Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0725/11
Data do Acordão:01/18/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRC
ISENÇÃO
SEMINÁRIO
CONCORDATA
ESTATUTO DAS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
Sumário:I - Nos termos do artº 10º nº 1 do CIRC estão isentas de IRC as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa [al. a)], as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e entidades anexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas [al. b)], e as pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente [al. c)].
II - A isenção prevista na alínea c) do referido normativo carece de reconhecimento pelo Ministro de Estado e das Finanças, a requerimento dos interessados, mas a isenção das Pessoas Colectivas de Utilidade Pública Administrativa e das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e entidades anexas, bem como das pessoas colectivas legalmente equiparadas às IPSS (alíneas a) e b) do n.º 1 do referido artigo 10.° opera actualmente de forma automática e com efeitos retroactivos à data da verificação dos respectivos pressupostos, por força da redacção que àquele normativo foi dada pela lei nº 60-A/2005 de 30 de Dezembro e do artº 12º do EBF.
III - As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas colectivas a estas legalmente equiparadas, nomeadamente as organizações e instituições religiosas e seus institutos que se proponham, para além dos fins religiosos, outros fins enquadráveis no artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro (Estatuto das IPSS), beneficiam de uma isenção automática de IRC nos termos do artº 10º, nº 1, al. b) e 2 do CIRC e das disposições conjugadas dos arts. 12º e 26º, nº 5 da Nova Concordata, bem como dos arts. 1º, nº 1 al. f), 40 e 41º do referido Estatuto.
Nº Convencional:JSTA00067350
Nº do Documento:SA2201201180725
Data de Entrada:07/18/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CIRC01 ART10 N1 A B C N2
DL 119/83 DE 1983/02/25 ART1 N1 F ART40 ART41 ART45 ART94
EBFISC89 ART12
L 9/79 DE 1979/03/19 ART3 N2
DL 553/80 DE 1980/12/21 ART1 N2
L 16/2001 DE 2001/06/22 ART25 N1
Referências Internacionais:NOVA CONCORDATA ENTRE A REPUBLICA PORTUGUESA E A SANTA SÉ IN DR IS DE 2004/11/16 ART10 N2 ART12 ART26 N5
Referência a Doutrina:ISABEL MARQUES DA SILVA AS IMPLICAÇÕES FISCAIS DA NOVA CONCORDATA ENTRE A SANTA SÉ E A REPUBLICA PORTUGUESA IN ESTUDOS JURIDICOS E ECONOMICOS EM HOMENAGEM AO PROF DOUTOR ANTÓNIO DE SOUSA FRANCO VII PAG178 PAG179
LICINIO LOPES AS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL PAG185-PAG191
MIGUEL CORTÊS PINTO DE MELO MARQUES IPSS UMA ABORDAGEM FISCAL IN FISCALIDADE MARÇO 2010 PAG45
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I – A Fazenda Publica, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 16 de Maio de 2011, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo A……., melhor identificado nos autos, contra a liquidação de IRC referente aos anos de 2005 a 2006, e respectivos juros compensatórios no montante de € 18 085, 93.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I - A presente impugnação versa sobre as liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios dos exercícios de 2005 e de 2006, como melhor se deduz dos extractos do sistema informático da Direcção-Geral dos Impostos, que se encontram juntos aos autos.
II - A M.ma Juiz do Tribunal a quo, na douta sentença recorrida, julgou a presente impugnação judicial procedente por, no essencial, considerar que a ora Impugnante sendo uma pessoa canonicamente erecta desde 20.11.1940, detém a qualidade de pessoa colectiva de direito público legalmente equiparada a Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) atento, nomeadamente, o disposto nos arts. 1º, n.º 1, al. f), 7º, 8º, 45º, e 94º todos do Decreto-lei nº 119/83, de 25.02; e,
Que, como tal, beneficia - por força do preceituado nos arts. 10º, 12º e 26º, nº 5 da Concordata celebrado em 2004 entre o Estado Português e a Santa Sé - da isenção de IRC prevista no art. 10º, n.º1, al. b) do CIRC.
Porém, salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal interpretação dos citados normativos legais, pelos argumentos que de seguida se expõem.
