Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03009/12.8BELRS
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:Ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efectiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT desde (passando a constitui um erro dos serviços), a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].
Nº Convencional:JSTA000P28244
Nº do Documento:SA22021100603009/12
Data de Entrada:07/12/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
********

Processo n.º 3009/12.8BELRS (Recurso Jurisdicional)



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 22-03-2021, que julgou a pretensão deduzida por A……………….. e B………………. procedente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, relativamente aos montantes de imposto cuja devolução se impôs por força da anulação parcial das liquidações impugnadas efetuada pela AT, condenando-se a Fazenda Pública nesse pagamento, no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado o indeferimento tácito da reclamação graciosa, apresentada no dia 20-04-2020, e contra as liquidações adicionais de IRS com os n.ºs 2011 5005162131, 2011 5005162823, 2011 5005163396, relativas, respectivamente, aos anos de 2007, 2008 e 2009 e em que se peticionava a anulação destes actos, bem como a substituição daquele indeferimento por um deferimento total do pedido, com a consequente restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios; e, subsidiariamente, que a AT fosse condenada a executar o deferimento parcial do pedido formulado no âmbito do processo de reclamação graciosa, procedendo à restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos juntamente com os juros indemnizatórios.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida em 1ª Instância, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelos sujeitos passivos, ou seja, na procedência quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, relativamente aos montantes de imposto cuja devolução se impôs por força da anulação parcial das liquidações impugnadas efetuada pela AT, considerando que está preenchido o pressuposto de erro imputável aos serviços.

B. A douta decisão de que se recorre não traduz uma correta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes, em prejuízo da apelante, nomeadamente do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e omite a fundamentação necessária para chegar ao resultado da condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios.

Na verdade,

C. Em 09 de fevereiro de 2011, foi enviado por parte do serviço de finanças de Lisboa 8, ofício a notificar os sujeitos passivos das divergências detetadas nas declarações de IRS relativas aos anos de 2007, 2008 e 2009 e a solicitar elementos para análise relativamente à isenção averbada (cfr. ponto 8 da fundamentação de facto).

D. Não tendo os sujeitos passivos na sequência da comunicação anterior, nada dito, nada apresentado.

E. Em 28 de novembro de 2011 foi remetida nova notificação com a informação que a administração fiscal iria proceder às correções relativamente aos rendimentos isentos, indicando “não foi apresentado Direito de Audição nem foram sanadas voluntariamente as anomalias detectadas.” (cfr. ponto 9) da fundamentação de facto)

F. Assim, foram emitidas as liquidações adicionais ora reclamadas n.ºs 2011 5005162131, com o valor a pagar de 1.038,79 EUR, 2011 5005162823, com o valor a pagar de 2.716,83 EUR, e 2011 5005163396, com o valor a pagar de 429,69 EUR, relativas, respetivamente, aos anos de 2007, 2008 e 2009, tendo os Impugnantes procedido ao seu pagamento dentro do prazo voluntário (cfr. pontos 11) e 12) da fundamentação de facto).

G. Posteriormente, vieram os Impugnantes apresentar reclamação graciosa, em 20/04/2012, a qual foi devidamente analisada pelos serviços, chegando a proferir projeto de decisão com deferimento parcial, o qual foi comunicado aos Impugnantes para exercerem o Direito de Audição (cfr. 13), 14), 15) 16) e 17) da fundamentação de facto).

H. No entanto houve necessidade de solicitar uma informação mais detalhada à Direção de Serviços do IRS, para melhor enquadramento do requerido.

I. Pelo que, os factos do retardamento das correções das liquidações de IRS, não poderão ser subjetivamente imputável aos serviços, até porque, conforme se verifica no quadro factual descrito, caso os Impugnantes respondessem à primeira notificação efetuada, em sede de analise de divergências, provavelmente não resultariam as correções de imposto ora observadas em F. e portanto deve ser devidamente analisada e fundamentada a douta decisão quanto a este segmento decisório.

J. Porque no entendimento da Fazenda Pública e ao contrário da douta decisão o n.º 1 do artigo 43.º da LGT não poderá ser aplicado por falta de pressupostos da sua previsão legal, ou seja, não se poderá necessariamente retirar da intervenção da Administração Fiscal em foco que tenha havido algum erro e que o mesmo possa lhe ser imputado.

K. Inexistindo o requisito legal de «erro imputável aos serviços» para que sobre a Administração Fiscal impenda a obrigação legal de indemnizar o contribuinte.

