórios inspectivos dos exercícios anteriores, limitando-se a quantificar/calcular a correcção – diferença entre a taxa de amortização que, segundo a AT, deveria ser aplicada (2%), e a taxa de amortização que a Recorrente aplicou (18,18%).
15. Assim, designadamente quanto aos exercícios aqui em confronto (1992 e 1993), estamos perante uma total identidade de factos, Direito e partes.
16. Sendo certo que, relativamente a todos os exercícios em questão (1991 a 1996, inclusive), a mesma correcção foi sempre anulada por doutas decisões judiciais transitadas em julgado (Sentenças/Acórdão do TCAS), cujas cópias aqui se juntam como docs. ... a ... e cujo teor, por brevidade de exposição, se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – com a ÚNICA excepção do exercício de 1992 e do Acórdão aqui recorrido.
17. Com efeito, o douto Acórdão aqui recorrido está em contradição com toda a demais Jurisprudência concreta sobre o tema (cfr. docs. ... a ...), designadamente com o douto Acórdão fundamento (cfr. doc. ...).
18. Exactamente sobre a mesma questão, toda a Jurisprudência, designadamente o douto Acórdão fundamentou, anulou as respectivas correcções aos exercícios correspondentes, julgando as respectivas Impugnações Judiciais procedentes.
19. Por sua vez, o douto Acórdão aqui recorrido entendeu, sobre a mesmíssima questão, que deveria ser mantida a correcção em causa, julgando a presente Impugnação Judicial improcedente.
20. Existe, pois, contradição entre os doutos Acórdãos do TCAS em confronto, sobre a mesmíssima questão fundamental de Direito.
Quanto ao erro de julgamento do Acórdão recorrido,
21. Desde logo, verifica-se que o douto Acórdão recorrido viola o caso julgado.
22. Com efeito, tal como se deduz do acima referido, a correcção aqui concretamente em causa (ao exercício de 1991) advém/é consequência da correcção das taxas de amortização originariamente feita ao exercício de 1991 – então corrigidas de 18,18%/ano (amortização em 5,5 anos, segundo o contribuinte) para 2%/ano (amortização em 50 anos, segundo a AT).
23. De facto, as correcções feitas na mesmíssima matéria aos exercícios posteriores tiveram cariz estritamente quantitativo, remetendo para a correcção original feita ao exercício de 1991,
24. pois foi neste exercício que o ... abriu/entrou em funcionamento (como resulta da factualidade provada) e a Recorrente, por conseguinte, começou a fazer amortizações.
25. Com efeito, a questão reporta-se/resume-se ao exercício de 1991 e à classificação contabilística então dada pela Recorrente aos encargos com as obras em causa (“imobilizações incorpóreas”, ao invés de “imobilizações corpóreas”).
26. As amortizações e respectivas correcções aos exercícios subsequentes (1992 a 1996, inclusive) são mera consequência quantitativa das taxas de amortização aplicadas (18,18%/imobilizações incorpóreas vs. 5%/imobilizações corpóreas) - por sua vez consequência da classificação contabilística dos encargos no exercício de 1991.
27. Ou seja, existe uma relação de causa/efeito entre a correcção originariamente feita ao exercício de 1991 e todas as correcções feitas na mesma matéria aos exercícios subsequentes – designadamente ao exercício de 1992, aqui em causa.
28. Sendo certo que a correcção originariamente feita ao exercício de 1991 foi anulada por douta Sentença transitada em julgado, como acima se referiu (cfr. doc. ... aqui em anexo – cujo teor, por brevidade de exposição, se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
29. Sendo certo, como se disse, que a FP não recorreu dessa douta Sentença.
30. Por conseguinte, o douto Acórdão aqui recorrido viola o caso julgado formado por esta douta Sentença.
31. Com efeito, as partes, pedido e causa de pedir são as mesmas (cfr. artigo 581º do CPC).
32. Sendo certo que, nos termos do artigo 619º nº 1 do CPC (Valor da sentença transitada em julgado), “1 — Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º.”.
33. Já para não falar na circunstância do douto Acórdão recorrido estar em contradição com TODA a Jurisprudência sobre a concreta questão em apreço – como se deduz do acima referido e das decisões judiciais aqui juntas.
34. Sendo certo que, nos termos do artigo 580º nº 2 do CPC, “Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”.
35. O que no presente caso foi manifestamente atropelado, como se evidenciou.
36. Por essa via, o douto Acórdão recorrido viola os princípios da segurança e estabilidade jurídicas e as inerentes protecção da confiança e legítimas expectativas do contribuinte – ínsitos no primado do Estado de Direito democrático (cfr. artigo 2º da CRP).
37. Com efeito, seria totalmente desprovido de sentido que a mesma questão tivesse sido judicialmente decidida num determinado sentido, favorável ao contribuinte, relativamente a todos os 6 exercícios em questão (1991 a 1996, inclusive) - com a única excepção de 1 exercício (1992), aqui em causa.
38. Sendo certo, como se disse, que a questão é exactamente a mesma em todos os exercícios.
Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio,
39. O douto Acórdão recorrido padece de erro de julgamento.
40. Desde logo, quando pressupõe e sufraga taxas de amortização duodecimais mensais.
41. Com efeito, não estão em causa quaisquer taxas de amortização duodecimais mensais, seja de 18,18%, seja de 2%.
42. Como se retira dos sinais dos autos, designadamente da factualidade provada, o que está em causa são taxas de amortização anuais – a Recorrente aplicou a taxa de amortização anual de 18,18% e a AT corrigiu-a para 2% ao ano.
Por outro lado,
43. Contrariamente ao decidido no douto Acórdão recorrido, não tem qualquer base legal ou factual o entendimento da AT no sentido de que a Recorrente deveria ter considerado os encargos em questão (contrapartidas suportadas junto das sobreditas entidades públicas, imprescindíveis ao licenciamento/construção/funcionamento do ...) em 50 anos, numa percentagem equivalente a 2% ao ano,
44. muito menos por equiparação, como entende a AT, à amortização do edifício - esta, sim, efectuada àquela taxa de 2% ao ano, de acordo com o Decreto-Regulamentar nº 2/90, de 12/1, dado que o edifício constitui indiscutivelmente imobilizado corpóreo.
45. Com efeito, os encargos em questão, suportados com obras (estradas, acessos e vias públicas, essencialmente) que reverteram para o domínio público, não integram o “edifício” do ..., tão pouco constituem “imobilizado corpóreo” da Recorrente – desde logo, porque não lhe pertencem, como ficou provado.
46. Como resulta da factualidade provada, as infraestruturas em causa pertencem à CMC e à extinta JAE, pelo que as mesmas pertencem ao domínio público, não tendo a Recorrente qualquer disponibilidade/utilização sobre as mesmas.
47. Por conseguinte, não fazem parte do imobilizado corpóreo da Recorrente.
48. De facto, a ficção/equiparação preconizada pela AT (equiparação dos (i) encargos com as obras públicas em causa ao (ii) edifício de “per si”) é discricionária, não tendo fundamento factual ou jurídico.
49. E não ficou provado que aqueles encargos representassem “um acréscimo do próprio edifício”.
50. O que ficou provado foi outrossim que esses encargos eram perfeitamente dissociáveis e autónomos do edifício – desde logo, porque as respectivas obras reverteram para o domínio público, ao contrário do edifício, que se manteve na esfera/propriedade da Recorrente.
51. Razão pela qual esses encargos não podem representar “um acréscimo do próprio edifício - como entende a AT e o douto Acórdão recorrido erradamente sufraga.
52. Por outro lado, a dedução fiscal dos encargos em causa, distribuindo-os por um período de 5,5 anos (ao invés da sua dedução fiscal num único exercício – em que foram incorridos), tem inteira justificação face à elevada magnitude dos encargos em questão,
53. e tendo em conta que estão em causa custos indispensáveis à obtenção dos proveitos, à luz do disposto no artigo 23º do CIRC - já que constituíram contrapartida do licenciamento do ....
54. Os custos diferidos são custos e não imobilizado, como é óbvio.
55. Com efeito, são realidades totalmente distintas: os custos diferidos são custos dos exercícios a que respeitam; as imobilizações/imobilizado são activo.
56. Como também é óbvio, apenas as imobilizações/imobilizado são passiveis de amortização ao longo de vários exercícios.
57. As imobilizações/imobilizado não são custo – outrossim, o respectivo custo expressa-se ao longo de vários exercícios, por via das respectivas amortizações (essas, sim, custo contabilístico e fiscal) ao longo dos vários anos do período de imobilização.
58. Os custos diferidos não são passíveis de amortizações, como é óbvio.
59. O que está em causa são encargos de que a Recorrente teve de suportar e que "… devem, contudo, ser consideradas como custos, em partes iguais, em mais do que um exercício, as despesas ou encargos de projecção económica plurianual, sendo aquela repartição feita durante um período mínimo de três anos ...", (cfr. artigo 17º nº 4 do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12/1).
60. De resto, as infraestruturas em causa, fazendo parte do domínio público, devem, outrossim, ser contabilizadas no activo imobilizado corpóreo da autarquia - de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL) (cfr. Decreto-Lei nº 54-A/99, de 22 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 162/99, de 14 de Setembro),
61. não fazendo qualquer sentido que as mesmas infraestruturas integrem, simultaneamente, o activo imobilizado corpóreo de duas entidades diferentes – uma pública e uma privada.
62. Aliás, o POCAL tem regras próprias para valorimetria de imobilizações de bens do activo imobilizado das autarquias obtidos a título gratuito – como é o caso (Cfr. Ponto 4.1.4 do Decreto-Lei nº 54-A/99).
Assim,
63. O douto Acórdão recorrido padece de erro de julgamento, violando as sobreditas disposições legais.
64. Aliás, no sentido aqui propugnado pela Recorrente, veja-se o douto Parecer do Ministério Público de fls. 381, junto do TCAS, que acompanhou a argumentação do douto Parecer do Ministério Público de 1ª Instância – ambos no sentido da ilegalidade da correcção em questão.
Quanto às nulidades,
65. Conforme resulta da PI, a Recorrente solicitou aí, in fine, que o valor do processo fosse “a determinar pelos serviços competentes da Administração Fiscal, nos termos do artigo 108º nº 2 do CPPT, apurando-se o montante de imposto correspondente a uma correcção à matéria tributável de 158.970.279$00 (Euros 792.940,41).”.
66. Ora, como resulta dos sinais dos autos, não só (i) nunca foi definido o valor deste processo, como (ii) nunca foi admitido aquele pedido da Recorrente – de que fosse a AF a determinar o valor do processo, nos termos do artigo 108º nº 2 do CPPT.
67. Por conseguinte, ora estamos perante uma (i) nulidade do douto Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 d) e nº 4 do CPC.
68. Sendo certo que a determinação do valor do processo não estava prejudicada apreciação das demais questões.
69. E que, nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
70. Ou, alternativamente, estamos perante uma (ii) nulidade processual, por omissão indevida da sobredita diligência, nos termos do artigo 108º nº 2 do CPPT, destinada a determinar o valor do processo – nos termos e com as consequências do disposto no artigo 195º do CPC.
Sem prescindir – dispensa do remanescente da taxa de justiça
71. Nos termos do artigo 6º nº 7 do RCP, justifica-se in casu a dispensa do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor do processo excedente a € 275.000,00.
72. Com efeito, a douta decisão proferida nos presentes autos não se revestiu de elevado grau de complexidade.
73. Como acima se referiu, já existia abundante Jurisprudência sobre a mesmíssima questão.
74. Não foram apresentadas alegações escritas pré-sentenciais, não havendo mais articulados, para além da PI e da contestação.
75. Não foram apresentados articulados ou requerimentos prolixos.
76. Não estavam em causa questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou a análise de questões jurídicas diferenciadas.
77. Pelo que o processo revelou-se de reduzida complexidade, à luz dos critérios legais elencados nas alíneas a) a c) do nº 7 do artigo 530º do CPC.
78. Por outro lado, a Impugnante/Recorrente já suportou taxa de justiça elevada em virtude do respectivo “impulso processual”, conforme resulta dos sinais dos autos – que já se mostra suficientemente “proporcional” à complexidade do processo.
79. Mais ainda, a conduta processual das partes foi exemplar.
80. De modo que exigir custas pelo valor do processo excedente a € 275.000,00, mostra-se desproporcionado e violador dos princípios da proporcionalidade e igualdade.
81. O artigo 6º nº 7 do RCP, na interpretação segundo a qual o volume da taxa de justiça se determina exclusivamente em função do valor processual da causa (sem qualquer limite máximo, pois), deve declarar-se materialmente inconstitucional por violação dos ditos princípios constitucionais da proporcionalidade de justiça (artigo 266º nº 2 da CRP).
82. Por conseguinte, deve ser concedida a dispensa de taxa de justiça correspondente ao remanescente do valor do processo excedente a € 275.000,00.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., reconhecendo a existência da sobredita contradição, anulando o douto Acórdão recorrido e substituindo-o por Acórdão que julgue a Impugnação Judicial procedente, com a consequente anulação dos actos tributários impugnados e as demais consequências legais, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA.