III - Como decorre da posição assumida pela Administração Tributária (AT) nos presentes autos é inquestionável que a ora Impugnante é uma “pessoa jurídica canonicamente erecta, com personalidade jurídica reconhecida” em momento anterior à entrada em vigor do citado Decreto-lei n.º 119/83 e que “prossegue uma actividade enquadrável na al. f) do nº1 do art. 1º” daquele diploma legal.
Acontece, porém, que - salvo melhor opinião - tal realidade não confere à impugnante o direito de ser qualificada como IPSS.
IV - Mais, no entender da AT, mesma a “qualidade de pessoa equiparada (a IPSS) está em causa”, porquanto a assunção de tal qualidade só ocorrerá se respeitado o disposto na parte final do n.º 5 do art. 94 da referido Decreto-lei nº 119/83, ou seja, que respeitem as normas do referido diploma “e os seus novos estatutos sejam aprovados pela competente autoridade eclesiástica”.
V - No que se refere à questão da equiparação das entidades referidas no artigo 10º. do CIRC com as entidades religiosas referidas nos artigos 10º, 12.º e 26º., n.º 5 da Concordata, sempre se dirá que o que o Estado reconhece às pessoas jurídicas canónicas é a personalidade jurídica civil (art.º 10.º) e que, por esse motivo, estas “gozam dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas colectivas privadas com fins da mesma natureza (art.º 12.º) e que ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respectiva actividade (nº 5 do artº 26.º).
VI - Acresce que o facto de o Impugnante ser pessoa jurídica canónica que goza das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública não o enquadra no artigo 10.º do CIRC que não prevê a concessão do benefício fiscal a essas entidades.
VII - Como é entendimento da Administração Fiscal, superiormente sancionado, o ora Impugnante “não possui, formalmente, o estatuto jurídico das Pessoas Colectivas de Utilidade Pública ou Instituição Particular de Solidariedade Social”, não podendo assim “usufruir da isenção prevista no artigo 10.º do CIRC”.
VIII - Destarte é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença ora recorrida não poderá manter-se, sendo imperioso que se conclua pela improcedência da impugnação judicial, por não estarem as liquidações ora em apreço feridas de ilegalidade, sendo que estas por serem legais, deverão manter-se na ordem jurídica.
IX - Tendo na douta sentença ora recorrida se decidido no sentido da aplicabilidade em concreto da isenção prevista no art. 10º, n.º 1, al. b) do CIRC é, no entender da AT, inevitável que se conclua que foram violados o art. 10º do CIRC, os arts. 10º, 12º e 26º, n.º 5 da Concordata e, ainda, o art. 94º, n.º 5 do Decreto-lei n.º 119/83.
II- O recorrido A……., contra alegou e concluiu do seguinte modo:
«1ª. Mostrando-se provado que a recorrida desenvolvia actividades a nível da educação e ensino, sem finalidades lucrativas, antes da aprovação do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, é forçoso concluir que passou a ser considerada uma IPSS, independentemente da forma que tenha adoptado, ex vi do disposto, nos citados artigos 1.°/1/f) e 94. °/5 do Estatuto das IPSS.
2ª. A ora recorrida reveste a natureza de IPSS de acordo com o art.º 94.°/5 do Estatuto das IPSS, pelo que beneficia de forma automática da isenção de IRC, consagrada no artigo 10.°/1/b) do CIRC.
3ª. Quando a actividade desenvolvida pelas entidades religiosas se integre no âmbito do objecto das IPSS - designadamente pela prossecução de objectivos de educação e ensino como no caso da recorrida -, o legislador mandou aplicar, ipso iure, o regime fiscal dessas entidades de direito privado, por as equiparar legalmente (cfr. artº 12º e 26.º/5 da Nova Concordata)
4ª. Isto porque de acordo com o disposto no artº. 12º da Nova Concordata “As pessoas jurídicas, reconhecidas nos termo do art. 10º que, além de fins religiosos, prossigam fins de assistência e solidariedade, desenvolvem a respectiva actividade de acordo com o regime jurídico instituído pelo direito português e gozam dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas colectivas privadas com fins da mesma natureza”
5ª. Estabelece-se ainda o art. 26.º/5 da Concordata que “As pessoas jurídica canónicas, referidas nos números anteriores, quando também desenvolvam actividades com fins diversos dos religiosos, assim considerados pelo direito português, como entre outros, os de solidariedade social, de educação e cultura, além dos comerciais e lucrativos, ficam sujeitos ao regime fiscal aplicável à respectiva actividade”
6ª. Acresce que, estas considerações foram concebidas quando já se encontrava em vigor a isenção de IRC prevista no art. 10.º do CIRC, sendo como tal manifesto que quando o legislador determinou a aplicação do “regime fiscal aplicável à respectiva actividade” às pessoas jurídicas canónicas que a exercessem, pretendeu abranger nesta isenção também estas últimas entidades.