L. Tal como, de resto, a situação dos presentes autos assume contornos semelhantes aos sufragados no Acórdão do TCA Sul, de 16-11-2017, proferido no processo n.º 138/17.5BCLSB (no qual a sentença sustenta a sua decisão, mas a contrario), porquanto, “somente com a apresentação da mencionada prova documental, a qual veio a ser junta à p.i. pela sociedade impugnante, poderia a A. Fiscal actuar de outro modo, o que se verificou com a anulação parcial do acto impugnado, efectuada ao abrigo do artº.112, do C.P.P.T., em virtude da justificação documental e parcial de valores retidos na fonte em sede de I.R.C., no montante de 4.748.703$00/€ 23.686,43 (cfr.nº.15 do probatório). Ponderado o mencionado, deve concluir-se que a liquidação adicional objecto do presente processo obedeceu aos elementos disponíveis pela Fazenda Pública, no momento em que foi estruturada, inexistindo erro imputável aos serviços da A. Fiscal, um dos pressupostos supra identificados do direito ao pagamento de juros indemnizatórios. Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, este Tribunal revogará a decisão recorrida na parcela em que sancionou o pagamento de juros indemnizatórios a favor da sociedade impugnante/recorrida, mais a mantendo no restante, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.”

M. Porém, não pode, de forma alguma, manter-se a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, porquanto não há qualquer erro imputável aos Serviços.

N. Face a tudo quanto vai dito, as vicissitudes elencadas, fica demonstrado e referenciado, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo, pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respetivo Tribunal decerto que teria sido outro.

O. Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação das normas legais supra vazadas.

P. Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.

Nestes termos, deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue improcedente a impugnação judicial, na parte em que condena a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, com todas as consequências legais, assim se fazendo a devida e acostumada

JUSTIÇA!

Os Recorridos A………………… e B………………. não apresentaram contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar do invocado erro de julgamento na parte em que se julgou parcialmente procedente a acção e condenou a Fazenda Pública em juros indemnizatórios, por inexistirem no caso dos autos os pressupostos para a concessão de juros indemnizatórios, uma vez que não existe erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43º nº 1 da LGT.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1) Nos anos de 2007 a 2009, foram publicados no jornal Público textos de crítica literária escritos pelo Impugnante A……………, dos quais se transcreve, designadamente, o seguinte texto:

“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documentos a fls. 50 a 181 do PRG, que se dão aqui por integralmente reproduzidos);
2) Nos anos de 2008 e 2009, foram publicados, na revista “…..”, sob a rubrica “……..”, textos escritos pelo Impugnante A…………., dos quais se transcreve, designadamente, o seguinte:
“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documentos a fls. 131 a 139 e 185 a 195 do PRG, que se dão aqui por integralmente reproduzidos);
3) No ano de 2009, foram publicados no site “Pnetliteratura" textos escritos pelo Impugnante A…………., sob a rúbrica “As Crónicas de A………….”, tendo alguns deles, designadamente, os seguintes títulos: “………”, “………”, “…………”, “………….”, “……….” (cfr. documentos a fls. 182 a 184 do PRG);
4) Em 2008, foi lançado, pela “Quasi Edições” - enquanto parte da coleção “Obras Completas de ………”, cuja direção competiu ao Impugnante A………….. - o livro “………….”, da autoria de …………, cuja edição, cronologia e introdução foram da responsabilidade do Impugnante A……….., constando do mesmo a indicação de que o “Copyright” pertence à “Quasi Edições” e aos “Herdeiros do Autor”, podendo ler-se na referida introdução, intitulada “…………..”, designadamente, o seguinte:
“(…)

IMAGEM

(…)

(…) (cfr. documentos a fls. 124 a 126 do PRG e 115 a 124 dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos);

5) Em 2008, foi lançado, pela “Quasi Edições” - enquanto parte da coleção “Obras Completas de ........” - o livro “.....”, da autoria de ......, cuja edição e cronologia foram da responsabilidade do Impugnante A……...., constando do mesmo a indicação de que o “Copyright” pertence à “Quasi Edições” e aos “Herdeiros do Autor”, podendo ler-se no mesmo, designadamente, o seguinte:

“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documentos a fls. 127 a 129 do PRG e 125 dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos);
6) Os Impugnantes apresentaram, em conjunto, as declarações modelo 3 de IRS referentes aos anos de 2007 a 2009, nas quais declararam:

a) Relativamente ao Impugnante A…………..:

i) no campo 404 do quadro 4 dos anexos B daquelas declarações, a título de parte não isenta dos rendimentos de propriedade intelectual: 557,99 EUR em 2007; 6.925,24 EUR em 2008; e 6.368,04 EUR em 2009;
ii) no campo 403 do mesmo quadro dos mesmos anexos, a título de outras prestações de serviços e outros rendimentos: 7.104,00 EUR em 2007;
iii) no campo 1102 do quadro 11 dos mesmos anexos, relativo ao total das prestações de serviços e outros rendimentos: 8.218,98 EUR em 2007; EUR 13.850,48 EUR em 2008; e 11.736,08 EUR em 2009;
iv) no campo 501 do quadro 5 dos anexos H daquelas declarações, a título de rendimentos de propriedade intelectual isentos parcialmente: 557,99 EUR em 2007; 6.925,24 EUR em 2008; e 5.368,04 EUR em 2009;
b) Relativamente ao Impugnante B……………….:
i) no campo 404 do quadro 4 dos anexos B daquelas declarações, a título de parte não isenta dos rendimentos de propriedade intelectual: 2.443,22 EUR em 2007, 2.318,24 em 2008; e 843,40 EUR em 2009;
ii) no campo 403 do mesmo quadro dos mesmos anexos, a título de outras prestações de serviços e outros rendimentos: 557,99 EUR;
iii) no campo 1102 do quadro 11 dos mesmos anexos, relativo ao total das prestações de serviços e outros rendimentos 4.886,44 EUR em 2007; 4.636,48 EUR em 2008; e 1.686,79 em 2009;
iv) no campo 502 do quadro 5 dos anexos H daquelas declarações, a título de rendimentos de propriedade intelectual isentos parcialmente: 2.443,22 EUR em 2007; 2.318,24 EUR em 2008; e 843,39 EUR em 2009;
(cfr. documentos a fls. 67 a 90 dos autos);

7) Com base nas declarações mencionadas no ponto antecedente foram emitidas as liquidações de IRS, em nome dos Impugnantes, com os n.ºs 2008 5004553154, com o valor a pagar de 928,79 EUR, 2009 5003619801, com o valor a pagar de 121,35 EUR, e 2010 5004553154 com o valor a receber de 1609,16 EUR, relativas, respetivamente, aos anos de 2007, 2008 e 2009 (cfr. documentos a fls. 125 a 140 do PAT);

8) O Serviço de Finanças de Lisboa 8 remeteu para os Impugnantes o ofício datado de 09-02-2011, com o assunto “Análise de Divergências IRS - 2007, 2008 e 2009”, no qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documento a fls. 47 do PRG);
9) Na sequência do envio do ofício mencionado no ponto antecedente, o Serviço de Finanças de Lisboa 8 remeteu para os Impugnantes o ofício datado de 28-11-2011, com o assunto “Declaração de IRS de 2007, 2008 e 2009”, no qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documento a fls. 48 e 49 do PRG);
10) Em 07-12-2011, foram elaboradas pela Administração Tributária declarações oficiosas com a finalidade de tributar os rendimentos que os Impugnantes consideraram isentos, mencionados no ponto 6) supra (cfr. documentos a fls. 158 a 169 do PAT);

11) Em dezembro de 2011, com base nas declarações mencionadas no ponto antecedente foram emitidas as liquidações de IRS, em nome dos Impugnantes, com os n.ºs 2011 5005162131, com o valor a pagar de 1.038,79 EUR, 2011 5005162823, com o valor a pagar de 2.716,83 EUR, e 2011 5005163396, com o valor a pagar de 429,69 EUR, relativas, respetivamente, aos anos de 2007, 2008 e 2009 (cfr. documentos a fls. 42, 44 e 46 do PRG);

12) Os Impugnantes procederam ao pagamento dos montantes de imposto apurados por força das liquidações mencionadas no ponto antecedente no prazo para pagamento voluntário (cfr. artigo 39.º da informação da Divisão de Justiça Contenciosa a fls. 172 a 180 do PAT);

13) Em 20-04-2012, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa das liquidações mencionadas no ponto antecedente, peticionando a sua anulação, bem como a restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios (cfr. documentos a fls. 1 a 37 e 201 dos autos do processo de reclamação graciosa);

14) Em 21-05-2012, foi elaborada, no Serviço de Finanças de Lisboa informação relativa à reclamação mencionada no ponto antecedente, da qual consta o seguinte:

“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documento a fls. 59 a 65 dos autos);
15) Em 25-05-2012, foi exarado despacho, da Chefe do Serviço de Finanças, sobre a informação mencionada no ponto antecedente, no qual consta o seguinte: “(…) Face ao informado defiro parcialmente o pedido nos termos referidos. Notifique-se a Reclamante para efeitos de audição prévia nos termos do artigo 60.º da LGT” (cfr. documento a fls. 59 dos autos);

