Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0159/16
Data do Acordão:05/04/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Atenta a natureza excepcional do recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA, (quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito), não se verificam os respectivos pressupostos se as questões suscitadas não revestem tal relevância e tais características e, além disso, também se reconduzem à aferição do julgamento da matéria de facto (sem que se verifiquem os pressupostos previstos no nº 4 do art. 150º do CPTA).
Nº Convencional:JSTA000P20490
Nº do Documento:SA2201605040159
Data de Entrada:02/12/2016
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA:

RELATÓRIO
1.1. A…………, Lda., com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 17/09/2015, no processo que aí correu termos sob o nº 438/12.0BEPRT.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. O presente recurso de revista vem interposto daquelas que foram as doutas decisões proferidas neste processo supra referenciado, quer pelo Juiz a quo, quer pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que rejeitaram quer a impugnação quer o recurso interposto pela Impugnante/Recorrente;
2. A douta sentença proferida pelo Juiz a quo, mantida inalterada pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, foi no sentido de julgar improcedente o que havia sido peticionado no âmbito da impugnação deduzida e do recurso interposto pela aqui Recorrente:
• em relação ao IRC relativo ao ano de 2007 e à anulação da coleta oficiosamente liquidada pela Inspeção de Finanças no montante de € 12.256,18 (doze mil duzentos e cinquenta e seis euros e dezoito cêntimos);
• em relação a juros compensatórios relativos a IRC de 2007, liquidados no montante de € 1.719,22 (mil setecentos e dezanove euros e vinte e dois cêntimos);
• em relação à anulação parcial da derrama relativa a 2007, liquidada pela Inspeção de Finanças em € 4.052,45 (quatro mil e cinquenta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos);
• em relação ao IRC de 2008 e à anulação da liquidação do imposto oficiosamente liquidado no montante de € 23.216,55 (vinte e três mil duzentos e dezasseis euros e cinquenta e cinco cêntimos)
• em relação à anulação parcial dos juros compensatórios relativos ao IRC de 2008, liquidados pela Inspecção Tributária no montante de € 2.091,39 (dois mil e noventa e um euros e trinta e nove cêntimos);
• em relação à derrama relativa ao ano de 2008, liquidada pela Inspecção de Finanças no montante de € 1.897,15 (mil oitocentos e noventa e sete euros e quinze cêntimos);
3. Segundo foi doutamente sumariado no douto acórdão proferido em 17/09/2015 pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, as questões acerca das quais foi chamado a pronunciar-se foram atinentes quer à matéria de facto como ainda à matéria de direito aplicável ao caso concreto, seja em termos do que estabelece no direito substantivo como no processual, tendo sido sintetizadas da seguinte forma:
«1. Nos termos do art. 100º/1 do CPPT, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.
2. Este preceito constitui aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova, enunciada no art. 74º/1 LGT. Regra que também encontramos no art. 414º do CPC (anterior art. 516º) fazendo recair sobre o onerado com a prova de um facto a desvantagem da dúvida.
3. A norma é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário.
4. A prova produzida de que há-de resultar a «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário» deverá ser não só a prova mobilizada pelas partes mas também aquela que o juiz deverá impulsionar (art. 13º/1 do CPPT).
5. A dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, especialmente do impugnante, sobre quem recai o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (art. 342º/1 do Código Civil). * Sumário elaborado pelo Relator.»