A Magistrada do Ministério Público, junto do Supremo Tribunal Administrativo veio apresentar contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:

1º No caso em apreço, à data da apresentação da petição de recurso, em 01-09-2020, já se encontrava ultrapassado o prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do Acórdão recorrido, previsto no artigo 284º,n1 do CPPT, mesmo considerando a aplicação do disposto no artº 139º CPC relativamente à prática de acto fora de prazo, o que obsta ao conhecimento do mérito do recurso por ser extemporâneo;
2º Com efeito, o artigo 7º da Lei nº 1-A/2020 de 19/03/2020 que foi alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 06 de Abril (art. 2.º), produzindo efeitos retroativos a 09-03-2020 (com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes) e que mandava aplicar aos actos processuais (e procedimentais) que devessem ser praticados no âmbito dos processos (e procedimentos) que corressem termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, foi revogado pelo artigo 8º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que procedeu à revogação parcial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, originando como consequência a cessação da suspensão dos prazos judiciais e dos prazos administrativos;
3º Cessou, assim, a suspensão extraordinária dos prazos até então vigentes, no âmbito de todos os tipos de processos judiciais (urgentes e não urgentes), tendo a contagem dos referidos prazos sido retomada a partir do quinto dia a contar da publicação do diploma - 3.6.2020 - , como resulta do artigo 10º da citada Lei n.º 16/2020;
4º O douto Acórdão recorrido foi proferido em 05-03-2020 e a Impugnante, ora recorrente, assim como as demais partes, foram dele notificadas através de notificação electrónica efectuada em 06-03-2020;
5º Tendo em conta o disposto no artigo 248º, nº1 do CPC, a notificação (electrónica) considera-se efectuada no dia 11-03-2020 (7 e 8 – sábado e domingo);
6º Não havendo noticia nos autos de ter havido reclamação ou sido interposto recurso, o trânsito em julgado do douto Acórdão recorrido ocorreu em 24-04-2020;
7º Considerando-se estar suspenso o prazo de 30 dias para a prática do acto de interposição do recurso para uniformização de jurisprudência a partir de 25-04-2020, a contagem daquele prazo é retomada a partir de 3.06.2020, tendo o seu término ocorrido em 03-07-2020 e podendo o recurso ser apresentado até 8 de Julho de 2020, ao abrigo do disposto no artigo 139º do CPC;
8º Tendo o recurso sido apresentado em 01-09-2020, através de email (cfr., designadamente, douto despacho proferido em 13-10-2020) já havia decorrido o prazo de 30 dias previsto no nº1 do artigo 284º do CPPT;
9º Em consequência, salvo melhor juízo, não se poderá conhecer do mérito do recurso por ser extemporâneo.

O recorrente A..., SA, notificado das contra-alegações supra, veio expor o seguinte:

1. O douto Acórdão do TCAS recorrido, de 05.03.2020, foi notificado à Recorrente em 09.03.2020, conforme resulta dos sinais dos autos e do artigo 248º do CPC.
2. Os prazos legais estiveram suspensos entre 09.03.2020 e 02.06.2020, inclusive, reiniciando a sua contagem em 03.06.2020 (artigos 7º nº 1 e 10º da Lei 1-A/2020, de 19/3; 8º e 10º da Lei 16/2020, de 29/5).
3. Daquele Acórdão poderia ser interposto recurso de revista no prazo de 30 dias, nos termos dos artigos 282º nº 1 e 285º do CPPT.
4. O recurso de revista previsto no artigo 285º do CPPT é um recurso ordinário: “O recurso de revista vem inserido no CPTA no capítulo II (recursos ordinários), do título VII (recursos jurisdicionais), mais concretamente no art. 150º, tratando-se, portanto, de um recurso ordinário. Ac. Do STA de 26/05/2010, Proc. N.º 097/10: “Embora de natureza ordinária, o recurso de revista previsto no art.º 150.º do CPTA não pode ser utilizado, dado o seu carácter excecional, como arguição de nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, devendo a mesma ser arguida em reclamação no tribunal a quo, nos termos do art. 668, n.º 3 do CPC.”. “No mesmo sentido, vide também, Ac. do STA de 12/01/2012, proc. n.º 0899/11. “Embora de natureza ordinária, o recurso de revista previsto no art. 150 do CPTA não pode ser utilizado, dado o seu carácter excecional, como arguição de nulidades da sentença recorrida, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação no tribunal a quo, nos termos do art. 668, n.º 3 do CPC.” – cf. Ac. do STA de 13/07/2011, proc. N.º 0370/11, de 23/04/2014, proc. n.º 01938/13.” (cfr. Cristina Flora e Margarida Reis, in “Recursos no Contencioso Tributário”, págs. 142 e 143).
5. Nos termos do artigo 628º do CPC, “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
6. Por conseguinte, o douto Acórdão recorrido transitou em julgado em 02.07.2020.
7. De acordo com o artigo 284º nº 1 do CPPT, o presente recurso para uniformização de jurisprudência devia ser interposto “no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão impugnado”.
8. Por conseguinte, este recurso para uniformização de jurisprudência podia ser apresentado até 17.09.2020, já que o prazo esteve suspenso entre 16.07.2020 e 31.08.2020, nos termos do artigo 138º nº 1 do CPC (férias judiciais, cfr. artigo 28º da Lei nº 62/2013, de 26/8).
9. Ora, tendo o presente recurso sido interposto em 01.09.2020, é manifesto que o mesmo foi apresentado dentro do tempo.
Nestes termos, contrariamente ao entendimento do MP, o presente recurso para uniformização de jurisprudência foi apresentado tempestivamente.