7ª. Sendo a recorrida uma pessoa colectiva legalmente equiparada a uma IPSS, é-lhe, também por este motivo, aplicável a isenção de IRC prevista no artº 10º/1, 2ª parte, como expressamente já se decidiu em caso similar pelo douto Acórdão do TCAS de 8 de Maio de 2008, no Proc. 02010/07, confirmado pelo Acórdão do STA de 7 de Janeiro de 2009 no Proc. 812/08, todos in www.dgsi.pt.
8ª. A recorrida é também uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa por equiparação legal, no termos das disposições conjugadas dos artigos 416° e 450° do Código Administrativo e dos artigos 12° e 26°/5 da Nova Concordata.
9ª. A recorrida goza das prorrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 3° da Lei n.º 9/79, de 19 de Março e art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro, beneficia automaticamente da isenção em e de IRC ao abrigo do disposto no art.º 10.°/1/c) do CIRC.
10ª. Decorre claramente do regime definido, que a adopção da forma de uma das entidades previstas no artigo 10º do CIRC é uma faculdade, e que não fica prejudicada a atribuição às pessoas colectivas religiosas dos direitos legalmente previstos para essas entidades, caso estas não adoptem a forma daquelas.
11ª. Logo, sendo claras as disposições que determinam a aplicação de benefícios e regime fiscal das pessoas colectivas privadas às pessoas jurídicas canónicas, consagradas nos art. 12.º 26.º/5 da Concordata, não pode o intérprete querer fazer valer uma interpretação manifestamente contrária à letra da lei, tendo estado bem a sentença recorrida ao anular o acto de liquidação impugnado.»
III-O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido:
«Recorrente: Fazenda Publica
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência de impugnação judicial deduzida contra liquidações de IRC no montante global de € 18 095,93 (anos 2005 e 2006)
Fundamentação: O sujeito passivo A…… é uma pessoa jurídica canonicamente erecta, com personalidade jurídica reconhecida desde 1940, nos termos legais, antes da vigência do actual Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (Estatuto) aprovado pelo DL nº 119/93, 21 Dezembro (probatório n°4)
São instituições particulares de solidariedade social (IPSS) as constituídas sem finalidade lucrativa por iniciativa dos particulares que se dediquem, designadamente, à educação e formação profissional dos cidadãos (art.º n°1 al. f) DL nº 119/93, 21 Dezembro)
A aplicação das disposições do Estatuto às instituições da igreja católica é feita com respeito pelas disposições da Concordata celebrada entre Portugal e a República Portuguesa em 7 Maio 1940 (art. 44° Estatuto)
A personalidade jurídica das instituições canónicas erectas resulta da simples participação escrita da erecção canónica feita pelo bispo da diocese onde tiverem sede aos serviços competentes para a tutela das mesmas instituições (art. 45° Estatuto)
O sujeito passivo é proprietário do estabelecimento escolar denominado …… que prossegue exclusivamente a sua actividade no domínio do ensino, da educação e da formação profissional (probatório nºs 2 e 5)
O exercício desta actividade pelo estabelecimento escolar confere ao sujeito passivo a qualidade de pessoa colectiva legalmente equiparada a IPSS, independentemente da forma jurídica adoptada (arts. 12° n°5 e 26° n°5 da actual Concordata celebrada em 2004; art. 94° n°5 Estatuto)
A isenção de IRC incidente sobre os rendimentos dos serviços educacionais prestados pelo estabelecimento resulta da conjugação dos normativos supra citados (probatório n°7; art.10° n°1 al. b) CIRC)
Conclusão: O recurso não merece provimento. A sentença impugnada deve ser confirmada.»
