Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0772/17
Data do Acordão:07/12/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22159
Nº do Documento:SA1201707120772
Data de Entrada:06/26/2017
Recorrente:A...........
Recorrido 1:IFAP-INST DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS. I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A……….. intentou, no TAF de Castelo Branco, contra IFADAP – Instituto do Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P, a presente providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia da “…decisão do Presidente do Conselho Directivo da [Entidade Requerida] […] [que] determinou a alteração do contrato de financiamento nº 02030877/0, referente ao pedido de apoio na operação n.º 020000040403, designada por Área Agrupada de Tremelgas e Anexas, e a devolução do valor de € 228.765.26, recebido pela [Requerente] a título de subsídio de investimento, notificada à Requerente através do ofício 004398/2016 DAI-UREC, de 4-5-2016…”.

Aquele Tribunal, por sentença de 17/02/2017, deferiu a requerida providência.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Sul revogou e, em consequência, indeferiu a requerida medida cautelar.

É desse acórdão que a Autora vem recorrer, ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA.

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O Autor requereu, no TAF de Castelo Branco, a suspensão de eficácia do acto praticado pelo Presidente do Conselho Directivo do IFADAP que determinou a alteração do contrato de financiamento nº 02030877/0, referente ao pedido de apoio na operação designada por Área Agrupada de Tremelgas e Anexas, bem como a devolução do montante de € 228.765,26, recebido pela requerente.
Alegou que se encontravam verificados os pressupostos de que dependia o decretamento da requerida providência.

O TAF considerou verificados o fumus boni iuris e o periculum in mora bem como entendeu que a ponderação de interesses exigida pelo art.º 120.º/2 do CPTA não conduzia à recusa do requerido.
Daí que tivesse deferido a solicitada medida cautelar.

O TCA Sul, para onde o IFADAP apelou, revogou aquela decisão.
E isto porque, apesar de confirmar o juízo do TAF no tocante ao fumus boni iuris, concedeu parcial provimento ao recurso no tocante ao julgamento da matéria de facto - declarando não provados factos que o Tribunal de 1.ª instância julgara provados por entender que “dúvidas não restam de que o que está descrito nos itens 32, 35, 38 e 39 atrás transcritos, são meras conclusões, e não factos concretos, não podendo, por isso, constar da factualidade provada. São, pois, de eliminar. O mesmo se diga do teor do item 40 da matéria de facto considerada provada pelo T.A.F. de Castelo Branco que constitui juízo conclusivo e que deve ser tido como não escrito.
E tendo em conta essa alteração da matéria de facto, considerou que se não se verificava o periculum in mora uma vez que, face “à procedência, parcial do recurso quanto à matéria de facto (portanto, sem os factos contidos nos itens 32, 35, 37, 38 e 39 do probatório dado como assente na decisão recorrida), bem como sem o contido no item 40, deve-se concluir que a requerente não logrou demonstrar, minimamente, que a execução do ato administrativo lhe causará uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação (cf. art. 120º/1 do CPTA), pelo que deve-se ser indeferida a pretensão cautelar formulada.