Em resposta ao requerimento da recorrente, a Magistrada do Ministério Público veio pronunciar-se conforme se segue:

Pese embora os argumentos invocados pela Recorrente no requerimento apresentado em 28-04-2022, continuamos a entender, salvo o devido respeito, que é muito, que o recurso não foi apresentado no prazo estabelecido no nº1 do artigo 284º do CPP, apesar de constarmos, agora, ter sido manifestamente errada e desadequada a forma como se explicitou a fundamentação por nós desenvolvida, nomeadamente, a partir do 5º parágrafo das nossas Contra-Alegações, do que nos penitenciamos.
Na verdade, no caso em apreço está em causa um recurso para um tribunal superior cujo prazo de interposição não foi suspenso pelas Leis 1-A/2020 de 19/03/2020 e nº 4-A/2020, de 06 de Abril, nem pelas posteriores emitidas no âmbito do período pandémico, uma vez que não se verifica ter a Recorrente nomeado na petição de recurso qualquer das circunstâncias impeditivas previstas nos diplomas legais que estabeleceram o regime excepcional da prática dos actos processuais decorrente da legislação sobre o Estado de Emergência.
Com efeito, o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 estabeleceu diversas regras sobre os ―prazos e diligências‖ mas impôs excepções como resulta do seu teor, na sua versão originária, que era a seguinte:
“Artigo 7.º
Prazos e diligências
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública. (sublinhado nosso)
2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.
3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
5 - Nos processos urgentes os prazos suspendem-se, salvo nas circunstâncias previstas nos n.ºs 8 e 9.
6 - O disposto no presente artigo aplica -se ainda, com as necessárias adaptações, a: a)-Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;
b)-Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, e respetivos atos e diligências que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;
c)-Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares.
7 - Os prazos tributários a que se refere a alínea c) do número anterior dizem respeito apenas aos atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de atos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários.
8 - Sempre que tecnicamente viável, é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada. (sublinhado nosso)
9 - No âmbito do presente artigo, realizam-se apenas presencialmente os atos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
10 - São suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.
11 - Após a data da cessação da situação excecional referida no n.º 1, a Assembleia da República procede à adaptação, em diploma próprio, dos períodos de férias judiciais a vigorar em 2020”.
Por outro lado, a Lei n.º 4-A/2020 veio alterar o artº 7º da Lei 1-A/2020, dispondo que os actos e procedimentos previstos no nº 1 do artº 7º ficam “suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”, excepcionando-se os processos urgentes que continuam a ser tramitados (nº 7) e excluindo-se ainda do âmbito de aplicação da suspensão dos actos e procedimentos previstos no nº 1, os seguintes casos:
- tramitação dos processos e prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes, quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
- prolação de decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades entendam não ser necessária a realização de novas diligências.
A nova redação produziu efeitos retroativos a 09-03-2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes, cuja produção de efeitos se iniciou no dia 07-04-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020 (cfr. artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020).
Acresce que do confronto entre a versão inicial da Lei nº 1-A/2020, a redação que veio a ser introduzida pela Lei 4-A/2020 bem como da redação introduzida pela Lei 4-B/2021, resulta a intenção do legislador no sentido de assegurar nos processos judiciais em que não existissem actos e diligências presenciais a praticar, a sua continuação e nos demais a possibilidade da sua realização se existissem meios técnicos para tal e concordância dos seus intervenientes, deste modo procurando satisfazer o cumprimento das medidas sanitárias devido à pandemia de SARS Cov 2 e da doença de Covid 19. (cfr., nomeadamente, douto Acórdão do STA proferido em 02-02-2022 no processo 0332/13.8BEFUN).
E a Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio que procedeu à revogação parcial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, fazendo cessar a suspensão dos prazos judiciais e dos prazos administrativos, em nada belisca o que atrás se aludiu quanto à anterior previsão das excepções quanto à suspensão dos prazos em relação às medidas aplicadas de resposta à pandemia da doença COVID-19.
Da análise da tramitação dos presentes autos, através do SITAF, verifica-se que:
- o douto Acórdão recorrido foi proferido em 05-03-2020 e a Impugnante, ora recorrente, assim como as demais partes, foram dele notificadas através de notificação electrónica efectuada em 06-03-2020 (portanto, antes de 9-03-2020);
- tendo em conta o disposto no artigo 248º, nº1 do CPC, a notificação (electrónica) considera-se efectuada no dia 11-03-2020 (7 e 8 – sábado e domingo);
- o prazo de 10 dias (acrescido dos 3 dias ao abrigo do disposto no artigo 139º, nº5 do CPC) para requerer a rectificação e reforma do douto Acórdão ocorreu em 24-03-2020;
- Apesar do recurso de revista ser um recurso excepcional, interpretando o artigo 628º do CPC como nele se integrando tal recurso, temos que o prazo de 30 dias inicia a sua contagem em 25 de Março de 2020, mantendo-se até 04 de Abril – 11 dias- (data em que ocorre a sua interrupção, por força das férias judiciais da Páscoa, até 13 da Abril) e prosseguindo a contagem a partir de 14 de Abril até ao seu término que ocorre em 04 de Maio de 2020 (02/sábado), embora tenha que acrescer 3 dias nos termos do nº5 do artigo 139º do CPC, pelo que o trânsito do douto Acórdão ocorreu em 08-05-2020.
- Tendo o douto Acórdão de que se pretende recorrer transitado em julgado em 08-05-2020, o prazo de 30 dias estabelecido no nº1 do artigo 284º do CPPT terminou em 08-06-2020 (07/domingo), podendo ainda o recorrente beneficiar do prazo previsto no nº5 do artº 139º do CPC, que terminou em 11.06.2020.
Tendo a petição de recurso sido apresentada em 01-09-2020, já se encontrava há muito ultrapassado o prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do Acórdão impugnado como estabelecido no artigo 284º,n1 do CPPT.
Em consequência, salvo melhor juízo, atendendo à especificação acima efectuada, continua a verificar-se não ter o recurso interposto observado o prazo estabelecido no nº1 do artigo 284º do CPPT (como se havia concluído nas Contra-Alegações apresentadas, embora com outra fundamentação) pelo que não deverá o STA conhecer do mérito do recurso.

A esta promoção do MP, a recorrente A..., SA, veio dizer o seguinte:

1. Dá-se por integralmente reproduzido tudo quanto foi alegado no requerimento apresentado pela Recorrente em 28.04.2022.
Acrescendo o seguinte:
2. Veio agora o MP considerar que o prazo do presente recurso “(…) não foi suspenso pelas Leis 1-A/2020 de 19/03/2020 e nº 4-A/2020, de 06 de Abril, nem pelas posteriores emitidas no âmbito do período pandémico, uma vez que não se verifica ter a Recorrente nomeado na petição de recurso qualquer das circunstâncias impeditivas previstas nos diplomas legais que estabeleceram o regime excepcional da pratica dos actos processuais decorrente da legislação sobre o Estado de Emergência.” (sublinhado nosso).
3. Ora, como resulta dessa legislação, a suspensão de prazos legais nela estabelecido operou ope legis, por força/imposição de lei, não impondo que a parte nomeasse/invocasse qualquer “circunstância impeditiva”.
4. Com efeito, por determinação dos artigos 7º nº 1 e 10º da Lei 1-A/2020, de 19/3, e 8º e 10º da Lei 16/2020, de 29/5, os prazos legais, designadamente de recurso jurisdicional, estiveram suspensos entre 09.03.2020 e 02.06.2020, inclusive, reiniciando a sua contagem em 03.06.2020.
Nestes termos, contrariamente ao entendimento do MP, o presente recurso para uniformização de jurisprudência foi apresentado tempestivamente.
*

Os autos vêm à conferência do Pleno satisfeitos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

