Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02382/17.6BELSB
Data do Acordão:07/10/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24795
Nº do Documento:SA12019071002382/17
Data de Entrada:05/17/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A……….. intentou, no TAC de Lisboa, contra o INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA (IPL) e o INSTITUTO SUPERIOR DE ENGENHARIA DE LISBOA (ISEL), a presente providência cautelar pedindo a suspensão da eficácia:
1. Do acto do Sr. Presidente do IPL, de 8.9.2017, que determina que o ISEL deve:
(i) proceder à sua colocação na posição remuneratória correspondente ao escalão 3, índice 265;
(ii) proceder ao apuramento/quantificação dos valores processados desde Abril de 2007, ou seja, à diferença que resulta do pagamento correspondente ao escalão 3º, índice 265 e aquele pelo qual foi abonado – escalão 4, índice 285;
(iii) e notificá-lo dos valores envolvidos, fixando um prazo de 30 dias para que proceda à reposição dos valores recebidos de forma alegadamente indevida;
2. Do acto do Presidente do ISEL, de 26.9.2017, que o notifica a proceder à reposição integral do valor de € 14.829,40, no prazo de 30 dias, findo o qual será emitida certidão de dívida a remeter à Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA); e,
3. Do teor da comunicação subscrita pelo Presidente do ISEL, em 9.10.2017, remetida ao Presidente do ISEP, de onde consta que foi colocado no escalão 3, índice 265, acompanhada de uma Guia de vencimentos .... de onde decorre que a sua remuneração corresponde ao escalão 3, índice 265.”

O TAC julgou a presente providência improcedente com fundamento na não verificação do periculum in mora.
Decisão que o TCAS revogou, determinando a baixa dos autos ao TAC a fim de ser produzida a prova requerida.
O que não chegou a acontecer por o Requerente ter, entretanto, devolvido o montante que lhe foi solicitado e o TAC ter declarado extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Decisão que o TCA Sul manteve.

É desse acórdão que o Autor vem recorrer justificando a admissão da revista com a relevância jurídica e social da questão suscitada e com a necessária intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito (art.º 150.ºdo CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O Sr. Presidente do IPL, por acto de 8.9.2017, ordenou ao ISEL que colocasse o Requerente na posição remuneratória que lhe correspondia (escalão 3, índice 265) e que quantificasse os valores que resultavam da diferença entre os montantes correspondentes àquele escalão e aqueles pelos quais foi abonado (escalão 4, índice 285) e que o notificasse para repor as quantias (que totalizavam €14.829,40) indevidamente recebidas. Determinação que o ISEL cumpriu notificando o Requerente, em 26.9.2017, para proceder à reposição do referido montante sob pena de, não o fazendo, emitir certidão de dívida e remete-la à Autoridade Tributária para execução.
Inconformado, o Requerente instaurou a presente providência pedindo a suspensão de eficácia do acto que não só determinou a sua colocação numa posição remuneratória de nível inferior àquela pela qual vinha sendo pago como ordenou a reposição dos valores recebidos de forma alegadamente indevida.
Todavia, por sentença de 28.2.2018, a mesma foi julgada improcedente com fundamento na não verificação do periculum in mora. Decisão que o TCAS revogou, determinando a baixa dos autos ao TAC “a fim de ser produzida a prova requerida em ordem à posterior decisão de mérito da causa, com o que for apurado”.
Durante a tramitação do recurso no TCA o ISEL notificou o Requerente de que iria extrair certidão de dívida e remetê-la para à Autoridade Tributária para instauração de execução o que levou aquele a depositar a importância que lhe vinha sendo exigida.
Remetidos os autos ao TAC o Requerente, invocando o decidido no TCA e o disposto no art.º 128º do CPTA, requereu ao ISEL a restituição da quantia de € 14.910,30, que lhe foi exigida e que pagou, sublinhando que o fizera a título de caução e para obstar à instauração daquela execução – já que não reconhecia a existência de qualquer dívida - requerendo que o montante caucionado ficasse dependente da decisão que apreciasse o mérito da causa.
Todavia, o TAC considerando integralmente executados os actos cuja suspensão de eficácia foi requerida, indeferiu esse pedido. Notificado para os efeitos do art.º 129º do CPTA, o Requerente não se pronunciou sobre a eventual utilidade que ainda pudesse ter o prosseguimento dos presentes autos para os interesses defendidos na acção principal.
Tendo em conta esta factualidade o TAC proferiu a seguinte decisão:
“Em face da execução dos actos cuja suspensão foi requerida resulta evidente a inutilidade de prosseguir com a lide, devendo a instância ser declarada extinta com esse fundamento (cfr. o disposto na alínea e) do artigo 277º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA). As custas são a repartir pelas partes (cfr. o disposto no nº 1 do artigo 539º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).
Termos pelos declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.”