3. O Recorrente não se conforma com esta decisão pelas razões constantes das seguintes conclusões:
“4° A admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor interpretação e aplicação do direito, importando determinar qual a melhor interpretação e aplicação dos art.°s 607° nºs 3 a 5; 590.º, n.º 4 e art.°s 6° e 7.º todos do CPC, conjugados com os princípios jurídicos estruturantes do processo, concretamente, os princípios fundamentais da aquisição processual, da imediação, da livre apreciação das provas, da prevalência da decisão de mérito e da verdade material, aplicáveis por força do disposto nos art.°s 1.º e 140°, n.º 3, CPTA;
5.º Não podem ser excluídos da matéria provada, com fundamento em serem conclusivos, os factos constantes dos Pontos 32, 35, 38 e 39 da matéria provada;
6° Aqueles artigos contêm factos ou são consequência ou decorrência necessária, ou normais de outros factos que os precedem, designadamente dos factos constantes nos Pontos 1, 30, 31, 33, 34 e 36 da matéria provada e dos artigos 100.º a 103° da p.i. da providência;
7.º São factos que não encorpam em si qualquer juízo sobre questão jurídica nem a sua interpretação implica o recurso a qualquer regra de direito;
8.º São artigos que se desdobram numa multiplicidade de factos mas que não integram matéria conclusiva;
9.º Como tal, são pontos que o acórdão “a quo” não podia eliminar da matéria provada nos autos;
11.º Ao assim proceder, o acórdão “a quo” violou os princípios fundamentais da aquisição processual, da imediação, da livre apreciação das provas, da prevalência da decisão de mérito e da verdade material, aplicáveis por força dos art.°s 1° e 140° CPTA;
13° Se os artigos em causa fossem conclusivos — e não são - o acórdão “a quo” deveria determinar o regresso dos autos à 1.ª instância, a fim de que a matéria que julgou — mal - como conclusiva venha a ser concretizada;
15° Os Pontos 32, 35, 38 e 39 da matéria provada devem ser recuperados para o elenco da matéria de facto a considerar na decisão final da providência, com a consequente revogação do acórdão “a quo”, decretando-se a providência requerida.”

4. Como decorre do antecedente relato o que o Recorrente pretende é que se reaprecie o julgamento da matéria de facto e que se voltem a declarar provados factos que o TCA julgou não provados. Questão que considera de importância fundamental por a mesma contribuir para uma melhor aplicação do direito.
Poderia parecer que aquela pretensão estava liminarmente destinada ao insucesso uma vez que o julgamento da matéria de facto não pode ser sindicado nesta sede, atenta a circunstância desta se destinar a julgar apenas de direito (art.º 150.º/3 do CPTA).
Todavia, se bem virmos o que levou o TCA a excluir aqueles factos do probatório foi a circunstância de os considerar meras conclusões, e não factos concretos, não podendo, por isso, constar da factualidade provada. Ora, determinar se uma determinada ocorrência constitui um facto ou se a mesma não é mais do que uma conclusão retirada de factos que se consideraram provados já não é um mero juízo de facto por tal envolver conhecimentos de direito e da sua aplicação.
Os controversos itens são os seguintes:
“32. Nas candidaturas referidas em 31) estão envolvidos dezenas de pequenos proprietários e produtores florestais cuja sobrevivência depende do sucesso destas candidaturas [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas B………. e C………].
34) Em consequência das decisões referidas em 33), a Requerente está obrigada a devolver à Entidade Requerida o montante total de € 2.007.647,44 [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas B………. e C………].
35) A Requerente, sendo uma associação sem fins lucrativos, sem património próprio, e dependendo dos contratos de ajudas financeiras celebrados com a Entidade Requerida para manter a sua actividade, não tem qualquer capacidade para devolver de imediato os subsídios que lhe foram atribuídos para a execução das diversas operações em que foi parte [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas B………. e C………].
38) A Requerente não tem capacidade para prestar garantia das quantias que são objecto das catorze decisões da Entidade Requerida que ordenaram a devolução dos subsídios atribuídos e pagos à Requerente [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas B………. e C………; cf. documentos (docs.) constantes de fls. 26/33 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
39) A manutenção da eficácia do acto suspendendo tem como consequência a insolvência da Requerente e o encerramento das suas actividades, afectando de forma irremediável a sobrevivência de trabalhadores, fornecedores e prestadores de serviços que sobrevivem graças às actividades desenvolvidas pela Requerente [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas B………. e C………].
40) A manutenção da eficácia do acto suspendendo provoca o fim das operações da Requerente na defesa e promoção dos interesses gerais dos produtores e proprietários florestais que a integram, e o fim das actividades de preservação e valorização da Floresta (recurso natural de elevado interesse público nacional) [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas B………. e C………].

Ora, é muito controverso que tais itens não devam ser considerados como factos.
Sendo assim, sendo que a única razão que determinou o TCA a considerar que não se verificava o periculum in mora foi a retirada do probatório dos mencionados factos e sendo que essa matéria é vital para uma melhor aplicação do direito justifica-se a admissão da revista.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 12 de Julho de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.