4. Diante do que vem sendo exposto, o presente recurso de revista tem por objecto a apreciação de questões de direito, que se suscitam para que seja possível uma melhor aplicação do direito, e que são simultaneamente atinentes i) ao que se estabelece no art. 100º nº 1 do CPPT quanto à fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, ii) ao ónus da prova na matéria relativa à fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, iii) à prova que ao abrigo do que se estabelece no artigo 13º nº 1 do CPPT caberá ao juiz impulsionar, iv) à enunciação por artigos dos factos que devem ser tidos como provados e como não provados no âmbito de uma sentença/acórdão e v) à fundamentação do acto de liquidação pela Administração Tributária;
5. Naquele que é o modesto entendimento por parte da aqui Recorrente impõe-se uma tomada de posição por parte deste Supremo Tribunal Administrativo com vista à melhor aplicação do direito não só no seu caso em concreto mas em todos os demais casos que se têm vindo e dos que ainda se vierem a suscitar perante os tribunais com base e tendo por pressuposto a fundada dúvida a que se refere este artigo 100º nº 1 do CPPT;
6. Isto porque, naquele que é o muito modesto entendimento por parte da aqui Recorrente, o que se estabelece neste nº 1 do artigo 100º do CPPT deverá operar simultaneamente em relação à legalidade da actuação da administração assim como em relação à averiguação da existência e quantificação do facto tributário, sobretudo quando a prática por parte dos nossos tribunais de primeira instância tem sido a de verter nos factos provados todo o conteúdo do relatório da inspecção, desatendendo por completo ao que decorre do poder-dever previsto no nº 1 do artigo 13º do CPPT;
7. Donde, naquele que é o muito modesto entendimento por parte da aqui Recorrente, atento o seu caso concreto e os que se vierem a colocar, torna-se necessário clarificar aqueles que devem ser os poderes-deveres por parte da Autoridade Tributária e por parte dos Tribunais em relação ao que se estabelece neste n° 1 do artigo 100º do CPPT face àquela que tem sido a prática de verter nos factos provados da sentença todo o conteúdo ou grande parte do conteúdo do relatório da inspecção, tanto em termos de factualidade como do seu enquadramento jurídico, desatendendo ainda por completo à necessidade que decorre da lei de ter que proceder quer à fundamentação do acto de liquidação de um imposto como ainda à de ter que proceder à fundamentação de uma decisão;
8. Isto porque, salvo o devido respeito por que lhe merece entendimento em contrário, no douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte procedeu-se a uma errada interpretação dos factos dados como provados e consequentemente procedeu-se a uma incorrecta aplicação da lei, concretamente ao considerar reunidos os pressupostos previstos no nº 3 do art. 7º do CIVA e no nº 1 do art. 18º do CIRC, quando é por demais evidente que não foi produzida prova inequívoca nesse sentido, sendo isso mesmo que é, de resto, reconhecido no próprio relatório de inspecção tributária (RIT) ao referir que apesar de ter identificado todas as situações mais complexas e duvidosas atinentes a 94 alunos ainda assim decidiu apenas com base numa amostra de 5 alunos, isto quando a Autoridade Tributária dispunha de documentação facultada pela Recorrente e que lhe permitia fundamentar uma decisão caso a caso, em relação a cada um dos 94 alunos sob suspeita;
9. Perante o que supra vem sendo exposto e em análise crítica àqueles que foram os factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido nas alíneas A) e D) da matéria de facto dada como provada, e atento o que se estabelece no nº 3 do artigo 150º do CPTA, então impõe-se proceder ao correcto enquadramento jurídico destes factos quer quanto à lei substantiva quer quanto à lei processual;
Termina pedindo que o provimento do recurso.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emite Parecer, nos termos seguintes:
«1. O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 150º do CPTA, com o fundamento de que a questão, pela sua relevância jurídica e social, se reveste de importância fundamental, e a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Alega a Recorrente a este propósito que está em causa a interpretação e aplicação do disposto no artigo 100º do CPPT, no que se refere à repartição do ónus da prova, tendo em consideração a fundamentação que incumbe à Administração Tributária e a atuação que se impõe ao tribunal na recolha da prova ao abrigo do artigo 13º, nº 1, do CPPT.
Para a Recorrente, o que se estabelece no nº 1 do artigo 100º deverá operar simultaneamente em relação à legalidade da atuação da Administração, assim como em relação à averiguação da existência e quantificação do facto tributário por parte das instâncias.
Entende a Recorrente que as instâncias fizeram errada apreciação e enquadramento da factualidade apurada nos autos ao concluírem pela verificação dos pressupostos previstos no nº 3 do artigo 7º do CIVA e do nº 1 do artigo 18º do CIRC.
2. No acórdão recorrido foram elegidas três questões decidendas: nulidade da sentença por falta de fundamentação, erro na apreciação da prova e erro de direito.
