Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03/16.3BEALM
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24712
Nº do Documento:SA12019062603/16
Data de Entrada:05/20/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do STA:

I. RELATÓRIO
A.............. intentou, no TAF de Almada, contra ESTADO PORTUGUÊS, acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, pedindo:
a) Se declare que o Estado Português violou o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e o artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”;
b) Se condene o Réu Estado Português a pagar à Autora:
i. uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais no valor de € 20.000,00 ou naquilo que se vier a liquidar em execução de sentença;
ii. despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pela Autora e honorários a advogado neste processo, conforme alegado nos artigos 42.º e 43.º, da P.I.;
iii. juros à taxa legal desde a citação;
iv. quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado;
v. custas e demais encargos legais, como o reembolso de taxas de justiça inicial e subsequentes e preparos para despesas e quaisquer outras pagas pela Autora.”

Pretensão que fundamentou na demora excessiva na finalização da acção n.º 284/05.8BEALM, que correu termos, primeiramente, no TAF de Almada e, depois, no TCA Sul.
O TAF julgou procedente a excepção da prescrição do direito de indemnização, absolvendo o Réu do pedido.

A Autora apelou para o TCA Sul e este negou provimento ao recurso.

É desse Aresto que a Autora vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Autora intentou, em 22/04/2005, no TAF de Almada, contra o IPO, a acção n.º 284/05.8BEALM a qual foi julgada parcialmente procedente, por acórdão de 27/09/2007, e foi objecto de um pedido de rectificação da Autora indeferido por decisão de 26/11/2007.
Inconformada, a Autora apelou para o TCAS, em 02/01/2008, recurso que só foi remetido em 30/01/2009, na sequência de requerimento da sua Ilustre Mandatária referindo que a sua retenção a prejudicava gravemente, atendendo a que «não está a ocupar o lugar que o Tribunal reconheceu na sentença ser um direito seu.» Em 12/02/2009, os autos foram remetidos ao TCAS onde foram distribuídos em 27/02/2009.
Em 28/01/2011, a Autora requereu, no TCAS, «a prolação da douta sentença atento o longo período de tempo já decorrido» o qual foi respondido em 3/02/2011 por despacho onde se mencionou a impossibilidade de satisfazer de imediato o solicitado face ao número de processos urgentes e outros mais antigos que estavam pendentes.
Em 05/06/2014, foi proferido acórdão que concedeu parcial provimento ao recurso da Autora.

A Autora instaurou, em 04/01/2016, com fundamento no atraso na administração da justiça, esta acção pedindo a condenação do Estado a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00 ou naquilo que se viesse a liquidar em execução de sentença e as despesas necessárias à sua instauração.
O Réu contestou invocando a prescrição do direito accionado por entender que o prazo de prescrição fixado no art.º 498.º/1 do CC se contava a partir de uma das seguintes datas: (1) de 30/01/2009, data em que a Autora dirigiu ao TAF requerimento solicitando a subida do recurso ao TCA Sul, (2) de 27/02/2009, data da distribuição do recurso no TCAS e (3) de 28/01/2011, data em que dirigiu ao TCA requerimento solicitando a prolação de acórdão. Sendo assim, e sendo que o recurso havia sido interposto para além do prazo de três anos previsto na citada norma, impunha-se concluir que o prazo de prescrição do direito indemnizatório já havia expirado quando esta acção foi instaurada.

O TAF julgou procedente a invocada excepção pela seguinte razão:
“.......
Assente que a Autora tomou conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade pelo menos a 28 de Janeiro de 2011, não tendo sido alegada qualquer causa ou facto interruptivo ou suspensivo da prescrição, a prescrição do direito de indemnização invocado, completou-se a 28 de Janeiro de 2014, sendo que a presente acção de responsabilidade civil extracontratual, fundada na alegada morosidade indevida na finalização da Acção n.º 284/05.8BEALM, para a qual o Réu foi citado em 07 de Janeiro de 2016, foi proposta em 04 de Janeiro de 2016.”

A Ré apelou para o TCA Sul e este negou provimento ao recurso. Decisão que foi assim fundamentada:
“…
O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, nos termos do disposto no art. 498º, nº 1, do Código Civil.
....
Como se sabe, tal conhecimento é um conhecimento empírico, é o conhecimento da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorrem por virtude de certo facto ou atuação danoso.
....
Aqui chegados, considerando, nomeadamente, (i) os factos CC) e HH) e (ii) os danos alegados, devemos concordar que o prazo começou a correr, seguramente, em 28-01-2011, (iii) momento em que a morosidade indevida já existia [6 anos sem decisão].
Essa (i) morosidade e (ii) o consequente prejuízo são expressamente afirmados, neste item “confessados”, pela própria lesada nos termos referidos em CC) e HH), maxime na data de 28-01-2011. É, pois, este o momento em que a autora teve conhecimento do direito indemnizatório ora exercitado.
Assim, tendo esta ação entrado em 04-01-2016 e que a citação ocorreu em 07-01-2016, contado nos termos referidos, é de concluir que o prazo previsto no artigo 498º-1 do CC não foi respeitado pela ora autora.”

3. A Autora não se conforma com essa decisão pelo que pede a admissão da revista sustentando que o seu direito “a exigir a responsabilidade extracontratual do Estado pela demora na decisão judicial nos termos do art.º 498.º, n.º1 do C.C., só foi do seu conhecimento quando proferida a decisão final na ação n.º 284/05BEALM, e na qual pode tomar consciência de todos os factos que globalmente não justificavam que uma ação intentada a 22 de abril de 2005 apenas tivesse sido decidida com trânsito em julgado a partir de 5 de junho de 2014, mais de 9 anos após a sua instauração; A circunstância de a A. ter pedido a atenção, por diversas vezes, para o atraso na conclusão da ação, designadamente, em 28 de janeiro de 2011, não pode ser considerada como correspondendo ao conhecimento do direito da A. para exercer o seu direito a ser indemnizada pela demora excessiva na conclusão do processo, quando, naquela data ainda se não verificavam todos os pressupostos para a A. poder concluir que o atraso na resolução do processo era excessivo;”

4. A única questão suscitada nesta revista é, como se acaba de ver, a de saber em que data é que a Autora teve conhecimento dos danos que lhe permitiam exercer o direito indemnizatório accionado nestes autos, já que é consensual que o prazo de prescrição do referido direito é de três anos a contar da data em que a Autora “teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos” (art. 498º/1 do CC).
Sendo assim, a única dúvida que cumpre esclarecer é a de saber em que data é que se deve considerar que a Autora teve conhecimento dos danos aqui peticionados, por ser nessa data que o referido prazo prescricional começa a correr.
As instâncias foram unânimes em sinalizar essa data no dia 28-01-2011 – data em que a Autora dirigiu ao TCA requerimento a solicitar a prolação de acórdão - daí concluindo que, tendo esta acção sido instaurada em 04-01-2016, o citado prazo já havia expirado quando a Autora exerceu o seu direito.
Todavia, é, no mínimo, controverso fixar o termo a quo do citado prazo naquela data por tal significar obrigar-se a Autora a instaurar esta acção, que tem características muito próprias, quando o fundamento em que ela se baseia – o atraso na tramitação de um determinado processo – ainda não se chegou ao seu termo e, portanto, ainda se desconhece todos os contornos que poderão, ou não, justificar o accionamento de um processo desta natureza
Nesta conformidade, justifica-se a intervenção deste Supremo Tribunal com vista a uma mais esclarecida aplicação do direito.
DECISÃO.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 26 de Junho de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.