IV. – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
1. A Administração Fiscal procedeu à liquidação de IRC nº 200900001779636 e 2009 00001 780141, relativa ao ano de 2005 e 2006, no valor de total de 18085,93€;
2. O A…… é o proprietário do estabelecimento escolar denominado Colégio ……;
3. O Colégio …… é um estabelecimento de ensino Particular e Cooperativo, que funciona ao abrigo do Alvará n.º 7029, de 28 de Abril de 1950, pelo que se enquadra nos objectivos do Sistema educativo, nos termos, do n.º 2 do artº. °. 3. ° da Lei n.9/79 e nos 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 553/80 (Lei de Bases e Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, respectivamente de 79 de Março e 21 de Novembro), pelo que goza das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública” conforme documento constante do PA;
4. A impugnante possui personalidade jurídica nos termos do artigo quatrocentos e cinquenta do Código Administrativo, uma vez que em obediência àquele preceito legal e ao artigo terceiro da Concordata em vigor entre a República Portuguesa e a Santa Sé - Concordata de 1940 - então em vigor - o Ordinário da Arquidiocese participou ao Governo Civil e Braga a sua constituição, em 20 de Nov. de 1940, conforme documento constante do PA;
5. O Colégio …… desenvolve exclusivamente a sua actividade, ao nível do ensino, educação e formação profissional;
6. Entre 29.09.2008 a 25.08.2009, foi submetida a uma inspecção tributária, abrangendo os anos de 2004, 2005 e 2006 (fls. 23 a 25 dos autos);
7. A Inspecção verificou a contabilidade da impugnante, somente, constavam os proveitos/custos referentes à exploração dos parques e aos rendimentos de imóveis, e não contavam as prestações de serviços educacionais bem como os custos inerentes a estas prestações (cfr. Projecto de relatório);
8. Em 25.06.2009, foi a impugnante notificada para organizar a escrita, relativa prestação de serviços educacionais (cfr. Projecto de relatório);
9. A Inspecção Tributária apurou que a contabilidade da referida sociedade evidenciava irregularidades, as quais se encontram descritas no relatório de inspecção, constante de fls. 34, 43 dos autos e no processo de administrativo (PA) apenso aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Pelo ofício n°51412231, foi a Impugnante notificada, em 23.10.2009, do Relatório da Inspecção Tributária (fls. 32 do PA apenso aos autos);
11. A reclamante interpôs recurso hierárquico, em 03.08.2009, o qual veio a ser indeferido por despacho de 31.03.2010 (fls. 67 e 68 do PA);
12. Em 17.11.2010 a Impugnante deduziu a impugnação judicial.
V- A questão que cumpre apreciar é a de saber, se a ora recorrida A…… – pode ou não beneficiar da isenção prevista no artº 10º, nº 1, al. b) do IRC.
A decisão recorrida considerou que, sendo A…… uma pessoa canonicamente erecta desde 20-11-1940 (ponto nº 4 da matéria de facto) detém a qualidade de pessoa colectiva de direito público legalmente equiparada a IPSS, por força do preceituado nos arts 1º, nº1, al. f) 7º, 8º, 45º e 94º do DL nº 119/83, de 25 de Fevereiro, beneficiando, por isso, da isenção subjectiva da al.b) do nº 1 do artº 10º do CIRC.
Contra o assim decidido insurge-se a recorrente Fazenda Pública alegando que o facto de o Impugnante ser pessoa jurídica canónica que goza das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública não o enquadra no artigo 10.º do CIRC que não prevê a concessão do benefício fiscal a essas entidades.
Mais alega que o Impugnante “não possui, formalmente, o estatuto jurídico das Pessoas Colectivas de Utilidade Pública ou Instituição Particular de Solidariedade Social”, não podendo assim “usufruir da isenção prevista no artigo 10.º do CIRC”.
A nosso ver não assiste qualquer razão à Fazenda Pública, sendo que a interpretação que faz dos preceitos aplicáveis à situação vertente assenta em evidente equívoco.
Vejamos.