No que respeita ao erro de direito o mesmo foi abordado em três perspetivas: a existência de fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário; a ilisão da presunção da veracidade da declaração apresentada pelo contribuinte; e a data em que os créditos decorrentes dos contratos celebrados pela Recorrente se devem ter por realizados.
No que respeita à invocada existência de fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário considerou-se no acórdão recorrido que “não tendo a impugnante recorrente cumprido o ónus probatório, não pode reclamar a aplicação da regra prevista no art. 100º do CPPT (cfr. 2º paragrafo de fls. 36 do acórdão). Quanto à presunção de que beneficia a declaração do contribuinte exarou-se que “não é verdade que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade da impugnante sejam verdadeiros, como bem resultou da prova produzida”. Por último considerou o tribunal recorrido que “a Recorrente baseia o alegado erro em factos que não conseguiu provar, ou seja, que as prestações não são «mensalidades» pagas pela prestação de serviço, mas sim pagamento de um curso vendido em prestações. Estes factos não ficaram provados, antes pelo contrário”.
E concluiu-se no acórdão recorrido que, “nos termos do art. 18º do CIRC (e também 7º, 3, do CIVA), como assinalou o Mmo. juiz «a quo», os proveitos devem considerar-se realizados no fim de cada mês, uma vez que ficou contratualmente estipulado o pagamento dos custos em mensalidades. Desta forma, caberia à aqui impugnante contabilizar os proveitos à medida que a formação ia sendo ministrada, independentemente de recebimento das mensalidades devidas, o que não sucedeu, uma vez que se verificou um desfasamento entre os serviços prestados e a faturação emitida”.
3. Nos termos do art. 150º, nº 1, do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
A jurisprudência do STA ((1) Vide acórdãos do STA de 30/05/2012, processos nº 304/12 e 415/12, e demais jurisprudência ali citada) tem assinalado os seguintes requisitos do recurso de revista:
“Ocorrerá o 1º requisito quando se verificar uma relevância prática que tenha como ponto obrigatório de referência, o interesse objetivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular e não uma mera relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas.
Exige-se, assim, que a questão a apreciar seja de complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas que cumpra efetuar, quando se esteja perante um enquadramento normativo particularmente complexo ou quando se verifique a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis ou se exija ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas. E tal relevância jurídica não pode ser meramente teórica, medida pelo exercício intelectual que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas uma relevância prática, com interesse e utilidade objetiva.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á nas situações em que esteja em causa uma questão que revele especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, ou nas situações em que se possa entrever, ainda que reflexamente, a existência de interesses comunitários especialmente relevantes ou em que esteja em causa matéria particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário
Decorre igualmente do nº 4 do artigo 150º do CPTA que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Ora, o que a Recorrente pretende questionar é a apreciação que as instâncias fizeram da prova, que no seu entendimento se mostra errada e insuficiente e que acabou por se refletir no enquadramento legal que foi feito da mesma.
Por outro lado, não se alcança qual a relevância jurídica ou social da questão, nem a Recorrente logra esclarecer em que termos se impõe a intervenção do STA para efeitos de melhoria da aplicação do direito. Com efeito, no recurso dirigido a este tribunal a Recorrente mantém no essencial a argumentação efetuada no recurso dirigido ao TCA e na qual sobressai a sua discordância sobre a caracterização que as instâncias fizeram dos cursos ministrados e que deram origem às correções em sede de IVA e IRC subjacentes às liquidações impugnadas.
Entendemos, assim, que não se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no artigo 150º do CPTA.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Nos termos do disposto no nº 6 do art. 663º do CPC, aplicável por força do art. 679º do mesmo Código, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.

3.1. Por decisão proferida no TAF do Porto, em 7/7/2014 (fls. 384/417) foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial que a ora recorrente – A…………, Lda., deduziu contra as liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2007 e 2008 e contra a liquidação relativa a retenções na fonte de IRC do exercício de 2007.