16) Na sequência da elaboração da informação e do despacho mencionados no ponto antecedente, foi remetido, aos Impugnantes, o ofício da Chefe do Serviço de Finanças, no qual consta o seguinte:

“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documento a fls. 58 dos autos);
17) Em 12-06-2012, na sequência da notificação do despacho mencionado no ponto antecedente, os Impugnantes apresentaram a sua pronúncia em sede de audição prévia (cfr. documentos a fls. 210 a 223 e 238 dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos);

18) Na sequência da receção da pronúncia mencionada no ponto antecedente, a Chefe do Serviço de Finanças solicitou, através do Ofício n.º 7304, datado de 17-08-2012, à Direção de Serviços de IRS esclarecimentos quanto ao tratamento dos rendimentos auferidos pelos Impugnantes, constando deste ofício o seguinte:
“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documento a fls. 240 do PRG);

19) Em 19-12-2012, os Impugnantes apresentaram a presente ação (cfr. documento a fls. 2 dos autos, processo físico);

20) Em 12-03-2013, na sequência da receção do ofício mencionado no ponto 18) supra, a Direção de Serviços de IRS elaborou a informação n.º 1367/2013, da qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documento a fls. 243 a 252 do PRG, que se dá aqui por integralmente reproduzido);

21) Em 18-03-2014, na sequência da apresentação da presente ação, foi elaborada informação pela Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa, na qual se remeteu, em parte, para a fundamentação constante na informação mencionada no ponto antecedente e consta, designadamente, o seguinte:
“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documento a fls. 172 a 180 do PAT, que se dá aqui por reproduzido na íntegra).

22) Em 31-03-2014, na sequência da elaboração da informação mencionada no ponto antecedente, foi emitido, acerca da mesma, parecer, no qual consta o seguinte:
“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documento a fls. 181 do PAT, que se dá aqui por reproduzido na íntegra);

23) Em 31-03-2014, na sequência do parecer e da informação mencionados nos dois pontos antecedentes, foi proferido o seguinte despacho pela Chefe de Divisão de Justiça Contenciosa:

“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documento a fls. 387 do PAT);

24) Em 14-04-2012, na sequência do despacho mencionado no ponto antecedente os Impugnantes receberam ofício com o seguinte teor:
“(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. documento a fls. 388 a 390 do PAT)

*
Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.
*
A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa, efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, não impugnados, no PAT e no processo relativo à reclamação graciosa apenso aos autos, bem como na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, conforme é especificado em cada um dos pontos da matéria de facto provada.”

«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de apreciar o invocado erro de julgamento na parte em que se julgou parcialmente procedente a acção e condenou a Fazenda Pública em juros indemnizatórios, por inexistirem no caso dos autos os pressupostos para a concessão de juros indemnizatórios, uma vez que não existe erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43º nº 1 da LGT.

Nas suas alegações, a Recorrente sublinha que os factos do retardamento das correcções das liquidações de IRS, não poderão ser subjectivamente imputável aos serviços, até porque, conforme se verifica no quadro factual descrito, caso os Impugnantes respondessem à primeira notificação efetuada, em sede de análise de divergências, provavelmente não resultariam as correcções de imposto ora observadas e portanto deve ser devidamente analisada e fundamentada a douta decisão quanto a este segmento decisório, sendo que, no entendimento da Fazenda Pública e ao contrário da douta decisão o n.º 1 do artigo 43.º da LGT não poderá ser aplicado por falta de pressupostos da sua previsão legal, ou seja, não se poderá necessariamente retirar da intervenção da Administração Fiscal em foco que tenha havido algum erro e que o mesmo lhe possa ser imputado e inexistindo o requisito legal de «erro imputável aos serviços» para que sobre a Administração Fiscal impenda a obrigação legal de indemnizar o contribuinte, ou seja, não pode, de forma alguma, manter-se a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, porquanto não há qualquer erro imputável aos Serviços.

Que dizer?

Nesta matéria, temos que a Recorrente insurge-se contra a condenação da AT em juros indemnizatórios, por no seu entendimento ter sido o contribuinte que deu causa à liquidação, ao não ter entregue os documentos que permitiriam à AT clarificar a sua situação tributária.

