Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01313/16.5BEPRT
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
Sumário:O STA, há longo tempo, entende, uniforme e reiteradamente, em suma, que:
- constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de partes sociais (e de outros valores mobiliários), os quais se consideram obtidos no momento da efetiva alienação, correspondendo (o(s) ganho(s)) à diferença entre o valor de realização e o de aquisição do bem transmitido – artigo 10.º, n.ºs 1, alínea b), 3 e 4 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS);
- as mais-valias não podem deixar de reportar-se a cada ganho de per si;
- o facto tributário (gerador de mais-valias) nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação/realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano;
- a Lei nº 15/2010 de 26 de julho (que, além do mais, revogou, expressamente, o n.º 2 do art. 10.º do CIRS) é omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo, pois, não contém qualquer norma que deponha sobre a sua aplicação temporal, limitando-se a prescrever que “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”, pelo que, se impõe aplicar a regra geral sobre aplicação da lei fiscal, substantiva, no tempo, plasmada no artigo 12.º (n.º 1) da Lei Geral Tributária (LGT);
- no campo das mais-valias (IRS), a lei aplicável é a vigente na data da ocorrência do facto tributário, instantâneo, gerador.
Nº Convencional:JSTA000P28682
Nº do Documento:SA22021120901313/16
Data de Entrada:07/17/2020
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A…………, …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 19 de maio de 2021, que julgou improcedente impugnação judicial, apresentada, por si, contra ato de liquidação, adicional, de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), respeitante ao ano de 2010, no valor de € 223.617,82, incluindo juros compensatórios, reduzido para o total de € 217.919,01, na sequência de, havido, acerto de contas.
O recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: «


A) As mais-valias originadas pela alienação em 2010 das ações detidas pelo respetivo titular há mais de 12 meses aquando da revogação do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS, pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, não estão sujeitas a IRS, ao abrigo do disposto nos artigos 12.º do CC e da LGT.
B) Na verdade e contrariamente ao doutamente decidido, não obstante o facto tributário se considerar concluído aquando da alienação do activo gerador das mais-valias, é um facto de formação sucessiva desde o momento da aquisição desse activo
C) A douta sentença interpreta, pois, e aplica erradamente o disposto no art.º 10, n.º 2, do CIRS (na redacção vigente aquando da sua revogação) e o art.º 12.º, n.º 2, da LGT
D) A norma ínsita no art.º 10.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, quando interpretada no sentido de serem sujeitas a imposto as mais-valias decorrentes da alienação de acções detidas há mais de 12 meses aquando da entrada em vigor da nova lei, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da protecção da confiança

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença sob recurso, com a final procedência da impugnação, como é de JUSTIÇA.»

*

Não aconteceu a formalização de contra-alegações.

*

O Exmo. magistrado do Ministério Público emitiu parecer, no sentido de que deve ser julgado improcedente o recurso.

Sustentou, em conclusão: «

Nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais, o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12.º n.º 1 da LGT e do CC).

Tal interpretação não viola o princípio da proibição da irretroatividade da lei fiscal, previsto no artigo 103º, nº 3, da CRP, por «A retroactividade proibida no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição é a retroactividade própria ou autêntica. Ou seja, proíbe-se a retroactividade que se traduz na aplicação de lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova).”, o que não ocorre no caso concreto, em que o facto tributário ocorreu e produziu todos os seus efeitos na vigência da lei nova. »


*

Cumpridas as formalidades legais, cabidas, compete-nos decidir.

*******

# II.

Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, consta: «

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Com data de notícia de 15 de dezembro de 2014, foi instaurado o processo de inquérito criminal, com o n.º 92/2014.5IDPRT. – cfr. documento a fls. 24 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;

2. Em 29 de dezembro de 2015, no processo de inquérito referido no ponto anterior, o Ministério Público deduziu acusação contra o Impugnante, da qual consta, entre o mais, o seguinte:

(…) O arguido A………… em 22.12.2010 vendeu as seguintes participações sociais que detinha na sociedade “Sociedade Agrícola e Comercial B………… SA” […], classificada pelo IAPMEI como pequena empresa entre 27.10.2009 e 26.09.2011, nas seguintes quantidades e pelo seguinte valor:
        Quantidade
        Valor em €
        18.000
1.500.000,00
        6.000
500.000,00
2.

