Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01352/11.2BELRS
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - No contencioso tributário, o recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Não se verificando qualquer um dos requisitos do n.º 1 daquele artigo 285º o recurso não pode ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P27182
Nº do Documento:SA22021021701352/11
Data de Entrada:01/26/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, Oponente nos autos supra referenciados, notificado do douto Acórdão e por com ele não se conformar, vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
Por legal e tempestivo digne-se V. Exa. considerar interposto o presente recurso que é de revista, e deverá subir nos próprios autos.

Alegou, tendo concluído:
1. VÍCIO DO ACÓRDÃO POR VIOLAÇÃO DE LEI - artigo 24.º, n.º 1 da LGT:
a) Conforme reconheceu o próprio Tribunal a quo, era à AT que competia demonstrar que o Recorrente exerceu uma gerência de facto no período relevante, na medida em que era sobre esta que incidia o ónus de alegar e provar este facto;
b) Contudo, o Tribunal a quo entendeu que ficou demonstrado o exercício da gerência de facto por parte do Recorrente, na medida em que este assinou cheques e requerimentos ao longo do período relevante;
c) Foram dados como provados os seguintes factos da maior relevância:
- Entre 2004 e 2008, os trabalhadores da sociedade B…………, Lda. recebiam ordens de C…………, que entregava os cheques referentes ao salário, recebia clientes, pagava a fornecedores e escolhia novos trabalhadores;
- Os cheques referidos continham a assinatura de C………… e do Recorrente;
- O Recorrente deslocava-se à oficina da sociedade B…………, Lda. regularmente, mas permanecia somente entre 10 a 15 minutos.
d) Pelo que, resulta provado que C………… passou a assumir, de forma isolada, a responsabilidade da condução dos destinos da empresa;
e) Neste sentido, C………… passou a ser considerado e visto como gerente (único) pelos trabalhadores, fornecedores e clientes da Devedora originária;
f) Pelo contrário, o Recorrente deixou de tomar decisões e de exercer qualquer função;
g) A simples assinatura do Recorrente não implica que exercesse a gerência de facto no período relevante, tratando-se de um mero requisito formal e legal;
h) Não é possível, através deste indício, por si só, supor a efetiva direção de uma empresa;
i) Este mesmo entendimento tem sido seguido pela Jurisprudência, nomeadamente, pelos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Norte, processo n.º 01389/04.8BEPRT, de 25/05/2016, e processo n.º 01337/08.6BEVIS, de 10/03/2016;
j) A Recorrida não logrou provar a gerência de facto do Recorrente no período relevante, dever que a si lhe incumbia;
k) Aliás, foram dados como provados factos que revelam o contrário, ou seja, a falta de gerência de facto do Recorrente;
l) Por todo o exposto, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se, assim, o acórdão aqui recorrido, por violação do artigo 24.º, n.º 1 da LGT.
Nestes termos e com o Douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando o acórdão recorrido.

Não foram produzidas contra-alegações.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.
O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.
Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
Vejamos, pois.

Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Como se alcança de uma leitura atenta das conclusões do recurso que nos vem dirigido, em confronto com o acórdão recorrido, facilmente se surpreende que o presente recurso não versa exclusivamente a resolução de questões na dimensão da matéria de direito, antes demandando para a sua resolução que o Supremo tribunal reaprecie a matéria de facto, ainda que na vertente das ilações que dos mesmos se devem retirar.
Na verdade, no acórdão recorrido concluiu-se que, O exercício efectivo da gerência pressupõe a prática de actos concretos pelo revertido em nome da sociedade que vinculem a mesma perante terceiros, no âmbito das relações de tráfico jurídico-comercial. No caso, dos elementos coligidos nos autos resulta que o oponente assinava os cheques de pagamento dos salários, assinava requerimentos em nome da sociedade devedora originária, no período relevante. Na certidão permanente da sociedade “B………… Lda.” constou, entre 2004 e 29 de Julho de 2009, o nome do Oponente no campo “Gerência” e, no campo “Forma de obrigar”, a menção “São necessárias as assinaturas de dois gerentes” (n.º 1, do probatório. O exercício efectivo da gerência, por parte do oponente, prolongou-se para além do período relevante (2007 e 2008), como decorre do requerimento assinado, em 25.02.2009, pelo próprio, em nome da sociedade devedora originária, B………… Lda.” (n.º 6). A ideia de uma delegação de tarefas ou do exercício nominal ou parcial da gerência não se oferece procedente, nem afasta a observação de que o oponente actuou como gerente da mesma, garantindo o seu funcionamento.
Ao considerar não demonstrada a gerência efectiva, a sentença recorrida incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que não julgue procedente a oposição com base no fundamento em referência.
Daqui resulta portanto, que para a decisão do recurso foram determinantes as ilações de facto retiradas da matéria de facto levada ao probatório, conjugadas com as normas legais aplicáveis, ou seja, não está em causa uma mera aplicação do direito aos factos dados como provados, para que se pudesse conhecer do recurso era essencial que este Supremo Tribunal conclui-se de modo diferente (ou do mesmo modo) quanto às ilações de facto, o que lhe está vedado.
O Supremo Tribunal Administrativo apenas conhece de direito, não se pronunciando quanto aos factos ou às demais questões a ele inerentes, a não ser quando são desatendidos documentos com força probatória legalmente fixada, cfr. n.º 4.
Assim, o recurso não pode ser admitido uma vez que não se mostram preenchidos os pressupostos legalmente previstos para o efeito.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pelo recorrente.
D.n.
Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.