Dessa decisão do TAF do Porto a impugnante interpôs recurso para o TCA Norte onde, por acórdão de 17/9/2015 (fls. 512/530), foi negado provimento a tal recurso, com fundamento em que nem se verificam as nulidades imputadas à sentença recorrida, nem, por outro lado, se verifica o invocado erro de direito [(i) por não ter sido considerada a existência de fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário, (ii) por ter sido considerada elidida a presunção da veracidade das declarações fiscais apresentadas bem como dos dados da contabilidade e (iii) por não se ter considerado que os créditos decorrentes dos contratos celebrados pela recorrente se devem ter por realizados na data em que o serviço é concluído].
Em síntese, considerou-se no acórdão recorrido o seguinte:
- Quanto à alegada fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário, “não tendo a impugnante recorrente cumprido o ónus probatório, não pode reclamar a aplicação da regra prevista no art. 100º do CPPT (cfr. 2º parágrafo de fls. 36 do acórdão).
- Quanto à presunção de veracidade das declarações fiscais e dos dados da escrita, exarou-se que “não é verdade que os dados e apuramentos inscritos na contabilidade da impugnante sejam verdadeiros, como bem resultou da prova produzida”.
- Quanto à questão dos créditos decorrentes dos contratos, entendeu-se que “a Recorrente baseia o alegado erro em factos que não conseguiu provar, ou seja, que as prestações não são «mensalidades» pagas pela prestação de serviço, mas sim pagamento de um curso vendido em prestações. Estes factos não ficaram provados, antes pelo contrário”.

3.2. Discordando do assim decidido, a recorrente sustenta, no essencial, que o presente recurso de revista tem por objecto a apreciação de questões de direito [que respeitam (i) ao que se estabelece no nº 1 do art. 100º do CPPT (fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário), (ii) ao ónus da prova na matéria relativa à fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, (iii) à prova que ao abrigo do que se estabelece no nº 1 do art. 13º do CPPT caberá ao juiz impulsionar, (iv) à enunciação por artigos dos factos que devem ser tidos como provados e como não provados no âmbito de uma sentença/acórdão e (v) à fundamentação do acto de liquidação pela AT], sendo que, na tese da recorrente, se impõe a pronúncia do STA com vista à melhor aplicação do direito, não só no caso concreto mas em todos os demais casos suscitados ou a suscitar perante os tribunais, com base e tendo por pressuposto a fundada dúvida a que se refere o nº 1 do citado art. 100º do CPPT.
Vejamos, pois.

3.3. Os pressupostos de admissibilidade do recurso excepcional de revista estão contidos no art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

3.4. Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

3.5. No caso, afigura-se-nos que não estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional.
Por um lado, não se vê que sejam questões de relevância jurídica ou social de importância fundamental (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.) as que se prendem com a latitude do poder inquisitório do juiz (art. 13º do CPPT), com a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário e sobre o ónus da prova nessa matéria e com a enunciação por artigos dos factos que devem ser tidos como provados e como não provados, ou, finalmente, a que se prende com a fundamentação do acto de liquidação.
Na verdade, como a jurisprudência deste STA vem sublinhando, (i) só se verifica a apontada relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio; (ii) e só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Ora, no caso, não pode atribuir-se relevância jurídica ou social de importância fundamental àquelas apontadas questões, já que não são particularmente complexas do ponto de vista jurídico, não contendem com interesses especialmente importantes da comunidade e também nem sequer extravasam dos limites do caso concreto: trata-se, antes, de questões que emergem de factualidade pontual e, por isso, assentam e convocam argumentos específicos e particulares (o que desde logo restringe significativamente a capacidade de expansão da controvérsia para além dos limites da situação singular dos autos) e que, de todo o modo, importam aferição do julgamento da matéria de facto (sem que se verifiquem os pressupostos previstos no nº 4 do art. 150º do CPTA). Além de que a recorrente também não invoca que a doutrina e/ou a jurisprudência tenham vindo a pronunciar-se em sentido divergente, gerando incerteza e instabilidade na resolução das questões em causa, nem se vislumbra a existência de um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida, pelo que fica igualmente afastada a necessidade de este Tribunal intervir no quadro de uma melhor aplicação do direito.
Ficam, assim, afastadas a excepcionalidade e, por conseguinte, a admissibilidade, da presente revista excepcional.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se considerar que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 4 de Maio de 2016. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce NetoIsabel Marques da Silva.