O arguido havia adquirido no ano de 1988, 3900 das referidas acções e nos anos de 2005 e 2008 as restantes 20.100 acções referidas em 1. pelo valor unitário nominal de 5,00€.

3.

Sucede que o arguido não apresentou, como podia, devia e sabia dever fazer, no Serviço de Finanças na declaração de Mod 3 do IRS de 2010 o anexo G respeitante as mais/menos valias obtidas com a alienação daquelas acções.

4.

Na verdade, bem sabia o arguido que constituem mais valias os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de partes sociais, sendo o ganho sujeito a IRS constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor de aquisição.

[…]

10.

[…] tais factos só vieram a ser descobertos aquando da realização duma ação inspetiva interna, pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ao sujeito passivo e ora arguido.

[…]”.

– cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 25 a 29 do SITAF;

3. O Impugnante foi sujeito a uma ação inspetiva pela Direção de Finanças do Porto, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201404584, que foi assinada pelo Impugnante em 31 de março de 2015, com referência a IRS do ano de 2010. – cfr. ponto II.1 e II.2 do relatório de inspeção, a fls. 20 a 22 do processo de reclamação apenso aos autos;

4. Em 25 de maio de 2015, foi elaborado o relatório de inspeção, propondo correções aos rendimentos da categoria G de IRS do ano de 2010, no montante de imposto de € 188.000,00, e no qual consta, entre o mais, que:

[…]

II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal

Motivo: A ação de inspeção foi determinada por ter sido detetado, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu, que o sujeito passivo alienou, em Dezembro de 2010, 24.000 ações da Sociedade Agrícola e Comercial B………… SA […], por € 2.000.000,00, não tendo entregue o anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, tal como se encontrava obrigado.

[…]

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

De acordo com a informação remetida pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Viseu, na sequência de ação inspetiva realizada à empresa Sociedade Agrícola e Comercial B…………, SA […], o sujeito passivo alienou em 2010-12-22 as seguintes participações sociais desta entidade:
        Quantidade
        Valor em €
18.000
1.500.000,00
6.000
500.000,00

No entanto, na Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS do ano 2010, o sujeito passivo não apresentou anexo G respeitante às mais/menos valias obtidas com a alienação destas ações.

[…] uma vez que o sujeito passivo apenas informou o valor de aquisição das primeiras 3.900 ações (valor nominal), considera-se que o custo de aquisição das 24.000 ações corresponde ao seu valor nominal (€ 5,00, de acordo com a Certidão Permanente do Registo Comercial).

[…] encontrando-se a Sociedade Agrícola e Comercial B…………, SA certificada pelo IAPMEI como pequena empresa, no período de 2009-10-27 a 2011-09-26, as mais-valias apuradas com a alienação das participações sociais são consideradas em 50%, para efeitos de tributação, estando sujeitas à taxa especial de 20% […].

Refira-se que estas mais-valias não beneficiam da exclusão de tributação prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30/11 (que aprovou o Código do IRS), porquanto o sujeito passivo não provou que a titularidade das ações é anterior à entrada em vigor do Código (1989-01-01), conforme lhe competia, nos termos do n.º 2 daquele artigo, tendo apenas alegado que a aquisição das primeiras 3.900 ocorreu em 1988, sem, contudo, juntar nenhum elemento de prova.

Acresce que, de acordo com a informação do responsável financeiro da Sociedade Agrícola e Comercial B…………, SA (Dr. C…………), o sujeito passivo adquiriu 3.600 ações em 2005 e 16.500 em 2008, não lhe sendo possível aferir sobre a data de aquisição das restantes 3.900, embora admita que possa ter sido em 1988.

Do exposto resulta que o sujeito passivo omitiu à Administração Fiscal rendimentos obtidos em 2010, decorrentes de mais-valias realizadas com a alienação de partes sociais, no montante de € 940.000,00 (1.880.000,00 x 50%), que se traduziu em imposto em falta no valor de € 188.000,00 (940.000,00 x 20%)”. – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 20 a 23 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;

5. Em 26 de junho de 2015, foi emitida, em nome do Impugnante, a liquidação adicional de IRS n.º 2015 5004163427, referente ao ano de 2010, no valor de € 223.617,82, sendo € 193.648,81 referente a imposto apurado e € 29.969,01 referente a juros compensatórios. – cfr. documento a fls. 14 do processo de reclamação apenso aos autos;