No entanto, decorre da sentença recorrida que o Tribunal “a quo” assentou a sua decisão no facto de o contribuinte ter apresentado tais documentos em sede de reclamação graciosa e esta ter sido indeferida (tacitamente), ou seja, tendo oportunidade de esclarecer a situação tributária em sede de reclamação graciosa, a AT não se pronunciou sobre a mesma, como era seu dever, originando a formação de indeferimento tácito e se não houve uma pronúncia expressa da Administração Tributária sobre a situação (ainda que tenha sido emitida uma informação em que se dava razão ao contribuinte), tal como se entendeu na sentença recorrida, citando Jorge Lopes de Sousa (in CPPT Anotado, vol I, pág. 537), «À prática de acto expresso deverá ser equiparado, para este efeito, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art.º 57º, nº4, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido».

Ora, como se refere no Ac. deste Supremo Tribunal de 03-05-2018, Proc. nº 0634/15, www.dgsi.pt, citado na decisão recorrida, “… Não o fez, contudo, a Administração Fiscal, que indeferiu a reclamação graciosa em 5/03/2010, bem como o subsequente recurso hierárquico. Ao assim actuar, a Administração manteve a situação de ilegalidade originada pelo questionado acto de liquidação do IRS, o que permite imputar-lhe a responsabilidade objectiva pela subsistência do erro e do pagamento indevido, responsabilidade essa geradora da obrigação de indemnizar nos termos do disposto no art.º 43º da LGT, embora o direito a esses juros apenas se constitua na esfera jurídica do Impugnante na data em que foi indeferida a reclamação (5/03/2010), e não na data fixada na sentença, isto é, no dia em que a reclamação foi apresentada.

No mesmo sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, no "Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado", 6ª edição, pág. 537, onde deixa frisado o seguinte: «Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (...), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos.

Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou de facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um acto da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou. À prática de acto expresso deverá ser equiparado, para este efeito, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art.º 57º, nº 4º, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido.».

Mas mais.

Ainda que se possa fazer uma leitura mais redutora da situação em apreço, nem assim a pretensão da Recorrente poderia obter melhor resultado, dado que, como se aponta no Ac. deste Supremo Tribunal de 03-05-2018, Proc. nº 0250/17, www.dgsi.pt, … se a condenação em juros indemnizatórios não pode encontrar apoio no n.º 1 do art. 43.º, já o encontra no n.º 3, alínea c), da LGT.

Aliás, a sentença fundamentou a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos n.ºs 1 e 3 do referido art. 43.º da LGT.

Na verdade, a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, radica no facto de esse vício implicar a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito e decorre da imposição constitucional de o Estado reparar os danos causados pelos seus actos ilegais (cfr. art. 22.º da Constituição da República Portuguesa). Assim, os juros indemnizatórios a favor do contribuinte destinam-se a compensá-lo do prejuízo provocado pelo pagamento de uma quantia indevida.

No caso, a ilicitude que determina o dever de indemnizar não reside no erro dos serviços aquando da liquidação, mas na demora na decisão da reclamação graciosa. Vejamos:

O art. 43.º, n.º 3, alínea c), do CPPT consagra a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à AT. Esse regime, como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «embora previsto especificamente para a revisão do acto tributário, deve aplicar-se também aos casos em que há erro imputável ao contribuinte e foi apresentada reclamação graciosa» (JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Áreas Editora, 2010, pág. 65. ).

Ora, como também diz JORGE LOPES DE SOUSA, «nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte [...], bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos». À prática de acto expresso, continua o mesmo autor, «deverá ser equiparado para esse efeito, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art. 57., n.º 5, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido» (Ob. cit., pág. 52.

Vide também o mesmo Autor, no Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 6 a2) ao art. 61.º, pág. 537.).

Ou seja, o indeferimento tácito da reclamação graciosa do acto de liquidação (a reclamação graciosa deveria ter sido decidida em seis meses, como prescrevia o n.º 1 do art. 57.º da LGT, na redacção em vigor à data e, não o tendo sido dentro desse prazo, presume-se o seu indeferimento, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo) determinou a alteração da imputabilidade do erro, não relevando, assim, a argumentação da recorrente no sentido da não aplicação do disposto no art. 43.º da LGT. Os juros seriam devidos desde essa data.

Não há dúvida, pois, de que são devidos juros indemnizatórios. …”.

Com este pano de fundo, na situação dos autos, em qualquer dos enquadramentos descritos, temos que é irrecusável a conclusão de que são devidos juros indemnizatórios, até porque as alegações da Recorrente não têm a virtualidade de colocar em crise o que ficou dito nos arestos apontados, o que significa a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 06 de Outubro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (Relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.