2.1.1. No acórdão recorrido foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) Em 28.05.1995, a Impugnante entregou a Declaração Mod. 22 de IRC, referente ao exercício de 1992, declarando um prejuízo fiscal de 562.058 875$00, de que resultou a liquidação nº ……….. de 07.07.1993, com um reembolso de 514.411$00. (Doc. .... fls. 17 dos autos de reclamação graciosa)
B) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ...... de OS.08.1995 foi efectuado exame à escrita do exercício de 1992, na sequência do qual foi elaborado o Relatório Final do qual se destaca:
"1991
4.2.2. REINTEGRAÇÕES E AMORTIZAÇÕES
Como já foi referido anteriormente, a empresa classificou como IMOBILIZAÇÕES INCORPÓREAS, os encargos com a construção das vias de comunicação adjacentes ao empreendimento, no montante de 907.659 contos que são amortizados à taxa de 18%18 correspondente ao período de vida útil de 5.5 anos conforme mapa de amortizações em anexo n.º 4 .
Em nossa opinião, não nos parece estes procedimento o mais adequado, dão que aquele activo não se enquadra nas disposições do DR n.º 2/90 de 12 de Janeiro, nomeadamente no n.º2 do art. 17º em que estas imobilizações incorpóreas correspondem às rubricas 431, 432 e 433 do POC, pelo que, consideramos como mais adequado contabilizar na conta de CUSTOS DEFERIDOS.
Do ponto de vista contabilístico amortizar em 5,5 anos ou contabilizar em custos diferidos pelo mesmo período, não altera os resultados, no entanto levanta-se a questão será este o período correcto? Em nossa opinião, parece-nos que não pelo seguinte motivo: A empresa assume estes custos como fazendo parte do custo do próprio edifício, isto é, ao alienar as quatro fracções autónomas do ... considera no seu valor de aquisição uma determinada percentagem (de acordo com a área de cada uma) de custos levados a Imobilizações Incorpóreas, conforme se pede verificar no mapa das mais valias e menos valias fiscais, em anexo n.º5.
Por outro lado, e como já foi referido anteriormente, estes custos dizem respeito a contrapartidas que a empresa teve de efectuar e como tal não vão ser utilizados na sua actividade, mas sim, representam um acréscimo do próprio edifício. " (.. .)
1992
6- ANÁLISE DAS CONTAS DE RESULTADOS
6.1 - REINTEGRAÇÕES E AMORTIZAÇÕES
Considerando os pressupostos referidos para 1991, e conforme mapa de reintegrações em anexo n.º 7, iremos efectuar a seguinte correcção:
991 057 911$x2%= 18 381 158$
CUSTO DECLARADO 187 101 437$
CUSTO NÃO ACEITE 148 720 279$"
6.2- INDEMNIZAÇÕES - 69.8.7.2
Encontra-se contabilizado nesta subconta o montante de 10.250.000$00 referente a indemnizações por infiltrações de águas à "P……….. SA", conforme documentos em anexo n.º 8.
Atendendo ao disposto na al.e) do art. 41 º do CJRC, a indemnização paga em causa resulta de um evento cujo risco é susceptível de ser objecto de contrato de seguro, pelo que deveria ter sido acrescido ao quadro 17 da decl. Mod. 22. (Doc. fls. 60/75 dos autos de reclamação graciosa)
C) Com base nas correcções efectuadas a Administração Fiscal com referência ao exercício de 1992 corrigiu o prejuízo declarado de 562.058 873$00 para 403.078 594$00. (Doc. fls. 60/75 dos autos de reclamação graciosa)
D) Em 06.12.1996, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º …………. sem qualquer imposto a pagar. (Doc. fls. 22 dos autos de reclamação graciosa)
E) Em, 30.12.1996, a Impugnante recepcionou o acto de liquidação a que alude a al. F) do probatório através da "Nota de Demonstração" junta à p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. (art. 1° da P.I.)
F) Em 26.03.1997, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC a que alude a al. E) do probatório. (Doc. fls. 2/8 dos autos de reclamação graciosa)
G) Em 27.02.2002, a Impugnante foi notificada do despacho de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa a que alude a al. F) do probatório. (Doc. fls. 51/53 dos autos de reclamação graciosa)
H) Dá-se como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais o Mapa das Mais e Menos Valias Fiscais. (Doc. fls. 43 dos autos de reclamação graciosa)
I) Em 14.03.2002, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)
MOTIVAÇÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto de efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.
FACTOS NÃO PROVADOS
A Impugnante pese embora notificada para, juntar aos autos cópia do contrato de Seguro não procedeu à junção do determinado.
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
As demais asserções da douta petição constituem meras considerações pessoais, conclusões de facto e/ou direito ou são inócuos para a boa decisão da causa.

2.1.2. No acórdão fundamento proferido no processo n.º 08620/15, proferido no TCAS em 08/10/2015, foram dados como provados os seguintes factos:

1-Em 1993, a sociedade impugnante, “S…. - Empreendimentos …………, S.A.”, com o n.i.p.c. …………., exercia a actividade de "Compra e venda, arrendamento, exploração e gestão de bens imóveis e de estabelecimentos comerciais, prestação de serviços conexos", com o CAE 70120 (cfr.cópia de relatório da inspecção junta a fls.24 a 30 dos presentes autos);
2-Em 14/05/1991, foi assinado por representantes da Câmara Municipal de Cascais, da Junta Autónoma das Estradas, de "M……. C……….. – H………, S.A.", de "S…..- Empreendimentos ………, S……, S.A." e de "S…….. Imobiliária, ……………………, S……., S.A.", o escrito denominado "PROTOCOLO" mediante o qual a impugnante se comprometeu a executar e suportar por sua conta diversas obras de comunicação rodoviária e correspondentes infra-estruturas melhor identificadas no referido documento sobre bens do domínio público (cfr.documento junto a fls.53 a 58 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3-Em cumprimento da ordem de serviço nº....67, de 29/04/1998, foi desenvolvida acção de inspecção à impugnante com referência ao exercício de 1993, tendo sido efectuadas correcções, além do mais, com a seguinte fundamentação:
“(...)
Reintegrações e Amortizações
Relativamente às amortizações de imobilizado incorpóreo, como já foi dito no ponto 1.2 deste relatório, já se procedeu à correcção nos exercícios de 1991 e 1992.
Também no exercício de 1993 vai-se proceder à respectiva correcção, uma vez que a empresa classificou como Imobilizações Incorpóreas, os encargos com a construção das vias de comunicação adjacentes ao empreendimento, os quais amortizou à taxa de 18,18% e 28,57%. A empresa assume estes custos como fazendo parte do custo do próprio edifício. No entanto, estes custos dizem respeito a contrapartidas que a empresa teve de efectuar, como tal não vão ser utilizados na sua actividade, representando sim um acréscimo do próprio edifício, pelo que as taxas de amortização correctas serão as de 2%.
Assim, para 1993, e conforme mapa de reintegrações em anexo n° 1, iremos efectuar a seguinte correcção:
982 621931$ X 2% = 19 652 438$
CUSTO DECLARADO 185 262 586$00
CUSTO NÃO ACEITE 165 610 148$00 (€ 826.059,93)
(...)"
(cfr.cópia de relatório da inspecção junta a fls.24 a 30 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4-Através do ofício nº....18 de 18/11/1998, foi a impugnante notificada dos fundamentos das correcções mencionadas no número anterior (cfr.documentos juntos a fls. 20 a 24 do processo administrativo apenso);
5-Em 5/11/1998 foi emitida em nome da impugnante a liquidação de IRC do exercício de 1993 com o nº……………., que não gerou imposto a pagar mas provocou alteração nos prejuízos fiscais do exercício no montante de 165.610.148$00, passando estes de 326.804.831$00, declarados pela impugnante, para 161.194.683$00 (cfr.documentos juntos a fls.17 e 19 a 23 dos autos);
6-Em 10/03/1999 a impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação mencionada no número anterior, a qual foi instaurada no 1º. Serviço de Finanças de Cascais sob o n° ……………… (cfr.documentos juntos a fls.1 a 9 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
7-Em 14/03/2003 a reclamação graciosa identificada no número anterior foi indeferida (cfr.documentos juntos a fls.35 e 36 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
8-A impugnante foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 20/03/2003 (cfr.documentos juntos a fls.37 a 39 do processo de reclamação graciosa apenso);
9-A impugnante apresentou a presente impugnação judicial em 4/04/2003 (cfr.data de entrada aposta a fls.2 dos presentes autos).