6. Na sequência da liquidação referida no ponto anterior, foi emitida a demonstração de acerto de contas, da qual consta um estorno de € 5.698,81, referente a liquidação do ano de 2010, e o valor a pagar de € 217.919,01, com data limite de pagamento de 12 de agosto 2015. – cfr. documento a fls. 12 do processo de reclamação apenso aos autos;

7. Em 10 de dezembro de 2015, o Impugnante apresentou reclamação graciosa que foi autuada com o n.º 1805201504004671, na qual peticionou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2010. – cfr. documentos, que se dão por integralmente reproduzidos, a fls. 1 a 11 do processo de reclamação apenso aos autos;

8. Em 12 de janeiro de 2016, foi elaborada informação, pela Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do Porto, na qual se propôs o indeferimento da reclamação graciosa, e da qual consta, entre o mais, o seguinte:

[…] em situação normal, o direito de liquidação caducaria no dia 31/12/2014, mas com a instauração do Processo de Inquérito n.º 92/2014.5IDPRT […], com data de notícia de 15/12/2014, esse prazo foi alargado […]. Verifica-se ainda que está cumprida a outra condição do art.º 45.º n.º 5 da LGT, uma vez que os factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal são os mesmos a que diz respeito a liquidação em causa. Finalmente, nada consta que o alargamento do prazo da caducidade dependa do conhecimento por parte do contribuinte ou constituição do mesmo como arguido.

Relativamente à questão de parte das acções terem sido adquiridas antes da entrada em vigor do Código do IRS (01/01/1989), não foi apresentado qualquer comprovativo dessa alegação, quer no âmbito da acção de inspecção, quer no presente processo.

Face ao alegado de que as mais-valias geradas pela venda das acções não constituem rendimentos sujeitos a IRS, porque detidas há mais de um ano [… u]ma vez que as acções foram alienadas depois da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010 de 26/07/2010, mais concretamente no dia 22/12/2010, não é possível a aplicação do art.º 10.º n.º 2 do CIRS na redacção vigente antes da sua alteração pela referida Lei.

Finalmente, de referir que o processo de inquérito foi proposto pelos Serviços de Inspeção Tributária, e por esse motivo a informação colhida no âmbito do inquérito criminal resulta dos elementos apurados por esses mesmos Serviços. […]”. – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 25/26 do processo de reclamação apenso aos autos;

9. Em 21 de janeiro de 2016, foi proferido despacho, pela Chefe de Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do Porto, ordenando a notificação do Impugnante para “exercer, querendo, o direito de audição prévia”. – cfr. fls. 25 do processo de reclamação apenso aos autos;

10. Em 10 de fevereiro de 2016, foi proferido despacho, pela Chefe de Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do Porto, de indeferimento da reclamação graciosa. – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 32/33 do processo de reclamação apenso aos autos;

11. Para notificação da decisão identificada no ponto anterior, foi remetido, ao mandatário do Impugnante, um ofício, datado de 12 de fevereiro de 2016, por correio registado com aviso de receção, que foi assinado, por terceira pessoa, em 17 de fevereiro de 2016. – cfr. documentos a fls. 56 a 60 do SITAF;

12. Em 17 de maio de 2016, o Impugnante apresentou a petição inicial da presente impugnação. – cfr. comprovativo a fls. 2 dos autos.


*

FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito, nomeadamente que a Impugnante adquiriu 3.900 ações no ano de 1988.»


***

Com base em argumentos bastante diversificados, detalhados e desenvolvidos (que, aqui, nos dispensamos de reproduzir), o STA, há longo tempo, entende, uniforme e reiteradamente, em suma, que (Cf., v.g., acórdão de 16 de setembro de 2015 (01292/14); disponível em www.dgsi.pt):

- constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de partes sociais (e de outros valores mobiliários), os quais se consideram obtidos no momento da efetiva alienação, correspondendo (o(s) ganho(s)) à diferença entre o valor de realização e o de aquisição do bem transmitido – artigo 10.º, n.ºs 1, alínea b), 3 e 4 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS);

- as mais-valias não podem deixar de reportar-se a cada ganho de per si;

- o facto tributário (gerador de mais-valias) nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação/realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano;

- a Lei nº 15/2010 de 26 de julho (que, além do mais, revogou, expressamente, o n.º 2 do art. 10.º do CIRS) é omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo, pois, não contém qualquer norma que deponha sobre a sua aplicação temporal, limitando-se a prescrever que “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”, pelo que, se impõe aplicar a regra geral sobre aplicação da lei fiscal, substantiva, no tempo, plasmada no artigo 12.º (n.º 1) da Lei Geral Tributária (LGT);

- no campo das mais-valias (IRS), a lei aplicável é a vigente na data da ocorrência do facto tributário, instantâneo, gerador.

