Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01241/09
Data do Acordão:03/24/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
REINVESTIMENTO
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
Sumário:I – Nos termos do disposto no artigo 10º nº 5 do CIRS (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 10-B/96, de 23 de Março) constitui um pressuposto da exclusão da tributação em IRS que o produto da alienação obtido na transmissão onerosa de imóvel destinado à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar seja reinvestido na aquisição de outro imóvel destinado exclusivamente ao mesmo fim no prazo de 24 meses.
II – O reinvestimento a que se reporta esse preceito é tão só o reinvestimento do produto da alienação e não o investimento através de empréstimo bancário, pelo que tendo a impugnante, para a aquisição de um novo imóvel, recorrido totalmente a crédito bancário, não pode ver as mais-valias excluídas de tributação.
III – Só com a Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro é que os encargos decorrentes da amortização de empréstimo contraído para a aquisição de imóvel passaram a ser contemplados na exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente.
Nº Convencional:JSTA000P11626
Nº do Documento:SA22010032401241
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o acto de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 1999 e respectivos juros compensatórios, no montante total de € 13.129,73.
Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I Perante o cumprimento dos requisitos constantes no art. 10°, n°5, al.a) do CIRS, deve a Recorrente gozar da isenção de imposto ai prevista, devendo considerar-se reinvestido parte do proveito obtido com a venda do imóvel de que era proprietária, ainda que tenha recorrido ao crédito bancário com vista ao financiamento da aquisição do imóvel que veio a adquirir, pelo simples facto de, tal circunstancia, apenas impor um deferimento do pagamento do preço, o qual será, necessariamente, suportado pela mais-valia adveniente da sobredita venda.
II Tal isenção será aplicável ao montante reinvestido, e que ascende ao 7.500.000$00, sendo o remanescente montante em questão tributado na ordem dos 50%, conforme estipula o art. 43°, n° 2 do mesmo diploma.
III Para a efectivação deste direito que assiste à Recorrente, deverá ser destituída de efeito a liquidação adicional n° 5533276093, de 23/08/2003, que há anos inquina a sua vida, mormente pelo processo de Execução Fiscal e penhora da sua habitação.
IV A liquidação substitutiva, baseada em correctos pressupostos de Direito, não poderá deixar de ter em conta todos os pagamentos que a Recorrente já cumpriu perante a Fazenda Pública, operando uma compensação imediata.
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1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, com a seguinte argumentação:
«Em nosso entender a decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação da lei.

Com efeito, é jurisprudência cimentada deste Supremo Tribunal que, tendo a aquisição de um novo imóvel destinado a habitação do sujeito passivo, sido feita com recurso a crédito bancário, ainda que no prazo de 24 meses a contar da data da realização do produto da alienação de outro imóvel com a mesma destinação, não se encontra excluída da tributação de IRS (mais valias).

Neste sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do STA: de 12/03/03, processo n.º 1721/03; de 14/01/04, processo n.º 1357/03; de 7/12/04, processo n.º 938/04; de 02/02/05, processo n.º 1252/04; de 28/09/06, processo n.º 125/06, e de 11/02/09, processo n.º 892/08.

Para que aquela mais valia esteja excluída de tributação em sede de IRS, é imprescindível que o sujeito passivo faça prova do produto da alienação ter sido utilizado na aquisição de novo imóvel destinado à sua habitação. A lei exige ser o produto da alienação a ser reinvestido e não quaisquer outras quantias, designadamente as obtidas com recurso ao crédito bancário.

É no probatório que temos de apurar da existência de relação entre o novo investimento e o produto da alienação do imóvel destinado à habitação. Ora, resulta daquele, ter a Recorrente adquirido, em compropriedade, um novo imóvel destinado a habitação, menos de um mês após ter vendido um outro com a mesma destinação. Porém, a aquisição do novo imóvel, pelo valor de 15.000 000$00, foi feita com recurso a crédito bancário no montante de 18.000 000$00.

Não pode considerar-se provada a existência de um reinvestimento, nomeadamente em situações como a do caso sub judice, em que o empréstimo bancário é superior ao valor de aquisição. Na verdade o reinvestimento a que se reporta o n.º 5 do artigo 10.° do CIRS é tão só o reinvestimento do produto da alienação e não o reinvestimento de um empréstimo bancário.