*

2.2.- Motivação de Direito

2.2.1.- Da questão prévia da extemporaneidade do recurso

Prioritariamente, cumpre conhecer da questão prévia suscitada pelo Ministério Público: extemporaneidade do recurso pelos fundamentos que acima ficaram expostos e sobre a qual foi amplamente exercido o contraditório.
No fundamental e sem prejuízo de posteriormente se proceder a um melhor desenvolvimento das razões aduzidas nesse sentido, sustenta o EPGA que o recurso é extemporâneo pois, à data da apresentação da respectiva petição, em 01-09-2020, já se encontrava ultrapassado o prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do Acórdão recorrido, previsto no artigo 284º, nº1 do CPPT, mesmo considerando a aplicação do disposto no artº 139º CPC relativamente à prática de acto fora de prazo, o que obsta ao conhecimento do mérito do recurso por ser extemporâneo. Isso porque no caso em apreço está em causa um recurso para um tribunal superior cujo prazo de interposição não foi suspenso pelas Leis 1-A/2020 de 19/03/2020 e nº 4-A/2020, de 06 de Abril, nem pelas posteriores emitidas no âmbito do período pandémico, uma vez que não se verifica ter a Recorrente nomeado na petição de recurso qualquer das circunstâncias impeditivas previstas nos diplomas legais que estabeleceram o regime excepcional da prática dos actos processuais decorrente da legislação sobre o Estado de Emergência.
Adversamente e no essencial, defende a recorrente que, por determinação dos artigos 7º nº 1 e 10º da Lei 1-A/2020, de 19/3, e 8º e 10º da Lei 16/2020, de 29/5, os prazos legais, designadamente de recurso jurisdicional, estiveram suspensos entre 09.03.2020 e 02.06.2020, inclusive, reiniciando a sua contagem em 03.06.2020 pelo que o recurso foi tempestivamente interposto.
Vejamos.
Em termos comezinhos, está em causa saber se o recurso pode, ou não, considerar-se tempestivo, o que passa por aferir se o prazo para a apresentação do recurso se suspendeu entre 9 de Março e 2 de Junho de 2020 por força do disposto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.
Assim e desde logo, não se aceita que as leis então em vigor relativas à situação epidemiológica excepcionassem da suspensão dos prazos a prática de actos realizáveis por meios informáticos pois isso só sucedeu em 2021, com o aditamento do artigo 6.º-B ao diploma citado.
Com efeito, o acórdão de 2/02/2022, proferido no processo 0332/13.8BEFUN, invocado pelo Ministério Público, refere-se precisamente a uma situação em que já tinha sido aditado aquele artigo 6.º-B, pelo que, salvo melhor entendimento, não terá aplicação no caso destes autos e, por isso, à face da legislação aplicável, o prazo para o recurso esteve suspenso entre 9 de Março de 2020 e 2 de Junho de 2020.
É o que emerge da aplicação do entendimento firmado, entre outros, no dito acórdão do STA de 02-02-2022, prolatado no recurso nº 0332/13.8BEFUN, consultável em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e1c478745b8df007802587de004bcdc2?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1, onde se plasmou, para além do mais e ao que ao caso importa:
«Em resumo, nos termos da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, para além do mais, aditando-lhe o art. 6.º-B, resulta que o legislador, nesse momento de combate à pandemia, quis proceder de forma diversa da actuação ocorrida na primeira fase daquele combate: enquanto na primeira fase, suspendeu os prazos, nesse momento determinou que nos tribunais superiores os processos não urgentes prosseguiriam a não ser que fosse necessário a realização de actos presenciais, bem como determinou que devia ser proferida a decisão final nos processos e, nesse caso, os prazos de interposição de recurso não se suspendiam».
Destarte, é forçoso concluir que o prazo para interposição de recurso de uniformização de jurisprudência consagrado no art. 284.º do CPPT, foi suspenso por força do disposto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pelo que o presente recurso não é extemporâneo.
Assiste, pois, razão à recorrente porquanto:
-O Acórdão do TCAS recorrido, de 05.03.2020, foi notificado à Recorrente em 09.03.2020, conforme resulta dos sinais dos autos;
-Os prazos legais estiveram suspensos entre 09.03.2020 e 02.06.2020, inclusive, reiniciando a sua contagem em 03.06.2020 (artigos 7º nº 1 e 10º da Lei 1-A/2020, de 19/3; 8º e 10º da Lei 16/2020, de 29/5);
-Como daquele Acórdão não foi deduzida reclamação nem interposto recurso de revista no prazo de 30 dias, nos termos dos artigos 282º nº 1 e 285º do CPPT, porque nos termos do artigo 628º do CPC, “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”, o Acórdão recorrido transitou em julgado em 02.07.2020.
-De acordo com o artigo 284º nº 1 do CPPT, o presente recurso para uniformização de jurisprudência devia ser interposto “no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão impugnado”, pelo que podia ser apresentado até 17.09.2020, já que o prazo esteve suspenso entre 16.07.2020 e 31.08.2020, nos termos do artigo 138º nº 1 do CPC (férias judiciais, cfr. artigo 28º da Lei nº 62/2013, de 26/8).
-Como o presente recurso foi interposto em 01.09.2020, é manifesto que o mesmo foi apresentado tempestivamente.
Improcede, por isso, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.
*

2.2.2.- Objecto de recurso

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento estão reunidos os pressupostas de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, dado a contradição existente entre ambos os arestos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, que perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, o TCAS já concluiu em sentido diametralmente oposto ao dos presentes autos, não existindo qualquer fundamento para a inversão deste entendimento, tendo em conta que nos presentes autos se verificou erro de julgamento, desde logo, quanto à questão de não estarem em causa quaisquer taxas de amortização duodecimais mensais, seja de 18,18%, seja de 2%, mas antes taxas de amortização anuais e, por outro lado, os encargos em questão, suportados com obras (estradas, acessos e vias públicas, essencialmente) que reverteram para o domínio público, não integrarem o “edifício” do ..., tão pouco constituírem “imobilizado corpóreo” da Recorrente – desde logo, porque não lhe pertencem, como ficou provado, não fazendo qualquer sentido que as mesmas infraestruturas integrem, simultaneamente, o activo imobilizado corpóreo de duas entidades diferentes – uma pública e uma privada.

Vejamos.

2.2.2.1.- Da admissibilidade do recurso de uniformização

Importa, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado, aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 284º do CPPT na redacção da lei nº119/2019, de 18/09.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, págs. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, de 11/12/2019, Recurso nº 46/19.5BALSB, de 04-11-2020, Recurso nº 24/20.1BALSB, de 09/12/2020, Recurso nº 43/20.8BALSB e de 20-01-2021, Recurso nº 60/20.1BALSB, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.°3 do artigo 284° do CPPT que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e evocando Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsi.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv)- ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que, quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá de emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.

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2.2.2.2.- Da análise do caso concreto:

No caso posto, seguindo a factualidade fixada nas decisões fundamento e recorrida, a situação de paridade que importa considerar é a seguinte:

(i) -Acórdão Fundamento:

Em 14/05/1991, foi assinado por representantes da Câmara Municipal de Cascais, da Junta Autónoma das Estradas, de "M……. C……….. – H………, S.A.", de "S…..- Empreendimentos ………, S……, S.A." e de "S…….. Imobiliária, ……………………, S……., S.A.", o escrito denominado "PROTOCOLO" mediante o qual a impugnante se comprometeu a executar e suportar por sua conta diversas obras de comunicação rodoviária e correspondentes infra-estruturas melhor identificadas no referido documento sobre bens do domínio público (cfr. ponto 2 do respectivo probatório).
Em cumprimento da ordem de serviço nº....67, de 29/04/1998, foi desenvolvida acção de inspecção à impugnante com referência ao exercício de 1993, tendo sido efectuadas correcções, além do mais, com a seguinte fundamentação:
“(...)
Reintegrações e Amortizações
Relativamente às amortizações de imobilizado incorpóreo, como já foi dito no ponto 1.2 deste relatório, já se procedeu à correcção nos exercícios de 1991 e 1992.
Também no exercício de 1993 vai-se proceder à respectiva correcção, uma vez que a empresa classificou como Imobilizações Incorpóreas, os encargos com a construção das vias de comunicação adjacentes ao empreendimento, os quais amortizou à taxa de 18,18% e 28,57%.
A empresa assume estes custos como fazendo parte do custo do próprio edifício. No entanto, estes custos dizem respeito a contrapartidas que a empresa teve de efectuar, como tal não vão ser utilizados na sua actividade, representando sim um acréscimo do próprio edifício, pelo que as taxas de amortização correctas serão as de 2%.
Assim, para 1993, e conforme mapa de reintegrações em anexo n° 1, iremos efectuar a seguinte correcção:
982 621931$ X 2% = 19 652 438$
CUSTO DECLARADO 185 262 586$00
CUSTO NÃO ACEITE 165 610 148$00 (€ 826.059,93)
(...)"
(cfr. ponto 3 do concernente probatório)
Em suma: nesse aresto estava em causa a correcção de Esc. 148.720.279$00, decorrente da não aceitação como custo fiscal da amortização de encargos de natureza incorpórea correspondentes a obras realizadas como contrapartidas dadas à Câmara Municipal de Cascais e à Junta Autónoma das Estradas.

*

(ii) -Acórdão Recorrido:

Este aresto reporta-se igualmente a correcção, pela mesma empresa (a aqui impugnante e ora recorrente) decorrente da não-aceitação como custo fiscal da amortização de encargos de natureza incorpórea correspondentes a obras realizadas como contrapartidas dadas à Câmara Municipal de Cascais e à Junta Autónoma das Estradas.
Com efeito, em cumprimento de uma Ordem de Serviço foi efectuado exame à escrita do exercício de 1992, na sequência do qual foi elaborado o Relatório Final do qual se destaca:
"1991
4.2.2. REINTEGRAÇÕES E AMORTIZAÇÕES
Como já foi referido anteriormente, a empresa classificou como IMOBILIZAÇÕES INCORPÓREAS, os encargos com a construção das vias de comunicação adjacentes ao empreendimento, no montante de 907.659 contos que são amortizados à taxa de 18,18% correspondente ao período de vida útil de 5.5 anos conforme mapa de amortizações em anexo n.º 4 .
Em nossa opinião, não nos parece estes procedimento o mais adequado, dão que aquele activo não se enquadra nas disposições do DR n.º 2/90 de 12 de Janeiro, nomeadamente no n.º2 do art. 17º em que estas imobilizações incorpóreas correspondem às rubricas 431, 432 e 433 do POC, pelo que, consideramos como mais adequado contabilizar na conta de CUSTOS DEFERIDOS.
Do ponto de vista contabilístico amortizar em 5,5 anos ou contabilizar em custos diferidos pelo mesmo período, não altera os resultados, no entanto levanta-se a questão será este o período correcto? Em nossa opinião, parece-nos que não pelo seguinte motivo: A empresa assume estes custos como fazendo parte do custo do próprio edifício, isto é, ao alienar as quatro fracções autónomas do ... considera no seu valor de aquisição uma determinada percentagem (de acordo com a área de cada uma) de custos levados a Imobilizações Incorpóreas, conforme se pede verificar no mapa das mais valias e menos valias fiscais, em anexo n.º5.
Por outro lado, e como já foi referido anteriormente, estes custos dizem respeito a contrapartidas que a empresa teve de efectuar e como tal não vão ser utilizados na sua actividade, mas sim, representam um acréscimo do próprio edifício. " (.. .)
1992
6- ANÁLISE DAS CONTAS DE RESULTADOS
6.1 - REINTEGRAÇÕES E AMORTIZAÇÕES
Considerando os pressupostos referidos para 1991, e conforme mapa de reintegrações em anexo n.º 7, iremos efectuar a seguinte correcção:
991 057 911$x2%= 18 381 158$
CUSTO DECLARADO 187 101 437$
CUSTO NÃO ACEITE 148 720 279$"
6.2- INDEMNIZAÇÕES - 69.8.7.2
Encontra-se contabilizado nesta subconta o montante de 10.250.000$00 referente a indemnizações por infiltrações de águas à "P……….. SA", conforme documentos em anexo n.º 8.
Atendendo ao disposto na al.e) do art. 41 º do CIRC, a indemnização paga em causa resulta de um evento cujo risco é susceptível de ser objecto de contrato de seguro, pelo que deveria ter sido acrescido ao quadro 17 da decl. Mod. 22. ( cfr. al. b) do probatório).
Com base nas correcções efectuadas a Administração Fiscal com referência ao exercício de 1992 corrigiu o prejuízo declarado de 562.058 873$00 para 403.078 594$00. (cfr. al. C) do probatório)

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2.2.2.3.-Da contradição entre os dois arestos

Entendemos que, sendo patente a identidade factual nas situações versadas em cada um deles, também é manifesta a contradição entre os dois arestos no que tange à mesma questão fundamental de direito consubstanciada na não-aceitação como custo fiscal da amortização de encargos de natureza incorpórea correspondentes a obras realizadas como contrapartidas dadas à Câmara Municipal de Cascais e à Junta Autónoma das Estradas, não sendo despiciendo destacar o que já se deixou dito, concretamente, que em ambos os casos o contribuinte é exactamente o mesmo – a Recorrente.
É assim que, de harmonia com a solução gizada no acórdão recorrido que acolhe o ponto de vista da ATA, as imobilizações incorpóreas/encargos em questão - com obras realizadas pela Recorrente em virtude da entrada em funcionamento do empreendimento “...”, como contrapartida dada à Câmara Municipal de Cascais e à Junta Autónoma das Estradas -, deveriam considerar-se como imobilizações corpóreas, na medida em que corresponderiam, a encargos com a construção de infraestruturas, acessos e vias de comunicação adjacentes ao dito empreendimento, traduzidas num acréscimo ao valor do próprio edifício.
Com base nesse pressuposto, perfilha o acórdão recorrido o entendimento segundo o qual a amortização de tais encargos deveria ser feita à taxa de 2% ao ano (amortização em 50 anos), enquanto imobilizações corpóreas (edifícios), e não às taxas de amortização utilizadas pela Recorrente, 18,18% (amortização em 5,5 anos), enquanto imobilizações incorpóreas.
Adversamente, no acórdão fundamento consagrou-se o entendimento de que não estavam em causa quaisquer taxas de amortização duodecimais mensais, seja de 18,18%, seja de 2%, mas antes taxas de amortização anuais e, por outro lado, os encargos em questão, suportados com obras (estradas, acessos e vias públicas, essencialmente) que reverteram para o domínio público, não integram o “edifício” do ..., tão pouco constituem “imobilizado corpóreo” da Recorrente – desde logo, porque não lhe pertencem, como ficou provado, não fazendo qualquer sentido que as mesmas infraestruturas integrem, simultaneamente, o activo imobilizado corpóreo de duas entidades diferentes – uma pública e uma privada.
É, pois, manifesto que quanto aos exercícios aqui em cotejo (1992 e 1993), estamos perante uma total identidade de factos, direito e partes, sendo certo que, sobre a mesma questão, o Acórdão fundamento, anulou as respectivas correcções aos exercícios correspondentes, julgando a respectiva Impugnações Judicial procedente, ao invés do que foi entendido e decidido no Acórdão aqui recorrido que manteve a correcção em apreço, julgando a presente Impugnação Judicial improcedente.
Destarte, afigura-se-nos que a questão fundamental de direito, foi decidida em sentido divergente, o que permite dar como verificada a desarmonia das decisões que justifica a prossecução do recurso por oposição de julgados, assim se devendo passar ao conhecimento do mérito do recurso.
*