Nos termos do artº 10º nº 1 do CIRC estão isentas de IRC as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa [al. a)], as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e entidades anexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas [al. b)], e as pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente [al. c)].
A isenção prevista na alínea c) do referido normativo carece de reconhecimento pelo Ministro de Estado e das Finanças, a requerimento dos interessados, mas a isenção das Pessoas Colectivas de Utilidade Pública Administrativa e das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e entidades anexas, bem como das pessoas colectivas legalmente equiparadas às IPSS (alíneas a) e b) do n.º 1 do referido artigo 10.° opera actualmente de forma automática e com efeitos retroactivos à data da verificação dos respectivos pressupostos, por força da redacção que àquele normativo foi dada pela lei nº 60-A/2005 de 30 de Dezembro e do artº 12º do EBF.
Como resulta da matéria de facto assente o A…… é o proprietário do estabelecimento escolar denominado Colégio ……, colégio esse que é um estabelecimento de ensino Particular e Cooperativo, que funciona ao abrigo do Alvará n.º 7029, de 28 de Abril de 1950, pelo que se enquadra nos objectivos do Sistema educativo, nos termos, do n.º 2 do artº. °. 3. ° da Lei n.9/79 e nos 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 553/80 (Lei de Bases e Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, respectivamente de 79 de Março e 21 de Novembro), pelo que goza das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública” conforme documento constante do PA.
O seminário possui personalidade jurídica “nos termos do artigo quatrocentos e cinquenta do Código Administrativo, uma vez que em obediência àquele preceito legal e ao artigo terceiro da Concordata em vigor entre a República Portuguesa e a Santa Sé - Concordata de 1940 - então em vigor - o Ordinário da Arquidiocese participou ao Governo Civil e Braga a sua constituição, em 20 de Nov. de 1940, conforme documento constante do PA.
Também se apurou que o Colégio …… desenvolve exclusivamente a sua actividade, ao nível do ensino, educação e formação profissional.
Nos termos do artº 10º, nº 2 da Nova Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé (publicada no DR nº 269 de 16 de Novembro de 2004) o Estado reconhece a personalidade das pessoas jurídicas referidas nos artigos 1º, 8º e 9º nos respectivos termos, bem como a das restantes pessoas jurídicas canónicas, incluindo os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica canonicamente erectos, que hajam sido constituídas e participadas à autoridade competente pelo bispo da diocese onde tenham a sua sede, ou pelo seu legítimo representante, até à data da sua entrada em vigor.
E também do artº 12º da Nova Concordata resulta que as pessoas jurídicas canónicas, reconhecidas nos termos do artigo 10º, que, além de fins religiosos, prossigam fins de assistência e solidariedade, desenvolvem a respectiva actividade de acordo com o regime jurídico instituído pelo direito português e gozam dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas colectivas privadas com fins da mesma natureza.
O artº 1º, do Decreto-lei 119/83 de 25 de Fevereiro (Estatuto das IPSS) define as IPSS como instituições particulares de solidariedade social constituídas, sem finalidade lucrativa por particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos e desde que não sejam administradas pelo Estado ou por um corpo autárquico, para prosseguir, entre outros, objectivos de índole social, mediante a concessão de bens e prestação de serviços, nomeadamente (para o que ao caso interessa) de educação e formação profissional de pessoas e bens (al. f) do referido normativo).
A impugnante, e ora recorrida, é, pois, uma pessoa jurídica canonicamente erecta (artº 45º do decreto-lei 119/83, de 25.02), com personalidade jurídica reconhecida nos termos legais prosseguindo, para além de fins religiosos, nomeadamente de formação dos ministros do culto, fins de educação e formação profissional, que constituem actividade enquadrável na al. f) do nº 1 do artº 1º do decreto-lei 119/83, de 25.02.
No que concerne ao enquadramento fiscal das pessoas jurídicas canónicas estabelece o artº 26º, nº 5 da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé (publicada no DR nº 269 de 16 de Novembro de 2004) que as pessoas jurídicas canónicas, referidas nos números anteriores, quando também desenvolvam actividades com fins diversos dos religiosos, assim considerados pelo direito português, como, entre outros, os de solidariedade social, de educação e cultura, além dos comerciais e lucrativos, ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respectiva actividade.