Exposta esta sólida corrente jurisprudencial, avaliados os fundamentos da crítica que o rte dirige à sentença recorrida, resumidos nas conclusões acima reproduzidas, imediatamente, emerge a constatação de que esta não padece do erro de julgamento imputado, porquanto, decidiu em sintonia com aquela, tendo de ser mantida, no entendimento, sumariado, de que a alienação, pelo impugnante, de ações, no dia 22 de dezembro de 2010, apesar de detidas, então, há mais de 12 meses, está sujeita a mais-valias, não podendo beneficiar do disposto no art. 10.º n.º 2 do CIRS, na redação vigente antes da ocorrida revogação pela Lei n.º 15/2010 de 26 de julho (o que, somente, seria operável, se a ocorrida alienação tivesse acontecido até 26 de julho de 2010).

Resta acrescentar que, na nossa perspetiva, a visada sentença, também, merece confirmação, no que tange ao julgado, em matéria de inconstitucionalidade do art. 10.º do CIRS; concretamente (ao que nada se nos oferece aditar): «

c) Da inconstitucionalidade do artigo 10.º do Código do IRS, quando interpretado no sentido de serem sujeitos a imposto as mais-valias decorrentes de alienações de ações adquiridas há mais de 12 meses aquando da entrada em vigor da nova lei, por alegação violação do princípio da proteção da confiança;
O Impugnante alegou, nesta sede, que a interpretação de que a alteração introduzida pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, na parte em que procedeu à revogação do n.º 2, do artigo 10.º do Código do IRS, é aplicável às mais-valias adquiridas há mais de 12 meses, aquando da entrada em vigor de tal alteração legislativa, é de ser tida como inconstitucional, por violação do princípio da tutela da confiança, pois que seria expetável que o regime constante da norma revogada perdurasse e fosse aplicável à futura alienação de tais ações, o que deveria ter sido estabelecido em norma de direito transitório.
A Fazenda Pública nada disse alegou quanto a esta matéria.
Do princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio de Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, decorre o princípio da proibição de impostos retroativos, expressamente consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Com efeito, “A imposição da proibição de retroactividade da lei fiscal procura, pois, salvaguardar o princípio da protecção da confiança dos cidadãos, princípio estruturante do Estado de direito democrático, que exige, à luz do princípio da legalidade, que a lei só deverá reger para o futuro, como resulta do brocardo latino “nullum tributum sine praevia lege”. – neste sentido, veja-se o Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21 de junho de 2018, Processo n.º 171/15.1 BELLE, disponível em www.dgsi.pt.
O que significa que, a priori, a lei tributária não poderá dispor para o passado, com efeitos retroativos, devendo, antes, reger apenas para o futuro. E daí que o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição proíba a retroatividade da lei fiscal desfavorável.
Mas é entendimento do Tribunal Constitucional “que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (v.g. acórdãos n.º 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).” – vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04 de dezembro de 2013, Processo n.º 01582/13, já citado.
Do Acórdão transcrito, cuja posição acompanhamos, decorre que a Constituição só proíbe a retroatividade autêntica. Ora, a Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, entrou em vigor em 27 de julho de 2010, sendo aplicável, não aos factos tributários ocorridos antes da sua data de entrada em vigor, mas apenas aos que ocorram após a sua entrada em vigor, sendo certo que, como foi já referido, as mais-valias consubstanciam um facto tributário instantâneo.
Assim, a interpretação de que a revogação do n.º 2, do artigo 10.º do Código do IRS, é aplicável a todos os factos tributários que ocorram após a entrada em vigor de tal alteração legislativa, não viola o princípio da confiança e, consequentemente, não é de ser tida como inconstitucional.
Em consequência, improcede, também, a alegação da inconstitucionalidade do artigo 10.º do Código do IRS, quando interpretado no sentido de serem sujeitos a imposto as mais-valias decorrentes de alienações de ações adquiridas há mais de 12 meses aquando da entrada em vigor da nova lei, por alegada violação do princípio da proteção da confiança.»

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# III.

Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não prover este recurso.

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Custas pelo recorrente.
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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 9 de dezembro de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.