2.2.3.-Do mérito do recurso
Ponderemos então em que sentido deve ser solucionado o pedido de uniformização de jurisprudência entre as duas decisões e cuja questão de fundo, como já dito, se circunscreve à correcção de Esc. 148.720.279$00, decorrente da não-aceitação como custo fiscal da amortização de encargos de natureza incorpórea correspondentes a obras realizadas como contrapartidas dadas à Câmara Municipal de Cascais e à Junta Autónoma das Estradas.
À guisa de enquadramento, importa salientar que patenteiam os autos, no probatório nele fixado, que o que está em causa são taxas de amortização anuais, tendo a Recorrente aplicado a taxa de amortização anual de 18,18% que a AT corrigiu para 2% ao ano.
Doutra banda, a AT perfilhou o entendimento de que a Recorrente deveria ter considerado os encargos em discussão (contrapartidas suportadas junto das sobreditas entidades públicas, imprescindíveis ao licenciamento/construção/funcionamento do ...) em 50 anos, numa percentagem equivalente a 2% ao ano e por equiparação à amortização do edifício - esta, sim, efectuada àquela taxa de 2% ao ano, de acordo com o Decreto-Regulamentar nº 2/90, de 12/1, dado que o edifício constitui indiscutivelmente imobilizado corpóreo.
Também é incontrovertível que os encargos em discussão, foram suportados com obras (estradas, acessos e vias públicas, essencialmente) que reverteram para o domínio público, e, por isso, naturalmente, não integram o “edifício” do ..., por isso, não constituindo “imobilizado corpóreo” da Recorrente porque não lhe pertencem; ao invés, prova-se que as referidas infra-estruturas pertencem à CMC e à extinta JAE, pelo que integram o domínio público, não tendo a Recorrente qualquer disponibilidade/utilização sobre as mesmas, o que o mesmo é dizer que não fazem parte do imobilizado corpóreo da Recorrente.
Posto isto, quid juris?
Antecipe-se, desde já, que este Tribunal propende para sufragar a solução ditada no acórdão fundamento, no sentido de que, independentemente da correcta classificação contabilística e fiscal dos custos em questão, os mesmos não podem ser considerados como fazendo parte do corpóreo ou incorpóreo da empresa, porquanto as infra-estruturas construídas pela impugnante constituem parte integrante do domínio público, não sendo, nem podendo vir a ser, sua propriedade, nem sendo por ela utilizadas para a prossecução dos fins para que a sociedade foi criada, em termos de disponibilidade e afectação objectiva da sua própria actividade.
Vale isto por dizer que não tem apoio legal ou factual a exigência da A. Fiscal de que a impugnante trate os custos incorridos com as contrapartidas negociadas e imprescindíveis ao licenciamento e à construção do prédio, em 50 anos, numa percentagem equivalente a 2% ao ano, fazendo-a equiparar à amortização do edifício, essa sim efectuada de acordo com o decreto regulamentar 2/90, de 12/1, por se tratar, indiscutivelmente, de um bem do activo imobilizado corpóreo do sujeito passivo, daí derivando que a é de anular a correcção, efectuada pela A. Fiscal.
Com efeito, ao tempo dos factos (1992) o regime geral das reintegrações e amortizações dos elementos do activo imobilizado era o instituído nos artºs.27 e seg., do C.I.R.C..
Em vista desse regime, há que ter conta que, conceptualmente, o activo imobilizado das empresas é o conjunto de bens que revestem um carácter de permanência, o mesmo é dizer, os bens que a empresa pretende manter por mais do que um exercício económico, sendo essa a ratio de o Plano Oficial de Contabilidade (P.O.C. aprovado pelo Dec. Lei 410/89, de 21/11) classificar o activo imobilizado de acordo com a sua natureza - imobilizações financeiras, corpóreas e incorpóreas.
No tangente ao imobilizado incorpóreo, na perspectiva sustentada no acórdão fundamento e remetendo para a doutrina (José María Lozano Irueste, Dicionário abreviado de Economia, Campo das Letras, 1999, pág.139 e seg.; Manuel M. Fernandes Pires, Glossário de Direito Fiscal, Dislivro, 2007, pág.17) e a jurisprudência que cita, o mesmo pode definir-se como o conjunto de bens que a empresa possui, mas que fisicamente não são palpáveis, como é o caso das despesas de constituição, despesas de instalação, despesas de investigação, marcas/ patentes, etc..
Ainda apelando à doutrina (Cfr. F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.227; J. A. R. Martins Barreiros e outros, Código da C. Industrial, 2ª. Edição, Rei dos Livros, 1986, pág.263; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. Edição, 2007, pág.397 e seg.) e à jurisprudência (mormente o acórdão deste S.T.A. de 05-07-2012, Processo nº 658/11, consultável em www.dgsi.pt), citadas no acórdão fundamento, os elementos do activo imobilizado (por contraposição ao activo circulante) são configuráveis como sendo os recursos que uma empresa utiliza para realizar as suas operações (objecto social) e que não se destinam a venda no âmbito da sua actividade operacional, caracterizando-se pela sua aptidão para contribuírem para as operações do ente empresarial em causa durante um determinado período de tempo, sendo que, com algumas excepções, essa aptidão vai decrescendo ao longo da sua vida útil.
Como flui do artº.3, nº.1, do dec.reg.2/90, de 12/1 e explicita Gil Fernandes Pereira, Tratamento Fiscal e Contabilístico das Provisões, Amortizações e Reavaliações, 8ª. edição, 2006, pág.177 e seg, a vida útil de um elemento do activo imobilizado é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor.
E é em razão de tais particularidades de que se revestem que se torna imprescindível verificar, no plano dos custos dos diversos exercícios em que decorre a vida útil dos bens do activo imobilizado, a expressão monetária da aludida depreciação, designando-se por reintegração ou amortização o método de imputação aos resultados dos exercícios contabilísticos anuais do custo de aquisição dos bens do activo imobilizado, o qual deve ser organizado de forma racional e sistemática, devendo estruturar-se em estrita observância do princípio contabilístico do balanceamento dos custos com proveitos.
Dito de outro modo: a reintegração consiste no processo de registo contabilístico do valor do consumo anual dos elementos do activo imobilizado corpóreo, valor este que podia imputar-se como custo de exercício para efeitos fiscais nos termos do decreto regulamentar 2/90, de 12/1, o qual fixa as taxas máximas e mínimas a ter em conta para aquele efeito, assim como outras regras relacionadas com o problema contabilístico das reintegrações e amortizações, sendo certo que, na esteira do citado acórdão do S.T.A. de 05-07-2012, como o lucro das empresas consiste no resultado da diferença entre proveitos e custos de determinado exercício, não poderia deixar de compreender-se entre estes custos o consumo respeitante aos bens do activo imobilizado que contribuíram para a produção e, consequentemente, para a obtenção de proveitos do mesmo exercício.
Compulsando o Dec. Reg. nº 2/90, de 12/1, extrai-se do seu artº.4, nº.1, em conjugação com o artº.28, nº.1, do C.I.R.C., que o cálculo das reintegrações e amortizações do exercício se deve operar, em regra, segundo o método das quotas constantes.
Nesse sentido se pronunciaram, como se dá conta no acórdão fundamento, F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.231; Henrique Quintino Ferreira, Reintegrações e Amortizações do Activo Imobilizado das Empresas para efeitos de IRS e IRC, 4ª. edição, 1997, Editora Rei dos Livros, pág.58 e seg..
Por assim ser, vemos que in casu, tal como sucedera no caso versado no acórdão fundamento reportado ao exercício de 1993 da também aqui impugnante e ora recorrente, resulta do RIT que a AT enquadra esses custos como diferidos (custos com a construção das vias de comunicação adjacente ao nomeado empreendimento "C………………."), entendendo que o devem ser pelo período de 50 anos, ou seja, pela aplicação de uma taxa de dedução de 2% ao ano, tal como é efectuado para a amortização do próprio edifício.
Mas, como já copiosamente demonstrado, é indubitável que tais custos não podem ser considerados como fazendo parte do corpóreo ou incorpóreo da empresa, porquanto as infra-estruturas construídas pela impugnante/recorrida constituem parte integrante do domínio público, não sendo, nem podendo vir a ser, sua propriedade, nem sendo por ela utilizadas para a prossecução dos fins para que a sociedade foi criada, em termos de disponibilidade e afectação objectiva da sua própria actividade, assim não se vislumbrando base factual e legal para a afirmação, da Fazenda Pública, de que tais custos representam um acréscimo do próprio edifício.
Alinhadas por esse entendimento, logram de validade as asserções a respeito tecidas pela recorrente no sentido de que não ficou provado que os questionados encargos representassem “um acréscimo do próprio edifício”, antes se provou que os mesmos eram perfeitamente dissociáveis e autónomos do edifício – desde logo, porque as respectivas obras reverteram para o domínio público, ao contrário do edifício, que se manteve na esfera/propriedade da Recorrente.
E a dedução fiscal dos encargos em causa, distribuindo-os por um período de 5,5 anos (ao invés da sua dedução fiscal num único exercício – em que foram incorridos), tem inteira justificação face à elevada magnitude dos encargos em questão e, tendo em conta que estão em causa custos indispensáveis à obtenção dos proveitos, à luz do disposto no artigo 23º do CIRC - já que constituíram contrapartida do licenciamento do ....
Sendo manifesto que os custos diferidos são custos e não imobilizado (os custos diferidos são custos dos exercícios a que respeitam; as imobilizações/imobilizado são activo), também é veraz que somente as imobilizações/imobilizado são passiveis de amortização ao longo de vários exercícios. O que significa que as imobilizações/imobilizado não são custo, embora o respectivo “custo” se expresse ao longo de vários exercícios, mediante as respectivas amortizações (essas, sim, custo contabilístico e fiscal) ao longo dos vários anos do período de imobilização, não sendo os custos diferidos susceptíveis de amortizações.
Assim, curando-se nestes autos dos encargos de que a Recorrente teve de suportar, nos termos do disposto no artigo 17º nº 4 do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12/1) "… devem, contudo, ser consideradas como custos, em partes iguais, em mais do que um exercício, as despesas ou encargos de projecção económica plurianual, sendo aquela repartição feita durante um período mínimo de três anos...".
Acresce ainda que, como as infra-estruturas em apreço fazem parte do domínio público, devem, ser contabilizadas no activo imobilizado corpóreo da autarquia - de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL) (cfr. Decreto-Lei nº 54-A/99, de 22 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 162/99, de 14 de Setembro), sendo inconcebível que as mesmas integrem, simultaneamente, o activo imobilizado corpóreo de duas entidades diferentes – uma pública e uma privada. Até porque o POCAL tem regras próprias para valorimetria de imobilizações de bens do activo imobilizado das autarquias obtidos a título gratuito – como é o caso (Cfr. Ponto 4.1.4 do Decreto-Lei nº 54-A/99).
Em conclusão geral e definitiva: o Acórdão recorrido padece do erro de julgamento que lhe vem assacado, pelo que, por via da procedência do recurso, deve ser revogado e ser julgada procedente a impugnação com a consequente anulação dos actos tributários impugnados, uniformizando-se jurisprudência nos seguintes termos: tendo as infra-estruturas adjacentes a um edifício sido integradas no domínio público, a AT não pode exigir que o sujeito passivo que realizou umas e outro amortize os custos com as infra-estruturas nos mesmos termos que amortizou os custos com o edifício, que permanece a sua propriedade.
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Deve ser consentida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º 7 do R.C.P..
Com efeito, in casu, ponderado o montante da taxa de justiça que será devida, esta se afigura desproporcionada em face do concreto serviço prestado, uma vez que, não obstante tivessem sido várias as questões apreciadas no presente recurso, todas de complexidade igual à comum e que já foram tratadas anteriormente pela jurisprudência, levando-se em ainda conta a conduta dos litigantes e a utilidade económica das pretensões das partes.
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3. – Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e julgando-se procedente a impugnação com a consequente anulação dos actos tributários impugnados, uniformizando-se jurisprudência nos termos supra referidos.

Custas pela recorrida com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º 7 do R.C.P., correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a €275.000, atento o grau de complexidade do processado, a conduta dos litigantes e a utilidade económica das pretensões das partes.
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Lisboa, 26 de Abril de 2023. - José Gomes Correia (Relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (adiro ao voto de vencido do Sr. Conselheiro Gustavo Lopes Courinha) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo Lopes Courinha (vencido, conforme declaração de voto em anexo) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.