O conceito de fins religiosos e de fins diversos dos religiosos, para efeitos de definição do regime tributário aplicável à actividade é delimitado pelo nº 1 do artigo 21º da Lei da Liberdade Religiosa (Lei 16/2001 de 22 de Junho) o qual define para este efeito fins religiosos como sendo os de exercício do culto e dos ritos, de assistência religiosa, de formação dos ministros do culto, de missionação e difusão da confissão professada e de ensino da religião, considerando-se fins diversos dos religiosos, entre outros, os de assistência e beneficência, de educação e de cultura, além dos comerciais e de lucro (Ver neste sentido Isabel Marques da Silva, As implicações fiscais da nova Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, in, ESTUDOS JURÍDICOS E ECONÓMICOS EM HOMENAGEM AO PROF. DOUTOR ANTÓNIO DE SOUSA FRANCO - II. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pag.178.
Como sublinha esta autora, não se excluindo que a "Comissão paritária" prevista no artigo 29 da Concordata possa vir a definir em termos mais amplos o conceito de "fins religiosos", enquanto não existirem no direito português outras definições de "fins religiosos" e "fins diversos dos religiosos" são as constantes do citado preceito da LLR que devem ser tidas como referência.).
Ora segundo o art. 40.° do Estatuto das IPSS (decreto-lei 119/83, de 25.02), as organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, se proponham prosseguir actividades dirigidas à realização de fins de solidariedade social, ficam sujeitas, quanto ao exercício destas actividades, ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS. Estas entidades podem, pois, ser qualificadas como IPSS se, para além dos fins religiosos, também prosseguirem fins de solidariedade social (art. 40.°, do Estatuto das IPSS)
As organizações religiosas assumem pois a qualidade de IPSS nos termos das demais instituições, sejam elas civis ou religiosas. O reconhecimento desta qualidade significa a sua inserção numa categoria especial de pessoas colectivas - as pessoas colectivas de solidariedade social (Cf. Licínio Lopes, As Instituições Particulares de Solidariedade Social, Almedina, pags. 185-191.).
Assim sendo forçoso é concluir que as organizações e instituições religiosas e seus institutos que se proponham, para além dos fins religiosos, outros fins enquadráveis no artigo 1.° do diploma, são legalmente equiparadas, nos termos dos artigos 40º e 41.° do Estatuto das IPSS, a instituições particulares de solidariedade social .
E sendo equiparadas a IPSS, beneficiam de uma isenção automática de IRC nos termos do artº 10º, nº 1, al. b) e 2 do CIRC (Também neste sentido Isabel Marques da Silva, ob. cit., pag. 179 e Miguel Cortês Pinto de Melo Marques, IPSS, Uma abordagem Fiscal, revista Fiscalidade, Março 2010, pag. 45)
No caso, e como vimos, o A……. é uma pessoa jurídica canonicamente erecta (artº 45º do decreto-lei 119/83, de 25.02.) com personalidade jurídica reconhecida nos termos legais prosseguindo, para além de fins religiosos, nomeadamente de formação dos ministros do culto, fins de educação e formação profissional, que constituem actividade enquadrável na al. f) do nº 1 do artº 1º do decreto-lei 119/83, de 25.02.
Pelo que é legalmente equiparado, nos termos dos artigos 40º e 41.° do Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, a instituição particular de solidariedade social .
Daí que se conclua que o A……., enquanto entidade equiparada a IPSS, usufrui automaticamente da isenção de IRC nos termos do artº 10º, nº 1, al. b) e 2 do CIRC e das disposições conjugadas dos arts. 12º e 26º, nº 5 da Nova Concordata, bem como dos arts. 1º, nº 1 al. f), 40 e 41º do Decreto-lei 119/83, de 25.02 (Estatuto das IPSS).
A sentença impugnada, que decidiu neste sentido, não merece, pois censura.
VI- Decisão
Termos em que acordam os Juízes deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando, com esta fundamentação, o julgado recorrido.
Custas pela recorrente Fazenda Pública,
Lisboa, 18 Janeiro de 2012. – Pedro Delgado(relator) – Casimiro Gonçalves – Ascensão Lopes.