Como o crédito bancário utilizado chega para cobrir os custos da nova aquisição, está-se perante uma situação em que não houve qualquer reinvestimento dos ganhos provenientes da transmissão anterior.».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir a questão colocada, a qual se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação do artigo 10°, n° 5, alínea a) do Código do IRS.


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2. Na sentença recorrida julgou-se como provada a seguinte matéria de facto:
a) Por escritura pública de compra e venda realizada no 2° Cartório Notarial do Porto, em 11/08/1995, a impugnante adquiriu pelo preço de 4.500.000$00 um imóvel sito na Rua …, n° …, …, Matosinhos (cf. doc. de fls. 5 a 7 dos autos);
b) Em 20/01/1999, a impugnante celebrou um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca no 8° Cartório Notarial do Porto, onde vendeu o imóvel supra mencionado pelo valor de 20.000.000$00 (cf. doc. de fls. 8 a 13 dos autos);
c) Posteriormente, em 03/02/1999, a impugnante adquiriu em compropriedade com B…, novo imóvel sito na Rua …, n° …, …, Ermesinde, pelo preço de 15.000.000$00, tendo recorrido a empréstimo bancário no montante de 18.000.000$00 (cf. doc. de fls. 29 a 33 do Processo Administrativo, doravante apenas PA);
d) Em 13/04/2000, a impugnante apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 referente ao ano de 1999, sem que tenha sido declarado, no respectivo anexo G, a alienação de uma habitação — fracção autónoma designada pela letra "D", sita na Rua …, no …, …, Matosinhos (cf. informação de fls. 49 do PA e doc. de fls. 44 a 47 do PA);
e) Com base na declaração supra citada, foi emitida em 09/08/2000, a liquidação n° 5902899642, a qual resultou um valor nulo (cf. doc. de fls. 49 e 43 do PA);
f) Em 02/05/2003 a impugnante apresentou, por intermédio do gestor de negócios B…, uma declaração de substituição de rendimentos relativa ao ano de 1999, onde não consta nem a indicação de reinvestir o produto da alienação do imóvel, nem a concretização de qualquer reinvestimento (cf. doc. de fls. 20 a 27 do PA);
g) Naquela declaração, apenas consta do Anexo G a alienação, pelo valor de 20.000.000$00, de uma habitação adquirida em 1995, pelo valor de 4.500.000$00 (cf. doc. de fls. 38 a 42 do PA);
h) Em consequência do acima descrito, foi emitida a liquidação adicional n° 5533276093, de 23/08/2003, onde se apurou um imposto a pagar no montante de 13.129,73 euros (cf. doc. de fls. 4 dos autos).
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3. A questão colocada no presente recurso consiste em saber se os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se encontra excluído da tributação de IRS (mais-valias) no caso de a aquisição do novo imóvel ter sido efectuada, total ou parcialmente, com recurso a crédito bancário.
Questão que se prende com a interpretação do artigo 10.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 10-B/96, de 23 de Março, tendo em conta que é necessário examinar esta problemática à luz da lei vigente à data a que se reportam os rendimentos objecto de tributação.
Segundo o referido preceito, constituem mais-valias os ganhos obtidos em resultado da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, excluindo-se dessa tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se no prazo de 24 meses contados da data da realização, o produto da alienação for reinvestido na aquisição de outro imóvel, desde que situado em território português.
Isto é, a lei fala expressamente em reinvestimento do produto da alienação na aquisição de outro imóvel, não restando, pois, dúvidas de que é esse produto da alienação que tem de ser reinvestido e não quaisquer outras quantias obtidas por intermédio de crédito bancário. O que, aliás, se compreende, pois se assim não fosse o contribuinte não pagaria mais-valias pela alienação do imóvel e beneficiaria, concomitantemente, de deduções e abatimentos aplicáveis aos empréstimos para aquisição de casa própria, em conformidade com o preceituado no artigo 55.º, n.º 1, al. e) e l) do Código do IRS.
Deste modo, e como se pode ler no acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Março de 2003, proferido no recurso nº 1721/02, a cuja fundamentação aderimos, «a lei não aludia, exclusivamente, ao reinvestimento, o que por si já chegava para se concluir que esse reinvestimento era do PRODUTO DA ALIENAÇÃO, com exclusão do empréstimo bancário. Porém, a lei foi mais precisa, para acabar com as dúvidas: o que é reinvestido é O PRODUTO DA ALIENAÇÃO.