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Voto de vencido – Processo n.º 6597/13

Votamos vencido o presente acórdão, divergindo da solução adotada no caso, por razões que se prendem com as respectivas especificidades do mesmo.
Discordamos, como pretende a AT, da integração, sem mais, de tais despesas como sendo "acessórias" ou “benfeitorias” (e, muito menos, "partes integrantes") do imóvel. Todavia, consideramos que as mesmas, ainda que verificadas em terrenos alheios e revertendo para o domínio público municipal, configuram despesas indiscutivelmente incorridas com a construção e licenciamento do edifício – permitindo a utilização e extracção de benefícios económicos futuros deste – e que, por isso, deverão forçosamente integrar o custo histórico do mesmo (devendo, assim, ser-lhe afetas) e ser depreciáveis segundo o respectivo período de vida útil do edifício.
Entendemos não obstar a esta conclusão o argumento da desconsideração pela AT do valor de tais despesas (e, assim, ter a AT supostamente aceite a qualificação de tais infra-estruturas enquanto ativo autónomo) para efeitos da fixação do valor patrimonial tributário do imóvel, uma vez que a fixação de tal valor ocorre para efeitos de um imposto distinto e sujeito a regras próprias (constantes do artigo 38.º e ss. do Código do IMI).
Acresce que encontramos dificuldade em considerar tais infra-estruturas como um ativo próprio detido pelo contribuinte Recorrente, porquanto, além de não constituírem propriedade deste – mas antes integrarem o domínio público municipal (o que não sendo decisivo, é certamente relevante) –, não se lhe encontrarem unicamente dedicadas para que o Recorrente dele possa delas retirar futuras vantagens económicas exclusivas e reiteradas.
Tão pouco surge alegada a hipótese de tais despesas configurarem "obra em edifício alheio" ou situação eventualmente análoga, hipótese eventualmente merecedor de consideração; e, menos ainda se vê sustentação para a adoção de um período de vida útil de 5 anos e 6 meses, com o fundamento em que “a consideração dos mesmos de uma só vez, nos termos do artigo 23º do CIRC (já que estamos sem dúvida perante custo indispensável à obtenção dos proveitos), poderia provocar sérias implicações ao nível da sua situação líquida e dos capitais próprios”; ao invés, esta última tese da consideração da totalidade dos gastos num único exercício era, porventura, mais virtuosa do que aquela adotada pela Recorrente quanto ao tratamento fiscal a conceder in casu.
Acresce, por fim, o facto de os ativos imobilizados incorpóreos não serem, por regra, fiscalmente amortizáveis (por, pela sua natureza, não implicarem uma sujeição a deperecimento), além de não estarmos convencidos da sua qualificação nos termos e para os efeitos do artigo 17.°, n.º 4 do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro.

Gustavo André Simões Lopes Courinha

Segue acórdão de 22 de Novembro de 2023:


REFORMA DE ACÓRDÃO QUANTO A CUSTAS

· Beneficiando a Fazenda Pública de uma situação jurídica adquirida de isenção subjectiva de custas ao tempo em que foi instaurado o processo abrangendo “O Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados” (CCJ, art. 2.º, n.º 1, al. a), na versão originária, mantida em vigor, sucessivamente, pelos artigos 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e, finalmente, 8.º, n.º 4, da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro), deve reformar-se o acórdão que a condenou em custas, nessa conformidade.
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Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

A Fazenda Pública, notificada do Acórdão proferido em 26/04/2023, que decidiu conceder provimento ao recurso, bem como, para proceder ao pagamento da taxa de justiça considerada devida, vem nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 616.º e n.º 1 do art.º 666.º, ambos, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi da al. e) do art.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) –, requerer a reforma quanto a custas do acórdão notificado, com os seguintes fundamentos:
“(…)
Da reforma do segmento de condenação em custas do acórdão de 26.04.2023

Nos termos do acórdão supra identificado, que decidiu: “-Conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido (…).” Foi, a Fazenda Pública na qualidade de Recorrida, condenada em custas.

Contudo, verifica-se que o presente processo é uma impugnação judicial, que foi interposta no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 19 de março de 2002.

Assim sendo, ao mesmo aplica-se o Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo DL 224-A/96 de 26/11 [prévio à entrada em vigor do RCP], na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL 324/03 de 27/12, dado que estas só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor [de acordo com o disposto no art.º 14.º deste último diploma].

Desta forma, deve atender-se ao previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do CCJ, que contém uma isenção subjectiva, quanto a custas, relativamente ao Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados.

Acresce que, após a entrada em vigor do RCP, aprovado pelo DL 34/2008 de 26/2, a Fazenda Pública – atento o disposto no art.º 27.º deste diploma legal – continuou a beneficiar da referida isenção.

O mesmo se verificando actualmente, após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RCP pela Lei 7/2012 de 13/02, a qual, no n.º 4 do art.º 8.º, prevê que: “Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (…), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor, no respectivo processo, a isenção de custas.” (sublinhado nosso).
10º
Como tal, deverá ser reconhecida a isenção de que beneficia a Fazenda Pública, com a consequente alteração do segmento de condenação em custas nesse sentido.
Assim, face ao exposto, requer-se a V. Ex.ª se digne:
a) Dar sem efeito a notificação efetuada para pagamento de taxa de justiça, atendendo à inexistência de qualquer impulso processual por parte da Fazenda pública que o originasse, e
b) proceder à reforma do acórdão, no que respeita à condenação em custas pela Fazenda Pública, reconhecendo-se a isenção de que esta beneficia (nos processos instaurados em data anterior a 01/01/2004).

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de a reclamação dever ser procedente, com a seguinte fundamentação:

b) Reforma da condenação em custas
Com efeito, a Fazenda Pública é titular de uma situação jurídica adquirida de isenção subjetiva de custas de que beneficiava preteritamente “O Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados” (CCJ, art. 2.º, n.º 1, al. a), na versão originária, mantida em vigor, sucessivamente, pelos artigos 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e, finalmente, 8.º, n.º 4, da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro).
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Nestes termos, julgando procedente a reclamação, com a reforma da condenação em custas proferida no douto Acórdão de 26 de abril de 29023 (“3.-Decisão”), como requerido pela Fazenda Pública, é de aditar à mesma condenação a menção “(…), tendo em consideração que beneficia de isenção subjetiva de custas”, nos termos das disposições legais antes referidas.
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Sem vistos, os autos vêm à conferência para decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

No caso, em face dos termos em que foram enunciados os fundamentos do requerimento de reforma do acórdão, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se se podem reformar os autos no que respeita à condenação em custas pela Fazenda Pública, reconhecendo-se a isenção de que esta beneficia (nos processos instaurados em data anterior a 01/01/2004).
Como decorre dos artº 613º, nºs 1 e 2, 614º, nº1 e 616º, nº1, do CPC, aplicáveis ex vi do artº 1º do CPTA, conquanto com a prolação do Acórdão ficasse esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, pode ter lugar a sua correcção por iniciativa do Tribunal quanto a custas, se aquele for omisso nessa matéria ou incorrer em lapso manifesto na condenação.
No caso vertente, houve decisão com condenação do recorrente em custas.
Ora, o artigo 527º do C.P.C, prescreve que a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a ela houver dado causa, vigorando no C.P.C, em matéria de custas, o princípio da causalidade: paga as custas a parte que lhes deu causa, isto é, que pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado, que, em suma, exerce no processo uma actividade injustificada.
Destarte, a actuação da lei não deve traduzir-se num sacrifício patrimonial para a parte em benefício da qual essa actuação se realizou, pois é interesse do Estado que a utilização do processo não acarrete prejuízo ao litigante que tem razão, pois que, a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta na ideia de que não deve pagar custas a parte que tem razão.
Sendo a asserção inversa verdadeira, como nos presentes autos foi a recorrida que lhes deu causa dado que decaiu totalmente, teria de vigorar o princípio da justiça gratuita para o vencedor.
Nessa conformidade, tendo o acórdão reformando decidido “-Conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido (…)” determinou a condenação em custas da Fazenda Pública na qualidade de Recorrida.
Mas fê-lo erroneamente.
Na verdade, como bem denota o Ministério Público sufragando o apelo da reclamante Fazenda Pública, tratando-se o presente processo de uma impugnação judicial, que foi interposta no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 19 de Março de 2002, é ao mesmo aplicável o Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo DL 224-A/96 de 26/11 [prévio à entrada em vigor do RCP], na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL 324/03 de 27/12, uma vez que estas só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor por força do disposto no art.º 14.º deste último diploma.
Consagrando-se na al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do CCJ, uma isenção subjectiva, quanto a custas, relativamente ao Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados e sendo certo que após a entrada em vigor do RCP, aprovado pelo DL 34/2008 de 26/2, a Fazenda Pública continuou a beneficiar da referida isenção conferida pelo art.º 27.º deste diploma legal e, outrossim, tal situação se manteve inalterada após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RCP pela Lei 7/2012 de 13/02, a qual, no n.º 4 do art.º 8.º, prevê que: “Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (…), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor, no respectivo processo, a isenção de custas”, é forçoso reconhecer que a Fazenda Pública é titular de uma situação jurídica adquirida de isenção subjectiva de custas de que beneficiava preteritamente “O Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados” (CCJ, art. 2.º, n.º 1, al. a), na versão originária, mantida em vigor, sucessivamente, pelos artigos 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e, finalmente, 8.º, n.º 4, da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro).
Assim, colhe por completo a suscitação feita pela reclamante Fazenda Pública de reforma do Acórdão quanto a custas já que a recorrida fruía de isenção legal/gratuitidade.
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3.-Decisão:

Assim, acorda-se no Pleno da Secção do Contencioso Tributário, em reformar o Acórdão proferido em 26 de Abril de 2023 quanto a custas proferido, devendo constar do mesmo a final, "sem custas, tendo em consideração que a Fazenda Pública beneficia de isenção subjectiva de custas”.

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Lisboa, 22 de novembro de 2023. – José Gomes Correia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Fernanda de Fátima Esteves.