Decisão que o TCA manteve com um discurso de que se destaca o seguinte:
“....
O Recorrente .... alega que tendo os efeitos da primeira sentença sido destruídos, e tendo em conta que o acto havia sido, entretanto, executado, impendia sobre a Administração e o próprio Tribunal a quo a obrigação de executar a decisão do TCAS, extraindo da mesma os devidos efeitos. .... Mais alega que o acto de execução praticado pelo ISEL viola a decisão judicial proferida por este TCAS.
Concomitantemente entende o Recorrente que a sentença recorrida impossibilitou-o de produzir a prova testemunhal necessária para demonstrar, em concreto, a verificação dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida, diligência essencial para a demonstração de factos que vieram a ser julgados não provados (na primeira decisão final), sendo que para tanto o TCAS havia ordenado a produção da prova testemunhal requerida. Significa isto que o Recorrente imputa ao tribunal a quo a violação da autoridade do caso julgado que se extrai da decisão deste tribunal de recurso.
........
Ora, a produção da prova determinada sempre haveria que estar em consonância com a necessidade de decidir do mérito da causa, pois que a execução do julgado não prossegue um fim em si mesmo (sob pena da prática de actos inúteis no processo).
E perante a superveniência de factualidade susceptível de gerar a inutilidade ou impossibilidade da lide, impunha-se ao tribunal suscitá-la e resolvê-la. Como fez.
A decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide assentou na circunstância de a lesão que o Recorrente pretendia evitar com a instauração da providência cautelar ter sido consumada, inexistindo, assim, um dos requisitos essenciais para que seja decretada a providência cautelar: o periculum in mora.
...
Concluímos do exposto que a falta de produção de prova testemunhal não violou o decidido na decisão sumária de 16.07.2018.
Improcede o recurso nesta parte.

Vejamos agora se o tribunal incorreu em erro de julgamento ao ter concluído pela existência de factualidade geradora de inutilidade superveniente da lide.
.....
Com efeito, atento o probatório estão reunidos os pressupostos da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide. É de impossibilidade que se trata e não de inutilidade, considerando que os efeitos do acto que se procuravam impedir de concretizar, não são mais possíveis de paralisar, em razão de acto material posterior consubstanciado no pagamento realizado voluntariamente ..... E verificada a impossibilidade da lide o juiz deve emitir pronúncia negativa, isto é, deve declarar que nenhuma providência tem a tomar quanto ao pedido .....
Ora, como evidenciado pelo Recorrido ISEL, “[t]endo o pagamento sido realizado, ainda que a título de caução ou de pagamento propriamente dito, já se consumaram todos os efeitos nocivos do ato suspendendo, não restando quaisquer efeitos suscetíveis de serem atingidos pela suspensão requerida, pelo que não se verificam sequer os pressupostos de que a norma do artigo 129.º do CPTA faz depender a admissibilidade da suspensão de eficácia do ato já executado”.
....
Com efeito, proferida sentença que indefere a providência cautelar, a entidade administrativa visada pode de imediato prosseguir com os actos subsequentes. E se sentença for revogada, como sucedeu no caso dos presentes autos, os actos entretanto praticados não desobedecem ao comando do citado artigo 128.º, n.º 1, do CPTA. Esta solução assenta na consagração do efeito devolutivo do recurso, de acordo com o art. 143.º, nº 2, al. b), do CPTA, que acolhe o princípio de que após a decisão judicial os actos administrativos produzem imediatamente os seus efeitos a partir do momento em que sejam proferidas, fazendo cessar a proibição de executar o acto administrativo que decorre do artigo 128.º, nºs 1 e 2, do mesmo diploma.
Improcede também por esta via o recurso.”

3. Como se acaba de ver a questão que se suscita nesta revista é a de saber se o Acórdão recorrido fez correcto julgamento quando, confirmando decisão do TAC, considerou que o pagamento efectuado pelo Requerente da quantia que lhe vinha sendo exigida determinava a impossibilidade da lide da presente providência cautelar.

A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas pelo Recorrente e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique a alteração desse entendimento.
Com efeito, e no essencial, são formulados dois diferentes pedidos nesta medida cautelar; por um lado, a suspensão da eficácia do acto que ordenou a colocação do Requerente na posição remuneratória correspondente ao escalão 3, índice 265, e, por outro, a que determinou a reposição dos valores recebidos de forma alegadamente indevida.
Ora, a presente providência foi indeferida por ter sido entendido que o depósito que o Requerente havia feito, ainda que título de caução e com vista a evitar que lhe fosse instaurada uma execução pela Autoridade Tributária, significava que aquele havia liquidado a importância que lhe estava a ser exigida e que, portanto, os efeitos nocivos do acto suspendendo já se haviam consumado.
Conclusão que tudo indica não merecer a censura que lhe é dirigida uma vez que a mesma decorreu de uma plausível fundamentação jurídica. Deste modo, e nesta matéria, a admissão do recurso não é necessária para uma melhor aplicação do direito.
E igual conclusão se deve retirar no tocante ao pedido de suspensão de eficácia da ordem que determinou a colocação do Recorrente numa diferente posição remuneratória já que da articulação factos constante da petição inicial não se vislumbra que essa ordem possa determinar a colocação do Recorrente numa situação de periculum in mora.

Sendo que, por outro lado, não está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental.

DECISÃO

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 10 de Julho de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.