Costuma dizer-se que a lei não contém palavras inúteis, e, de facto, não é inútil a lei utilizar as palavras PRODUTO DA ALIENAÇÃO. É que se o vendedor da primeira habitação comprar uma segunda habitação (outro imóvel) com dinheiro emprestado por um banco, em rigor não há um reinvestimento, mas um novo investimento, sem nexo de causalidade com a primeira venda.
Somente está excluída a tributação quando o produto da alienação for reinvestido, pois se também estivesse excluída a tributação quando o dinheiro para a nova aquisição for emprestado pelo banco, então tínhamos que o contribuinte lucrava duas vezes: por um lado, a mais-valia resultante da venda do imóvel anterior não era tributada e, por outro, o contribuinte tinha direito às deduções fiscais resultantes de empréstimo para aquisição de casa própria. São os abatimentos a que se referia o art. 55º nº 1, al. e) -1) do CIRS.
O reinvestimento a que se refere aquele preceito – reinvestimento do produto da alienação – é o do “produto da realização” ou “valor da realização” / cfr. Código do IRS Comentado e Anotado, 2ª edição da DCGI, de 1990, pág. 120).
E a prova de que é esta a melhor interpretação daquele tipo de reinvestimento está no nº 7 do art. 10º, nos termos do qual “no caso de reinvestimento parcial do valor de realização (...) o benefício a que se refere o nº 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondentes ao valor reinvestido”.
Quer isto dizer que se a segunda habitação fosse comprada em parte com o produto da alienação e em parte com dinheiro obtido de empréstimo bancário, sempre o contribuinte pagaria algum IRS, em proporção com o capital reinvestido e com o capital mutuado pelo banco.
O conceito de reinvestimento é um conceito económico e não jurídico. Ora, nos termos do art. 11º nº 3 da Lei Geral Tributária, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.».
Em suma, e tal como tem vindo a ser repetidamente afirmado pela jurisprudência, os ganhos resultantes da alienação de imóveis só são excluídos da tributação em sede de IRS se forem aplicados na aquisição de imóvel destinado a habitação própria e permanente, não se verificando tal situação na parte em que há recurso a empréstimo bancário, pois neste caso não há reinvestimento do produto da alienação, razão subjacente a tal exclusão de tributação. E se o crédito bancário utilizado não chega para cobrir os custos de aquisição do novo imóvel, estar-se-á perante um reinvestimento parcial, situação em que o benefício respeita apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.
Neste sentido, entre outros, podem ver-se os seguintes acórdãos do S.T.A.: de 12/3/2003, proferido no recurso nº 1721/03; de 14/01/2004, proferido no recurso nº 1357/03; de 3/03/2004, proferido no recurso nº 1774/03; de 20/04/2004, proferida no recurso nº 1876/03; de 24/03/2004, proferido no recurso nº 2053/03; de 16/06/2004, proferido no recurso nº 392/04; de 25/05/2004, proferido no recurso nº 2052/03; de 19/05/2004, proferido no recurso nº 2048/03; de 07/12/2004, proferido no recurso nº 938/04; de 28/09/2006, proferido no recurso nº 125/06; de 11/02/2009, proferido no recurso nº 892/08.
Só com a Lei n° 109-B/2001, de 27 de Dezembro é que os encargos decorrentes da amortização de empréstimo contraído para a aquisição de imóvel passaram a ser contemplados na exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente (art. 10° n° 5° b) do CIRS), pelo que tal diploma não pode ser aplicado ao presente caso, que se reporta a ganhos obtidos em 1999, isto é, antes do início da vigência dessa Lei. Essa nova redacção não pode ser considerada como uma interpretação autêntica da redacção anterior, porque não constitui norma interpretativa. Para o ser era necessário que os seus efeitos retroactivos se reportassem ao início da vigência da outra norma, o que não fez. As diferentes redacções do preceito em causa correspondem a diferentes opções legislativas. E, consagrar-se o entendimento de que, independentemente das diferentes redacções do preceito, o valor que é tido em conta para o reinvestimento corresponde ao valor apurado da alienação, deduzido da amortização de um eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, não só viola o princípio fundamental da interpretação das normas jurídicas (de que não pode ser considerado o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso - art. 11.º, n.º 2, do C. Civil), como também contraria o princípio geral e fundamental da irretroactividade da lei fiscal.
A esta luz, improcedem totalmente as conclusões da alegação de recurso.
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4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, com procuradoria que se fixa em 1/6.
Lisboa, 24 de Março de 2010. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Alfredo Madureira – Valente Torrão.